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OPOSIÇÃO À PENHORA
SOCIEDADE LIQUIDADA
RESPONSABILIDADE DO SÓCIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DECISÃO SINGULAR
RECURSO
CONVOLAÇÃO PARA RECLAMAÇÃO
Sumário
I - Cabe ao credor a alegação e prova de que o sócio da sociedade liquidada recebeu bens na partilha da sociedade, condição para que este, nos termos do n.º 1 do artigo 163 do CSC, responda pelo passivo social. II - O sócio que, nos termos do artigo 162 do CSC, substituiu a sociedade extinta, pode opor-se à execução e pode opor-se à penhora, se foram penhorados bens que não foram recebidos na partilha da sociedade liquidada. III - Se, ao invés de reclamar para a conferência, a parte vem interpor recurso de revista para o STJ da decisão sumária do relator, há que convolar oficiosamente esse requerimento em reclamação para a conferência, se a tal nada obstar, nomeadamente se o prazo não tiver sido ultrapassado. IV - Se no pedido de conferência (expressamente formulado ou resultante da convolação do requerimento de recurso) não é posta em causa a totalidade da decisão singular, concretamente a pronúncia sobre um recurso intercalar que foi julgado deserto, a questão objeto desse recurso intercalar transitou e não pode ser agora reapreciada.
Texto Integral
Sumário(da responsabilidade do relator): 1- Cabe ao credor a alegação e prova de que o sócio da sociedade liquidada recebeu bens na partilha da sociedade, condição para que este, nos termos do n.º 1 do artigo 163 do CSC, responda pelo passivo social. 2 – O sócio que, nos termos do artigo 162 do CSC, substituiu a sociedade extinta, pode opor-se à execução e pode opor-se à penhora, se foram penhorados bens que não foram recebidos na partilha da sociedade liquidada. 3 – Se, ao invés de reclamar para a conferência, a parte vem interpor recurso de revista para o STJ da decisão sumária do relator, há que convolar oficiosamente esse requerimento em reclamação para a conferência, se a tal nada obstar, nomeadamente se o prazo não tiver sido ultrapassado. 4 – Se no pedido de conferência (expressamente formulado ou resultante da convolação do requerimento de recurso) não é posta em causa a totalidade da decisão singular, concretamente a pronúncia sobre um recurso intercalar que foi julgado deserto, a questão objeto desse recurso intercalar transitou e não pode ser agora reapreciada.
Processo 1403/04.7TBAMT-H.P1
(Reclamação para a conferência, por convolação do recurso de revista)
Recorrente – B…
Recorrida – C…, Lda.
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
1 - Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância e na Relação: B…, executada, por si e na qualidade de sócia da dissolvida e liquidada D…, Lda., a fls. 19 e ss., veio deduzir oposição à execução e à penhora.
Fundamentando essa oposição, a executada invocou a “omissão de ato processual e falta de citação da executada”. Sem prescindir, impugnou (invocando que o seu património não responde pelas dívidas da sociedade) e deduziu oposição à penhora. Concluindo, pretende que seja recebida a sua oposição “deferindo-se a falta de prática dos atos processuais supra elencados e a falta de citação da executada para se opor à execução e à penhora e ainda julgar-se procedente por provada a oposição à execução e à penhora, ordenando-se o levantamento da penhora sobre os bens móveis identificados no artigo 32.º deste articulado, com as legais consequências”.
A exequente C…, Lda. (a fls. 38 e ss.) contestou a oposição à execução e à penhora, invocando a extemporaneidade daquela (além de impugnar os factos em que se alicerça) e acrescentando que os argumentos deduzidos pela oponente não são fundamento para a oposição à penhora.
A fls. 53 foi proferido despacho do seguinte teor: “Como a própria oponente reconhece, e dando de barato que a mesma teria de ser citada, foi notificada em 02/06/2010 e não arguiu logo a irregularidade mas apenas agora em 11/10/2012. Assim, porque a requerente praticou numerosos atos processuais entre aquelas duas atas, julgo manifestamente extemporânea a arguição de nulidade - art. 196 do CPC. Custas no incidente pela executada, que se fixam em 2 UCs. Notifique. No mais, como apenas resta uma oposição à penhora, convolo os autos em oposição à penhora, dispensando-se a elaboração de base instrutória”.
A fls. 58, a oponente veio interpor recurso do despacho de “indeferimento das oposição à execução” e o recurso foi admitido “(face à data do processo principal – art. 12, n.º 1 do DL. 303/2007, de 24 de Agosto), o qual é de agravo a subir em diferido e no efeito devolutivo”. A fls. 70 e ss., porém, a exequente veio opor-se à admissão do recurso, pretendendo que “se digne retificar/reformar o douto despacho proferido face ao erro material ora detetado na determinação do regime aplicável, indeferindo-se em consequência o requerimento de interposição do recurso ao abrigo do disposto no art. 685.º-C/2, b) do CPC, por falta de alegações e conclusões”. Entretanto, a fls. 75/82, a oponente alegou.
Os autos prosseguiram com a suspensão da instância, por vontade e iniciativa das partes (fls. 96) e, mais de um ano e dois meses depois, teve lugar a audiência de julgamento (ata de fls. 114/116). Conclusos os autos, foi proferida sentença que julgou “improcedente a oposição, por não provada” (fls. 119).
A fls. 125/127, a exequente veio requerer a retificação da sentença “no sentido de apenas conhecer a segunda questão na mesma enunciada, alterando-se o primeiro e suprimindo-se os segundo a quarto parágrafos que integram a “Decisão de Direito”.
A executada, entretanto, a fls. 130 e ss. recorreu da sentença, apresentando no mesmo requerimento as suas alegações e conclusões. A exequente, por sua vez, respondeu ao recurso (fls. 148/154) e este foi recebido (fls. 158) como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O processo subiu a este tribunal da Relação e o Exmo. Relator que nos antecedeu proferiu o despacho de fls. 166, requerendo elementos complementares. Uma vez juntos (fls. 169 e ss.), veio a ser proferida a decisão sumária de fls. 194 e seguintes, nos termos precisos que agora se transcrevem:
“A-
Em 14 de Fevereiro de 2012, como se vê de fls. 53, foi julgada improcedente a oposição à execução, tendo sido proferido o seguinte despacho:
Como a própria oponente reconhece, e dando de barato que a mesma teria de ser citada, foi notificada em 02/06/2010 e não arguiu logo a irregularidade mas apenas agora em 11/10/2012. Assim, porque a requerente praticou numerosos actos processuais entre aquelas duas actas, julgo manifestamente extemporânea a arguição de nulidade - art. 196 do CPC. Custas no incidente pela executada, que se fixam em 2 UCs. Notifique. No mais, como apenas resta uma oposição à penhora, convolo os autos em oposição à penhora. Em 28 de Fevereiro de 2012 a Oponente B… veio recorrer de tal despacho, recurso esse admitido como de agravo, a subir em diferido e com efeito meramente devolutivo, como de vê de fls. 68. A Exequente veio a fls. 70 e ss opor-se à admissão do recurso sustentando que o processo principal a ter em conta para os ditos efeitos é a acção executiva (autuada a 29-1-2010) e não a acção declarativa de que aquela constitui apenso (efectivamente datada do ano de 2004).
Cita com relevância ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES, in "Recursos em Processo Civil" (Novo Regime), pág. 16 a 17, onde se ensina que aos recursos de decisões proferidas no âmbito de processos executivos iniciados depois de 1 de Janeiro de 2008 e que tenham por base sentenças declarativas anteriormente instauradas ser-lhes-á aplicável já o novo regime, uma vez que a instância executiva é autónoma em relação à declarativa.
Alude que no Acórdão do TRP, de 1-10-2009 (in www.dgsi.pt/jtrp), a propósito de Oposição à Execução, se adoptou o regime processual do recurso anterior ao DL nº 303/2007, de 24/08, por a respectiva execução (processo principal) ter sido instaurada anteriormente àquela data e existir entre ela e a oposição uma relação de instrumentalidade e dependência funcional, em que a oposição se apresenta como um incidente ou fase declaratória da execução, capaz de modificar ou extinguir o respectivo título executivo, relevando, por isso, a data da instauração da execução, por ser aquela em que o processo, como um todo, se considera pendente.
Cita ainda mais jurisprudência no mesmo sentido: «Tem sido a indagação, em cada situação de apensação, desta relação de interligação e funcionalidade entre os dois processos (principal e apenso) ou de perfeita autonomia entre eles que tem servido de critério para, pelo que se conhece, determinar o regime dos recursos a seguir quando interpostos nos apensos iniciados posteriormente à data de 1 de Janeiro de 2008, não obstante o processo principal haver sido instaurado anteriormente a essa data» - Acórdão do TRP, de 14-1-2010 (in www.dgsi.pt/itrp); veja-se ainda, no mesmo sentido, o Acórdão do TRC, de 6-12-2010 disponibilizado naquele sítio da internet. Porém o requerimento da Exequente não teve despacho. A Oponente B… alegou a fls. 75 e ss.
*
Efectivamente a acção principal é uma acção declarativa de condenação intentada em 2004, na qual se condenou a empresa D…, Lda., F… e G… a verem declarado definitivamente resolvido o contrato promessa de permuta firmado entre as empresas D…, Lda. e C…, Lda., por motivo imputável à primeira e ainda no pagamento da quantia de 300.000,00€, a titulo de indemnização, pelo incumprimento, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Para executar esta sentença a Exequente em 29 de Janeiro de 2010 intentou acção executiva – execução comum (solicitador de execução).
A presente oposição, desencadeada em 11 de Outubro de 2011, é oposição à referida execução.
Como se sabe o DL nº 303/2007 introduziu alterações no CPC. Nos termos do artigo 12º, 1 do aludido DL o mesmo entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008. Nos termos do seu artigo 11º, 1 as disposições do novo diploma não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor. A questão é saber se, interposto recurso de uma decisão interlocutória, cabe aplicar ao mesmo a disciplina dos recursos vigente em 2004 (artigo 733º do CPC- recurso de agravo) ou se cabe empregar a disciplina vigente ao tempo da intentação da acção executiva, isto é a introduzida com o DL 303/2007.
É pacífico o entendimento defendido pela Exequente.
No STJ foi proferido em 6-10-2011 douto acórdão, Relator Exmo. Cons. Tavares de Paiva, no processo nº 283/05.0TBCHV-B.P1.S1, acessível no site da dgsi.net, segundo o que: É de aplicar o novo regime de recursos introduzido pelo DL nº 303/2007 de 24.08 aos processos executivos instaurados depois de 1 de Janeiro de 2008, embora tenham por base uma sentença proferida em acção declarativa instaurada anteriormente aquela data, porquanto a instância executiva é autónoma em relação à acção declarativa e, por isso, o que conta, para efeitos de aplicação do regime de recursos instituído pelo citado diploma legal, é a data da instauração da execução e não a data da instauração da acção declarativa principal.
Como igualmente é sabido a decisão que admite um recurso não vincula o tribunal superior – artigo 685º-C, nº 5 do CPC, na redacção do artigo 2º do DL 303/2007, de 24-8. Ora a Recorrente não apresentou com o requerimento de recurso as alegações e conclusões, disso tendo o ónus – artigos 684º-B,2 e 685º-A,1 do CPC. Assim, nos termos conjugados dos artigos 291º, 2 e 700º, 1, h) do CPC (na redacção anterior à da vigência da lei nº 41/2013), como questão prévia, não recebo o recurso interposto, que se encontra deserto por falta de alegações.
Custas do incidente pela Oponente, B….
B-
Nos termos do artigo 700º, 1, d) do CPC pediu-se à 1ª instância a junção de alguns elementos. Entre eles o requerimento executivo e o título executivo. Cabe notar que o requerimento executivo de fls. 169 a 170 e que a douta sentença de fls. 171 a 173 nada têm a ver com esta execução e com esta nossa oposição. Pediu-se igualmente que se juntasse a acta nº 27. A tal acta já o artigo 2º do requerimento inicial da oposição fazia referência. A tal acta fez referência a al. B dos factos provados e tidos em conta na sentença recorrida. Pela audição da gravação da prova, aquando do depoimento da testemunha E…, ao minuto 2:36, verifica-se que tal acta estava presente na audiência, sem que a respectiva junção tenha sido requerida ou superiormente ordenada. A acta está junta a fls. 177 a 179, e releva para a boa decisão da causa. Não tem razão a Exequente em não ver junta a acta em causa – cfr. fls. 186, 3º.
C-
DECISÃO INDIVIDUAL DE JUIZ RELATOR nos termos do disposto nos artigos 652º- 1 al. c) e 656º, todos do C.P.C., na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013, e que são de aplicação imediata, nos termos do artigo 5º da referida lei.
1. Despacho a que alude o artigo 652º do C.P.C.:
Recurso recebido como de apelação, próprio, com efeito e regime de subida acertados.
Nada obsta ao conhecimento do seu objecto.
2. Profiro decisão individual de JUIZ RELATOR porque, embora se trate de aplicar normas e regimes susceptíveis de tratamentos e soluções diversos, haverá sempre que decidir o caso (o tribunal não pode abster-se de julgar – artigo 8º - do Código Civil), e as questões - apesar de tudo – são simples e delimitadas. Por outro lado, atenta a fase do processo, o que está em causa no recurso – facto e direito -, o tratamento das questões em apreço que do processo já consta explanado, as Partes nunca poderão sustentar que ficarão agora face a uma decisão surpresa, sendo de dispensar manifestamente, a notificação a que alude o artigo 3º - 3 do C.P.C. Aos cidadãos em geral, a todos, e às Partes em particular, cabe o direito de obterem em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão trazida a juízo – artigos 2º - 1 do C.P.C e 20º da Constituição da República Portuguesa.
3.
I - RELATÓRIO
Nos autos principais condenou-se a empresa D…, Lda., F… e G… a verem declarado definitivamente resolvido o contrato promessa de permuta firmado entre as empresas D…, Lda. e C…, Lda., por motivo imputável à primeira e ainda no pagamento da quantia de 300.000,00€, a titulo de indemnização, pelo incumprimento, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Em 29/12/2009, a empresa D…, Lda., foi dissolvida e liquidada, conforme acta nº 27 da Assembleia Geral da referida sociedade que a Oponente protestou juntar com a dedução da oposição, que não juntou, e que ora se encontra junta de fls. 177 a 179, a pedido da Relação formulado à 1ª instância.
Em 29/01/2010, a Exequente C…, Lda., instaurou processo de execução comum (solicitador de execução) contra a empresa D…, Lda., F… e G….
O título executivo é precisamente a sentença referida.
E, conhecida a dissolução da “D…, Lda.”, atento o disposto no artº 162.º, n.º 1 do CSC, a Exequente requereu que a execução prosseguisse contra a generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários, os sobreditos F…, G… e ainda B…, ora Executada/Oponente.
Sucede que nos autos de execução em apreço a Exequente procedeu com êxito à penhora nos saldos das contas bancárias de B…, ora Executada/Oponente, relativamente aos seguintes montantes: - €6.409,10 – H… - n.º conta: ………..; - €57.797,47 – I… - n.º conta: ………….; - €1.975.52 – I… - n.º conta: ………….; - €1.101,37 – J… - n.º…………..; -€453,27 – J… - n.º ………….., o que totaliza €67.736,73 (sessenta e sete mil setecentos e trinta e seis euros e setenta e três cêntimos).
Vai daí a Executada B… veio em 11 de Outubro de 2011 deduzir oposição à execução e à penhora. Por excepção invoca falta de citação, nulidade que argui nos termos do artigo 205º do CPC, e ilegitimidade passiva. Por impugnação invoca que os referidos valores penhorados não respondem em termos de direito substantivo pela dívida exequenda uma vez que – alega – nada recebeu em partilha da “D…, Lda.” e os montantes penhorados são seus e de seu marido. Conclui pelo deferimento da defesa por excepção e ainda pelo levantamento da penhora efectuada.
A Exequente deduziu oposição concluindo pela improcedência na totalidade.
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Em 14 de Fevereiro de 2012 foi julgada improcedente a oposição à execução, tendo sido proferido o seguinte despacho: Como a própria oponente reconhece, e dando de barato que a mesma teria de ser citada, foi notificada em 02/06/2010 e não arguiu logo a irregularidade mas apenas agora em 11/10/2012. Assim, porque a requerente praticou numerosos actos processuais entre aquelas duas actas, julgo manifestamente extemporânea a arguição de nulidade - art. 196 do CPC. Custas no incidente pela executada, que se fixam em 2 UCs. Notifique. No mais, como apenas resta uma oposição à penhora, convolo os autos em oposição à penhora.
Dele foi interposto recurso, que, não veio na Relação a ser admitido – cfr. supra.
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Foi dispensada a elencagem dos factos assentes e a organização da base instrutória. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova oral produzida.O processo foi saneado. Deram-se como provados os seguintes factos:
A - Na acção ordinária que constitui o processo principal foi julgada procedente a reconvenção e condenada a sociedade "D…, Lda.", F… e G… a pagar à sociedade "C…, Lda." a quantia de 300.000 euros, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, por sentença de 12 de Novembro de 2009, já transitada.
B - Em 29 de Dezembro de 2009, os sócios da executada "D…, Lda.", pela acta nº 27, declararam dissolvida e liquidada a sociedade, afirmando que a sociedade não tinha activo nem passivo, tendo sido registado o encerramento da liquidação e cancelada a matrícula.
C - A fls. 51 da execução, em 20/05/2010, foi ordenado o prosseguimento da execução contra todos os sócios da D…, incluindo a sócia B…, não condenada na acção referida em A, despacho esse que, por lapso da Secção não foi notificado à oponente mas apenas aos outros 3 executados, incluindo a sociedade D….
D - Em 26 de Abril de 2010 foram citados para a execução os 3 sócios F… e G… e a ora oponente B…, conforme admitido pelos próprios a fls. 54 da execução.
E - Em 02/06/2010 a oponente B… reclamou do excesso dos bens penhorados e em 23/06/2010 requereu o levantamento da penhora. F - A oponente apenas em 10 de Outubro de 2011 pela presente oposição invocou a falta de notificação pessoal do despacho referido em C.
G - Na execução foram penhoradas contas bancárias perfazendo o valor total de €67.736,73 euros.
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Não se indicaram factos como não provados.
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Em sede de decisão de mérito foi a oposição julgada improcedente com custas pela Oponente B….
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Inconformada, recorre a Oponente, de apelação, a subir imediatamente, os próprios autos com efeito meramente devolutivo. A Apelante alega, concluindo:
1 - O título executivo é contra a sociedade comercial D…, Lda.;
2 - No título executivo não figura a recorrente, pelo que é inadmissível a penhora dos bens pessoais dela;
3 - A responsabilidade plasmada no artigo 163° do CSC pressupõe a existência de partilha subsequente à liquidação, o que até consubstancia um limite à responsabilidade, mas que não se verificou no caso sub judicie;
4 - É inadmissível a penhora realizada às contas bancárias da recorrente porque, não tendo a recorrente recebido qualquer valor por partilha, também não pode responder pessoalmente pelas dívidas da executada originária D…, Lda.;
5 - Foram violados os artigos 163.º, 1 do CSC e 735.º, 1 e 2 do CPC.
6 - Pretende a reapreciação da prova gravada em ordem a concluir que os montantes penhorados pertencem pessoalmente à Oponente e marido, e ainda que efectuadas a dissolução e liquidação da “D…, Lda.”, não foi efectuada qualquer partilha, uma vez que não existiam bens partilháveis.
Pugna pela revogação da sentença recorrida com substituição dela por outra que julgue procedente a oposição.* Contra-alega a Exequente, pugnando pela bondade da sentença recorrida.
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Pela fundamentação da decisão da matéria de facto se evidencia claramente que a factologia que a Oponente pretende ver provada, não o foi pelo Tribunal a quo. A técnica correcta obriga a que se indiquem os factos não provados, mesmo que por remissão para os articulados. No caso só a clareza da fundamentação e a simplicidade dos factos levam a que se dispense a ampliação da matéria de facto.
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Cumpre apreciar e decidir.
II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. “Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.
III - OBJECTO DO RECURSO
Ao presente processo, e ao presente recurso são aplicáveis as disposições do C.P.C. introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que entraram em vigor em 1-1-2008, pois que, como se disse, a acção executiva, que é, considerando a oposição, o processo principal, foi intentada em Janeiro de 2010, igualmente mantidas pela Lei nº 41/2013, de 26-6, de aplicação imediata – conforme seu artigo 5º.
As questões que se colocam ao julgador através desta apelação são as seguintes: 1ª – saber quais os factos a ter em conta; 2ª – decidir do mérito da causa;
IV- mérito do recurso
1ª questão
Que factos ter em conta?
O nosso processo civil consagra uma separação fundamental entre facto e direito. De um lado temos o julgamento da matéria de facto, a que se refere o disposto no artigo 653º do CPC, na redacção anterior à Lei 41/2013, respeitando o dispositivo legal vigente ao tempo da decisão-, e que obriga a análise crítica das provas e fundamentação das respostas positivas e negativas dadas às perguntas da base instrutória. Nessa actividade o juiz aprecia as provas de livre apreciação. É o chamado princípio da livre apreciação das provas, constante do art. 655º do CPC. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. Ou seja, as provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Só neste caso está o julgador obrigado a observar a hierarquização legal.
Do outro lado temos a aplicação do direito aos factos, actividade essa materializada na elaboração da sentença e a que se refere o artigo 659º do m.d.. Na fundamentação da sentença o juiz faz o exame crítico das provas de que naquele momento lhe cabe conhecer, e que são as provas das presunções judiciais ou com valor legal fixado, se ainda não utilizadas, os ónus probatórios, e os factos admitidos por acordo em audiência de discussão e julgamento. (Ac. STJ de 10-5-2005, p. nº 05A963, dgsi.net.)
A decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada nas situações previstas o art. 712º/1 do CPC, na redacção vigente antes das alterações da Lei nº 41/2013, nomeadamente se do processo constarem todos os elementos probatórios em que se baseou a decisão recorrida quanto à matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido, como ocorreu, gravação dos depoimentos prestados, tiver havido impugnação nos termos do artigo 685º-B da decisão com base neles proferida. O uso dos poderes de alteração da decisão de facto destina-se, fundamentalmente, a reapreciar a prova sobre os concretos pontos impugnados, sem deixar de permitir que, no caso de formação de uma nova convicção, a Relação altere a decisão de facto.
Não há dúvida que nos autos de execução que em 29/01/2010 a Exequente C…, Lda., instaurou contra a empresa D…, Lda., F… e G…, e passando a execução no que toca à sociedade “D…, Lda.” a seguir contra seus sócios, foram penhorados saldos de contas bancárias de que são titulares a Oponente e marido, que somam €67.736,73, conforme documentos de fls. 13 a 15 e 30 a 33.
A Oponente alega que esses valores são pessoais, seus e de seu marido, nada tendo a ver com a “D…, Lda.”, que foi dissolvida e extinta, e que por não ter património, não houve partilha, e que por isso nada recebeu da mesma sociedade, concluindo não recebeu da referida sociedade os aludidos valores ora penhorados. Na acta nº 27, a fls. 179, consta que a “D…, Lda.” viu encerrada a sua liquidação por não ter activo nem passivo.
Foi ouvida a prova oral da audiência de discussão e julgamento que consta do CD junto, e que, de acordo com a acta, a contém na totalidade. Depôs como testemunha K…, a toda a matéria dos autos. Trabalha no departamento financeiro da Executada “L…, Lda.”. Sabe da penhora dos saldos bancários efectuada na execução. Acompanhou o processo da dissolução da “D…, Lda.”. Diz que a Dona B… nada recebeu na partilha da sociedade porque não houve partilha. Quando a sociedade foi dissolvida e liquidada a liquidação foi encerrada por não ter património. Reconhece porém que iniciou funções em Setembro de 2009. Quando iniciou funções a “D…, Lda.” já não tinha património. Sabe que houve transmissão de património entre as sociedades de que a “D…, Lda.” fazia parte. “Tem a certeza absoluta de que as contas dos autos são pessoais”.
- Depoimento curto, singelo, sem fundamento, muito superficial. Qual o património da “
D…, Lda.”? Porque se esfumou? Como se esfumou? Quando se esfumou? Porque o desta sociedade e não o de outra do mesmo grupo? Como e com que proveniência era feita a alimentação de dinheiros nas contas penhoradas? Não explicou. Depoimento irrelevante.
Depôs como testemunha E…, a toda a matéria da causa. Era contabilista na “D…, Lda.”, e das demais empresas do grupo. Ouviu falar de contas penhoradas à Dona B… por conversa com o pai desta. Diz que em Dezembro de 2009 a “D…, Lda.” foi dissolvia e liquidada. Não houve partilha de bens. Explica: o resultado era negativo. Os prejuízos dos exercícios de 2008 e 2009 eram superiores ao activo, aos capitais da empresa. O passivo da empresa ascendia a seis milhões de euros. Só um cliente era responsável por um prejuízo de 1 milhão. Explicou então que não foi isso que ficou escrito na acta nº 27, por imposição do Sr. F…, sócio da “D…, Lda.” e pai da Oponente. Da explicação que forneceu retira-se que a “D…, Lda.” tinha património que foi habilmente escondido para evitar levar a empresa a apresentar-se à insolvência.
- Depoimento sincero que denota descapitalização da “D…, Lda.”, prejudicialidade para os credores, teor da acta nº 27 não condizente com a verdade. Para a versão da Oponente, depoimento completamente irrelevante.
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A Oponente com esta prova testemunhal, não faz prova de que os valores penhorados não advieram da partilha do activo a “D…, Lda.”.
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Assim, conjugando a prova documental com a testemunhal, e considerando os elementos dos autos mantemos no essencial a factualidade vinda da 1ª instância, julgamos improcedente a pretensão da Oponente quanto à modificabilidade da decisão de facto, uma vez que a convicção alcançada na Relação coincide com a da 1ª instância, redigindo como segue o elenco dos factos provados:
A - Correu neste tribunal acção declarativa com processo ordinário onde foi julgada procedente reconvenção e condenados a sociedade "D…, Lda.", F… e G…, a pagar à sociedade "C…, Lda." a quantia de 300.000 euros, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, por sentença de 12 de Novembro de 2009, já transitada.
B - Em 29/01/2010 a Exequente C…, Lda., instaurou contra a empresa D…, Lda., F… e G…, execução comum (solicitador de execução) dando como título executivo a sentença de A).
C - Em 29 de Dezembro de 2009, os sócios da executada "D…, Lda.", pela acta nº 27, declararam dissolvida e liquidada a sociedade, afirmando que a sociedade não tinha activo nem passivo, tendo sido registado o encerramento da liquidação e cancelada a matrícula.
D - A fls. 51 da execução, em 20/05/2010, foi ordenado o prosseguimento da execução contra todos os sócios da D…, incluindo a sócia B…, não condenada na acção referida em A, despacho esse que, por lapso da Secção não foi notificado à Oponente mas apenas aos outros 3 executados, incluindo a sociedade D….
E - Em 26 de Abril de 2010 foram citados para a execução os 3 sócios F… e G… e a ora oponente B…, conforme admitido pelos próprios a fls. 54 da execução.
F - Em 02/06/2010 a Oponente B… reclamou do excesso dos bens penhorados e em 23/06/2010 requereu o levantamento da penhora. G - A Oponente apenas em 11 de Outubro de 2011 pela presente oposição invocou a falta de notificação pessoal do despacho referido em D.
H - Na execução foram penhorados saldos em contas bancárias de que a Oponente é titular perfazendo o valor total de € 67.736,73.
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A prova de tais factos deve-se aos elementos dos autos, factos assentes por acordo das partes, e documentos de fls. 13 a 15, 30 a 33 e 177 a 179.
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Não se provou, por manifesta falta de prova testemunhal e documental: -que os saldos penhorados à Oponente não advieram da partilha da “D…, Lda.”; - que à data da dissolução a “D…, Lda” não tinha activo nem passivo; - e que por isso se não procedeu a partilha.
2ª questão
Em 29/01/2010 a Exequente C…, Lda., instaurou contra a empresa D…, Lda. e outros uma execução. Porém, como se diz em C, em 29 de Dezembro de 2009, os sócios da executada "D…, Lda.", pela acta nº 27, declararam dissolvida e liquidada a sociedade, afirmando que a sociedade não tinha activo nem passivo, tendo sido registado o encerramento da liquidação e cancelada a matrícula. Conhecida a dissolução da “D…, Lda.”, atento o disposto no artº 162.º, n.º 1 do CSC, a Exequente requereu que a execução prosseguisse contra a generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários – F…, G… e ainda B…, ora Executada/Oponente.
Tal foi deferido a fls. 51 da execução, em 20/05/2010 (facto D).
Sob o ponto de vista da função, com tal requerimento e tal despacho a Exequente pretendeu colocar o sucessor na posição jurídica do falecido ou do cedente, no que diz respeito ao processo declarativo principal, empregando a terminologia de Alberto dos Reis, operando os efeitos de uma habilitação-legitimidade (cfr. artigo 371º, 2 do CPC). Esmiuçando, pretende-se colocar o sucessor, os sócios/responsáveis, na posição jurídica da pessoa colectiva extinta, em momento anterior ao da propositura da acção. E para que a causa prossiga contra estes.
A dissolução é o facto extintivo de uma sociedade, correspondendo ao fim da sua vida. Tem o objectivo de liquidar e partilhar o património social remanescente. A dissolução da sociedade comercial por quotas está prevista nos artigos 141º e ss, 270º e 464º do Código das Sociedades Comerciais, e ainda na Regime de Procedimento Administrativo de Dissolução aprovado pelo Dec.-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, com as alterações subsequentes.
No caso estamos perante a dissolução extrajudicial tomada por deliberação dos sócios, que já revestiu a forma de escritura pública, hoje dispensada, bastando para promover o registo, a acta da respectiva deliberação social. A extinção da sociedade só se verifica com a liquidação.
Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais). As obrigações jurídicas invocadas na acção declarativa pela ora exequente estão reconhecidas, pois a causa já foi tramitada, instruída e decidida. Em relação à sociedade “D…, Lda.”, atenta a data da execução, dependendo do trânsito da sentença de A) estas alegadas obrigações são eventual passivo superveniente à extinção.
É o direito substantivo que define quem são estes sucessores da sociedade extinta. Dispõe o artigo 163º de CSC: 1. Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam pela partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada. 2. As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no art. 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
Uma coisa é saber quem pode ser demandado na acção declarativa. Resposta: segundo Raul Ventura, “Dissolução e Liquidação das Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, Almedina, 1999, pág. 487, referenciado no douto acórdão da nota 1, o requerente tem duas possibilidades: a) propositura de acção contra os sócios responsáveis na medida em que o forem (nº1 do art. 163º); ou, b) propositura da acção contra a “generalidade dos sócios”, na pessoa dos liquidatários (nº2 do art. 163º). A solução alternativa consagrada no nº2 do art. 162º, “consiste em despersonalizar os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a “generalidade” deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas na falta deles), a representação processual dessa generalidade” (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012). Parece-nos claramente que seguindo o caminho da al. a) há que alegar e provar os fundamentos da habilitação, incluindo que os sócios demandados receberam da partilha da sociedade dissolvida, e seguindo os outros caminhos, há que alegar e provar apenas os fundamentos da habilitação, deixando para a fase executiva e mais concretamente para a penhora a discussão sobre se o bem penhorado adveio ao executado da partilha da sociedade extinta.
Outra coisa é saber o que acontece na acção executiva. Na acção executiva a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor – artigo 55º, 1 do CPC. Mas tendo havido sucessão na obrigação, deve a execução correr entre as pessoas que no título figuram como devedores da obrigação exequenda – artigo 56º, 1 do CPC. O mesmo acontece se em consequência das diligências para a citação do réu se verifica que ele faleceu, poder-se-á requerer a habilitação dos seus sucessores – artigo 371º, 2 do CPC. Embora a habilitação incidental prevista se refira ao falecimento de pessoa singular, tem-se entendido que a mesma solução cabe quando se está perante a extinção de pessoa colectiva. Na execução cabe igualmente requerer a habilitação dos sucessores da pessoa colectiva que conta do título como obrigado, quer mesmo que tenha falecido antes de intentada a execução, por a situação apenas se ter descoberto nas diligências para notificação do executado. Neste sentido Ac. TRL de 27-2-2014, proferido no processo nº 6062/09.8TCLRS.L1.6, Relator Des. Fátima Galante, acessível no site da dgsi.net.
Porém há que atender nos casos em que é aplicável a norma especial do artigo 162º do CSC. Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais). Ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, contudo, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado). Nas (acções) e execuções pendentes contra a sociedade, abrangendo ainda os casos do artigo 371º, 2 do CPC, à data da sua extinção, opera uma sucessão subjectiva, sem suspensão da instância e nem liquidação, considerando-se ela substituída pelos ex-sócios (artigo 162º do CSC). Não ocorre uma ilegitimidade processual passiva para a Oponente B…, vir a ser demandada em sede de execução no lugar da extinta “D…, Lda.”.
Atento D), - a fls. 51 da execução, em 20/05/2010, foi ordenado o prosseguimento da execução contra todos os sócios da D…, incluindo a sócia B…, não condenada na acção referida em A, despacho esse que, por lapso da Secção não foi notificado à Oponente mas apenas aos outros 3 executados, incluindo a sociedade D…. A falta de notificação de tal despacho poderia constituir irregularidade, que ficou sanada, uma vez que a Oponente interveio em 02/06/2010 para reclamar do excesso de bens penhorados, sem arguir a falta – artigos 189º, 149 e 199, 1, todos do CPC. A Oponente foi citada para a execução a 26 de Abril de 2010 – facto E) que a Oponente não impugna. Não se verifica a nulidade a propósito invocada pela oponente.
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Quem responde pelas obrigações correspondentes ao passivo superveniente da sociedade dissolvida, portanto em acção executiva? Resposta: os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam pela partilha. É que ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado). Em sede de execução, perante a penhora de um bem ao executado, ex-sócio da sociedade extinta, cabe a este defender-se por oposição à penhora. É sobre o credor exequente que recai o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que como tal está afecto à satisfação do crédito exequendo – neste sentido o Ac. TRL de 12-7-2012 proferido no processo nº 17316/09.3YIPRT-B.L1-7- Relator Luís Lameiras.
No caso dos autos foram penhorados saldos bancários à Executada B…, ora Oponente. Nada mais se provou quanto à proveniência dos saldos. Em sede de oposição a Oponente invoca factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Exequente, qual seja que nada recebeu da “D…, Lda.”, nomeadamente em partilha, uma vez que a não houve porque a liquidação foi encerrada por não haver passivo nem activo. Em sede de prova, verifica-se que a acta nº 27, onde as declarações de encerramento da liquidação por inexistência de activo e passivo, constam, é um mero documento particular sem especial força probatória. Pelas declarações das testemunhas que a própria Oponente arrolou constatou-se não corresponderem à verdade as declarações exaradas em acta de falta de activo e de falta de passivo. Consequentemente houve partilha do activo, ou algum sumiço do mesmo. Daí que se tenha dado como não provado, com relevo para a decisão da causa: -que os saldos penhorados à Oponente não advieram da partilha da “D…, Lda.”; - que à data da dissolução a “D…, Lda.” não tinha activo nem passivo; - e que por isso se não procedeu a partilha.
Verifica-se uma situação de insuficiência de prova por parte da Exequente. Em termos de normalidade também não se pode exigir muito mais à Exequente, longe dos negócios e da liquidação da “D…, Lda.” e dos seus sócios. A Oponente invocou porém defesa por excepção, e, de acordo com o exposto, os sócios da “D…, Lda.”, Oponente incluída, declararam uma situação que não correspondeu à realidade - a inexistência de activo e de passivo social, a inexistência de necessidade de partilha – e, por isso, é pessoalmente responsável nos termos do 163º, 1 do CSC, a satisfazer o crédito reclamado nos presentes autos pela Exequente. Esta situação de dúvida quanto ao ónus da prova conduz à aplicação da norma do artigo 516º do CPC, que ordena se decida contra a parte a quem o facto aproveita.
Improcede a oposição. Improcede a apelação.
V- DECISÃO:
Assim, decide-se nesta Relação em julgar improcedente a apelação, e por via disso se confirma a sentença recorrida. Custas da apelação pela Apelante, ora Oponente, B…. Valor da causa: €67.736,73.
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Nota 1 – A jurisprudência não é unânime nesta matéria. Veja-se por exemplo o passo do Ac. TRL de 21-11-2012 proferido no processo nº 835/10.6TTLSB.L1-4 (Relator Sérgio Almeida) que transcrevemos: E, alguma jurisprudência tem vindo a defender que, embora o nº 2 do art. 163º aluda explicitamente às acções a propor, também se aplica quando a acção já se encontra proposta contra a sociedade, apurando-se durante a pendência da mesma que, à data da interposição, já tinha sido levado ao registo o acto definitivo. “Neste caso, até por razões de economia processual, a acção prossegue contra os sócios, na pessoa dos liquidatários, entendendo-se, embora com alguma divergência jurisprudencial, que a acção prossegue sem que seja necessário a suspensão da instância e a dedução de incidente de habilitação (cfr Acórdãos da Relação do Porto de 06-07-2009, e da Relação de Lisboa de 29.12.2011)”. Como se afirma no Ac. do TRP de 06.07.2009, que defende a aplicação analógica do disposto no nº1 do art. 162º, “o que ocorre nestes casos, é um incidente anómalo, mediante o qual ocorre uma modificação subjectiva da instância, através da qual os sócios, ou os sócios liquidatários, são chamados a intervir e substituir a sociedade extinta, sem que daí decorra, necessariamente, a suspensão da instância, processando-se tal incidente do modo o mais expedito possível”.”.
1.2 – O prosseguimento dos autos, nesta Relação, após a notificação da decisão singular:
Notificada a decisão antes transcrita, veio a oponente interpor, com o requerimento de fls. 214 e ss., “recurso de revista excecional para o STJ”, ao qual respondeu a exequente (fls. 272 e ss.).
Proferimos, então, o despacho constante de fls. 297, o qual, ponderando a data de apresentação do recurso, concretamente ao terceiro dia após o prazo de dez dias, condicionava a convolação do requerimento de recurso de revista em requerimento para a conferência ao pagamento da multa legalmente prevista.
A executada/oponente/recorrente veio a pagar a multa (fls. 301) e, a fls. 304, em novo despacho, foi convolado para conferência o requerimento de interposição do recurso de revista. Após, na sequência do mesmo despacho, os autos correram os Vistos legais e, após, procedeu-se à inscrição em tabela.
2 – Conhecimento da reclamação para a conferência 2.1 – Delimitação do objeto da conferência:
Como decorre de quanto já foi anteriormente dito, a interposição de recurso de revista, por parte da oponente/apelante, foi convolada em requerimento de reclamação para a conferência. Seguiu-se assim, e necessariamente, o entendimento jurisprudencial e doutrinário que tal impõe, hoje de forma pacífica, dado não existir, no caso, qualquer impedimento legal, nomeadamente de prazo, para essa convolação[1].
A conferência ou, dito de outro modo, o coletivo de juízes, reaprecia as questões que foram objeto da decisão singular do relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir ao conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior a àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o recorrente ou o reclamante podem restringir o seu objeto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição do recurso de revista) pode restringir o objeto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado).
No caso presente, tendo a decisão sumária julgado deserto o recurso intercalar interposto pela oponente e, depois, decidido sumariamente o objeto do recurso da decisão final é patente, da leitura do requerimento de interposição do recurso de revista que convolou para conferência, que a oponente só põe em causa a segunda parte dessa decisão, uma vez que – não obstante faça referência ao disposto no artigo 163, n.º 1 do CSC – não discute as razões que levaram o Desembargador relator a considerar deserto o recurso intercalar interposto e interposto da decisão da 1.ª instância que, não obstante se tenha pronunciado expressamente sobre a nulidade de citação, não deixou de dizer que (fls. 53) “apenas resta uma oposição à penhora” e, em conformidade, convolou “os autos em oposição à penhora”.
2.1.1 – Consequência do decidido em 2.1:
Em conformidade com que acaba de concluir-se temos por transitada a decisão que (e citamos) “nos termos conjugados dos artigos 291º, 2 e 700º, 1, h) do CPC (na redação anterior à da vigência da lei n.º 41/2013), como questão prévia, não recebo o recurso interposto, que se encontra deserto por falta de alegações. Custas do incidente pela Oponente, B…”.
2.2 – Conhecimento da apelação interposta da sentença que julgou a oposição: 2.2.1 – A discordância da apelante, a resposta da apelada e o objeto da apelação:
Como resulta do relatório, e agora se repete, foi proferida a decisão de fls. 117/119 que, com custas pela oponente, julgou “improcedente a oposição por não provada”.
2.2.1.1 – O recurso da oponente:
Dessa decisão, a oponente apelou. Pretende que seja “revogada a sentença recorrida e substituída por outra que considere a oposição procedente, ordenando o levantamento da penhora de todas as contas bancárias da recorrente” (e “tudo sem prejuízo do disposto no art. 662, n.º 2 do CPC) e formula as seguintes Conclusões:
1 – O título executivo é contra a sociedade comercial D…, Lda.
2 – No título executivo não figura a recorrente, pelo que é inadmissível a penhora dos bens pessoais dela.
3 – A responsabilidade plasmada no art. 163º do CSC pressupõe a existência de partilha subsequente à liquidação, o que até consubstancia um limite à responsabilidade, mas que não se verificou no caso sub judice.
4 – É inadmissível a penhora realizada às contas bancárias da recorrente porque, não tendo a recorrente recebido qualquer valor da partilha, também não pode responder pessoalmente pelas dívidas da executada originária, D…, Lda.
5 – Foram violados os arts. 163.º, n.º 1 do CSC e 735.º, n.º 1 e 2 do CPC.
2.2.1.2 – A resposta da recorrida:
A recorrida respondeu ao recurso. Defendendo a bondade do decidido, conclui o seguinte: 1 – A sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade, irregularidade, insuficiência, contradição ou erro. 2 – Não parece merecer censura alguma a matéria de facto dada como provada nos pontos A a G da Secção II da sentença, resultando da apreciação crítica e conjugada de todos os elementos de prova, objetivos e subjetivos, apresentando-se como seu resultado lógico e consentâneo com as regras de experiência comum. 3 – Aliás, a apelante nem sequer especifica como devia os concretos pontos factuais que considera incorretamente julgados, a decisão que entende dever ter sido proferida quanto aos mesmos nem os concretos meios probatórios que assim o impunham, falha que o art. 640 do CPC sanciona com a rejeição do recurso, o que expressamente se argui. 4 – Sem prescindir, sempre se dirá que, por não estar em causa na apelação a essência do conteúdo dos depoimentos produzidos, mas a credibilidade e a valoração que a primeira instância lhes concedeu, tal não é nesta sede atacável, na ausência de elementos de prova que imponham (e não somente permitam) decisão diversa. 5 – Por outro lado, o alegado não é subsumível a nenhuma das hipóteses de fundamento para Oposição á penhora (art. 784 CPC). 6 – A executada deixou precludir o direito de colocar em causa o direito de crédito da exequente por via da Oposição à execução por embargos, respondendo, por isso, com a generalidade do seu património. 7- Ora, nos termos dos artigos 161 e 163 do CSC, respondendo os sócios até ao limite daquilo que tiverem recebido em partilha subsequente à liquidação da sociedade (e não com os concretos bens que tiverem por essa via recebido), e não estando demonstrado um tal limite, forçoso se torna concluir que o património destes responde de forma ilimitada até ao montante do crédito do exequente. 8 – Assim sendo, e por tudo o vai contra-alegado, deve manter-se o doutamente decidido nos autos, confirmando-se a sentença recorrida.
2.2.1.3 – O objeto do recurso:
Definido pelas conclusões da apelante, o objeto do recurso traduz-se em saber se a decisão recorrida aplicou devidamente o Direito aos factos que fixou e, concretamente se a oposição (que é, atento o referido em 2.1, oposição à penhora) – e, pelo mesmo motivo, a apelação -, mormente em razão do disposto no artigo 161 do CSC, devem proceder. Antes dessa apreciação e em jeito de questão prévia deve apreciar-se se a apelante impugna a matéria de facto e, se sim, se o faz de acordo com o ónus que tem quem impugna a decisão sobre a matéria de facto.
2.2.2 – Fundamentação de facto:
Sem embargo da questão que enunciamos como “prévia” (em 2.2.1.3, 2.ª parte), desde já transcrevemos a matéria de facto que a 1.ª instância considerou como provada e fixou[2]:
A - Na ação ordinária que constitui o processo principal foi julgada procedente a reconvenção e condenada, por sentença de 12 de Novembro de 2009 e já transitada, a sociedade "D.., Lda.", F… e G… a pagar à sociedade "C…, Lda." a quantia de 300.000 Euros, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação.
B - Em 29 de dezembro de 2009, os sócios da executada "D…, Lda.", pela ata nº 27, declararam dissolvida e liquidada a sociedade, afirmando que a sociedade não tinha ativo nem passivo, tendo sido registado o encerramento da liquidação e cancelada a matrícula.
C - A fls. 51 da execução, em 20.05.2010, foi ordenado o prosseguimento da execução contra todos os sócios da D…, incluindo a sócia B…, não condenada na ação referida em A, despacho esse que, por lapso da Secção não foi notificado à oponente mas apenas aos outros 3 executados, incluindo a sociedade D….
D - Em 26 de abril de 2010 foram citados para a execução os 3 sócios F… e G… e a ora oponente B…, conforme admitido pelos próprios a fls. 54 da execução.
E - Em 02.06.2010 a oponente B… reclamou do excesso dos bens penhorados e em 23.06.2010 requereu o levantamento da penhora.
F - A oponente apenas em 10 de outubro de 2011 pela presente oposição invocou a falta de notificação pessoal do despacho referido em C.
G - Na execução foram penhoradas contas bancárias perfazendo o valor total de €67.736,73 euros.
2.2.3 – Aplicação do Direito:
A primeira questão – que identificámos como prévia – prende-se com saber se a oponente impugnou a matéria de facto fixada na 1.ª instância e, se sim, o fez cumprindo os ónus que impendem sobre quem faz essa impugnação.
Lidas as conclusões da apelante, nelas não vislumbramos minimamente que o presente recurso verse também sobre a matéria de facto. Há uma referência, a fls. 140, já depois de formulada a pretensão recursória, de (tudo ser) “sem prejuízo do disposto no art. 662.º, n.º 2 do CPC” (que, como se sabe, remete para poderes/deveres oficiosos da Relação), mas ver-se nessa mera referência uma acrescida definição do objeto do recurso, de molde a incluir a impugnação da matéria de facto, parece-nos totalmente incongruente com um mínimo de sentido objetivo (e interpretativo) das conclusões da apelante.
Ora, como as conclusões definem o objeto da apelação, temos também de concluir que a recorrente não impugna a matéria de facto ou, dito de outro modo, que uma eventual modificação da matéria de facto não faz parte do objeto da apelação.
Sempre se diga, em acréscimo, que a apelante, ao longo das suas alegações (e não obstante transcreva dois pormenores dos depoimentos das testemunhas) também não cumpre o ónus de quem pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Com efeito, afirma que pretende “que seja reapreciada a matéria de facto, no sentido de retirar diferentes ilações e que, após essa reapreciação factual e tendo na devida conta os documentos juntos aos autos e os depoimentos que foram prestados em sede de audiência de julgamento, seja a oposição julgada procedente (...)”; no entanto, além de não esclarecer a que documentos concretos se refere e porque implicam decisão diversa, igualmente não concretiza os factos que pretende ver modificados e em que sentido. Acima de tudo, e é isso o relevante, a apelante não fundamenta por que razão os factos provados deviam ser outros (e quais) ou porque deviam ser não provados os que o foram, ou seja, por que razão o tribunal devia ter decidido diferentemente.
Em suma: das conclusões da apelante resulta que a alteração da matéria de facto não faz parte do objeto da apelação; ainda assim, também nas suas alegações a apelante não fundamenta uma eventual – e não esclarecida – divergência sobre os factos fixados em 1.ª instância.
Prosseguindo.
Antes de mais, no entanto, duas notas (que decorrem das conclusões da apelada): O que está em causa no recurso é a bondade (ou não) da decisão que julgou improcedente a oposição à penhora. Por outro lado, a invocação pela recorrida de a executada ter deixado “precludir o de colocar em causa o direito de crédito da exequente” não tem qualquer significado no contexto do recurso, porquanto, a parte relativa à oposição à execução já se mostra transitada e se se pretende significar uma extemporaneidade da oposição (à penhora), ela haveria de ser afirmada pela apelada em sede de ampliação do objeto do recurso.
A responsabilidade do sócio da sociedade liquidada (não condenado na sentença que serve de título à execução).
A sentença recorrida, na aplicação do Direito, reduz-se a cerca de meia página (fls. 119). Depois de enunciar as (duas) “questões solvendas: a falta de notificação do despacho de substituição da pessoa da sócia (a executada alega falta de citação mas tal não é exato como se vê em D) e a irresponsabilidade dos bens por serem próprios da oponente e, não recebidos em partilha”, rejeita a “arguição de nulidade”[3] e, no que aqui importa (porque objeto do recurso) diz o que ora citamos:
“Por outro lado deflui do art. 163 n.º 1 do CSC que “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha”. Sustenta a oponente que esses bens não foram recebidos na partilha. Porém não fez qualquer prova da origem ou proveniência desse dinheiro pelo que nos termos do art. 342 n.º 1 do CC a oposição improcede”.
Como decorre da transcrição antecedente, a 1.ª instância julgou a oposição improcedente porque a oponente tinha de demonstrar a proveniência “desse” (o que parece só poder ler-se “desse seu dinheiro”), pois era sócia da sociedade executada e tal prova imporá o (citado) n.º 1 do artigo 163 do Código das Sociedades Comerciais (CSC). A conclusão da sentença mereceria, pelo menos, e salvo o devido respeito, um acréscimo explicativo, já que, na sua lapidar singeleza e na afirmação ilimitada que sustenta, pode pôr em causa o entendimento mais comum acerca da distinção patrimonial entre o ente societário e as pessoas dos sócios, além de (com relevo até no caso concreto) olvidar o significado da própria terminologia desta sociedade: “limitada”[4].
Por outro lado (e daí que, a decidir-se assim, se justificasse o acrescento de outras razões) a posição da 1.ª instância não acompanha um vasto conjunto de decisões dos nossos tribunais superiores. A título meramente exemplificativo, podemos citar: Acórdão do STJ de 12.03.2013 (relator, Conselheiro Garcia Calejo, dgsi[5]); acórdão do STJ de 26.06.2008 (relator, Conselheiro Santos Bernardino, dgsi[6]) e acórdão do STJ de 15.11.2007 (relator, Conselheiro Salvador da Costa, dgsi[7]).
Proferidos na Relação de Lisboa, podemos citar o acórdão de 12.07.2012 (relator, Desembargador Luís Filipe Lameiras, dgsi[8]), ainda que este, por razões bem distintas da questão do ónus de prova, acabe por confirmar a decisão da decisão que indeferiu a oposição à execução[9], e igualmente o acórdão de 27.03.2012 (relator, Desembargador Orlando Nascimento, dgsi[10]).
Também a doutrina, ainda que não se debruçando especificamente sobre o ónus de prova, refere que a lei regula “as hipóteses de superveniência de passivo” (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I, Das Sociedades em Geral, 2.ª edição, Almedina, 2007, pág.987), e não deixa de realçar que “os débitos supervenientes passam a ser encabeçados pelos sócios” (Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação António Menezes Cordeiro, 2.ª edição, Almedina, 2012, pág. 560) e que “os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha; mas se houveram recebido mais do que era o seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam” (Carolina Cunha,[11] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, 2011, pág. 689).
Em suma, temos por certo, ao contrário do que se considerou na sentença recorrida, que cabe ao credor ou exequente demonstrar – e por isso, prévia e necessariamente alegar – que o sócio demandado recebeu bens da sociedade liquidada, como condição de, com esses bens, responder pela dívida da sociedade.
Efetivamente, se é certo que, nos termos do artigo 162 do CSC, as ações “em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios” (e, inclusivamente (n.º 2 do citado preceito), nem sequer a instância se suspende e “nem é necessária habilitação”), os antigos sócios (como agora decorre do n.º 1 do artigo 163 do mesmo diploma legal) respondem pelo passivo da sociedade que não tenha sido “satisfeito ou acautelado”, mas respondem (apenas) “até ao montante que receberam na partilha”.
No caso presente, a exequente não fez qualquer prova de ter havido recebimento de bens por parte da oponente e temos de discordar frontalmente da conclusão (n.º7) que a mesma formula (agora como recorrida), quando diz que, por não estar demonstrado o limite dos daquilo que o sócio tenha recebido na partilha, o património deste sócio “responde de forma ilimitada até ao montante do crédito da exequente”. Não é assim, pois cabe ao credor demonstrar o recebimento como condição de responsabilidade do sócio.
Temos assim por certo, e por tudo quanto se deixou dito, que a sentença recorrida não aplicou acertadamente o Direito, atendendo aos factos que se deram como provados e dos quais não resulta que os bens da oponente, e concretamente os bens concretos aqui penhorados, lhe tenham advindo da liquidação da sociedade. A questão que ora se colocaria era a de saber se, da conclusão anterior, resultaria a extinção da execução em relação à oponente por procedência da oposição (à execução) ou (apenas) se deve resultar o levantamento da penhora por procedência da oposição (à penhora).
Ora, ainda que o nosso entendimento não seja completamente concordante com o afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 12.06.2012,[12] no caso presente a oposição à execução mostra-se resolvida (transitada) com o despacho proferido a fls. 53 (na sua parte final). Embora tal despacho tenha sido objeto de recurso, o recurso veio a ser considerado deserto, já nesta Relação, e a questão deixou de fazer parte do objeto desta reclamação para a conferência.
Mas sendo assim, também é para nós claro que, atento o disposto nos artigos 735, n.º 1 e 784, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC, a procedência da oposição à penhora releva manifesta.
Em conformidade e tendo em conta tudo quanto se deixou dito, entendemos que o recurso da oponente é procedente e, por força dele, é procedente a oposição à penhora devendo determinar-se o levantamento da penhora sobre os bens.
As custas do recurso, tal como da oposição, são a cargo da recorrida/exequente.
3 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se em conferência na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:
1 – Manter a decisão singular proferida a fls. 194 e ss. na parte em que, relativamente ao recurso intercalar interposto pela oponente, considerou o mesmo deserto por falta de alegações e condenou a oponente em custas.
2 – Julgar procedente a apelação interposta da decisão final e, em conformidade, revogando a mesma, julgar procedente a oposição à penhora deduzida pela executada B… e, por consequência, ordenar o levantamento da penhora dos bens da recorrente.
Custas do recurso e da oposição pela exequente/recorrida.
Porto, 23.02.2015
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido.
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[1] Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 199/200), “se em vez de reclamar para a conferência a parte interpuser recurso, deve efetuar-se a conversão oficiosa, desde que não exista qualquer impedimento legal, designadamente ligado ao prazo legal para a dedução da reclamação. Assim se entendia no âmbito do regime anterior à reforma de 2007 (...)”. O autor, a propósito, cita o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/10, de 20.02.2010 (e, no mesmo sentido, em sede de jurisdição administrativa, pode agora citar-se o acórdão do STA de uniformização de jurisprudência n.º 3/2012 – DR n.º 199, de 15.10.2014) e vinca que “Agora, com o que se dispõe no n.º 3 do art. 193.º, devem considerar-se superadas quaisquer dúvidas, na medida em que quando se trata de um mero erro de qualificação do meio processual (bem diverso do erro quanto ao conteúdo), o mesmo deve ser oficiosamente corrigido pelo relator” (iltálicos do autor citado).
[2] Ainda que tenha olvidado qualquer referência – por mais genérica ou sucinta que fosse – aos factos considerados não provados.
[3] A nulidade que aqui se rejeita é “a mesma nulidade” que já se tinha declarado extemporaneamente arguida (!), tendo-se condenado a oponente nas custas do incidente. Dessa decisão recorreu a oponente, no recurso que, por falta de alegações concomitantes com o requerimento de interposição, veio a ser julgado deserto.
[4] “O que é a responsabilidade limitada? Não é a responsabilidade limitada da sociedade, pois a responsabilidade da sociedade pelas suas dívidas é ilimitada. É antes a regra segundo a qual os sócios de uma sociedade insolvente não têm de efetuar contribuições adicionais, para além do montante correspondente ao capital subscrito e realizado, a favor da sociedade a fim de que esta possa solver as suas dívidas. (...). A responsabilidade limitada, ao criar condições para limitar a exposição ao risco por parte dos sócios, possibilita, assim, um aumento de investimento. Funciona como que um mecanismo incentivador do empreendedorismo, pois, o investidor sabe que não perde mais do que aquilo que investe” (João Pedro Vargas Carinhas de Oliveira Martins, “Os suprimentos no financiamento societário – Uma abordagem funcionalista” in Temas de Direito das Sociedades, Coordenadores: Manuel Pita e António Pereira de Almeida, Coimbra Editora, 2001, págs. 9/134, a págs. 26/27 e 39/40).
[5] “(...) caberia à A. alegar e provar que, liquidada a sociedade, os RR. procederam à partilha de bens sociais, devendo responder até ao preenchimento dos montantes que receberam. Isto porque se devem considerar estes factos como constitutivos do seu direito (art. 342º nº 1 do C.Civil). Como se diz no Acórdão deste STJ de 26-6-2008 (...) “cumpria à autora … alegar e provar aqueles factos, que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam na partilha». No mesmo sentido decidiu o acórdão deste STJ de 23-4-2008 (...) “para que os sócios pudessem ser condenados com base no disposto no art.º 163.º era necessário que se tivesse provado que a sociedade tinha bens e que esses bens foram por eles partilhados. E no contexto da ação, a prova desses factos incumbia à autora, por se tratar de factos constitutivos do direito à reparação que contra eles peticionou (art.º 342º n.º 1, do C.C.)”. Também no acórdão deste Supremo de 15-11-2007 (...) que “extinta a referida sociedade por dissolução e operado o seu registo comercial e o da liquidação antes da propositura da ação em causa contra ela, a responsabilidade dos recorridos dependia de terem recebido, na partilha, bens suficientes para operarem o mencionado ressarcimento lato sensu. … Incumbia aos recorrentes o ónus de prova de factos reveladores de que os recorridos receberam bens ou outros direitos na partilha do património societário, o que não lograram…”. Em síntese: Uma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade”.
[6] “(...) esta – que foi quem apresentou o documento e que dele se valeu para fazer prosseguir a ação – não o fez, não provou (nem sequer alegou) que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito. E, no contexto da ação, operada a substituição da sociedade pelos sócios, e estando a responsabilidade destes legalmente definida, cumpria à autora, quando requereu a substituição, alegar e provar aqueles factos, que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam na partilha» (...) De qualquer modo, não estando demonstrado que os sócios da extinta receberam quaisquer bens, não podem ser condenados, atento o disposto no já referido n.º 1 do art. 163º”.
[7] “(...) entendem, todavia, que o ónus de prova dos referidos factos, consubstanciados em exceção peremptória, incumbia aos recorridos, e que a sociedade tinha, pelo menos, o património correspondente ao respectivo capital social. A referida sociedade tinha, como é natural, determinado capital social (...). Todavia, o capital social apenas constitui o valor representativo das entradas dos sócios, ou seja, consubstancia-se em factor imaterial, realidade diversa do património societário (...) o capital social da sociedade em causa não pode ser considerado, para os efeitos aqui em análise, ou seja, face ao disposto no artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, como património societário. A lei distingue, a propósito, do ónus de prova, entre os factos constitutivos, por um lado, e os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado, por outro, resolvendo a questão da dúvida sobre a referida qualificação (...) O direito que pretendem fazer valer no confronto dos recorridos depende de estes terem recebido em partilha, na sequência da dissolução da sociedade, bens suficientes para o efeito. Não se trata, pois, de factos impeditivos, únicos aqui configuráveis, do direito invocado pelos recorrentes, mas constitutivos desse direito, pelo que o ónus de alegação e de prova incumbia-lhes (...) a situação da extinção da sociedade e da responsabilização dos sócios (...) está especialmente regulada no artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que se não trata de lacuna que deva ser preenchida (...). De qualquer modo, nunca poderia funcionar no caso o referido regime do direito sucessório visto que os factos provados não revelam terem os recorridos recebido alguns bens ou direitos por virtude da extinção da sociedade (...)”.
[8] “(...) assunto a que melhor se reporta o artigo 163º do código das sociedades quando, especialmente no seu nº 1, estabelece o princípio de que os antigos sócios respondem pelo passivo social insatisfeito (embora apenas) na estrita medida do que hajam recebido pela via da partilha; e não mais”.
[9] “(...) subsiste a questão: significará que o antigo sócio é “parte” em ação (ou execução) instaurada para satisfação do credor apenas na medida do que recebeu? Mas já não o é no remanescente? E que, se nada recebeu, também não pode ser investido na veste de “parte”? Não nos parece que o regime do artigo 162º, nº 1, do código das sociedades comporte uma óptica deste tipo (...) O vínculo transita de esfera jurídica; e subsiste na do antigo sócio (...) Inclinamo-nos a entender que é ónus do credor social o de demonstrar (se for caso, em ação executiva) os bens (o património ou, ao menos, o seu volume) que passaram para a esfera do (antigo) sócio em execução de partilha. É um momento (logicamente) subsequente ao do reconhecimento da “detenção” do vínculo de cumprimento na (própria) esfera jurídica do último; e é uma faculdade ou possibilidade que àquele, se o pretender, não pode ser cerceada (...) Ora, o universo da oposição à execução radica-se na (in)subsistência da obrigação exequenda; alheio ao acervo patrimonial que por ela responda. A inexistência de bens não tem a virtualidade de dissipar o crédito. Numa óptica substantiva, dir-se-ia que ao executado, na oposição, se permite a prova de factos exceptivos, de direito material (artigos 342º, nº 2, do CC, 487º, nº 2, final, e 493º, nº 3, do CPC); estes sim vocacionados à extinção (adjetiva) da instância executiva. E, na hipótese, por se fundar a execução em sentença, nesta óptica, só a factualidade exceptiva do artigo 814º, nº 1, alínea g), início, do código de processo, poderia estar em equação. Mas não é a situação, manifestamente”.
[10] “(...) sempre a apelada poderia propor nova ação, na qual aduziria os factos consubstanciadores dessa legitimidade, ou seja, que os apelantes receberam bens provenientes da liquidação da sociedade extinta. Perante esse desconhecimento, afigura-se-nos também dificilmente sustentável a decisão do tribunal a quo e o entendimento da apelada, no sentido de confinar a condenação dos apelantes até ao montante que terão recebido, se é que receberam, na partilha. É que se nada receberam, trata-se de uma condenação insubsistente, vazia, que não deveria ter sido proferida (...). Assim, o art.º 162.º, n.º 1 deve interpretar-se como permitindo o prosseguimento das ações, após a extinção da sociedade, contra os antigos sócios que tenham recebido bens na partilha e até ao montante que receberam nessa partilha. De facto, dispõe o art.º 163.º, n.º 1, do C.S.C. que: “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”. A contrario (sensu), destes dois preceitos, se deduz que, se os sócios nada receberam porque nada havia para receber, a instância se extingue por inutilidade superveniente da lide. Esta é a interpretação mais consentânea com o texto em causa e com os princípios da economia processual e da proibição de atos inúteis (...) o recebimento, ou não, de bens por parte dos sócios da sociedade que foi liquidada e extinta é demonstrado pelos instrumentos legais impostos aos sócios para levarem a cabo a liquidação e extinção (...) discordando do que consta em tais documentos quanto à partilha de bens ou declaração de ausência de bens a partilhar, qualquer credor pode fazer prova da partilha de bens pelos sócios, em ordem a lograr a continuação da ação contra estes (...)”.
[11] Citando Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, pág. 480.
[12] Como decorre do entendimento plasmado nesse acórdão, que citámos, nunca haveria lugar à extinção da execução, uma vez que o sócio, de acordo com o disposto no artigo 162 do CSC nunca perderia a qualidade de executado, tanto mais que não recorreu do despacho que o fez suceder na ação à sociedade e, por isso, em nada estando inquinado o título executivo, a questão é de delimitação dos bens que respondem pela dívida e não da qualidade (sócio) pela qual se responde. Ora, salvo o devido respeito, entendemos que o sócio sucessor pode opor-se à própria execução. Em primeiro lugar, porque a substituição prevista no artigo 162 do CSC é uma substituição automática, sem suspensão da instância nem habilitação. Daí decorre que a eventual impugnação da decisão de substituição da sociedade pelo sócio só podia ter as razões que constituem as razões da oposição à execução, justamente a irresponsabilidade pela dívida e esta irresponsabilidade (indiscutível que é a condição de sócio) a falta de recebimento na partilha, ou até, mais que isso, a falta de alegação do recebimento na partilha. Por outro lado, não nos parece que o título executivo continue perfeito, por mero efeito da – e após a – substituição da sociedade pelo sócio, quando afirmamos que o exequente tem de demonstrar que o sócio recebeu bens na partilha. A legitimidade do executado, neste caso e salvo melhor opinião, não se basta com a qualidade de sócio, porquanto, à previsão do artigo 162 há que ligar necessariamente a condição do n.º 1 do artigo 163, ambos do CSC. Se é certo, por último, que indubitavelmente, o património se distingue da pessoa, não é menos verdade que o sócio que responde pelas dívidas da sociedade é necessariamente um sócio com património recebido da liquidação desta, pois parece-nos que admitir o contrário seria também admitir que a execução pode prosseguir contra um executado cujo património nunca será executado. O acórdão da Relação de 27.03.2012 (cf. nota 11), para uma hipótese assim, refere-se mesmo à inutilidade da lide executiva.