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CONTRA-ORDENAÇÃO
TRIBUNAL DE RECURSO
QUESTÃO NOVA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
Sumário
I - O recurso para o Tribunal da Relação, da sentença que decidiu da impugnação da decisão administrativa de contraordenação, porque visa a reapreciação de questões colocadas na impugnação perante o tribunal da 1ª instância, e não de outras novas, não pode conhecer de uma questão que não foi presente ao tribunal recorrido. II – A atenuação especial da coima não foi suscitada na impugnação judicial perante o tribunal de comarca, que assim a não apreciou, pelo que ao trazer essa questão ao tribunal da relação, suscita uma questão nova que nunca foi objecto de decisão.
Texto Integral
Processo n.º 1400/14.4TBPRD.P1
Acordam, em conferência, os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO
Nestes autos de processo de contra-ordenação, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas aplicou ao arguido B… a coima de €20.000,00 (vinte mil euros) pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts.2.º, n.º4 e 25.º, n.º1, al.c) do DL n.º211/2009, de 3/9, conjugados com o art.22.º, n.º4, al.a) da Lei n.º50/2006, de 29/8.
Inconformado com a decisão, o arguido impugnou-a judicialmente e na sequência de tal impugnação, na Comarca de Porto Este, Paredes, Instância Local, Secção Criminal, J2, por decisão de 25/11/2014, foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial e em consequência confirmada a decisão administrativa.
Mais uma vez inconformado com a decisão, o arguido dela interpôs recurso, em 5/12/2014, para este tribunal da relação, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos [transcrição]:
1ª – O recorrente foi condenado pela prática da infracção prevista no artigo 25 n.º 1 al. c) do DL 211/2009, a declaração de cedência não continha os elementos suficientes e imprescindíveis à identificação da ave cedida.
2ª- A moldura da coima para esta infração, quando cometida por pessoa singular e a título de negligente é de 20.000,00€ a 30.000,00€ (artigo 22 n.º 4 da Lei 50/2006).
3ª- Dos factos provados, nomeadamente da decisão administrativa consta que o arguido agiu com negligência.
4ª- A culpa do recorrente é reduzida, dado ter agido de forma negligente.
5ª- Os prejuízos causados pelo comportamento negligente no âmbito da convenção Cites não se mostram de grande relevância.
6ª- O benefício económico que obteve não seria diferente se a cedência do espécime tivesse sido feita dentro das normas legais adequadas.
7ª- A situação económica do recorrente foi tida como mediana, que realmente é.
8ª- O recorrente tem a sua situação regularizada perante o ICNF
9ª- Junto da Unidade de Aplicação de Convenções Internacionais (CITES) do Instituto de Conservação da natureza e Florestas (ICNF) foi apurado que o recorrente, enquanto criador, tem a sua situação regularizada perante o ICNF.
10ª- Actualmente o recorrente procede a todos os registos e mapas exigidos pela lei.
11ª- A infracção foi cometida em data não concretamente apurada mas antes de Dezembro de 2012.
12ª – Às contra-ordenações ambientais aplica-se o artº 72 do C.P. por remissão do artigo 32 do Regime Geral das Contraordenações.
13ª- Estão reunidos os pressupostos para que a Juiz a quo tivesse atenuado especialmente a pena, o que não fez.
14ª- Se atentarmos que o recorrente, conforme consta da decisão da autoridade administrativa, não é reincidente em contraordenações desta natureza, ou seja, não tem qualquer condenação pela prática de contraordenações ambientais, tem a sua situação regularizada no ICNF, tem ainda junto da CITES a sua situação regularizada, que actualmente elabora todos os registos exigidos por lei, teremos que constatar que o limite mínimo da sanção prevista se mostra fixada, face ao caso concreto, muito acima do devido, em clara violação do princípio da proporcionalidade.
15ª- A culpa do agente mostra-se reduzida pois agiu com negligência, a própria ilicitude do facto também assim se configura, uma vez que os prejuízos no âmbito da convenção CITES não se mostraram de grande relevância.
16ª- A atenuação especial da pena pode ter natureza ope legis, ou ope judicis, cabendo neste caso ao julgador determinar se face às circunstâncias do caso e dentro do enquadramento genérico previsto na lei, deve haver lugar ou não à sua aplicação.
17ª- Trata-se de uma válvula de segurança do sistema, pois permite ao julgador fazer a justiça do caso concreto, atenta a diversidade da vida e a impossibilidade de o legislador tudo prever.
18ª- Entendemos, que estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 72 do C.P., aplicável por remissão atento o constante no artigo 32 do DL 433/82, uma vez que constata a existência de circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores da infração, que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, e a necessidade da sanção.
19ª- Teremos também que ter em atenção que quando tais molduras das coimas foram fixadas, as circunstâncias económicas e financeiras do país e dos seus cidadãos eram francamente diversas (para melhor), das que presentemente se verificam, tendo havido da parte do legislador algum optimismo quanto à capacidade dos cidadãos poder suportar então, e no futuro, montantes elevados a título de sanção, que se fundariam numa expectativa, presentemente gorada, de rápido e contínuo crescimento económico.
20ª - Estas considerações mostram-se particularmente relevantes do ponto de vista da punição, pois o efeito preventivo pretendido com a coima pode ser atingido com montante significativamente inferior.
21ª – As exigências de prevenção geral e especial da prática de contra-ordenações ambientais ficam acauteladas com a atenuação especial da coima, nos termos do artigo 72 do C.P.
22ª- Pelo que, deverá ser aplicada ao recorrente, o montante mínimo da moldura abstrata da coima especialmente atenuada, que é de 10.000,00€, calculada de acordo com o artigo 18 n.º 3 do DL 433/82.
23ª – A sentença recorrida violou assim as disposto nos artigos 18 n.º3 e 32 do Regime Geral das Contra Ordenações, bem como o disposto no artigo 72 do C.P.
Termos em que,
Deve julgar-se o presente recurso procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida por violação do disposto no artigo 72 do C.P., ex vi do artigo 32 do Regime Geral das Contra Ordenações, substituindo-a pela decisão de aplicar ao recorrente a coima mínima especialmente atenuada, calculada nos termos do artigo 18 do referido diploma, no montante de 10.000,00€.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo que estão reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a aplicação da atenuação especial, embora haja divergência sobre tal possibilidade no regime contra-ordenacional na jurisprudência dos tribunais superiores [fls.158 a 159].
Remetidos os autos ao tribunal da relação e aberta vista para efeitos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou no sentido da possibilidade de atenuação especial das coimas, mas, no caso vertente, não se verificar uma acentuada diminuição, quer da ilicitude, quer da culpa, quer da necessidade da pena, pelo que a aplicação da pena mínima dentro da moldura legal prevista para a negligência de pessoas singulares não poder ser considerada excessiva e em consequência o recurso não merecer provimento [fls.167 a 168].
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais, foram os autos, à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Factos provados
1. O arguido B… reside na Rua …, nº…, em …;
2. No dia 17 de Dezembro de 2012, pelas 16.40 horas, no âmbito do Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente (SEPNA) a entidade autuante deslocou-se à residência de C…, sita na Rua …, nº ., …, Albergaria-a-Velha, onde verificou que este detinha, entre outros, um espécime da espécie Amazona aestiva xanthopteryx, incluída no Anexo II B do Regulamento (CE) nº 338/97 do Conselho de 09/12/1996;
3. Tal espécime havia sido cedido pelo arguido a C… em data próxima daquela acção de fiscalização;
4. O espécime em causa não detinha qualquer anilha que levasse à sua identificação;
5. A declaração de cedência da ave exibida não continha os elementos suficientes e imprescindíveis para a sua identificação, designadamente número de registo de CITES que comprovasse a origem/parentalidade da mesma, nem número de anilha fechada;
6. O arguido B… juntou cópia do certificado CITES, nº PT/C-2012/2010 de 04/10/2012, emitido pelo ICNF que comprova que este detém na sua posse dois espécimes da espécie Amazona aestiva xanthopteryx, aves estas com anilhas AR-01 Fêmea e ESAZ-5859 Macho;
7. O arguido tem a sua situação regularizada perante o ICNF, pois está registado ao abrigo da Portaria nº 7/2010, de 05/01;
8. Junto da Unidade de Aplicação de Convenções Internacionais (CITES) do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) apurou-se que o arguido, enquanto criador, tem a sua situação regularizada perante o ICNF – registo ao abrigo da Portaria nº 7/2010, de 05/01;
9. O arguido não agiu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz. Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provou:
1. Que aquando da cedência o espécime tinha a anilha fechada;
2. Que quando o espécime foi entregue a C… foi acompanhado de uma declaração de cedência onde constava o número da anilha e ainda uma cópia do certificado CITES relativo aos progenitores;
3. Que o recorrente actuou sem consciência da ilicitude dos factos. Fundamentação de facto
A convicção do Tribunal resulta do teor do auto de notícia de fls. 5, bem como das fotografias de fls. 6, que o acompanham e que ilustram o espécime em causa.
O cabo D…, militar autuante, descreveu com toda a credibilidade a acção de fiscalização efectuada, afirmando sem qualquer reserva que a ave não tinha anilha e o seu proprietário não tinha qualquer documentação relativa à mesma, que apenas apresentou no dia seguinte (18/09) no posto da GNR.
O recorrente afirmou, sem qualquer credibilidade, que a ave em causa possuía anilha, e não deu qualquer justificação para que a declaração de cedência de fls. 18 não estivesse datada, nem do motivo pelo qual não constava da mesma o número da respectiva anilha, o que afirma tratar-se de um lapso, justificação que manifestamente não colhe.
Explicou que a ave em causa foi trocada por um casal de papagaios de outra espécie com E…. Este, inquirido com testemunha, veio confirmar a versão dos factos apresentada pelo recorrente de que a ave tinha anilha e foi entregue ao cessionário com a declaração de cedência e o Cites dos progenitores, mas como já ficou dito nada disso resultou das declarações do autuante.
As declarações da esposa do arguido, F…, também em nada infirmaram a prova produzida pela acusação, apresentando-se a mesma a reiterar as declarações do recorrente, seu marido.
O recorrente e a esposa explicaram que actualmente já procedem à elaboração de todos os registos exigidos por lei, exibindo em audiência os respectivos mapas.
Mais se atendeu à cópia do certificado de fls. 16 que comprova que o recorrente detém na sua posse dois espécimes da espécie Amazona aestiva xanthopteryx, aves estas com anilhas AR-01 Fêmea e ESAZ-5859 Macho, e à cópia da declaração de cedência de fls. 18, sendo uma cópia desta que foi apresentada na GNR e não da de fls. 38 em que se encontra escrito o número de uma anilha. Apreciação jurídica
Ao recorrente foi aplicada a coima de € 20.000,00 (vinte mil euros) pela prática da contra-ordenação p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 4 e 25º, nº 1, al. c) do Decreto-lei nº 211/2009, conjugados com o artigo 22º, nº 4, al. a) da Lei nº 50/2006, de 29/08 (fls. 21 a 28).
Vejamos.
Estabelece o nº 3 do artigo 2º do Decreto-lei nº 211/2009, de 03/09 que: “A detenção de espécimes de espécies listados nos anexos A, B, C e D do Regulamento (CE) n.º 338/97 é titulada pelas licenças ou certificados previstos nos Regulamentos (CE) n.os 338/97 e 865/2006”.
O nº 4 por seu turno, estabelece que: “Nos casos de cedência de espécimes das espécies incluídas nos anexos B, C e D do Regulamento (CE) n.º 338/97, para um novo detentor que não implique a saída do espécime do território comunitário, a detenção é titulada pelas licenças ou certificados previstos nos Regulamentos (CE) nºs 338/97 e 865/2006 e:
a) Por qualquer documento de cedência, nomeadamente por factura, que mencione expressamente o número da licença ou do certificado que abrange o espécime cedido;
b) Por qualquer documento de cedência, nomeadamente por factura, que mencione expressamente a origem de cativeiro num Estado membro da União Europeia que tenha regulamentado o estatuto de criador ou equivalente;
c) Por certidão do Registo Nacional CITES da qual conste o registo relativo ao novo detentor e os averbamentos relativos ao espécime detido”.
Ora da matéria de facto assente resulta que o espécime Amazona aestiva xanthopteryx apreendido encontra-se previsto no Anexo B do Regulamento (CE) nº 338/97 CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção).
De igual modo, ficou demonstrado que a ave não detinha qualquer anilha que conduzisse à sua identificação e a declaração de cedência elaborada não continha os elementos suficientes e imprescindíveis para a sua identificação, nem por qualquer forma se podia estabelecer a origem e parentalidade da mesma.
Constitui contra-ordenação ambiental muito grave a cedência a terceiros de espécimes de espécies incluídas nos anexos A e B do Regulamento (CE) nº 338/97, sem o certificado adequado ou com um certificado falso, falsificado, inválido, caducado ou ilegalmente alterado (artigo 25º, nº 1, al. c) do Decreto-lei nº 211/2009, de 03/09), punida com coima de € 20.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência e de € 30.000,00 a € 37.500,00, em caso de dolo, como prevê o artigo 22º, nº 4, al. a) da Lei quadro das contra-ordenações ambientais (Lei 50/2006, de 29/08).
Ao recorrente, e porque a entidade administrativa entendeu ter o mesmo actuado de forma negligente, foi aplicada uma coima de € 20.000,00, ou seja, pelo seu limite mínimo.
*
Pretende o recorrente que em caso de condenação lhe seja aplicada uma mera admoestação por ter agido em erro sobre a ilicitude que não lhe é censurável.
Contudo, nunca se poderá considerar que o arguido actuou em erro. Na verdade, impunha-se ao recorrente que, uma vez que se quis dedicar a esta actividade, se inteirasse de toda a legislação atinente à mesma e se informasse sobre todas as exigências legais para efectuar a cedências das aves, pelo que qualquer desconhecimento da lei sempre lhe seria censurável.
Mas para além dessa circunstância entendemos que a pretensão do recorrente carece de fundamento legal.
Na verdade, a Lei-quadro das contra-ordenações ambientais não prevê a pena de admoestação, pelo que a entender-se que tal seria possível, o que se nos afigura duvidoso, a mesma apenas poderia resultar do regime geral das contra-ordenações e coimas do Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10.
Sucede que apenas a reduzida gravidade da infracção e da culpa permite ao julgador ponderar a aplicação da admoestação (artigo 51, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10).
Se por um lado, o tipo de culpa até se poderá considerar reduzido, visto que a conduta é imputada ao recorrente a título negligente, o mesmo já não se pode afirmar relativamente à gravidade da infracção, pois desde logo em termos objectivos e formais, estamos perante uma contra-ordenação ambiental muito grave que o legislador pune de forma severa.
E pune-a efectivamente desta forma a fim de prevenir e desmotivar os agentes da prática dos factos que lhe estão subjacentes.
A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) cujos anexos incluem 5.600 espécies de fauna e 30.000 espécies de flora é uma ferramenta fundamental de protecção e conservação de espécies, que contribui para mitigar a crise global de perda de biodiversidade (preâmbulo do Decreto-lei nº 211/2009, de 03/09 e dados do ICNF). Trata-se de matéria que envolve autoridades públicas com competências muito diversas, nomeadamente de fiscalização de actividades económicas e de controlo aduaneiro, sanitário e do bem-estar animal.
Visa-se assim, assegurar que o comércio de animais não põe em risco a sua sobrevivência no estado selvagem.
De resto, os interesses económicos que rodeiam esta actividade alcançam valores muito elevados o que pode conduzir os agentes destes ilícitos e arriscarem na prática de comportamentos irregulares e mesmo ilegais. Um espécime como o que está em causa nos autos, que teria cerca de 4 meses pode custar cerca de € 500/600, como admitiu a testemunha E…. Trata-se de aves que podem durar mais de 60 anos, donde se infere que o seu valor em fase adulta e reprodutiva alcançará valores de milhares de euros, donde resulta a severa punição do legislador para estas condutas.
Tudo visto, entendemos não existirem razões de direito e de facto que levem o Tribunal a aplicar ao arguido a pena de admoestação.»
Apreciação
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das respectivas conclusões, as quais sintetizam as razões da discordância, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Atentando nas conclusões apresentadas, a única questão trazida à apreciação deste tribunal é a coima não ter sido especialmente atenuada nos termos do art.72.º do C.Penal, por aplicação subsidiária das normas do C.Penal, de acordo com o disposto no art.32.º do DL n.º433/82, de 27/10, tendo sido violado o princípio da proporcionalidade previsto no art.18.º, n.º2 da CRP.
No âmbito do recurso contra-ordenacional, o tribunal da relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito – art.75.º, n.º1 do RGCO [Regime Geral das Contra-Ordenações].
Os recursos ordinários, enquanto remédios jurídicos, são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, pelo que não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.[1]
A este propósito o Ac.STJ de 25/3/2010,[2] de forma bem elucidativa, refere que os recursos «despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.» In casu, estamos perante um recurso contra-ordenacional em que ao tribunal da relação cabe a apreciação da decisão recorrida, a qual incidiu sobre as concretas questões colocadas na impugnação judicial apresentada pelo arguido. Logo, é sobre o objecto dessa decisão que é admissível o recurso para o tribunal da relação. De outro modo, este tribunal estaria a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido.
Atentando na decisão recorrida, verifica-se que na impugnação judicial o arguido impugnou a matéria de facto, com base na alteração da qual pugnou pela absolvição e, para o caso de não proceder esta pretensão, sustentou que devia ser-lhe aplicada uma admoestação.
A impugnação judicial foi julgada totalmente improcedente e no recurso interposto para este tribunal ad quem o arguido defende que a coima aplicada devia ter sido especialmente atenuada nos termos do art.72.ºC.Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.32.º do RGCO.
A questão da atenuação especial da coima não foi suscitada na impugnação judicial perante o tribunal de comarca, razão pela qual a mesma não foi apreciada. O arguido ao trazer à apreciação do tribunal da relação a questão da atenuação especial suscita uma questão nova, que nunca foi objecto de decisão. Aliás, se atentarmos na motivação do recurso, o arguido quase que faz tábua rasa da decisão recorrida, mais parecendo que tendo soçobrado na impugnação judicial ao defender a alteração da matéria de facto e, subsidiariamente, a aplicação de uma mera admoestação, vem agora no recurso para o tribunal da relação enveredar por outra via e pugnar pela atenuação especial da coima.
O tribunal da relação, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente perante o tribunal da 1ªinstância e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de uma questão que não foi presente ao tribunal de que se recorre.
O recorrente esquece que a decisão recorrida é a do tribunal de 1ªinstância e que sobre esta questão não se pronunciou, porque o arguido não a submeteu a apreciação.
Em face do exposto, o recurso tem de improceder.
IIII – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça.
[texto elaborado em computador pela relatora e revisto por ambas as signatárias]
Porto, 4/3/2015
Maria Luísa Arantes
Ana Bacelar
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[1] É este o entendimento unânime da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [v, entre outros, Ac.STJ de 30/10/2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª, Ac.STJ de 27/05/2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209, Ac.STJ de 20/07/2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª, Ac.STJ de 02/05/2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª, Ac.STJ de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª, Ac.STJ de 29-04-2009,Proc.n.º 607/09-3.ª, Ac.STJ de 07-07-2009, Proc.n.º1145/05.6TAMAI.C1.S1-3.ªe Ac.do STJ de 15/9/2010, proc.nº 322/05.4TAEVR.E1.S1, 3ª]
[2] Processo n.º76/10.2YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral