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ARGUIDO
TESTEMUNHA
CRIME DE AMEAÇA
MAL FUTURO
CRIME DE DENÚNCIA CALUNIOSA
Sumário
I - O arguido não pode depor como testemunha no processo em que é arguido ou co arguido, ou em processos conexos enquanto mantiver essa qualidade, mesmo que consinta em depor nessa qualidade. II - Para o preenchimento do crime de ameaça, basta que, ainda que por momentos breves o anuncio do mal, ainda que não concretizado, seja capaz de gerar medo, inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação. III - A circunstância de o espaço temporal que medeia entre o mal anunciado e a certeza da sua não consumação ser maior ou menor é indiferente para a existência do crime. IV - Pratica o crime de ameaça o arguido que foi dentro do portão de sua casa e muniu-se de uma enxada e com ela nas mãos dirigiu-se ao ofendido, dizendo-lhe “ vou-te matar”, altura em que aparece uma terceira pessoa e o ofendido fugiu. V - Para que ocorra o crime de denuncia caluniosa, para além de ser indispensável que exista uma acusação em processo penal, a prova da falsidade dos factos imputados, e a consciência dessa falsidade por parte do agente, exige-se ainda a espontaneidade da imputação devendo esta ser da exclusiva iniciativa do denunciante e a denuncia seja objectiva e subjectivamente falsa.
Texto Integral
Proc. nº 2690/12.2TAGDM.P1
2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar
Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Nos autos de instrução nº 2690/12.2TAGDM do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar em que são arguidos B…, C… e D… foi indeferida a audição destes dois últimos co-arguidos, na qualidade de testemunhas, por despacho proferido em 11 de Dezembro de 2013, com o seguinte teor:
“Decorre do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 133.º do Código de Processo Penal que “Estão impedidos de depor como testemunhas: O arguido e os coarguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade; (…)”. ---
Resulta deste preceito que não pode depor como testemunha a pessoa que no processo foi constituída como arguida, quer quanto a factos que lhe são imputados a si em exclusivo, quer quanto a factos que são imputados a si e aos seus coarguidos, o mesmo acontecendo relativamente a processos conexos. ---
O que visa este preceito é a proteção do próprio arguido, como tal constituído, que assim fica excluído da obrigação de depor como testemunha se como tal for indicado, e liberto ainda dos deveres de prestação de depoimento e de o fazer com verdade sob pena de ser sancionado criminalmente. ---
“A justificação do impedimento de o coarguido depor como testemunha tem como fundamento essencial uma ideia de proteção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento (…) e que se traduz no brocardo latino nemo tenetuse ipsum accusare, o também chamado privilégio contra a autoincriminação (cfr., neste sentido, Costa Andrade, Sobre as Proibições de prova em Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 21, e Ac. do TC. n.º 30472004, de 5 de Maio, acessível in www. tribunal constitucional.pt”). ---
Do exposto, resulta que um arguido não pode depor como testemunha, todavia se consentir em depor nessa qualidade, será que se deverá ouvi-lo nessa qualidade? ---
Pensamos, sempre com o devido respeito por opinião diversa, que não. Com efeito, depor como testemunha ou como arguido não contende com o apuramento da verdade material, dado que tanto numa qualidade, como noutra o sujeito em causa sempre poderá oferecer a sua versão verdadeira dos factos. Todavia, sendo arguido, não pode o Tribunal, deixar de ter em consideração o estatuto processual do sujeito em causa, com os inerentes deveres e direitos. Note-se que a violação da proibição em causa tem o efeito da nulidade das provas obtidas. ---
Assim, indefere-se a audição dos coarguidos, C… e D…, na qualidade de testemunhas. ---
Notifique, inclusive, pessoalmente os arguidos em causa para, no prazo de 10 dias, esclarecerem se pretendem prestar declarações enquanto arguidos.”
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RECURSO INTERLOCUTÓRIO
Inconformado, com o despacho que indeferiu a audição dos co-arguidos na qualidade de testemunhas, o arguido C… interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que rematou com as seguintes conclusões:
A - Ao proferir o despacho de que ora se recorre, esqueceu-se o tribunal a quo que, além de co-arguido, o recorrente é também assistente nos presentes autos, assistindo-lhe, enquanto ofendido, direitos, que ficaram precludidos pela não inquirição da co-arguida D… enquanto testemunha.
B - Fundamenta-se o douto despacho recorrido no disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 133.º do C. P. Penal, sendo que resulta deste preceito que não pode depor como testemunha a pessoa que no processo foi constituída como arguida, quer quanto a factos que lhe são imputados a si em exclusivo, quer quanto a factos que são imputados a si e aos seus co-arguidos, o mesmo acontecendo relativamente a processos conexos, visando-se, desta forma, a protecção do próprio arguido, como tal constituído, que assim fica excluído da obrigação de depor como testemunha se como tal for indicado, e liberto ainda dos deveres de prestação de depoimento e de o fazer com verdade sob pena de ser sancionado criminalmente.
C - Sucede que, além de arguido nos presentes autos, o ora recorrente é também OFENDIDO, ou seja, é o titular dos interesses que a lei especialmente visou proteger com a incriminação, pelo que, também nesta qualidade lhe assistem direitos,
D - direitos esses que não são menos importantes que os direitos do arguido! Pelo que, não pode o tribunal permitir que os direitos do arguido se sobreponham aos direitos do ofendido, como acontece em consequência do despacho recorrido, violando não só o art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa CUJOS DIREITOS NÃO PODEM SER MENORIZADOS E SÃO ABRANGIDOS POR ESSA DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL, como os artigos 1.º (na medida em que defende a dignidade da pessoa humana), 9.º, al. b) e 18.º da CRP.
E - Mais: tendo-se constituído assistente, o ora recorrente assumiu a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, competindo-lhe, nomeadamente, intervir no inquérito e instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurem necessárias à descoberta da verdade.
F - Ora, foi exactamente isso que o aqui recorrente e a co-arguida D… fizeram: indicaram como testemunhas em sede de requerimento de abertura de instrução as pessoas que se encontravam presentes aquando dos acontecimentos em causa nos autos, pois só elas poderão relatar, com verdade, os acontecimentos que lhes deram origem,
G - Só assim ficando asseguradas todas as garantias de defesa dos direitos das vítimas, previstas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
H - Note-se que bastaria a um arguido que praticou um crime, inventar um outro crime praticado pelo ofendido ou por uma testemunha presente no local dos factos para impedir que o ofendido ou a testemunha fossem ouvidos na qualidade de testemunhas nos autos, como sucedeu neste caso.
I - Ao indicar como testemunha a co-arguida D…, o ora recorrente visou o apuramento da verdade material, visou, assim, que esta, inquirida sobre os factos em causa, os relatasse sob juramento, respondendo com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas, sob pena de prestar falso testemunho, podendo, desta forma, ser criminalmente responsabilizada, ao abrigo dos arts. 132.º, n.º 1, al. a), 132.º, n.º 2 e 360.º, todos do C. Penal.
J - Não se trata aqui de protecção do próprio arguido, como tal constituído, nem está em causa o privilégio contra a auto-incriminação, uma vez que a co-arguida D… iria testemunhar sobre os factos respeitantes ao ora recorrente e não quanto aos factos respeitantes à acusação pública contra si deduzida, tanto mais que, se assim fosse, sempre poderia fazer uso da faculdade que lhe é concedida pelo n.º 2 do art. 132.º do C.P., recusando-se a responder a perguntas de cujas respostas resultasse a sua responsabilização penal.
K - Nem se diga que, por ser co-arguida, as suas declarações possuem uma diminuída credibilidade em face da impossibilidade de prestar juramento e do direito ao silêncio que lhe assistem nessa qualidade, já que, não era nessa qualidade que D… iria ser ouvida e em último caso, tal problema não se coloca havendo separação de processos, o que o tribunal a quo deveria ter providenciado.
L - De facto, dispõe o n.º 2 do art. 133.º do C.P.P. que em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.
M - Ora, ainda que se entendesse que a co-arguida D… não poderá depor como testemunha quanto aos factos respeitantes ao co-arguido C…, o que não se concebe pelos motivos já expostos, sempre estaria assegurada esta possibilidade, ao abrigo do n.º 2 do artigo 133.º do C.P.
N - Pelo que, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 30.º do C.P.P., oficiosamente, deveria o tribunal a quo ter cessado a conexão de processos por existir na separação um interesse ponderoso e atendível dos co-arguidos C… e D….
O - A proibição constante da al. a) do n.º 1 do art. 133.º do C.P.P., entendida com o alcance contido no despacho de que ora se recorre, tornou-se um "meio de defesa" ao alcance de arguidos que, desta forma, evitam o depoimento de testemunhas essenciais para a descoberta material.
P - Assiste-se, desta forma, a uma instrumentalização da disposição contida naquele preceito, cuja aplicação correcta e coerente cabe aos tribunais.
Q - Assim, por todo o exposto, é inconstitucional a norma do artigo 133.º, n.º 1, al. a) do C.P. Penal, na medida em que impede os co-arguidos de deporem no mesmo processo como testemunhas por violação do referido artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
R - Ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e os arts. 30.º e 133.º, n.º 1, al. a) n.º 2, todos do C.P.P.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine a inquirição dos co-arguidos C… e D… na qualidade de testemunhas nos presentes autos.
Assim decidindo farão V. Exas. inteira e sã justiça.
***
Após despacho final do inquérito proferido pelo Ministério Público a fls. 126 e segs., o assistente/arguido C… apresentou o requerimento de fls. 248 e segs., no qual pede a abertura de instrução, por discordar do referido despacho final.
Na sequência do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, veio a arguida D… apresentar o requerimento de fls. 273 e segs., no qual pede a abertura da instrução por discordar do referido despacho.
A final, por despacho de 13.06.2014, pela Senhora Juiz de Instrução foi decidido:
“Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto acabamos de deixar dito e sem necessidade de ulteriores considerações, decide-se:
- Não dar provimento aos requerimentos de abertura da instrução de C… e D… e, em consequência, não pronunciar o arguido, B…, pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l), e 22.º, todos do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal, e
- pronunciar os arguidos, C… e D… e B… para julgamento, em processo comum, perante Tribunal Singular, pelos factos e disposições normativas constantes da acusação pública, de fls. 133 e seguintes, a qual se considera integralmente reproduzida, nos termos do disposto nos artigos 307.º, n.º 1, e 308.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
(…)”.
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RECURSO DA DECISÃO INSTRUTÓRIA
Inconformado com o decidido, o assistente/arguido C… interpôs recurso da decisão instrutória, no remate de cuja motivação formula as conclusões, que a seguir se transcrevem integralmente e que, como é consabido, delimitam o âmbito e objecto do recurso: A - O tribunal recorrido considerou existirem indícios suficientes da prática do crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo artigo 143.0, n.º 1 do C.P. cometido pelo recorrente contra o recorrido, tendo pronunciado o ora recorrente pelo mesmo, bem como considerou inexistirem indícios suficientes para pronunciar o arguido B… pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153. N.º I, 155.0, n.º l, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea 1), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.°, 132.°, n.º 1, e n.º 2, alínea j) e 22.°, do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.°, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º do Código Penal, tendo proferido despacho de não pronuncia quanto aos mesmos. B - Não concorda o recorrente com tal decisão, já que, por um lado não estão suficientemente indiciados nos autos factos capazes de imputar ao recorrente a prática dos factos por que foi pronunciado e por outro estão suficientemente indiciados nos autos factos capazes de imputar ao arguido a prática dos factos que se lhe imputa. C - Com efeito, quanto à pronúncia do requerido pelo crime de ofensas à integridade física, a versão do recorrido não corresponde á verdade dos factos ocorridos no dia em causa nos autos, como resulta das declarações das testemunhas D… e E…, bem como das declarações do recorrente, relatórios de urgência e relatórios médicos juntos aos autos. D - Na verdade, o recorrente foi violentamente agredido pelo arguido B… com um soco no sobrolho esquerdo, ficando a sangrar abundantemente, tendo imediatamente fugido do confronto directo com ele, escondendo-se atrás da carrinha de B… que se encontrava estacionada perto do local dos factos em causa nos autos. E - A versão dos factos relatada por B… e pelas testemunhas F… e G… é inventada e contém discrepâncias que, como demonstrado em sede de RAI, demonstram a inveracidade dos factos por eles relatados. F - As lesões que B… diz ter sofrido são falsas e cuidadosamente "desenhadas" por ele. As fotografias juntas aos autos por B… e nas quais supostamente se vê as agressões de que foi vítima são falsas e não respeitam ao dia e local em causa nos autos: nas fotografias juntas aos autos pelo assistente e relativas ao dia 06.07.2012, nas quais se pode ver que o arguido veste umas calças azuis de bolsos laterais, com cinto castanho e camisola de cinza/azulada, de mangas compridas arregaçadas, e sapatilhas e nas fotos que o arguido junta posteriormente aos autos, vê-se o arguido com uma camisa aos quadrados, branca e risca vermelha, de manga curta e com calças de ganga. G – B… apenas deu entrada no hospital de Santo António cerca das 18.24h, queixando-se de agressões com traumatismos nos membros superiores, nariz e região periorbitária esquerda, queixas na zona lombar esquerda, agravada com inspiração profunda, episódio de epistáxis durante a agressão (...), calor e rubor olho esquerdo. (fls 176/177), sendo certo que, em nenhum local dos autos é feita referência a qualquer tipo de agressão nos membros superiores, região periorbitária esquerda e zona lombar esquerda! H – B…, F… e G… apenas referem que C… desferiu um soco no nariz de B…, pelo que, também por aqui se vê a falsidade das declarações prestadas. Mais: em nenhuma das fotografias juntas aos autos se vê a mulher do arguido, F…, uma vez que, efectivamente, a mesma não se encontrava no exterior da casa e nada viu, SÓ ESTANDO NO LOCAL A FILHA DO B… E AS TESTEMUNHA ARROLADAS PELO RECORRENTE. I - Assim, inexistem nos autos indícios suficientes da prática pelo recorrente da prática do crime de ofensas à integridade física pelo qual foi pronunciado. J - Quanto à Não Pronúncia do recorrido pelo crime de denúncia caluniosa e falsificação de documento, discorda o recorrente do entendimento plasmado no douto despacho recorrido, o qual reproduz o entendimento do MP em sede de despacho de arquivamento do inquérito. K - Na verdade, o arguido B… tem perfeita consciência da falsidade da imputação que faz ao recorrente! L - Se dúvidas houvesse, sempre poderão ser esclarecidas pelo confronto das fotografias juntas aos autos pelo recorrente e relativas ao dia 06.07.2012, nas quais se pode ver que o arguido B… veste umas calças azuis de bolsos laterais, com cinto castanho e camisola de cinza/azulada, de mangas compridas arregaçadas e sapatilhas e nas fotos que o arguido junta posteriormente aos autos, vê-se o arguido com uma camisa aos quadrados, branca e risca vermelha, de manga curta e com calças de ganga. M - O que significa que as fotos juntas aos autos são de outro dia ou outra hora que não a hora em causa nos autos, tendo o arguido B… dedicado tempo a "pintar-se" como se de sangue se tratasse e tirado fotografias, o que demonstra que simulou o crime pelo qual acusa o assistente, tendo, por isso, perfeita consciência de que a imputação que faz ao recorrente é falsa. N - Com efeito, o arguido B… ao lançar sobre o recorrente a suspeita da prática de um crime de ofensas á integridade física, sabendo que os factos que lhe imputou eram falsos e que os meios de prova que coligiu para o secundar emergiam manipulados, intentou que contra o recorrente fosse instaurado procedimento criminal, o que logrou alcançar. O - Preenche o tipo objectivo do crime o lançamento da suspeita sobre o recorrente através da afirmação de factos falsos. O facto de, segundo o MP, existirem indícios suficientes que a imputação feita ao recorrente não se baseia em factos falsos, mas é antes verdadeira, não importa o arquivamento dos autos quanto ao crime em causa, já que, é o denunciante que tem que ter a consciência da falsidade da imputação cometida, o que tem. Motivo pelo qual deveria ter sido o recorrido pronunciado quanto ao crime em questão. P - Também quanto ao arquivamento do crime de falsificação de documento erra o douto despacho recorrido, uma vez que, reproduzindo, uma vez mais, o teor do despacho do MP, entende que as fotografias em questão capturaram o estado em que B… se encontrava no dia e hora em causa nos autos. Q - Sucede que, as fotografias em causa não foram tiradas naquele dia e hora, tal como supra já se explicou. De facto, nas fotografias juntas pelo arguido B… verifica-se que o mesmo não se encontra com a mesma roupa que nas fotografias juntas pelo assistente. R - Se dúvidas houvesse quanto à falsidade das mesmas, note-se que, nas fotografias juntas pelo recorrente é possível ver o mesmo, o arguido B… e a filha do arguido, G…, encontrando-se o recorrente a sangrar abundantemente após ter sido agredido pelo arguido, o que prova que as mesmas foram tiradas no dia e hora em causa nos autos. Já nas fotografias juntas pelo arguido B…, o mesmo está sozinho e com outra roupa o que só por si indicia que as fotografias juntas não dizem respeito ao dia e hora em causa nos autos. TS - Mal andou o despacho recorrido quando considera que tais fotografias capturaram o estado em que B… se encontrava naquele momento e que nenhum elemento de prova existe no sentido de que tais fotografias não retractem factos verdadeiros, já que, existem nos autos elementos de prova que indiciam que tais fotografias não respeitam ao dia e hora em causa e que além do mais retractam factos falsos. T - Acresce que, ainda que tais fotografias tenham sido usadas para reafirmar as declarações do arguido B…, então, estaremos perante o crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo .º 3 al. a) do art. 365.° do C.P., sendo este mais um elemento a considerar para aferir da personalidade do arguido. U - Quanto à Não Pronúncia do recorrido pelo crime de ameaça agravado e/ou homicídio sob a forma tentada, discorda, em absoluto o recorrente do douto despacho proferido, porquanto existem indícios suficientes da prática pelo recorrido dos crimes de ameaça e/ou homicídio sob a forma tentada. V - São elementos essenciais do crime de ameaça o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime, que esse anúncio provoque receio, medo ou inquietação ou lhe prejudique a sua liberdade de determinação e que o agente tenha actuado com dolo. X - No presente caso, o recorrente tomou a sério a ameaça que lhe foi dirigida pelo arguido B…, atendendo ao facto deste ser um individuo perigoso, com o qual o recorrente se defronta por diversas vezes em tribunal e do qual se conhecem casos de violência para com diversas pessoas, além do facto de este possuir arma de fogo (licença de uso e porte de arma Classe D n.º …../2011-01, emitida pelo comando da PSP d Porto em 28/10/2011 e válida até 27/10/2016, conforme documentação existente nos autos), razão pela qual, o assistente entendeu as palavras proferidas pelo arguido como a ameaça de que o haveria de matar E, POR ISSO, FUGIU DELE. Z - Tanto mais quando, após ter sido agredido pelo arguido, o recorrente fugiu e se tentou esconder atrás da carrinha do arguido que se encontrava estacionada perto de casa do mesmo, tendo o arguido vindo a correr atrás do recorrente com a enxada nas mãos dizendo que o ia matar! Versão, aliás, confirmada pelos depoimentos das testemunhas D… e E…. AA - De referir, ainda, que mal andou o douto despacho do MP que questiona se naquele momento o arguido B… trazia consigo nas mãos uma enxada, já que, contrariamente a que refere, os depoimentos de C…, D… e E… são coincidentes, sendo natural, por outro lado, que o arguido B…, a esposa e filha, neguem tais factos, por serem familiares do arguido e terem interesse directo na causa, ou seja, têm interesse em favorecer o arguido, interesse em que o mesmo não seja condenado. AB - Mais: entende o douto despacho do MP que "não se compreende e nela é mesmo razoável que, atenta a versão dos jactos apresentada por C…, este, após ter sido agredido com um soco na face por B…, se mantivesse junto da entrada da residência deste a aguardar enquanto aquele se deslocou até ao se interior e regressado com a enxada ". É espantoso como para o tribunal recorrido quem mente é o advogado agredido! E que a Sr.ª Juiz não entenda que, depois de levar um murro que o pôs atordoado e ensanguentado, no estado em que as fotos demonstram, o recorrente tenha pensado que o B… teria fugido para casa para não mais ser visto e não para ir buscar uma enxada! AC - Conforme resulta também dos depoimentos do recorrente, D… e E…, este, após ter sido agredido pelo arguido, fugiu dele, escondendo-se atrás da carrinha do arguido que se encontrava estacionada perto de casa dele, tendo o mesmo, de imediato, ido dentro da sua propriedade buscar a enxada com a qual ameaçou o recorrente. AD - Ora, os factos relatados ocorreram numa fracção de tempo contínua, não tendo o recorrente "ficado a aguardar", como refere o despacho do MP, querendo com isto fazer parecer que o recorrente nada fez após ter sido agredido que não esperar junto da entrada do arguido. Tanto mais quando, os factos relatados ocorreram no espaço exterior à casa do arguido, junto ao portão da mesma, tendo o arguido percorrido uma curta distância para ir buscar a enxada e regressar com ela. AE - Acresce que, não releva para o presente caso se a ameaça é futura ou iminente, já que ao ameaçar o recorrente, o arguido fê-lo com a intenção de o vir a fazer, fosse naquele dia, fosse em qualquer outro dia que ambos se viessem a encontrar, pois o arguido exteriorizou uma vontade já há muito existente de concretizar as ameaças que proferiu, não faltando oportunidades para as vi a consumar. AF - Sem prescindir, sempre se dirá o seguinte: Como fundamento do despacho de arquivamento, estriba-se o despacho recorrido na argumentação de que não se tratou duma ameaça de mal futuro. Estar-se-á perante uma ameaça de mal futuro sempre que se não esteja perante execução eminente. Por outras palavras, o mal anunciado terá a característica de "mal futuro" desde que não se trate já duma tentativa criminosa, nos termos em que o art.º 22º do Código Penal a caracteriza.
AG - Ora, das duas, uma: Ou o despacho recorrido entende que estamos perante ausência de tentativa de homicídio, e, assim, a ameaça de morte é uma ameaça de mal futuro, sendo as expressões usadas pelo arguido objectivamente configuradoras dum mal futuro já que não seguidas de qualquer acção configuradora de execução imediata ou iminente do mal ameaçado, uma vez que o arguido não praticou qualquer acto de execução no momento do crime anunciado (Como se referiu em Acórdão da Relação de Guimarães de 7/1/2008 (www.dgsi.pt)] "tudo o que não seja execução em curso é anúncio de mal futuro, sendo indiferente que a expressão usada seja «agora» «hoje», «amanhã» ou «para o ano». Futuro é todo o tempo compreendido naquele em que é proferida a expressão que anuncia o mal não acompanhada de actos correspondentes à sua concretização. Ou seja, sempre que alguém dirija a outrem uma expressão verbal de anúncio de causação de um mal não acompanhando o anúncio de actos de execução correspondentes - permanecendo inactivo em relação à execução do mal anunciado -, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade do mal anunciado se concretizar é o futuro em termos de interpretação da expressão em causa"). Ou, pelo contrário, a não ser assim, deveria o douto despacho recorrido entender que existiu uma tentativa de homicídio do recorrente, crime pelo qual deveria, então, ter sido proferido despacho de pronúncia. AH - Vejamos: considerando o despacho recorrido que estamos na presença de um mal iminente, proferindo, por esse motivo, despacho de arquivamento quanto ao crime de ameaça, não entende o recorrente como pode o douto despacho, ainda assim, não pronunciar o arguido pelo crime de homicídio sob a forma tentada! AI - Justifica-se o douto despacho no facto de a testemunha E…, em sede de instrução, ter referido que quando o arguido terá chegado munido da enxada, já não se encontrar ninguém no local, pelo que, não se pode ver em tal acto um acto de execução do crime de homicídio na forma tentada que pretendia cometer! Sucede que, não assiste qualquer razão a douto despacho recorrido! AJ - Como facilmente resulta da senso comum, é natural que, indo o arguido buscar uma enxada, empenhando a mesma no ar, dizendo ao recorrente que o ia matar, este não ficasse a aguardar que o arguido chegasse á sua beira com a mesma pra com ele ter uma conversa amigável!!! Ou seja, é natural que o recorrente, sentindo-se ameaçado de morte, fugisse para o mais longe possível do arguido para que este não consumasse o crime que ameaçava cometer!!! AK - Não se entende a fundamentação do douto despacho recorrido, no sentido em que não vê em tal acto, um acto de execução do crime de homicídio, pelo simples facto de que não se encontrava ninguém no local quando o arguido lá chegou com a enxada. Ainda bem que já lá não estava ninguém! Caso contrário, por esta altura, estaríamos a discutir um crime de homicídio na forma consumada!!! AL - "O n.º 2 do artº 2º do CP., acolhe as teorias formais objectivas no sentido de que são actos de execução todos os que preenchem um elemento típico e não somente os que do ponto de vista formal preenchem a ilicitude, o que implica na contextualização integral da realização típica o eventual recurso ao plano do agente para se visualizar a natureza do acto praticado. A alínea b) corresponde à idoneidade para integral realização do tipo, de "actos que nela penetraram ainda no âmbito de protecção típica da norma incriminatória". Relativamente à alínea c) do art.º 22º integra elementos da doutrina da adequação apelando à "experiência comum", "às circunstâncias imprevisíveis", à "natureza de fazer esperar", deve ser concretizada mediante os critérios da conexão de perigo que “existe sempre que entre o último acto parcial questionado e a realização típica se verifica, segundo o lapso temporal mas também de acordo com o sentido, uma relação de iminente aplicação ", e de conexão típica que se verifica "quando o acto já penetra no âmbito de protecção do tipo de crime". - cfr. Ac. STJ de 18-06-209, proc. n.º 09P0305, in www.dgsi.pt. AM - Aqui chegados, cumpre dizer: o arguido, após ter agredido o recorrente com um murro sobre a sobrancelha esquerda, o que lhe causou de imediato um corte na pele e na carne que levou a um enorme derramamento de sangue, foi para dentro do portão de sua casa, muniu-se de uma enxada pegando no cabo e brandindo-a em direcção ao recorrente, correndo para ele com a enxada em punho, dizia-lhe: agora é que te vou matar meu ladrão que me roubaste a herança de meu pai. AN - Ora, o arguido, após ter agredido o recorrente, ao ir buscar a enxada e dirigir-se ao recorrente com a mesma, dizendo-lhe, "é agora que te vou matar" terá representado como consequência possível da sua conduta a morte do mesmo, conformando-se com tal resultado, pelo que, tem de se concluir que ele agiu com dolo eventual (art.º 14.°, n.º 3 do CP) quanto ao crime de homicídio, ainda que só sob a forma tentada, sendo jurisprudência dominante do nosso mais Alto tribunal que aquela forma de dolo pode concorrer com o crime tentado (cfr. acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-01-200, processo n.º 1129/2006-9). AO - De facto, o arguido praticou actos de execução do crime de homicídio que decidiu cometer, só não tendo conseguido a concretização do facto, por circunstâncias completamente alheias à sua vontade, uma vez o recorrente logrou fugir do local antes que o arguido lá chegasse. AP - Mais: a filha do recorrido (G…) tentou impedir que o arguido continuasse a agressão ao recorrente, pelo que, ao ir buscar a enxada, o arguido demonstrou uma vontade insistente em prosseguir o acto, de forma a realizar o seu desígnio, que era matar o recorrente, desígnio que ele conscientemente concebeu. AQ - Pelo que, o acto de o arguido se dirigir ao recorrente de enxada em punho, dizendo que ia matar, e isto, já depois de o ter agredido, é um acto de execução do crime de homicídio, enquadrável na al. c) do n.º 2 do art. 22.0 do CP uma vez que a enxada é um meio idóneo a produzir o resultado morte! AR- Haverá acto de execução e portanto tentativa, quando um certo acto preencha um elemento constitutivo de um tipo de ilícito ou apareça como parte integrante da execução típica, que é o caso dos presentes autos. AS - Pelo que, contrariamente a entendimento vertido no douto despacho recorrido, foram praticados actos de execução do crime de homicídio que o arguido decidiu cometer. AT - Acresce que: Nos crimes de homicídio, ainda que se quedem pela fase da tentativa, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental - a vida - é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. AU - No presente caso, ocorre uma situação que integra um dos exemplos-padrão constantes do n.º 2 do art. 132.° do CP, nomeadamente, a al. j): "é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o numero anterior, entre outras, a circunstância de o agente: "praticar o facto contra membro de órgão de soberania, (…), advogado, (...).
AV - De facto, o recorrente, no dia em causa nos autos, dirigiu-se a casa do arguido, no âmbito das suas funções, para lhe comunicar que não deveria continuar a executar a obra que ilegalmente se encontrava a fazer em casa dos seus clientes. Ou seja, o recorrente dirigiu-se ao arguido na qualidade de advogado, sendo certo que lhe comunicou o que lá se encontrava a fazer, tendo o arguido, ainda assim, decidido agredir o recorrente e tentado matá-lo. AX - Assim, a circunstância de o arguido ter tentado matar o recorrente quando o mesmo se encontrava em pleno exercício das suas funções, para evitar que o mesmo as levasse a cabo, revela uma particular baixeza e falta de carácter, preenchendo, desta forma, os requisitos de especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente. AZ - A decisão recorrida fez uma análise simplista dos factos, analisando e sobrevalorizando certos depoimentos em prol de outros, esquecendo-se de certos elementos de prova e desvalorizando outros. BA - Aliás, quanto aos crimes de homicídio tentado ou ameaças há uma manifesta contradição na decisão recorrida: se considera que não houve homicídio tentado porquanto o recorrente já não se encontrava no local teria de considerar que haveria sempre ameaças porque a expressão vou-te matar teria de ser respeitante ao futuro e não ao presente. BB - Existem indícios suficientes nos autos de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido B… de uma pena. BC - Ao decidir como decidiu violou o tribunal a quo as disposições dos artigos 153.° N.º 1, 155.°, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.°, n.º 2, alínea j), 131.°, 132.°, n.º 1, e n.º 2, alínea J), 22.°, 365.°, 256.° e 143.°, todos do C.P., pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra na qual se ordene o arquivamento dos autos quanto ao crime de ofensa à integridade física pelo qual o recorrente foi pronunciado, bem como o arguido B… seja pronunciado pelos crimes referidos em 1.º e ordenando o seu julgamento pela prática dos referidos crimes em processo comum e com tribunal singular.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que: a) ordene o arquivamento dos autos quanto ao crime de ofensa às integridade física pelo qual o recorrente foi pronunciado; b) pronuncie o arguido B… pela prática de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.°, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.° do Código Penal; c) pronuncie o arguido B… pela prática um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.°, 132.°, n.º 1, e n.º 2, alínea I) e 22.°, do Código Penal d) Ou caso assim se não entenda pelo crime de ameaça agravado p. e p. artigos 153. N.º 1, 155.°, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.°. n.° 2, alínea I), todos do Código Penal.
Assim decidindo farão V. Exas. inteira e sã justiça.
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O recurso interlocutório do arguido foi admitido por despacho de fls. 345, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta Relação o Sr. Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão prévia de alteração do regime de subida fixado na 1ª instância para subida diferida com o que, eventualmente, se interpuser da decisão que vier a pôr termos à causa.
Em 09.07.2014, neste Tribunal da Relação, foi proferida decisão sumária que, alterando o regime de subida do recurso, determinou que este “suba e seja instruído e julgado conjuntamente com o recurso que puser termo à causa”.
Relativamente à decisão instrutória, o recurso do assistente/arguido C… foi admitido na parte em que o mesmo recorre do despacho de não pronúncia relativamente ao arguido B… pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c) por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, alínea l), 22º, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punível pelo artigo 256º todos do Código Penal. E foi rejeitado na parte em que recorre do despacho de pronúncia na parte em que o pronunciou pelos factos e disposições normativas constantes da acusação pública de fls. 133 e segs (cfr. despacho de fls. 571 e 572).
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, concluindo que deve “ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, confirmada a decisão recorrida”.
Subidos os autos a este Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, pelo que cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão proferida pela Senhora Juiz de Instrução. É do seguinte teor o despacho proferido pelo MºPº (transcrição):
Nos termos do disposto no artigo 276.º, do Código de Processo Penal, considerando concluída a investigação, declaro encerrado o inquérito.
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No âmbito dos presentes autos foram recolhidos indícios suficientes da prática dos seguintes crimes:
• Por B…, em concurso real, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de injúria agravado, previstos e punidos pelos artigo 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al.a) e n.º2 referência ao artigo 132.º, n.º2, al.l), e artigo 181.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º2, al.l), todos do CP, correspondendo a este concurso de crimes uma moldura penal cujo limite máximo de pena de prisão é de 4 anos 4 meses e quinze dias;
• Por C… um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP, com pena de prisão até 3 anos; e
• Por D… um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP, com pena de prisão até 3 anos.
Não obstante tais crimes se inserirem naquilo que é designado por média criminalidade, não se optou por aplicar aos presentes autos nenhum dos institutos de simplificação e consenso.
De facto, seria já inviável a aplicação das formas de processo especial sumário e abreviado em virtude de, além de entendermos não estarem preenchidos os requisitos que viabilizam o recurso a tais formas de processos, ser evidente terem já decorrido os prazos previstos nos artigos 382.º, n.º3, e 391.º-A, n.º2, ambos do CPP.
Por outro lado, no decurso do presente inquérito mostrou-se ainda inviável a aplicação da suspensão provisória do processo ou da forma de processo especial sumaríssimo, uma vez que nenhum dos arguidos admitiu a prática dos factos que lhe serão imputados no despacho de acusação que se segue. Pelo contrário, todos negam ter praticado qualquer acto ilícito.
Face às declarações dos arguidos prestadas durante o inquérito, resulta claro a inexistência de qualquer possibilidade de consenso entre eles e, consequentemente, a impossibilidade de aceitação e concordância com qualquer solução alternativa à dedução de acusação para julgamento em processo comum por tribunal singular, o que se seguirá. Conclua os autos ao Exmo. Sr. Procurador da República para conhecimento. nos termos habituais.
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No âmbito dos presentes autos foram ainda recolhidos indícios suficientes da prática por E… de factos susceptíveis de integrar o crime de ofensa à integridade física.
Todavia, à data da prática de tais factos a mesma possuía a idade de 14 anos, pelo que é inimputável em razão da idade nos termos do artigo 19.º do Código Penal.
Não obstante, extraia certidão de fls. 3 a 34 do processo 2690/12.2TAGDM-A, 50 a 59, 74 a 76, 122 a 123 e do presente despacho e remeta-a aos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores do Porto para os fins tidos por convenientes.
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DOS ARQUIVAMENTOS A - Do Processo 2690/12.2TAGDM
Noticia-se nos presentes autos, além do mais, que no dia 6/07/2012, na Rua …, freguesia …, concelho e comarca de Gondomar, na sequência de uma discussão, B…, segurando uma enxada com as mãos, dirigiu-se a C… e disse-lhe "é agora que te vou matar".
B… apenas cessou a sua actuação devido à intervenção de G… que o segurou.
Tais factos são susceptíveis de integrar, em abstracto, um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º1, 155.º, n.º1, al.c), por referência ao artigo 132.º, n.º2, al.l), todos do CP. Foram realizadas as seguintes diligências de inquérito:
1) Foram inquiridas F… (a fls. 27) e G… (a fls. 29), não tendo nenhuma destas testemunhas presenciado tais actos.
2) Foram inquiridas D… (a fls. 31) e E… (a fls. 33 e 50).
Tendo a primeira referido que viu visto B… dirigir-se a C… dizendo "é desta vez que te vou matar ladrão", munido de uma enxada que ergue no ar, e tendo s segunda referido que viu o mesmo arguido dizer a C… "vou-te matar, tu andas-me a roubar a herança do meu pai", enquanto caminhava na direcção deste com uma enxada nas mãos.
3) Interrogado B… (a fls. 122), este negou a prática de tais factos, tendo referido ter dito apenas ao ofendido para se ausentar do terreno anexo à sua residência e que em momento algum agarrou em nenhum objecto e o tivesse dirigido na direcção do mesmo.
A expressão "vou-te matar" é susceptível de provocar em C… um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo, afectando a sua liberdade de decisão e de acção, o que, em abstracto, constitui um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º do CP, sendo agravado em virtude da profissão exercida por este, advogado, nos termos do artigo 155.º, n.º1, al.c), por referência ao artigo 132.º, n.º2, al.I), do CP.
Contudo, há a considerar que o artigo 153.º do CP pune a conduta de "quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação".
Ora, objectivamente, exige-se um acto de ameaça cujo conteúdo se baseie na prática de algum crime que atente contra os bens jurídicos referidos e que a ameaça seja feita de forma adequada a causar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
Trata-se, pois, de um crime de perigo, onde a tutela penal se efectua por antecipação, bastando que o meio empregue seja o adequado. O critério de adequação da ameaça há-de atender às circunstâncias em que a mesma é proferida, à personalidade do agente, bem como às qualidades do sujeito passivo.
Subjectivamente, o tipo legal exige o dolo. O agente tem que saber que a ameaça é susceptível de causar medo ou intranquilidade no sujeito passivo e tem que agir em conformidade com isso, não sendo necessário que o agente tenha intenção de concretizar a ameaça.
Relativamente ao conceito de ameaça, a doutrina aponta três características essenciais ao conceito de ameaça: um mal, ser futuro e que a ocorrência dependa da vontade do agente (cf. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 343).
No caso em apreço verifica-se a existência de um mal cuja ocorrência depende da vontade do agente, porém questiona-se se o mal verificado é para o futuro.
Conforme refere o autor já citado, "o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma: "hei-de-te matar"; já se tratará de violência, quando alguém afirma: "vou-te matar já". Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf artigo 22º n9 2, c)".
Deste modo, as expressões eventualmente proferidas por B…, como sejam "vou-te matar', representam um mal iminente e não futuro, que nem tão pouco se veio a consumar.
Acresce que é ainda questionável se, naquele momento, B… trazia de facto consigo, nas mãos, uma enxada, pois se, por um lado, C…, D… e E… referem a existência desta, ainda que tais depoimentos não sejam coincidentes quanto à forma como esta era transportada; por outro lado, B… nega a prática de tal acto e F… e G… nada viram nesse sentido.
Dos depoimentos de F… e G…, respectivamente esposa e filha do arguido, que se ali se encontravam aquando da prática dos factos, resulta que nada viram a respeito, nem tão pouco, ao contrário do que referente C…, D… e E…, impediram o arguido de prosseguir a sua actuação.
Na verdade, não se compreende e não é mesmo razoável que, atenta a versão dos factos apresentada por C…, este, após ter sido agredido com um soco na face por B…, se mantivesse junto da entrada da residência deste a aguardar enquanto aquele se deslocou até ao seu interior e regressado com a enxada.
Não obstante, ainda que se entenda como boa a versão dos factos relatada pelo ofendido, sempre se dirá que o mal ameaçado não teve projecção futura, mas é antes iminente, pelo que não é tal conduta susceptível de ser abrangida pelo tipo legal cima referido.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPP.
B - Do processo 2690/12.2T AGOM-B
No âmbito dos presentes autos veio ainda C… apresentar queixa contra B… porquanto este apresentou contra si queixa, que foi registada sob o n.º de inquérito 397/12.0GEVNG, imputando-lhe falsamente a prática de factos susceptíveis de integrar o crime de ofensa à integridade física.
Tais factos são susceptíveis de integrar, em abstracto e no entender do denunciante, a prática dos seguintes crimes:
1)Denuncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º do Código Penal;
2)Falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º do Código Penal;
3)Simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366.º do Código Penal. 1) Da denuncia caluniosa
Nos termos do artigo 3652, nº 1 do Código Penal "quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
Conforme determinado no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/02/2012, proferido no âmbito do processo 1357/09.3TACBR.C1, "Para haver o crime em causa é indispensável que o facto constante da falsa denunciação seja imputado a pessoa determinada; que a imputação constitua típico ilícito penal; exige-se, ainda, a espontaneidade da imputação, isto é, esta deve ser da exclusiva iniciativa do denunciante, pelo que inexistirá o crime, por exemplo, quando a falsa acusação é feita por um réu, em sua defesa, no curso do interrogatório, ou por uma testemunha, ao depor nas polícias ou em juízo, e que a denunciação seja objectiva e subjectivamente falsa, isto é, deve estar em contradição com a verdade dos factos e o denunciante deve estar plenamente ciente de tal contradição - cfr. Sim as Santos e Leal Henriques, Código Penal de 1982, vol. 4, págs. 514 e 515."
Ora, dos elementos de prova coligidos no presente inquérito conclui-se que existem pelo menos indícios suficientes que a imputação feita por B… contra C… não se baseia em factos falsos, mas é antes verdadeira.
Consequentemente, falece logo aqui um dos requisitos essenciais para o preenchimento do crime de denúncia caluniosa.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º1, do CPP. 2) Da falsificação de documento
Em síntese, entende o denunciante que a fotografia apresentada pelo denunciado constitui um documento falso uma vez que "a camisa que usa não é a mesma que se vê das fotos juntas pelo queixoso" e "foram tiradas em dia e momentos diferentes do dia dos factos, 06-07-2012, com o objectivo de simular uma agressão e as usar como elemento de prova em tribunal", "
O artigo 256.º do CP, no seu n.º 1, determina que "Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa."
Por sua vez, o artigo 255.º do CP, considera documento "a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta."
Com efeito, conforme bem escreve Helena Moniz ln "Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II", pág. 667), "documento é pois a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num objecto que possa constituir meio de prova".
No caso em apreço, as fotografias apresentadas por B… constituem meio de prova - prova documental - tendo capturando o estado em que este se encontrava naquele momento e nada mais.
Nenhum elemento de prova existe que indicie que tais fotografias tenham sido objecto de qualquer tipo de alteração posterior ao momento em que foram capturadas, nem nenhum elemento de prova existe no sentido de que tais fotografias não retratem factos verdadeiros.
Quando muito as fotografias constituem uma reafirmação da declaração prestada por B… aquando da queixa apresentada contra C….
De facto, a este respeito, o n.º 3, al.a) do artigo 365.º do Código Penal determina que "Se o meio utilizado pelo agente se traduzir em apresentar, alterar ou desvirtuar meio de prova, o agente é punido, no caso do n. º 1, com pena de prisão até 5 anos".
Contudo, quanto a este tipo de crime, vale aqui igualmente aquilo que atrás já se deixou referido.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277 .º, n.º 1, do CPP. 3) Da simulação de crime
Determina o artigo 366.º, n.º1 que incorre na prática do crime de simulação de crime "Quem, sem o imputar a pessoa determinada, denunciar crime ou fizer criar suspeita da sua prática à autoridade competente, sabendo que ele se não verificou".
Claro resulta que é elemento essencial de tal tipo de crime que o autor tenha denunciado a prática de crime que não se verificou "sem o imputar a pessoa determinada".
No caso em apreço, B… apresenta queixa contra pessoas determinada, sejam elas: C…, D… e E….
Consequentemente, torna-se evidente que falece logo aqui um dos requisitos essenciais para a verificação deste tipo de crime.
Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPP.
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Notifique, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 3, do CPP.
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DA ACUSACÃO
Requisite o Certificado de Registo Criminal dos arguidos.
O arguido C… tem já advogado constituído nos presentes autos, a Distinta Advogada Dra. H…, com escritório na Rua …, n.º …, .º esq., Porto - conforme procuração junta a fls. 11.
De igual modo, o arguido B… tem advogado constituído nos presentes autos, a Distinta Advogada Dra. I…, com escritório na …, .., .º, sala ., Gondomar - conforme procuração junta a fls. 93.
Relativamente à arguida D…, proceda à formulação de pedido electrónico de indicação de defensor oficioso ao arguido, através do SINOA.
Nos termos do disposto no artigo 64.Q, n.º 3 do Código de Processo Penal, nomeio desde já defensor da arguida o Advogado que for indicado.
Notifique (artigo 66.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Informe ainda a arguida de que fica obrigada, caso seja condenada, a pagar os honorários do defensor oficioso, salvo se lhe for concedido apoio judiciário, e que pode proceder à substituição desse defensor mediante a constituição de advogado (artigo 64.º, n.º 4 do Código de Processo Penal).
Mais informe de que, caso não solicite apoio judiciário na Segurança Social, será responsável pelo pagamento da quantia de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), a título de honorários do defensor, atento o disposto no artigo 39.º, n.º 9 e 36.º, n.º2 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, e artigo 8.º, n.º1 da Portaria n.º 10/2008, de 3/01, e, caso o mesmo seja requerido e lhe seja indeferido, ficará sujeito ao pagamento da quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros), atento o disposto no artigo 39.º, n.º8, e 36.º, n.º2, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, e artigo 8.º, n.º1 da Portaria n.º 10/2008, de 3/01.
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O Ministério Público vem deduzir acusação, em processo comum e para julgamento por tribunal singular, nos termos do disposto no artigo 283.º do CPP, contra: B…, casado, filho de J… e K…, natural …, Gondomar, nascido em 07/06/1962, portador do BI. n.º ……. e residente na Rua …, caixa n.º …, … Gondomar; C…, casado, filho de L… e de M…, natural …, Cantanhede, nascido em 05/01/1052, portador do BI n.º ……., com a profissão de advogado e residente na …, n.º …, .º, esq., Porto; e D…, divorciada, filha de N… e de O…, natural de França, nascida em 15/02/1073, portador do BI n.º …….. e residente na Rua…, caixa n.º …, …, Gondomar
Porquanto resulta suficientemente indiciado dos autos que:
1. No dia 6 de Julho de 2012, cerca das 15h30m, C… deslocou-se, na companhia de D… e a filha desta E…, nascida em 21/06/1998, à Rua …, freguesia …, concelho e comarca de Gondomar, a fim de proceder ao embargo extrajudicial de obra nova que se encontrava a ser desenvolvida num terreno propriedade de D… por B….
2. Aí chegados, C…, vendo que B… se encontrava no interior da residência deste, sita no terreno ao lado daquele em que se encontra a ser desenvolvida a obra, dirigiu-se a tal residência a fim de lhe comunicar o embargo.
3. Posto o que, inesperadamente e sem que nada o fizesse prever, o arguido B… aproximou-se que C… e disse-lhe "ladrão, roubaste a herança do meu pai".
4. E desferiu-lhe um soco na face que o atingiu na hemiface esquerda.
5. De seguida, o arguido C… desferiu um soco na face de B… que o atingiu na região periorbitária esquerda.
6. Simultaneamente, a arguida D…, em conjunto com a sua filha E…, pegaram em pedras que se encontravam no chão e arremessaram-nas na direcção de B…, atingindo-o na perna direita. 7. Em consequência de tal actuação do arguido B…, C… padeceu de, além de fenómenos dolorosos, um traumatismo na face, tendo sido assistido no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Gaia.
8. Tendo sido verificadas as seguintes lesões:
• Na face: cicatriz irregular, localizada na região supraciliar esquerda, com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões.
9. Tais lesões terão determinado, como causa directa e necessária, 10 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional por 7 dias.
10. Por sua vez, em consequência de actuação de C… e D…, B… padeceu de, além de fenómenos dolorosos, traumatismos na face e na perna direita, tendo sido assistido no Serviço de Urgência do Hospital de Santo António, sem que tenham sido, posteriormente verificadas quaisquer lesões.
11. Os traumatismos causados terão determinado 6 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral.
12. Agiram todos os arguidos de forma livre, voluntaria e consciente, com o propósito concretizado de molestarem a integridade física uns dos outros e de provocar as dores e os ferimentos supra descritos.
13. Agiu ainda o arguido B… com o propósito concretizado que ofender a honra e consideração devidas a C….
14. Bem sabia o arguido B… que C… exercia a profissão de advogado e ali se havia deslocado no exercício de tais funções e por causa delas.
15. Não obstante todos terem conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, não se abstiveram de as prosseguir incorrendo:
B… na autoria material, em concurso real e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de injúria agravado, previstos e punidos pelos artigos 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, al.a) e n.º2 referência ao artigo 132.º, n.º2, al.l), e artigo 181.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º2, al. l), todos do CP;
C… na autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1 do CP; e
D… na autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP.
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E é do seguinte teor a decisão instrutória objecto de recurso (transcrição): DECISÃO INSTRUTÓRIA
Declaro encerrada a instrução.
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O tribunal é competente.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem.
Inexistem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da decisão instrutória.
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Na sequência do despacho final do inquérito proferido pelo Ministério Público, a fls. 133/138, veio o assistente/arguido C… requerer a abertura de instrução no sentido de a final o arguido B… vir a ser pronunciado pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido, pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l), e 22.º, todos do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal.
Requer, ainda, seja proferido despacho de não pronúncia quanto ao crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, de que vem acusado.
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Na sequência do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, a fls. 133/138, veio a arguida D… requerer a abertura da instrução, no sentido da sua não pronuncia pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, por que vem acusada.
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Por despacho, exarado a fls. 289/290, foi deferida a inquirição das testemunhas indicadas, e de fls. 317/319, foi indeferida a audição dos co-arguidos, C… e D… na qualidade de testemunhas.
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Não se tendo vislumbrado qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, efectuou-se o debate instrutório, com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo em conformidade com o disposto nos arts. 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.
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Cumpre agora, nos termos do art. 308º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.
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A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa - cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo - destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.
Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no CPP como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.
Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do art. 308.º, n.º 1, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.
Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.
Depois, no n.º 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o n.º 2 do art. 283.º, nos termos do qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza - convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final; trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado.
Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a que, da sua lógica conjugação e relacionação, se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Os indícios são, pois, suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar se, em fase de inquérito e instrução, foram recolhidos indícios suficientes para submeter o arguido B… a julgamento pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado, sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l) e 22.º, todos do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal, bem como apurar da existência ou não de indícios para submeter os arguidos C… e D… a julgamento, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, por que vêm acusados.
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Vejamos os tipos legais de crime em causa.
Do crime de ofensas:
Dispõe o art. 143.º do Cód. Penal, que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
Para o preenchimento do tipo em apreço exige-se, pois, uma determinada actuação do agente, de forma a causar na vítima uma lesão no seu corpo ou saúde, sabendo o agressor que tal conduta é vedada pela ordem jurídico-penal, conhecendo a sua aptidão para produzir as consequências que quer produzir, e ainda o conhecimento de que, assim actuando, o faz sem o consentimento daquela.
O bem jurídico que se tutela é a integridade física da pessoa humana e trata-se de um crime material e de dano, abrangendo um resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem e, é um tipo legal de realização instantânea - basta, para o seu preenchimento, a verificação do resultado descrito.
O tipo objectivo de ilícito consubstancia-se na ofensa no corpo (mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante) ou na saúde (criação de um estado de doença), ficando preenchido mediante a verificação de uma das ofensas.
O tipo subjectivo exige o dolo, em qualquer das suas modalidades, independentemente da motivação do agente.
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Do crime de ameaça:
O crime de ameaça é um crime contra a liberdade pessoal (liberdade de decisão e de acção) que vê na paz jurídica individual uma condição da sua realização.
O conceito de ameaça requer a verificação de três características essenciais: anúncio de um mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.
O mal ameaçado, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial, tem de configurar, em si mesmo, um facto ilícito típico contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
O mal ameaçado tem de ser futuro; não pode, pela sua iminência, confundir-se com uma tentativa de execução do respectivo acto violento.
Por último, a concretização futura do mal depende, ou aparece como dependente, da vontade do agente.
Após a revisão de 95 do Código Penal [Em diante abreviadamente referido pelas iniciais CP], o crime de ameaça deixou de ser um crime de resultado e de dano, passando a ser um crime de mera acção e de perigo. Exige-se, apenas, que a ameaça seja susceptível de afectar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado [cf. observação de Figueiredo Dias sobre o sentido da expressão «de forma adequada a provocar», Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 500].
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das sub-capacidades do ameaçado) [Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, p. 348].
O tipo subjectivo requer o dolo que exige (mas basta-se) com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
Por sua vez, as circunstâncias susceptíveis de qualificar o crime encontram-se descritas nas alíneas a), b), c) e d), do n.º 1, do artigo 155.º do Cód. Penal.
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Do crime de homicídio qualificado na forma tentada:
Estatui o art.º 131º, nº 1 do Código Penal que “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”.
Por outro lado, dispõe o art.º 132º, nº 1, do Código Penal, que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos”.
Por fim, estabelece o nº 2 deste mesmo preceito do Código Penal, que “É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (...)
l) praticar o facto contra (…) advogado (...)”.
Por outro lado, estatui o art.º 22º, nº 1 do C.Penal que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
No nosso ordenamento jurídico o crime de homicídio qualificado não é um tipo legal autónomo, com elementos constitutivos específicos, constituindo antes uma forma agravada de homicídio, em que a morte é produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
A qualificação do homicídio assenta, pois, num especial tipo de culpa, num tipo de culpa agravado, traduzido num acentuado desvalor da atitude do agente, que tanto pode decorrer de um maior desvalor da acção, como de uma motivação especialmente reprovável (cf., neste sentido, entre outros, Figueiredo Dias, ibidem, I, 29, Teresa Serra, ibidem, 40, Augusto Silva Dias, Materiais para o estudo da Parte Especial do Direito Penal - Crimes contra a vida e a integridade física, 16/17, e Eduardo Correia que no seio da Comissão Revisora do Código Penal - Actas das Sessões Parte Especial, 25, referiu ter sido sempre sua intenção considerar as circunstâncias do n.º 2 do artigo 138.º (actual artigo 132.º) como simples elementos da culpa).
Como refere Figueiredo Dias, o pensamento da lei é o de imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas.
Ou, como entende Teresa Serra, citando Sousa Brito, a especial censurabilidade refere-se às componentes da culpa relativas ao facto e a especial perversidade à atitude do agente.
No n.º 2, do artigo 132.º, indicam-se circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, elementos indiciadores da ocorrência de culpa relevante, cuja verificação, atenta a sua natureza indiciária, não implica, obviamente, a qualificação automática do homicídio, isto é, sem mais. Qualificação que, por outro lado, atenta a natureza exemplificativa das referidas circunstâncias, o que claramente resulta da letra da lei, concretamente da expressão “entre outras”, pode decorrer da verificação de outras situações valorativamente análogas às descritas no texto legal, sendo certo, porém, que a ausência de qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a) a m), do n.º 2, do artigo 132.º, constitui indício da inexistência de especial censurabilidade ou perversidade do agente, ou seja, indicia que o caso se deve subsumir no artigo 131.º (homicídio simples).
Tudo dependerá, como refere Figueiredo Dias, de uma imagem global do facto agravada que corresponda ao especial tipo de culpa que aqui se deve ter em conta. Tipo de culpa que, perante a inexistência de qualquer uma das circunstâncias previstas no texto legal, só se deve ter por verificado perante circunstâncias extraordinárias ou um conjunto de circunstâncias especiais (reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente), que exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente à imagem de cada um dos exemplos-padrão enunciados no texto legal.
As circunstâncias em questão são, assim, não só um indício, mas também uma referência. Circunstâncias que, não fazendo parte do tipo objectivo de ilícito, se devem ter por verificadas a partir da situação tal qual ela foi representada pelo agente, perguntando se a situação, tal qual foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga e se, em caso afirmativo, se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
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Do crime de denúncia caluniosa:
Decorre do disposto no artigo 365.º do Código Penal que “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
São elementos deste crime: a) a existência de uma acusação em processo criminal; b) prova da falsidade dos factos imputados, e c) consciência dessa falsidade por parte do agente.
O interesse protegido com esta norma legal, é não só o interesse da administração da justiça em que o procedimento criminal contra determinada pessoa seja sinceramente requerido mas também o interesse dos acusados contra o prejuízo resultante de acusações maliciosas (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.1983, in Boletim do Ministério da Justiça, 332, p. 332).
Da análise do preceito conclui-se que a lei confere o direito de acção aos titulares dos interesses protegidos pela incriminação, isto é, garante o exercício da acção a todo aquele que se julgue ofendido ou prejudicado, reprimindo, porém, o abuso desse exercício quando se tenha procedido com malícia, dolo ou má-fé, ou seja, quando se tem conhecimento manifesto e consciente de que é infundado e injustificado o facto que se denunciou.
Assim, não deve tolher-se a cada um o direito de, pelos meios legais, obter a protecção dos seus bens jurídicos. E não deve aquele que, sentindo-se prejudicado, de boa fé participar contra alguém, ficar sob a ameaça da responsabilidade só pelo facto de não ter sido julgada procedente a "acusação" que apresentou. Seria colocar interesses sociais sob acção de medo de um resultado contingente.
Daí que se tenha de procurar o equilíbrio formulando o conceito de que é livre o direito à acção penal, mas quem abuse dele com dolo ou maliciosamente fica sujeito à responsabilidade criminal.
Ora, a denunciação deve ser objectiva e subjectivamente falsa, isto é, deve estar em contradição com a verdade dos factos e o denunciante deve estar plenamente ciente de tal contradição (Dr. Nelson Hungria, Vol. IX, págs. 462 e ss.). Acresce que, no seio da própria Comissão Revisora, o Autor do Anteprojecto, Eduardo Correia, chegou até a chamar a atenção para o perigo de se vir a interpretar este tipo de crime no sentido de abranger o dolo eventual (cf. Acta da 23ª Sessão, B.M.J., nº 290, 63).
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Do Crime de Falsificação:
Prevê o art. 256º do Código Penal que
“1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Importa começar por referir que o crime de falsificação de documentos se encontra inserido no Título relativo aos “Crimes contra a vida em sociedade”.
Liminarmente, dir-se-á, também, que o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação é “a verdade intrínseca do documento enquanto tal” (cf. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in CJ, VII-3, pág.23). Neste particular, costuma igualmente referir-se a protecção da fé pública, traduzida num sentimento geral de confiança nos actos públicos; a “protecção da verdade da prova”; e ainda a “segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental” (cfr. Helena Moniz, in “O crime de falsificação de documentos - Da falsificação intelectual e da falsidade em documento”, Livraria Almedina, 1993, pág. 41 e segs.).
Trata-se, por outro lado, de um crime de perigo, uma vez que “após a falsificação do documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança e a fé pública já foram violadas, mas o bem protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo” (cf. Helena Moniz, in “Comentário Conimbricense”, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 681).
Dentro dos crimes de perigo, o tipo legal em análise pertence à categoria dos crimes de perigo abstracto, porquanto “basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico - verifica-se uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual” (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 681).
Feito este intróito, uma primeira advertência se impõe:
Na verdade, urge começar por referir que qualquer estudo sobre o presente tipo legal deve ter presente que, “documento, para efeitos de crime de falsificação é a declaração e não o objecto em que está incorporada”. Assim, “o que constitui falsificação de documento é não a falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento” (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 676).
Ora, a falsificação assim entendida pode assumir diversas formas, ou seja, pode consubstanciar uma falsificação material ou uma falsificação ideológica.
Na falsificação material, “o documento não é genuíno”, isto é, “ocorre uma alteração, modificação total ou parcial do documento”.
Na falsificação ideológica, “o documento é inverídico”, ou seja, diz respeito aos casos em que “o documento foi objecto de falsificação intelectual” - o documento integra uma declaração falsa, existindo uma declaração escrita integrada no documento, distinta da declaração prestada - e àqueles em que existe “falsidade do documento” - ou seja, em que se narra um facto falso.
Vejamos, agora, o tipo objectivo de ilícito, que comporta, desde logo, diversas modalidades de conduta. A saber:
- fabricar documento falso: Com esta conduta procede-se a uma “contrafacção total, isto é, à feitura ex novo e ex integro de um documento” (Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, Vol. II, Rei dos Livros, 2000, pág. 1100);
- falsificar ou alterar documento: Esta modalidade de falsificação diz respeito aos casos de “falsificação material”, em que se verifica “uma falsificação posterior do documento” (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 682), mediante uma alteração do seu conteúdo. Cabe aqui diferenciar a contrafacção parcial, “que se preenche com os chamados actos acessórios falsos, ou seja, com actos falsos que acrescem a documento verdadeiro” e a alteração que “surge sempre que se acrescentam aditamento, em documento já completo, ou se suprimem dizeres ou sinais por forma a produzir a modificação do seu conteúdo” (cfr. Simas Santos, loc. cit.);
- abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso: Esta modalidade de conduta prende-se com os casos de fraude na identificação. Nesses casos, o documento não é autêntico, a declaração não foi proferida pela pessoa que o escrito aparenta; Por outras palavras, “utiliza-se uma assinatura mecânica alheia não autorizada para os documentos em que é aposta” aproveita-se de “papel assinado em branco por terceiro introduzindo-lhe uma declaração de vontade que não pertence ao dono da assinatura” (cfr. Simas Santos, loc. cit.);
- fazer constar falsamente facto juridicamente relevante: Esta modalidade de conduta reporta-se à falsidade em documento; e
- usar documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa, distinta da que falsificou.
No que diz respeito ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de falsificação é um crime intencional, isto é, o agente deve actuar com a “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”.
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Voltando ao caso em análise.
Em sede de inquérito:
Consta do auto de denúncia, inserido no processo n.º 2690/12.2TAGDM-B, apresentada pelo assistente/arguido C… contra B…:
- o queixoso é advogado com a cédula profissional ….., exercendo tal actividade com carácter habitual e lucrativo;
- no dia 06 de Julho de 2012, no exercício da sua profissão, o queixoso foi chamado para proceder ao embargo extrajudicial de obra nova que o denunciado se encontrava a efectuar num prédio de P… e marido, sito na Rua …, …, Gondomar;
- no decurso da diligência, o queixoso foi agredido, ameaçado e injuriado pelo denunciado, tendo apresentado a competente queixa-crime contra o mesmo pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, de homicídio sob a forma tentada, de ameaças e de injúrias junto deste tribunal, encontrando-se a correr o competente inquérito na 2ª secção dos Serviços do Ministério Público, sob o n.º 2690/12.2TAGDM;
- como forma de retaliação pela queixa crime apresentada pelo aqui queixoso, o denunciado apresentou queixa-crime, alegando ter sido agredido, por ele, no dia 06.07.2012 no decorrer da supra referida diligência, tendo sido aberto o competente inquérito que se encontra a correr termos na 1ª Secção dos Serviços do Ministério Público, deste tribunal, sob o n.º 397/12.0GENVG;
- o aqui denunciado na queixa que apresenta contra o aqui queixoso, junta aos autos fotografias falsas, em que é perfeitamente visível que a camisa que usa não é a mesma que se vê nas fotos juntas pelo queixoso no processo 2690/12.2TAGDM;
- o que apresenta nessas fotografias não é sangue, mas sim tinta ou algo parecido que usou com a intenção deliberada de fazer o tribunal acreditar que se tratava de sangue fruto da agressão de que diz ter sido alvo;
- o denunciado afirma que fruto das agressões de que foi vítima teve de se deslocar ao hospital de Santo António, no Porto, para ser assistido, sendo certo que com um centro de saúde no …, a 300 metros da sua habitação, fez questão de se deslocar ao referido hospital, onde terá alguém que o protege e que já lhe permitiu a entrega num outro processo em que é arguido de um documento falso que constituiu um alibi para a sua defesa.
Consta do auto de denúncia inserido no processo n.º 2690/12.2TAGDM-A apresentado pelo assistente/arguido B… contra C…, D… e E… que se queixa de, no dia 31.07.2012, na Rua …, n.º …, …, em Gondomar, nomeadamente, o denunciado, C… (cf. fls. 4) nas circunstâncias descritas ter desferido um soco no lado esquerdo da sua face e de seguida as denunciadas D… e E…, terem arremessado pedras que atingiram a sua perna direita.
Ouvido em declarações, B…, a fls. 18/19 do apenso A, confirmou na íntegra o teor da queixa apresentada, precisando, nomeadamente, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na queixa e ao chegar junto do suspeito C…, este desferiu-lhe um soco que o atingiu na parte esquerda do nariz e do olho esquerdo. Passados alguns segundos ou minutos, em razão da agressão, ficou a sangrar do nariz.
Interrogado o arguido C…, a fls. 23/24 do apenso A, negou a autoria dos factos que lhe são imputados.
F…, que vive em união de facto com o ofendido/arguido B…, a fls. 27/28 do apenso A, referiu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na queixa presenciou C… desferir um murro no seu marido e que ficou a sangrar do nariz. Acrescentou, ainda, ter presenciado D… e sua filha E…, com pedras nas mãos tendo, ambas, em simultâneo, arremessando-as em direcção do seu marido que foi atingido por umas dessas mesma pedras nas pernas do mesmo.
G…, filha do ofendido/arguido B…, a fls. 29/30 do apenso A, referiu que nas circunstâncias a que aludem os autos presenciou C… desferir um soco no rosto de seu pai, provocando-lhe queda de costas no chão ficando a sangrar pela narina esquerda. Acrescentou ter visto D…, que arremessaram em direcção do seu pai atingindo-o nas pernas.
D…, a fls. 31/32 do apenso A, referiu que, nas circunstâncias a que alude a queixa apresentada pelo arguido/assistente C…, o arguido B… muniu-se de uma enxada, regressou à via pública e dirigiu-se a C… a quem, de forma séria, disse “É desta vez que te vou matar ladrão”, erguendo a enxada no ar, momento em que vindo do interior da propriedade, ali chegou sua filha G… que se agarrou ao pai e impediu que o mesmo prosseguisse.
E…, a fls. 33/34 do apenso A, referiu, nomeadamente, que, nas circunstâncias a que alude a queixa apresentada pelo arguido/assistente C…, o arguido B… muniu-se de uma enxada, regressou à via pública e dirigiu-se a C… a quem, de forma séria, disse “É desta vez que te vou matar ladrão”, erguendo a enxada no ar, momento em que vindo do interior da propriedade ali chegou sua filha G… que se agarrou ao pai e impediu que o mesmo seguisse.
Mostra-se junto aos autos, a fls. 39/42, relatório do episódio de urgência do centro hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho onde foi admitida o ofendido, C…, no dia 06.07.2012, pelas 16.20 horas, em que, além do mais se refere “agressão por meios não especificados. apresenta ferida bastante sangrante”.
Encontra-se junto aos autos (fls. 27/28), exame pericial a que foi submetido o ofendido, C…, no dia 18.10.2012, onde, além do mais, se refere que o mesmo apresenta (…) “Face: cicatriz irregular, localizada na região supraciliar esquerda, com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões, sem queixas subjectivas associadas”,
concluindo-se:
“- A data da cura das lesões é fixável em 16-07-2012;
- As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação;
- Tais lesões terão determinado 10 dias para a consolidação médico-legal: sem afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional (7 dias);
- Do evento terá resultado, como consequência permanente, a cicatriz vestigial atrás descrita, a qual não se considera como sendo gravemente desfigurante, tendente a atenuar-se com o tempo.”
E…, ouvida a fls. 50/51, manteve as declarações prestadas no apenso A.
D…, ouvida a fls. 56/57, na qualidade de arguida, negou os factos que lhe são imputados, mantendo as declarações prestadas no apenso A.
C…, ouvido a fls. 60/61, confirmou o teor da queixa por si apresentada.
Mostra-se junto aos autos, a fls. 176/177, relatório do episódio de urgência do centro hospitalar do Porto onde foi admitido o ofendido B… no dia 06.07.2012, pelas 18.24 horas, em que, além do mais se refere “agressão com traumatismo nos membros superiores, nariz, região periorbital esquerda e escoriações diversas pelos membros inferiores”.
Encontra-se junto aos autos (fls. 75/76), exame pericial a que foi submetido o ofendido, B…, no dia 12.02.2013, onde, além do mais, se refere que o mesmo apresenta (…) “Face: cicatriz irregular, localizada na região supraciliar esquerda, com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões, sem queixas subjectivas associadas”,
concluindo-se:
“- A data da cura das lesões é fixável em 12-07-2012;
- As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação;
- Tais lesões terão determinado 06 dias para a cura: sem afectação significativa da capacidade de trabalho geral;
- Do evento não resultaram quaisquer consequências permanentes.”
B…, ouvido na qualidade de arguido, a fls. 122/124, manteve a versão dos factos já oferecida nos autos.
Em sede de instrução:
Inquirida Q…, vizinha dos arguidos B.. e D…, a fls. 315 e S…, vizinha dos arguidos B… e D…, a fls. 315, declararam a nada terem assistido.
Inquirida E…, a fls. 315, filha da arguida D…, manteve, na essência, a versão dos factos já oferecida nos autos. Precisou, no entanto, que nas circunstâncias temporais e locais em causa quando o arguido B… chegou com a enxada, já “toda a gente” tinha fugido do local.
*
Volvendo ao caso em análise, cumpre proceder à análise crítica dos indícios a este propósito recolhidos e apurar, se, em fase de inquérito e instrução, foram recolhidos indícios suficientes para submeter o arguido B… a julgamento pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l) e 22.º, todos do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal, bem como apurar da existência ou não de indícios para submeter os arguidos C… e D… a julgamento, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, por que vêm acusados.
Vejamos.
Instrução requerida por C…
Conforme referimos supra, no relatório da presente decisão, finda que foi a fase do inquérito decidiu o Ministério Público deduzir acusação contra o arguido C… imputando-lhe a prática do crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
Da análise histórico sequencial dos autos resulta, além do mais, que o assistente/arguido B… se queixa de no dia 06.07.2012, na Rua …, n.º …, …, em Gondomar, nas circunstâncias descritas nos autos, o denunciado, C…, ter desferido um soco no lado esquerdo da sua face.
Fundamenta-se a acusação, inclusive e nesta parte, na prova documental, pericial e testemunhal recolhida em sede de inquérito.
Tendo em consideração toda essa prova, nomeadamente a testemunhal e pericial, cremos poder afirmar, sem grandes dúvidas, que a versão dos factos descrita na acusação é efectivamente aquela que maior sustentação encontra na referida prova.
Tais factos são corroborados por G… (fls. 29/30) e D… (fls. 31/32), testemunhas presenciais dos factos.
Também o depoimento prestado pelo ofendido B… em sede de inquérito, impõe-se como relevante, encontrando-se sustentado quando concatenado com o relatório do episódio de urgência, constante de fls. 176/177, com o relatório pericial, constante de fls. 75/76, bem como com os depoimentos prestados, em sede de inquérito, por G… (fls. 29/30) e D… (fls. 31/32), testemunhas presenciais dos factos.
Por sua vez, nada de novo foi carreado para os autos, em sede de instrução por forma a abalar tais indícios, não se mostrando, por isso, o despacho de acusação proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público abalado por qualquer tipo de prova produzida ou resultante das diligências realizadas em sede de inquérito e instrução.
Cumpre, também, referir que a qualificação jurídica efectuada pelo Ministério Público na acusação pública não merece qualquer reparo.
Impõe-se, por conseguinte e nesta parte, a improcedência do requerimento de abertura da instrução apresentado por C… e a pronúncia do mesmo nos exactos termos em que vem acusado.
*
Em sede de requerimento de abertura de instrução, o assistente/arguido C… pugna, ainda, no sentido de a final o arguido B… vir a ser pronunciado pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado, sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l), e 22.º, todos do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal.
Consta, nesta parte, do despacho de arquivamento e no respeitante aos crimes de denúncia caluniosa e de falsificação de documentos, que:
“
(…)
No âmbito dos presentes autos veio ainda C… apresentar queixa contra B… porquanto este apresentou contra si queixa, que foi registada sob o n.º de inquérito 397/12.0GEVNG, imputando-lhe falsamente a prática de factos susceptíveis de integrar o crime de ofensa à integridade física.
Tais factos são susceptíveis de integrar, em abstracto e no entender do denunciante, a prática dos seguintes crimes:
1) Denuncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º do Código Penal;
2) Falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º do Código Penal;
(…)
1) Da denuncia caluniosa
Nos termos do artigo 365º, nº 1 do Código Penal “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Conforme determinado no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/02/2012, proferido no âmbito do processo 1357/09.3TACBR.C1 “Para haver o crime em causa é indispensável que o facto constante da falsa denunciação seja imputado a pessoa determinada; que a imputação constitua típico ilícito penal; exige-se, ainda, a espontaneidade da imputação, isto é, esta deve ser da exclusiva iniciativa do denunciante, pelo que inexistirá o crime, por exemplo, quando a falsa acusação é feita por um réu, em sua defesa, no curso do interrogatório, ou por uma testemunha, ao depor nas polícias ou em juízo, e que a denunciação seja objectiva e subjectivamente falsa, isto é, deve estar em contradição com a verdade dos factos e o denunciante deve estar plenamente ciente de tal contradição - cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal de 1982, vol. 4, págs. 514 e 515.”
Ora, dos elementos de prova coligidos no presente inquérito conclui-se que existem pelo menos indícios suficientes que a imputação feita por B… contra C… não se baseia em factos falsos, mas é antes verdadeira.
Consequentemente, falece logo aqui um dos requisitos essenciais para o preenchimento do crime de denúncia caluniosa.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPP.
2) Da falsificação de documento
Em síntese, entende o denunciante que a fotografia apresentada pelo denunciado constitui um documento falso uma vez que “a camisa que usa não é a mesma que se vê das fotos juntas pelo queixoso” e “foram tiradas em dia e momentos diferentes do dia dos factos, 06-07-2012, com o objectivo de simular uma agressão e as usar como elemento de prova em tribunal”, “
O artigo 256.º do CP, no seu n.º 1, determina que “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
Por sua vez, o artigo 255.º do CP, considera documento “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.”
Com efeito, conforme bem escreve Helena Moniz, “documento é pois a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num objecto que possa constituir meio de prova”.
No caso em apreço, as fotografias apresentadas por B… constituem meio de prova - prova documental - tendo capturado o estado em que este se encontrava naquele momento e nada mais.
Nenhum elemento de prova existe que indicie que tais fotografias tenham sido objecto de qualquer tipo de alteração posterior ao momento em que foram capturadas, nem nenhum elemento de prova existe no sentido de que tais fotografias não retratem factos verdadeiros.
Quando muito as fotografias constituem uma reafirmação da declaração prestada por
B… aquando da queixa apresentada contra C….
(…)
Face ao exposto, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPP.
(…)”
*
Conforme se referiu supra, na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público findo o inquérito veio o assistente, C…, requerer a abertura da instrução, pugnando pela pronúncia do arguido B… pela prática de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal.
Importa, pois e novamente, ter presente a infracção que agora é submetida a juízo.
Dispõe o art. 365º, do Cód. Penal que:
“1 - Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Se a conduta consistir na falsa imputação de contra-ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Embora esta infracção esteja sistematicamente inserida no capítulo dedicado aos crimes contra a realização da justiça, a doutrina e jurisprudência mais recentes vêm entendendo que, apesar de aí se proteger directamente a realização da justiça - visando o Estado garantir a credibilidade e seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional em ordem à realização da justiça - é também reflexamente tutelada a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado.
Assim, os seus elementos constitutivos são os seguintes:
- Conduta típica: Denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio;
- Sujeito passivo: Outra pessoa (determinada ou identificável);
- Objecto da conduta: Imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal, contra-ordenacional ou disciplinar;
- Destinatário da acção: autoridade e/ou círculo indeterminado de pessoas (i.é denúncia a uma autoridade ou suspeita feita publicamente);
- Elemento subjectivo: Dolo qualificado por duas exigências - A consciência da falsidade da imputação e a intenção de que contra outrem se instaure procedimento (cf. Ac. Relação de Coimbra n.º 2999/03, de 7/5/2003, in dgsi.www.dgsi.pt e Comentário Conimbricense, Tomo III, pág. 519 e segs.)
Trata-se de um crime de perigo concreto, estando o tipo preenchido em termos de consumação, quando há instauração de um procedimento contra determinada pessoa, sem qualquer fundamento, determinado por intuito meramente persecutório do agente que efectuou a denúncia.
Por outro lado, reveste natureza pública, pelo que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo sem qualquer restrição, bastando para tanto que dele tome conhecimento por qualquer meio - conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia -, consoante ressalta do disposto nos arts. 48º e ss. e 241º e ss., do Cód. Proc. Penal.
No caso em apreciação, o assistente C… pugna pela pronúncia do arguido B… pela prática, em autoria material, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365º, n.º 1, do Código Penal.
Sucede, porém, que é entendimento do Tribunal que o juízo efectuado pelo Ministério Público no despacho final de encerramento do inquérito acerca da eventual responsabilidade jurídico-criminal do arguido C… se mostra bem fundamentado e de acordo com a prova produzida em sede de inquérito.
Por outro lado, tal valoração da prova nesta fase da instrução leva-nos a extrair idêntica conclusão.
Assim, o próprio assistente/arguido C… e a arguida D… encontram-se acusados da prática de um crime de ofensas à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, e irão ser pronunciados pela prática do idêntico crime, o que reforça a bondade da queixa apresentada.
Como no referido cenário e em fase indiciária, configurar indiciado o elemento subjectivo do crime imputado!?
Julgamos tal não ser possível.
Ou seja, o ora arguido ciente da sua razão apresentou a respectiva queixa que já motivou a prolação de despacho de acusação e irá motivar a prolação de despacho de pronúncia impondo-se, por isso e nesta parte, a prolação de despacho de não pronúncia quanto ao crime de denúncia caluniosa.
*
Idêntico ou aproximado raciocínio nos leva a concluir pela bondade do despacho de arquivamento do Ministério Público quanto ao crime de falsificação de documentos relativamente ao qual o assistente/arguido C… pugna pela pronúncia do arguido B….
Refere-se, a propósito em sede de despacho de arquivamento, que:
“(…) No caso em apreço, as fotografias apresentadas por B… constituem meio de prova - prova documental - tendo capturando o estado em que este se encontrava naquele momento e nada mais.
Nenhum elemento de prova existe que indicie que tais fotografias tenham sido objecto de qualquer tipo de alteração posterior ao momento em que foram capturadas, nem nenhum elemento de prova existe no sentido de que tais fotografias não retratem factos verdadeiros.
Quando muito as fotografias constituem uma reafirmação da declaração prestada por
B… aquando da queixa apresentada contra C… (…)”.
Ora, o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação é “a verdade intrínseca do documento enquanto tal” (cf. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in CJ, VII-3, pág.23).
As fotografias em causa oferecidas pelo arguido B… como meio de prova do crime e sustentáculo da queixa apresentada, traduzem o que captaram. Já a valoração das mesmas, como meio de prova do crime, cumpre ao Tribunal, em cada fase, aferi-lo.
Todavia, por si, não perfectibilizam os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação que o assistente C… pretende imputar ao arguido B….
Por sua vez, constitui nosso entendimento que a mera circunstância de o arguido nas fotografias não se encontrar com a roupa que vestia aquando dos factos e eventuais outras discrepâncias não nos podem levar a concluir que as mesmas, por si, perfectibilizam os elementos objectivos e subjectivos do crime imputado desde que traduzam as mesmas o que captaram, sem terem sido alvo de manipulação posterior, o que não se mostra de todo indiciado.
De tudo quanto acabamos de deixar dito, e porque a questão em apreço nos presentes autos é mais ou menos linear, é o tribunal forçado a concluir que a probabilidade de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança em sede de audiência de julgamento pelos referidos factos não é consistente, o que é, assim, suficiente para o não provimento, nesta parte, do requerimento de abertura da instrução, o que levará, consequentemente, à não pronúncia, nesta parte, do arguido C... pela prática de um crime de falsificação.
*
Pugna, ainda, o assistente/arguido C… pela pronúncia do arguido B… pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal e/ou de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l) e 22.º, todos do Código Penal.
Refere-se a propósito, em sede de despacho de arquivamento, que:
“Noticia-se nos presentes autos, além do mais, que no dia 06/07/2012, na Rua …, freguesia …, concelho e comarca de Gondomar, na sequência de uma discussão, B…, segurando uma enxada com as mãos, dirigiu-se a C… e disse-lhe “é agora que te vou matar”.
B… apenas cessou a sua actuação devido à intervenção de G… que o segurou.
Tais factos são susceptíveis de integrar, em abstracto, um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al.c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP.
Foram realizadas as seguintes diligências de inquérito:
1) Foram inquiridas F… (a fls. 27) e G… (a fls. 29), não tendo nenhuma destas testemunhas presenciado tais actos.
2) Foram inquiridas D… (a fls. 31) e E… (a fls. 33 e 50).
Tendo a primeira referido que viu visto B… dirigir-se a C… dizendo “é desta vez que te vou matar ladrão”, munido de uma enxada que ergue no ar, e tendo a segunda referido que viu o mesmo arguido dizer a C… “vou-te matar, tu andas-me a roubar a herança do meu pai”, enquanto caminhava na direcção deste com uma enxada nas mãos.
3) Interrogado B… (a fls. 122), este negou a prática de tais factos, tendo referido ter dito apenas ao ofendido para se ausentar do terreno anexo à sua residência e que em momento algum agarrou em nenhum objecto e o tivesse dirigido na direcção do mesmo.
A expressão “vou-te matar” é susceptível de provocar em C… um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo, afectando a sua liberdade de decisão e de acção, o que, em abstracto, constitui um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º do CP, sendo agravado em virtude da profissão exercida por este, advogado, nos termos do artigo 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), do CP.
Há, contudo, a considerar que o artigo 153.º do Código Penal, pune a conduta de “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
Ora, objectivamente, exige-se um acto de ameaça cujo conteúdo se baseie na prática de algum crime que atente contra os bens jurídicos referidos e que a ameaça seja feita de forma adequada a causar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
Trata-se, pois, de um crime de perigo, onde a tutela penal se efectua por antecipação,
bastando que o meio empregue seja o adequado.
O critério de adequação da ameaça há-de atender às circunstâncias em que a mesma é proferida, à personalidade do agente, bem como às qualidades do sujeito passivo.
Subjectivamente, o tipo legal exige o dolo. O agente tem que saber que a ameaça é
susceptível de causar medo ou intranquilidade no sujeito passivo e tem que agir em conformidade com isso, não sendo necessário que o agente tenha intenção de concretizar a ameaça.
Relativamente ao conceito de ameaça, a doutrina aponta três características essenciais ao conceito de ameaça: um mal, ser futuro e que a ocorrência dependa da vontade do agente (cf. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 343).
No caso em apreço verifica-se a existência de um mal cuja ocorrência depende da vontade do agente, porém questiona-se se o mal verificado é para o futuro.
Conforme refere o autor já citado, “o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim por exemplo, haverá ameaça, quando alguém afirma: “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. artigo 22º, nº 2, al. c)”.
Deste modo, as expressões eventualmente proferidas por B…, como sejam “vou-te matar”, representam um mal iminente e não futuro, que nem tão pouco se veio a consumar.
Acresce que é ainda questionável se, naquele momento, B… trazia de facto consigo, nas mãos, uma enxada, pois se, por um lado, C…, D… e E… referem a existência desta, ainda que tais depoimentos não sejam coincidentes quanto à forma como esta era transportada; por outro lado, B… nega a prática de tal acto e F… e G… nada viram nesse sentido.
Dos depoimentos de F… e G…, respectivamente esposa e filha do arguido, que se ali se encontravam aquando da prática dos factos, resulta que nada viram a respeito, nem tão pouco, ao contrário do que refere C…, D… e E…, impediram o arguido de prosseguir a sua actuação.
Na verdade, não se compreende e não é mesmo razoável que, atenta a versão dos factos apresentada por C…, este, após ter sido agredido com um soco na face por B…, se mantivesse junto da entrada da residência deste a aguardar enquanto aquele se deslocou até ao seu interior e regressado com a enxada.
Não obstante, ainda que se entenda como boa a versão dos factos relatada pelo ofendido, sempre se dirá que o mal ameaçado não teve projecção futura, mas é antes iminente, pelo que não é tal conduta susceptível de ser abrangida pelo tipo legal cima referido.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos autos, quanto a esta parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPP.”
Ora, concatenada a prova produzida em sede de inquérito e de instrução verificamos que é a mesma, manifestamente, insuficiente para firmar em nós a convicção de que a ser pronunciado e submetido a julgamento venha o arguido, B…, a ser condenado pela prática de um crime de ameaça agravado.
Entendemos, aliás, que mesmo que resultasse indiciado que o arguido, B…, tivesse dirigido ao arguido/assistente a expressão (…) “vou-te matar” (…) sempre seria a mesma ameaça de um mal iminente tal como se sustenta em sede de despacho de arquivamento. Ou seja, no contexto aqui em causa, a expressão não apareceria como um mal em termos de vir a ocorrer no futuro, mas iminente tanto mais que existiram agressões mútuas, faltando-lhe um dos elementos objectivos do tipo legal do crime em questão, como seja, o anúncio de um mal futuro.
Entendemos que tal expressão, a ter sido proferida surgiria como a verbalização de um mal iminente.
Ora, como já acima referimos, para que se dê por preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça é necessário, desde logo, que o mal ameaçado seja futuro. O mal, objecto da ameaça não pode ser iminente, pois que neste caso estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal.
Assim, também, por este prisma e sempre com o devido respeito por opinião diversa, estaria a tese do assistente/arguido, C…, votada ao insucesso impondo-se, por isso, a não pronúncia da prática do crime de ameaças agravado.
Invoca e pugna o assistente/arguido que, a ter-se outro entendimento, sempre estariam perfectibilizados os elementos objectivos e subjectivos de prática pelo arguido B… de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l) e 22.º, todos do Código Penal.
Porém, não temos por indiciado que no circunstancialismo em causa o arguido B… se dirigisse em direcção ao assistente/arguido C… munido de uma enxada e enxada em punho.
Com efeito, nos presentes autos, ficamos com a versão do assistente/arguido, C…, e com a versão do arguido/assistente, B…, - que negou, peremptoriamente, os factos que lhe são imputados - sendo certo que o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de inquérito - presenciais se dividem. Todavia, a testemunha E…, ouvida em sede de instrução, veio sustentar que quando o arguido B… terá chegado munido da enxada já lá ninguém se encontrava no local pelo que cai por terra a tese que possa ver em tal acto um acto de execução do crime de homicídio na forma tentada que pretendia cometer. Aliás, nada resulta dos autos que nos leve a inferir que o aqui arguido tenha decidido e planeado a morte do assistente/arguido C…. Ora, para haver tentativa não basta a prática de actos de execução é necessário que esses actos sejam de execução de um crime que o agente “decidiu cometer” (art.º. 22.º, n.º 1).
O que disse é por si só suficiente para que se conclua que não há nos autos prova indiciária suficiente, para que ao arguido, B…, venha a ser aplicada, em sede de julgamento, uma pena pela prática de um crime de ameaça e/ou de homicídio qualificado na forma tentada - o que levará, consequentemente, à não pronúncia do mesmo quanto aos ilícitos em questão.
*
Instrução requerida por D…
Conforme referimos supra, no relatório da presente decisão, finda que foi a fase do inquérito decidiu o Ministério Público deduzir acusação contra a arguida D… imputando-lhe a prática do crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
Da análise histórico sequencial dos autos emana dos mesmos e para além do mais, que o assistente/arguido B… se queixa de, no dia 06.07.2012, na Rua …, n.º …, …, em Gondomar, nomeadamente, a denunciada D… e E…, terem arremessado pedras que o atingiram a sua perna direita.
Fundamenta-se a acusação, inclusive e nesta parte, na prova documental, pericial e testemunhal recolhida em sede de inquérito.
Tendo em consideração toda essa prova, nomeadamente a testemunhal e pericial, cremos poder afirmar, sem grandes dúvidas, que a versão dos factos descrita na acusação é efectivamente aquela que maior sustentação encontra na referida prova.
Tais factos são corroborados por F… (fls. 27/28 do apenso A) e por G… (fls. 29/30 do apenso A).
É certo que a arguida negou a prática de tais factos, todavia o depoimento prestado pelo ofendido em sede de inquérito, pela enunciação pormenorizada dos factos, impõe-se como relevante e decisivo, encontrando-se sustentado quando concatenado com o relatório do episódio de urgência, constante de fls. 176/177, com o relatório pericial, constante de fls. 75/76, bem como com o depoimento prestado, em sede de inquérito, por F… (fls. 27/28 do apenso A) e G… (fls. 29/30 do apenso A), testemunhas presenciais dos factos.
E apesar de alguma ausência de precisão, em sede de queixa, acerca do autor da remessa da pedra que atingiu o ofendido, o certo é que tanto a testemunha G…, bem como o aqui ofendido vieram a precisar que a autora do arremesso foi a arguida D….
Por sua vez, nada de novo foi carreado para os autos, em sede de instrução por forma a abalar tais indícios, não se mostrando, por isso, o despacho de acusação proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público abalado por qualquer tipo de prova produzida ou resultante das diligências realizadas em sede de inquérito e instrução.
Cumpre, também, referir que a qualificação jurídica efectuada pelo Ministério Público na acusação pública não merece qualquer reparo.
Impõe-se, por conseguinte, a improcedência do requerimento de abertura da instrução apresentado por D… e a pronúncia da arguida nos exactos termos em que vem acusada.
A qualificação jurídica efectuada também não merece qualquer censura.
O que disse é por si só suficiente para que se conclua que nos autos há prova indiciária suficiente para que à referida arguida venha a ser aplicada, em sede de julgamento, uma pena - o que levará, consequentemente, à pronúncia da mesma.
No demais e por reporte ao arguido B… mantêm-se os indícios que dos autos constam e que sustentaram a acusação contra si deduzida impondo-se, por isso, a sua pronúncia.
*
Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto acabamos de deixar dito e sem necessidade de ulteriores considerações, decide-se:
- Não dar provimento aos requerimentos de abertura da instrução de C… e D… e, em consequência, não pronunciar o arguido, B…, pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l), e 22.º, todos do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal, e
- pronunciar os arguidos, C… e D… e B… para julgamento, em processo comum, perante Tribunal Singular, pelos factos e disposições normativas constantes da acusação pública, de fls. 133 e seguintes, a qual se considera integralmente reproduzida, nos termos do disposto nos artigos 307.º, n.º 1, e 308.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Custas a cargo do assistente/requerente da instrução, fixando-se em 2 UC a respectiva taxa de justiça - arts. 515º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Prova:
A constante dos despachos de acusação.
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Medidas de coacção:
Nada a ordenar, tanto mais que os arguidos já prestaram Termo de Identidade e Residência nos presentes autos.
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Notifique.
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Oportunamente, requisite certificado de registo criminal actualizado dos arguidos.
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Remeta os autos à distribuição.
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Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. - Questões a decidir – Recurso interlocutório:
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão suscitada circunscreve-se a saber se os co-arguidos C… e D… podem ser ouvidos na qualidade de testemunhas.
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Recurso da decisão instrutória:
- Existência de indícios para a pronúncia do arguido B… pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c) por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, alínea l), 22º, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punível pelo artigo 256º, todos do Código Penal.
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APRECIAÇÃO DOS RECURSOS A) O RECURSO INTERLOCUTÓRIO
Defende o recorrente que os co-arguidos C… e D… sejam ouvidos na qualidade de testemunhas.
Vejamos se lhe assiste razão.
A importância de que se reveste a produção de prova em processo penal, enquanto superação de um modelo inquisitorial do processo e conquista basilar do processo de estrutura acusatória, tem subjacente a ideia da existência de limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal, limites que se traduzem nos conceito e regime das proibições de prova.
Costa Andrade, citando Gössel, afirma que “às proibições de prova cabe a importante tarefa de “prevenir que o imperativo da realização da justiça material que dimana do Estado de Direito redunde precisamente no seu contrário”. (...) “É que, precisa GÖSSEL “do princípio do Estado de Direito decorre o dever de averiguar a verdade e, ao mesmo tempo, a delimitação dessa averiguação”” (cfr. Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, págs. 117 a 119).
Dispõe o artigo 133º, nº 1 do Código de Processo Penal que “ Estão impedidos de depor como testemunhas o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade”.
Do que decorre que o arguido não pode depor como testemunha no processo em que está constituído como tal. Portanto:
a) O arguido não pode depor como testemunha no mesmo processo sobre factos que lhe são imputados em exclusivo.
b) O arguido não pode depor como testemunha no mesmo processo sobre factos que lhe são imputados a si e aos seus co-arguidos.
c) O arguido não pode depor como testemunha no mesmo processo sobre factos que lhe são imputados aos seus co-arguidos em exclusivo, pois a capacidade de avaliação do arguido fica prejudicada pela circunstância de os factos se encontrarem numa relação de conexão objectiva com os factos imputados ao arguido, perturbando assim, seriamente a liberdade do depoimento. Ao que acrescem as dificuldades de ordem prática para conciliar o direito do arguido de assistência à produção da prova e o dever das testemunhas se retirarem da sala (também assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª edição, Lisboa, Verbo, 145 e António Gama, Reforma do Código de Processo Penal: Prova Testemunhal, declarações para memória futura e reconhecimento, in RPCC, ano 19, nº 3, pag. 411).
d) O arguido só pode depor como testemunha no mesmo processo quando perder a qualidade de arguido.
Acresce que o arguido não pode depor como testemunha em processo conexo. Portanto:
a) O arguido não pode depor como testemunha em processo conexo sobre factos que são imputados a si e aos arguidos no processo conexo.
b) O arguido não pode depor como testemunha em processo conexo sobre factos que são imputados em exclusivo aos arguidos no processo conexo.
c) O arguido pode depor como testemunha no processo conexo quando perder a qualidade de arguido.
(vide Comentário do Código de Processo Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, Universidade Católica Editora, 4ª edição, pag. 370).
Em resumo e, conforme se refere no despacho recorrido, “não pode depor como testemunha a pessoa que no processo foi constituída como arguida, quer quanto a factos que lhe são imputados a si em exclusivo, quer quanto a factos que são imputados a si e aos seus co-arguidos, o mesmo acontecendo relativamente a processos conexos.
O que visa este preceito é a protecção do próprio arguido, como tal constituído, que assim fica excluído da obrigação de depor como testemunha se como tal for indicado, e liberto ainda dos deveres de prestação de depoimento e de o fazer com verdade sob pena de ser sancionado criminalmente. ---
“A justificação do impedimento de o coarguido depor como testemunha tem como fundamento essencial uma ideia de proteção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento (…) e que se traduz no brocardo latino nemo tenetuse ipsum accusare, o também chamado privilégio contra a autoincriminação (cfr., neste sentido, Costa Andrade, Sobre as Proibições de prova em Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 21, e Ac. do TC. n.º 30472004, de 5 de Maio, acessível in www.tribunal constitucional.pt”)”.
A proibição de o arguido ser ouvido como testemunha, enquanto limitação dos mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão do privilégio contra a auto-incriminação.
O alargamento do impedimento – alargamento do direito do arguido ao silêncio – ao próprio co-arguido arranca desta mesma matriz da garantia contra a auto-incriminação, enquanto expressão do direito de defesa, entendida como a exigência de assegurar ao co-arguido o direito a defender-se, sem que, através do testemunho sobre facto de outro, ele comprometa sua própria posição processual, auto-incriminando-se (cfr. neste sentido, Medina de Seiça, ob. cit., págs. 36 e 37).
A consagração do impedimento representa uma renúncia do Estado à “colaboração forçada” na investigação de factos criminosos de quem é alvo dessa mesma investigação.
A proibição não visa apenas proteger o arguido chamado a depor como testemunha do que, nessa qualidade, possa dizer em prejuízo da sua posição, mas também proteger o arguido do processo conexo.
Por outro lado, o assistente não pode depor como testemunha no processo onde como tal está admitido. Contudo, não há nenhum impedimento do assistente depor como testemunha em processo conexo com o processo em que se verificou a constituição como assistente.
Sempre se dirá que os arguidos têm o direito de, nos termos do artigo 61º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, serem ouvidos pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente os afecte, sendo que “o juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar” (cfr. artigo 292º nº 2 do Código de Processo Penal).
Segundo Medina de Seiça, a norma constante do artigo 133º do CPP - impedimento para depor como testemunha – representa “uma das regras que caracterizam em maior medida a actual disciplina da prova testemunhal” e “constitui o vértice da concepção global sobre a função ou posição processual que ao co-arguido se deve reconhecer no quadro do direito probatório” (cfr. ob., cit., pág. 17).
Revertendo, pois, para o caso em apreço e, atentas as considerações expostas entendemos que bem fez o tribunal a quo em indeferir a audição dos co-arguidos em causa, na qualidade de testemunhas.
Ademais, nem tão pouco se diga que deveria ter sido ordenada a separação de processos, pois no caso sub judice a conexão existe (estando verificados os seus pressupostos, cfr. artigo 24º do Código de Processo Penal) e, tratando-se de factos ocorridos na mesma ocasião e lugar, deverão ser apreciados em conjunto. Não sendo de aplicar ao caso o disposto no artigo 30º do Código de Processo Penal.
Assim, sendo, a Mma. Juíza de Instrução decidiu como se lhe impunha, não merecendo qualquer censura ou reparo a sua decisão, sendo que a interpretação feita no despacho em crise não viola a Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios constitucionais invocados pelo recorrente, nem o preceito legal em causa (artigo 133º do Código de Processo Penal) padece de qualquer inconstitucionalidade (neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional nº 304/2004, de 05.05.2004, publicado na II Série DR, nº 169, p. 10911-10914).
Improcede, assim, o recurso interlocutório.
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B) O RECURSO DA DECISÃO INSTRUTÓRIA
O assistente C… requereu a abertura da instrução no seguimento do despacho final do inquérito proferido pelo Ministério Público.
Nos termos do artigo 287, n.º1 do Código de Processo Penal, o assistente tem a possibilidade legal de requerer a Instrução em crimes de natureza pública ou semi-pública, relativamente a factos pelos quais o MP não tiver deduzido acusação.
A instrução destina-se conforme as situações:
a) a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação;
b) a proceder ao controlo judicial da decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito, sempre tendo em vista a submissão ou não da causa a julgamento (art. 286º, nº 1, do Código de Processo Penal).
Nos termos do art. 286º, nº1 do Código de Processo Penal “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Sobre o tema, escreveu Mouraz Lopes que «a instrução surge, assim, essencialmente como função garantística, fundamentalmente perante uma autoridade autónoma (o Ministério Público) que detém o poder de acusar ou arquivar, obedecendo naturalmente a critérios de legalidade, mas que não deixa de estar, diríamos de uma maneira provocatória, no lado acusatório, em conflito com o cidadão»: Garantia Judiciária no Processo Penal, do Juiz e da Instrução, Coimbra Editora, pág. 69.
Como fase jurisdicional (facultativa), a instrução compreende a prática dos actos necessários que permitirão ao juiz de instrução proferir a decisão final de submeter ou não a causa a julgamento: o juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, de modo a fundar a sua convicção, para pronunciar ou não pronunciar o arguido, mas “tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o nº 2 do art. 287º do Código de Processo Penal: art. 288º, nº 4 do mesmo código.
Também o artigo 289º, nº 1 do Código de Processo Penal dispõe que “a instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e obrigatoriamente por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o MP, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis”.
Destes dispositivos resulta que a instrução se destina a comprovar judicialmente a decisão tomada pelo Ministério público de deduzir acusação ou de arquivar o processo. Já que em sede de instrução o que está em discussão é, exclusivamente, a comprovação da decisão tomada pelo Ministério Público, nesta apenas se vai apurar se a decisão tomada pelo Ministério público corresponde ou se adequa aos indícios existentes no processo.
A instrução é tida por uma fase judicial através da qual, se opera o controlo judicial da posição assumida pelo Ministério Público no final do inquérito. Cfr. José Souto de Moura, Inquérito e instrução, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1989, pag. 125.
Para que o juiz pronuncie o arguido é necessário nos termos do disposto no art. 308º do Código de Processo Penal, que até ao encerramento da instrução tenham sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, e caso tal não aconteça deve ser proferido despacho de não pronúncia.
A noção do que sejam indícios suficientes tem merecido abordagens de concretização quer pela doutrina quer pela jurisprudência.
O art. 283º, nº 2 do Código de Processo Penal, considera suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.”
Da conjugação dos arts. 308º, nº1 e 283º, nº2 do Código de Processo Penal, resulta que “a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela uma pena ou medida de segurança, (art. 283º, nº2); não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.” (cfr. Prof. Germano Marques, ob. cit. pág. 182).
E escreve ainda o Prof. Germano Marques, que “O juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido” (cfr. Prof. Germano Marques, ob. cit. pág. 182).
Assim, para que surja uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido de certeza – convicção da existência de crime, antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, por forma a que, da sua lógica conjugação e relacionação, se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo e probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Parafraseando o Professor Jorge de Figueiredo Dias, “(...) os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.” [“Direito Processual Penal”, Coimbra, 1.ª edição, 1974, página 133].
O recorrente ataca a decisão de não pronúncia por entender que se encontram preenchidos os elementos típicos objectivos e subjectivos da prática pelo arguido B… de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c) por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, alínea l), 22º, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º e de um crime de falsificação de documentos, previsto e punível pelo artigo 256º, todos do Código Penal.
Vejamos.
Comecemos pelo crime de ameaça, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c) do Código Penal.
Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
O bem jurídico protegido pelo citado artigo 153.º é a liberdade de decisão e de acção. “As ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ofendido, afectam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade” (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal – parte especial, tomo I, Coimbra, 1999, página 342).
São elementos deste tipo legal de crime: a) a ameaça da prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; b) que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima e finalmente; c) o dolo.
A ameaça tem de representar o anúncio de um mal, que tanto pode ser de natureza patrimonial como pessoal; esse mal tem de ser futuro, sendo porém indiferente que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal; finalmente, torna-se indispensável que o mal futuro anunciado esteja na dependência da vontade do agente, indispensabilidade essa que deverá ser analisada, tendo como ponto de partida a perspectiva do homem comum, atendendo igualmente aos especiais conhecimentos da pessoa ameaçada.
Em segundo lugar, é necessário que a ameaça seja “adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
Como referiu o Professor Figueiredo Dias no âmbito da Comissão de Revisão, “o que se exige, para preenchimento do tipo, é que a acção reúna certas circunstâncias, não sendo necessário que em concreto se chegue a provocar o medo ou a inquietação” (Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, página 500). Daí que o normativo legal em causa se assuma actualmente sob a veste de um crime de perigo e já não, como ocorria anteriormente à Revisão de 1995, como um crime de dano. Hoje, já não se exige a ocorrência do dano, como efectiva perturbação da liberdade do ameaçado, mas também não basta a simples ameaça da prática do crime. Com efeito, exige-se a comprovação da adequação da ameaça, perante a situação concreta, para provocar medo ou inquietação, o que leva a concluir que o crime de ameaça, previsto e punido no artigo 153º do Código Penal é um crime de perigo. Assim, desde que a ameaça seja adequada a provocar o medo, mesmo que em concreto o não tenha provocado, verifica-se o preenchimento do tipo legal (neste sentido, cfr. Taipa de Carvalho, Comentário, cit, pág. 348, Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, volume II, Lisboa, 1996, pág. 185).
Seguindo novamente os ensinamentos do Professor Taipa de Carvalho, “o critério para aferir da adequação da ameaça para provocar o medo ou inquietação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das «sub-capacidades» do ameaçado). Assim, uma determinada ameaça pode, relativamente a um adulto normal, não ser adequada, mas já o ser quando o ameaçado é uma criança ou uma pessoa com perturbações psíquicas.”
Do que se conclui que a ameaça adequada é aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.
Entendeu a Sra. Juiz de Instrução que “as expressões eventualmente proferidas por B…, como sejam “vou-te matar”, representam um mal iminente e não futuro, que nem tão pouco se veio a consumar”.
E mais adiante, referiu na decisão recorrida que “ainda que se entenda como boa a versão dos factos relatada pelo ofendido, sempre se dirá que o mal ameaçado não teve projecção futura, mas é antes iminente, pelo que não é tal conduta susceptível de ser abrangida pelo tipo legal acima referido”.
E entende o recorrente que, ou se considera que o mal é futuro e estaremos no âmbito da ameaça (agravada), impondo-se uma decisão de pronúncia; ou se entende que o mal é iminente e estaremos no âmbito da tentativa de homicídio (qualificado).
Quid juris?
A posição da Sra. Juiz de Instrução é claramente tributária da lição do Prof. Taipa de Carvalho, depois seguida por alguma jurisprudência desta Relação do Porto, segundo a qual o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, que neste caso, está-se diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal, e da qual se destacam os seguintes arestos: Acórdãos desta Relação do Porto de 28-5-2008, proc.º n.º 0841544, rel. Ernesto Nascimento; 28-11-2007, proc.º n.º 0712156, rel. Élia São Pedro; 20-12-2006, proc.º n.º 0645320, rel. Olga Maurício; 22-11-2006, proc.º n.º 0614091, rel. Guerra Banha; 17-5-2006, proc.º n.º 0411428, rel. Guerra Banha; e do mesmo relator o acórdão de 20.12.2006, onde a expressão "anda cá para baixo, que te quero matar", proferida pelo agente empunhando uma espingarda caçadeira na direcção do ofendido, não foi considerada como mal futuro; 25-1-2006, proc.º n.º 0544124, rel. Isabel Pais Martins; e da mesma relatora o acórdão de 25.1.2006, onde se considerou que “se, numa situação de confronto entre duas pessoas, uma diz à outra: "eu mato-te", não se está perante um anúncio de mal futuro; 23-2-2005, proc.º 0510031, rel. Fernando Monterroso; 17-11-2004, proc.º n.º 0414654, rel. Manuel Braz; 22-1-2003, proc.º 0210754, rel. Orlando Gonçalves; 25-09-2002, proc.º 0240259, rel. Pinto Monteiro; 9-2-2001, proc.º n.º 0110560, rel. Esteves Remédio; 2-2-2000, proc.º 9911167, rel. Nazaré Saraiva, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A propósito refiram-se também os acórdãos (da mesma Relação do Porto) de 14.7.2004, relatora Conceição Gomes, em que se considerou que ”o arguido diz ao queixoso: "Anda cá para fora, que eu mato-te", está a anunciar um mal futuro; de 30.3.2005, relator Fernando Monterroso, onde foi considerado como mal anunciado futuro, a expressão “eu vou dar cabo de ti, eu vou-te cortar aos bocadinhos”; de 21.6.2006, relator Jorge França, considerou-se como mal futuro, a situação de o arguido, dirigindo-se à ex-mulher, em frente do edifício onde esta residia, a aborda inesperadamente, segurando por alguns momentos a porta do veículo, impedindo-a assim de a fechar, enquanto lhe diz, em tom sério, que queria resposta sobre a casa e “não sabes do que eu sou capaz, eu estoiro-te”; de 30.9.2009, do mesmo relator, onde se entendeu que a expressão “Quando te agarrar para os lados da … faço-te as contas” utilizada de forma séria, no contexto de uma discussão, é susceptível de preencher o tipo legal do crime de ameaça; de 22.9.2010, relatora Lígia Figueiredo, onde se entendeu que preenche o tipo objectivo do crime de ameaça a conduta daquele que, dirigindo-se a outrem, lhe diz: “hei-de te pôr numa cadeira de rodas”; de 6.10.2010, relator Moisés Silva, onde se considerou preencher o tipo objectivo do crime de ameaça a conduta daquele que, dirigindo-se a outrem, lhe diz: «hei-de tratar-te da saúde, e só não é hoje porque tenho uma distensão muscular”.
Com efeito, o Prof. Taipa de Carvalho assinala que “O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex, haverá ameaça, quando alguém afirma hei-de-te matar: já se tratará de violência quando alguém afirma “vou-te matar já” (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, cit., pág. 343).
Mas, salvo o devido respeito, este trecho do texto do Prof. Taipa de Carvalho tem de ser cuidadosamente ponderado e aquelas palavras não podem ser aplicadas acriticamente, sob pena de intoleráveis atropelos à legalidade democrática, criando áreas de impunidade criminal onde o legislador as não autoriza, para além de se atraiçoar o pensamento daquele Mestre.
Antes do mais, é manifesto que o mal objecto da ameaça tem de ser um mal futuro.
Ameaçar “é anunciar a alguém um grave e injusto dano, necessariamente futuro” (Ac. da Rel. do Porto de 17-1-1996, proc.º n.º 9540886, rel. Fernando Frois, in www.dgsi.pt).
Mal futuro que se contrapõe a um mal passado.
O anúncio de um mal que se projectaria no passado não constitui ameaça. Assim, a expressão “eu já no dia 24 deste mês era para o matar com uma carrinha” dirigido pelo arguido ao ofendido, por ser uma ameaça de acção em tempo passado não tem objectivamente, de forma inequívoca, o sentido de uma ameaça para o futuro, pelo que não integra o crime de ameaça” (Ac. da Rel. do Porto de 6-7-2000, proc.º n.º 0010392, rel. Marques Pereira, in www.dgsi.pt).
Mas o futuro é o tempo que há-de vir, aquilo que vai ser ou acontecer num tempo depois do presente (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da língua Portuguesa Contemporânea, I vol., 2001, pág. 1846), o tempo que se segue ao presente, o que está por vir, que há-de ser, que deverá estar, que há-de acontecer, suceder (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa, 2003, tomo IV, pág. 1828), aquilo que há-de ser (Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 25ªed, vol. II, 1996, pág.1225), que há-de vir (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 170), que está para ser, que está por acontecer (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2004, pág. 803).
Que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o este seja curto ou longo é irrelevante (Taipa de Carvalho, cit, §7, pág. 343).
O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer.
Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há-de ser, que há-de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer.
É claro que sendo o mal iminente poderemos estar perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal, já que segundo a alínea c) do artigo 22º do Código Penal, o anúncio daquele mal pode, segundo a experiência comum, ser de natureza a fazer esperar que se lhe sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores, isto é, actos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime, ou que sejam idóneos a produzir o resultado típico.
Mas daí se não segue, necessariamente, que deixe de existir uma ameaça.
Quando alguém afirma que “vou-te matar”, poderemos estar perante uma tentativa de homicídio, de tentativa de coacção, que consomem naturalmente a ameaça, ou perante um crime de ameaças. Tudo depende da intenção do agente.
É que, para haver tentativa não basta a prática de actos de execução é necessário que esses actos sejam de execução de um crime que o agente “decidiu cometer” (art. 22º, n.º1).
Aliás, algumas linhas à frente do excerto acima citado e que tantas incompreensões tem gerado, o próprio Prof. Taipa de Carvalho esclareceu que “Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. art. 22º-2-c) – op. cit. § 7, pág. 343).
Se, por exemplo, o agente não tem intenção de matar, aquela expressão, não integra um acto de execução de um crime de homicídio, mas integra claramente um crime de ameaças, verificados os demais pressupostos deste tipo de crime, nomeadamente a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade [cfr. neste sentido, v.g., o Ac. da Rel. de Lisboa de 17-6-2004,proc.º n.º 3525/04, rel. Almeida Cabral “(…) o agente que no calor de uma discussão, de natureza familiar, diz para a vítima em tom sério ‘mato-te’, comete o crime de ameaças previsto no art.º153º do Cód. Penal)”, in www.pgdlisboa.pt), o Ac. da Rel. do Porto de 5-1-2000, proc.º n.º 0040533, rel. Pinto Monteiro, em que estavam em causa as expressões “sua filha da puta, eu rebento-te os cornos” e “mato-vos a todos, seus filhos da puta” dirigidas pela arguida à assistente, o Ac. da Rel. do Porto de 25-8-1999, proc.º n.º 9910861 em que estava em causa a conduta da arguida que intimidou a assistente, encostando à cabeça desta uma pistola que sabia não estar municiada, ao mesmo tempo que disse que a matava e que já tinha sete palmos à conta dela de sepultura”, ambos in www.dgsi.pt,], sendo certo que a motivação da ameaça como crime autónomo é irrelevante [neste último sentido cfr. Taipa de Carvalho, cit., §5, pág. 342 e §26, pág. 351, e o Ac. da Rel. do Porto de 18-9-2002, proc.º n.º 0110489, rel. Baião Papão (“Para integrar o elemento subjectivo deste ilícito o que releva é a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade, sendo irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça”)].
E nem se diga que a expressão “eu mato-te” traduz um mal iminente e por isso conforma um acto de execução do crime de que afinal o agente desistiu, não prosseguindo a sua conduta. É que, aquela desistência tem por efeito que a tentativa deixa de ser punível. Mas o que deixa de ser punível é a tentativa de homicídio, sendo o agente punido por ameaça, ofensa à integridade física, coacção etc., se, em determinadas circunstâncias, os actos de execução integrarem a prática de tais ilícitos [assim, no confronto com os crimes de coacção (artigos 154º, 155º, 156º, 163º, 347º) e de extorsão, o Prof. Taipa de Carvalho assinala que o crime de ameaça cede perante os crimes de coacção e de extorsão, “salvo se em relação a estes se verificar uma desistência relevante da tentativa, e aquele se tiver consumado (isto é a ameaça tiver chegado ao conhecimento do destinatário)”, op. cit., §29, pág. 351].
Nem se diga, ainda, que se o mal for iminente a ameaça do mal ou entra no campo da tentativa ou, não entrando, logo se esgota na não consumação do mal anunciado, do que resulta não ter ficado o visado condicionado nas suas decisões e movimentos dali por diante.
A circunstância de o espaço temporal que medeia entre o mal anunciado e a certeza da sua não consumação ser maior ou menor pode ser relevante para efeitos de determinação da medida da pena, mas é indiferente para efeitos de incriminação.
O que se exige é tão-somente que a ameaça, o anúncio do mal futuro, seja susceptível de afectar a paz individual ou a liberdade de determinação.
Se essa susceptibilidade se prolonga mais ou menos no tempo é irrelevante para efeitos de incriminação.
Se o visado não ficou condicionado nas suas decisões e movimentos dali por diante é, igualmente, irrelevante.
O que é decisivo é que, ainda que por momentos breves, o anúncio daquele mal, depois não concretizado, fosse susceptível de afectar aqueles bens jurídicos, fosse capaz de gerar medo, inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação.
Revertendo para o caso em análise, sem esquecer as considerações expostas.
Importa, assim, primeiramente, concatenar a prova produzida nos autos, designadamente na fase de inquérito e na fase de instrução, as quais serviram de premissas para desembocar na conclusão em que se concretiza a decisão instrutória de não pronúncia, ora em apreço. Em sede de inquérito:
Consta do auto de denúncia de fls. 2 a 6 do processo n.º 2690/l2.2TAGDM, apresentada pelo assistente/arguido C… contra B…, em suma e, com relevância para a questão em causa, o seguinte: - no dia 06 de Julho de 2012, no exercício da sua profissão, o queixoso foi chamado para proceder ao embargo extrajudicial de obra nova que o denunciado se encontrava a efectuar num prédio de P… e marido, sito na Rua …, …, Gondomar;
- aí chegado e tendo-se apercebido que o denunciado saíra do local da obra e se escondera em casa, o denunciado bateu no portão a fim de lhe transmitir, perante duas testemunhas, que a sua cliente embargava a obra, pelo que não a deveria continuar.
- logo de seguida o denunciado abriu o portão e atirou-se a ele, chamando-lhe ladrão e agredindo-o com um murro.
- como o denunciante se foi defendendo e a filha do denunciado tentou impedir que continuasse a agressão, aquele foi para dentro do portão de sua casa, muniu-se de uma enxada, pegando no cabo e brandiu-a em direcção ao denunciante, dizendo-lhe “agora é que te vou matar meu ladrão, que me roubaste a herança do meu pai” e correndo para ele com a enxada.
- o denunciante pôs-se em fuga e o denunciado foi entretanto agarrado pela sua filha para o impedir de o fazer, o que permitiu que o queixoso se afastasse do local.
Consta do auto de denúncia, inserido no processo n.º 2690/l2.2TAGDM-B, apresentada pelo assistente/arguido C… contra B… o seguinte:
- o queixoso é advogado com a cédula profissional ….., exercendo tal actividade com carácter habitual e lucrativo;
- no dia 06 de Julho de 2012, no exercício da sua profissão, o queixoso foi chamado para proceder ao embargo extrajudicial de obra nova que o denunciado se encontrava a efectuar num prédio de P… e marido, sito na Rua …, …, Gondomar;
- no decurso da diligência, o queixoso foi agredido, ameaçado e injuriado pelo denunciado, tendo apresentado a competente queixa-crime contra o mesmo pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, de homicídio sob a forma tentada, de ameaças e de injúrias junto deste tribunal, encontrando-se a correr o competente inquérito na 2ª secção dos Serviços do Ministério Público, sob o nº 2690/12.2TAGDM;
- como forma de retaliação pela queixa crime apresentada pelo aqui queixoso, o denunciado apresentou queixa-crime, alegando ter sido agredido, por ele, no dia 06.07.2012 no decorrer da supra referida diligência, tendo sido aberto o competente inquérito que se encontra a correr termos na 1 a Secção dos Serviços do Ministério Público, deste tribunal, sob o n.º 397/12.0GENVG;
- o aqui denunciado na queixa que apresenta contra o aqui queixoso, junta aos autos fotografias falsas, em que é perfeitamente visível que a camisa que usa não é a mesma que se vê nas fotos juntas pelo queixoso no processo 2690/12.2TAGDM;
- o que apresenta nessas fotografias não é sangue, mas sim tinta ou algo parecido que usou com a intenção deliberada de fazer o tribunal acreditar que se tratava de sangue fruto da agressão de que diz ter sido alvo;
- o denunciado afirma que fruto das agressões de que foi vítima teve de se deslocar ao hospital de Santo António, no Porto, para ser assistido, sendo certo que com um centro de saúde no …, a 300 metros da sua habitação, fez questão de se deslocar ao referido hospital, onde terá alguém que o protege e que já lhe permitiu a entrega num outro processo em que é arguido de um documento falso que constituiu um álibi para a sua defesa.
Consta do auto de denúncia inserido no processo n.º 2690/12.2TAGDM-A apresentado pelo assistente/arguido B… contra C…, D… e E… que se queixa de, no dia 31.07.2012, na Rua …, n.º …, …, em Gondomar, nomeadamente, o denunciado, C… (cf. fls. 4) nas circunstâncias descritas ter desferido um soco no lado esquerdo da sua face e de seguida as denunciadas D… e E…, terem arremessado pedras que atingiram a sua perna direita.
Ouvido em declarações, B…, a fls. 18/19 do apenso A, confirmou na íntegra o teor da queixa apresentada, precisando, nomeadamente, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na queixa e ao chegar junto do suspeito C…, este desferiu-lhe um soco que o atingiu na parte esquerda do nariz e olho esquerdo. Passados alguns segundos ou minutos, em razão da agressão, ficou a sangrar do nariz.
Interrogado o arguido C…, a fls. 23/24 do apenso A, negou a autoria dos factos que lhe são imputados.
F…, que vive em união de facto com o ofendido/arguido B…, a fls. 27/28 do apenso A, referiu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na queixa presenciou C… a desferir um murro no seu marido e que ficou a sangrar do nariz. Acrescentou, ainda, ter presenciado D… e sua filha E…, com pedras nas mãos tendo, ambas, em simultâneo, arremessando-as em direcção do seu marido que foi atingido por umas dessas mesmas pedras nas pernas.
G…, filha do ofendido/arguido B…, a fls. 29/30 do apenso A, referiu que nas circunstâncias a que aludem os autos presenciou C… desferir um soco no rosto de seu pai, provocando-lhe queda de costas no chão ficando a sangrar pela narina esquerda. Acrescentou ter visto D…, que arremessaram em direcção do seu pai atingindo-o nas pernas.
D…, a fls. 31/32 do apenso A, referiu que, nas circunstâncias a que alude a queixa apresentada pelo arguido/assistente C…, o arguido B… muniu-se de uma enxada, regressou à via pública e dirigiu-se a C… a quem, de forma séria, disse "É desta vez que te vou matar ladrão", erguendo a enxada no ar, momento em que vindo do interior da propriedade, ali chegou sua filha G… que se agarrou ao pai e impediu que o mesmo prosseguisse.
E…, a fls. 33/34 do apenso A, referiu, nomeadamente, que, nas circunstâncias a que alude a queixa apresentada pelo arguido/assistente C…, o arguido B… muniu-se de uma enxada, regressou à via pública e, com a mesma nas mãos, dirigiu-se a C… a quem, de forma séria disse “Vou-te matar, tu andas-me a roubar a herança de meu pai”, momento em que vindo do interior da propriedade ali chegou sua filha G… que se agarrou ao pai e impediu que o mesmo seguisse.
Mostra-se junto aos autos, a fls. 39/42, relatório do episódio de urgência do centro hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho onde foi admitida o ofendido, C…, no dia 06.07.2012, pelas 16.20 horas.
Encontra-se junto aos autos (fls. 27/28), exame pericial a que foi submetido o ofendido, C…, no dia 18.10.2012.
E…, ouvida a fls. 50/51, manteve as declarações prestadas no apenso A.
D…, ouvida a fls. 56/57, na qualidade de arguida, negou os factos que lhe são imputados, mantendo as declarações prestadas no apenso A.
C…, ouvido a fls. 60/61, confirmou o teor da queixa por si apresentada.
Mostra-se junto aos autos, a fls. 176/177, relatório do episódio de urgência do centro hospitalar do Porto onde foi admitido o ofendido B… no dia 06.07.2012, pelas 18.24 horas, em que, além do mais se refere "agressão com traumatismo nos membros superiores, nariz, região periorbital esquerda e escoriações diversas pelos membros inferiores".
Encontra-se junto aos autos (fls. 75/76), exame pericial a que foi submetido o ofendido, B…, no dia 12.02.2013, onde, além do mais, se refere que o mesmo apresenta (...) "Face: cicatriz irregular, localizada na região supraciliar esquerda, com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões, sem queixas subjectivas associadas", concluindo-se:
"- A data da cura das lesões é fixável em 12-07-2012;
- As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação,'
- Tais lesões terão determinado 06 dias para a cura: sem afectação significativa da capacidade de trabalho geral;
- Do evento não resultaram quaisquer consequências permanentes."
B…, ouvido na qualidade de arguido, a fls. 122/124, manteve a versão dos factos já oferecida nos autos. Em sede de instrução:
Inquirida Q…, vizinha dos arguidos B… e D…, a fls. 315 e S…, vizinha dos arguidos B… e D…, a fls. 315, declararam a nada terem assistido.
Inquirida E…, a fls. 315, filha da arguida D…, manteve, na essência, a versão dos factos já oferecida nos autos. Precisou, no entanto, que nas circunstâncias temporais e locais em causa quando o arguido B… chegou com a enxada já “toda a gente” tinha fugido do local.
Ora, no caso em apreço, conjugada toda a prova produzida, resulta suficientemente indiciado dos autos que o arguido B… dirigiu-se ao C… dizendo-lhe “vou-te matar”, sendo que tal expressão, no contexto em que foi proferida, tendo em conta as pessoas que se encontravam presentes e, estando o arguido B… munido de uma enxada, de acordo com o juízo objectivo-individual acima referido, é adequada a provocar medo ou inquietação, sendo que quem assim age fá-lo voluntária e conscientemente, com a intenção de perturbar, como perturbou, a liberdade pessoal de decisão e de acção, a paz individual e o sentimento de segurança do ofendido e sabendo que a sua conduta é proibida por lei. Afigura-se-nos inequívoca a prática do crime de ameaça.
Assim, face a todo o exposto não podemos concordar com a Sra. Juiz de Instrução quando afirma que a expressão em causa – vou-te matar – traduz um mal iminente”.
Entendemos, pois, que a indiciada conduta do arguido B… traduz o anúncio de mal futuro e, consequentemente integra o crime de ameaça.
Por outro lado, da indiciada expressão proferida pelo arguido B… não restam dúvidas de que o crime objecto da ameaça é um crime contra a vida, que é punido com pena de prisão superior a 3 anos (artigos 131º e segs. do Código Penal).
Tendo o STJ, no Acórdão n.º 7/2013 (publicado no DR, n.º 56, I Série, de 20-3-2013), fixado já jurisprudência, no sentido de que “A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal”.
Com efeito, face à prova indiciária, entendemos aditar ao despacho de acusação os seguintes factos:
6.A De seguida e, encontrando-se os arguidos C… e D… já na via pública, o arguido B… foi para dentro do portão de sua casa e muniu-se de uma enxada e, com a mesma nas mãos, dirigiu-se ao C… dizendo-lhe “vou-te matar”, ocasião em que ali chegou a filha do arguido B… e em que o C… se pôs em fuga.
13.A O arguido B… actuou de forma livre, voluntária e consciente ao proferir as palavras acima referidas, nas circunstâncias em que o fez e querendo com isso dizer que haveria de atentar contra a vida de C…, bem sabendo que aquela expressão era adequada a causar-lhe medo e receio pelo seu corpo, saúde e vida, tendo o arguido actuado com a intenção de perturbar a tranquilidade daquele e a afectá-lo na sua liberdade, o que conseguiu.
Pelo que, face a tal factualidade indiciada, incorre o arguido B… na autoria material, em concurso real com os demais crimes pelos quais está acusado e na forma consumada, de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c), 131º e 132, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.
Não de qualquer outro crime, nomeadamente o crime de homicídio, na forma tentada, conforme defende o recorrente, pelas razões já acima expostas.
Procede, assim, nesta parte, o recurso, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que pronuncie o arguido B… pela prática dos referidos factos supra indiciados e, em conformidade como autor de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c), 131º e 132, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.
E que dizer quanto aos restantes crimes?
Continuemos com o crime de denúncia caluniosa.
Nos termos do artigo 365º, nº 1 do Código Penal “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita de um crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
“Se o meio utilizado pelo agente se traduzir em apresentar, alterar ou desvirtuar meio de prova, o agente é punido, no caso do n.º 1, com pena de prisão até 5 anos” – nº 3, alínea a) da mesma norma legal.
São elementos deste crime: a) a existência de uma acusação em processo criminal; b) prova da falsidade dos factos imputados, e c) consciência dessa falsidade por parte do agente.
Assim, para haver o crime em causa é indispensável que o facto constante da falsa denunciação seja imputado a pessoa determinada; que a imputação constitua típico ilícito penal; exige-se, ainda, a espontaneidade da imputação, isto é, esta deve ser da exclusiva iniciativa do denunciante, pelo que inexistirá o crime, por exemplo, quando a falsa acusação é feita por um réu, em sua defesa, no curso do interrogatório, ou por uma testemunha, ao depor nas polícias ou em juízo, e que a denunciação seja objectiva e subjectivamente falsa, isto é, deve estar em contradição com a verdade dos factos e o denunciante deve estar plenamente ciente de tal contradição - cfr. Sima Santos e Leal Henriques, Código Penal de 1982, vol. 4, págs. 514 e 515.
O dolo específico do crime de denúncia caluniosa pressupõe a intenção de fazer desencadear, com a denúncia, procedimento criminal contra o denunciado.
Neste caso, o crime de denúncia caluniosa, previsto e punível no art. 365º/1 do Código de Processo Penal, são elementos típicos:
- A conduta: denunciar ou lançar suspeita, por qualquer meio – as expressões denunciar e lançar suspeita enquadram a comunicação, com recurso à linguagem oral ou escrita, de factos, susceptíveis de criar, reforçar a suspeita da prática de acto ilícito [cfr. Costa Andrade, Comentário, Tomo III, 530 e ss).
- Sujeito passivo: pessoa determinada – a acção terá de recair sobre outra pessoa, concretamente identificada (ou identificável).
- Objecto da conduta: factos correspondentes a crime – serão factos idóneos para provocarem perseguição criminal.
- Destinatários da acção: a denúncia ou a suspeita serão feitas perante autoridade ou publicamente.
- O elemento subjectivo: o dolo, revelado pela consciência da falsidade da imputação e na intenção de que contra o sujeito passivo se instaure procedimento (cfr. Ac. RC de 07.05.2033, in www.dgsi.pt e Comentário ao Código Conimbricense, Tomo III, pág. 519 e segs.)
Com este tipo de crime pretende proteger-se, principalmente, o interesse que tem a administração da justiça em que o procedimento criminal contra determinada pessoa seja sinceramente requerido.
Citando-se o significativo Acórdão da RP de 10.9.2008, in CJ on line, “só há crime de denúncia caluniosa se o denunciado como autor de factos susceptíveis de integrarem determinado crime, comprovadamente, os não praticou; e se o autor da denúncia agiu com a consciência da falsidade da imputação e com a intenção de ver instaurado o correspondente procedimento criminal contra o denunciado”.
Trata-se de um crime de perigo concreto, estando o tipo preenchido em termos de consumação quando há instauração de um procedimento contra determinada pessoa, sem qualquer fundamento, determinado por intuito persecutório ao agente que efectuou a denúncia.
E como se refere na decisão recorrida “Da análise do preceito conclui-se que a lei confere o direito de acção aos titulares dos interesses protegidos pela incriminação, isto é, garante o exercício da acção a todo aquele que se julgue ofendido ou prejudicado, reprimindo, porém, o abuso desse exercício quando se tenha procedido com malícia, dolo ou má-fé, ou seja, quando se tem conhecimento manifesto e consciente de que é infundado e injustificado o facto que se denunciou.
Assim, não deve tolher-se a cada um o direito de, pelos meios legais, obter a protecção dos seus bens jurídicos. E não deve aquele que, sentindo-se prejudicado, de boa fé participar contra alguém, ficar sob a ameaça da responsabilidade só pelo facto de não ter sido julgada procedente a "acusação" que apresentou. Seria colocar interesses sociais sob acção de medo de um resultado contingente.
Daí que se tenha de procurar o equilíbrio formulando o conceito de que é livre o direito à acção penal, mas quem abuse dele com dolo ou maliciosamente fica sujeito à responsabilidade criminal.
Ora, a denunciação deve ser objectiva e subjectivamente falsa, isto é, deve estar em contradição com a verdade dos factos e o denunciante deve estar plenamente ciente de tal contradição (Dr. Nelson Hungria, Vol. IX, págs. 462 e ss.). Acresce que, no seio da própria Comissão Revisora, o Autor do Anteprojecto, Eduardo Correia, chegou até a chamar a atenção para o perigo de se vir a interpretar este tipo de crime no sentido de abranger o dolo eventual (cf. Acta da 23a Sessão, B.M.J., n° 290,63)”.
Ora, no caso em apreço e, tendo em conta os elementos de prova coligidos durante o inquérito e durante a instrução, foram proferidos despacho de acusação e de pronúncia relativamente aos arguidos C… e D… pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal na pessoa do co-arguido B… (sendo irrecorrível o despacho de pronúncia nesta parte).
Quer dizer, o arguido B… ciente da sua razão apresentou a queixa acima referida (apresentada em 31.07.2012 e referindo-se a factos ocorridos em 06.07.2012) que motivou e culminou na prolação do despacho de acusação de fls. 133 e segs. e na prolação do despacho de pronúncia ora em recurso.
Consequentemente, falece, desde logo um dos requisitos para o preenchimento do crime de denúncia caluniosa imputado ao arguido B… pelo assistente C….
Entende-se, pois, em consonância, com a decisão recorrida, que não existem indícios suficientes da prática pelo arguido B… do crime de denúncia caluniosa imputado pelo assistente C….
Pelo que, bem andou a Sra. Juiz de Instrução ao proferir despacho de não pronúncia quanto ao crime de denúncia caluniosa.
E que dizer quanto ao crime de falsificação?
Em conformidade com o disposto no artigo 256º, n.º 1, do Código Penal, “comete o crime de falsificação de documento quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito”.
Sendo a conduta punida na forma agravada, nos termos do n.º 3, do mesmo preceito, se tais factos “disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso, ou qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º”.
A densificação de que cada uma das modalidades de acção típica em presença não dispensa a caracterização do bem jurídico protegido pela norma: trata-se do valor da “segurança e confiança no tráfico jurídico, especialmente no tráfico probatório, no que respeita à prova documental” (Schönke/Schröder, citados por Figueiredo Dias e Costa Andrade, in “O legislador português de 1982 optou pela descriminalização do crime patrimonial de simulação”, CJ, ano VIII – 1983, T. III, p. 23; no mesmo sentido, vide Helena Moniz, in “O Crime de falsificação de documentos”, 1993, pág. 47 e ss), enquanto condição essencial ao desenvolvimento do homem social e historicamente situado e, neste sentido, de preservação da comunidade existencial nas contemporâneas formas de organização e de inter-acção social.
A “segurança e a credibilidade dos documentos e notações técnicas no tráfico jurídico”, surge, deste modo, segundo a generalidade dos autores, como o bem jurídico tutelado pelo tipo legal incriminador (cfr. Helena Moniz, Crime de Falsificação de Documentos e Enrique Bacigalupo “Estudios sobre la Parte especial del Derecho Penal”, pág 416).
O bem jurídico protegido pelo crime de falsificação é "a verdade intrínseca do documento enquanto tal" (cf. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in CJ, VII-3, pág.23). Neste particular, costuma igualmente referir-se a protecção da fé pública, traduzida num sentimento geral de confiança nos actos públicos; a "protecção da verdade da prova"; e ainda a "segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental" (cfr. Helena Moniz, in "O crime de falsificação de documentos - Da falsificação intelectual e da falsidade em documento", Livraria Almedina, 1993, pág. 41 e segs.).
Assumindo aquela segurança e credibilidade como bem jurídico a proteger dir-se-á, como refere Helena Moniz, in Código Penal Conimbricense, Tomo II, pág 607, que não é toda a segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger mas apenas a relacionada com os documentos. Assim, acentua-se as duas funções que o documento pode ter: função de perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e função de garantia, pois cada autor do documento tem a garantia de que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal qual como ele, num certo momento e local, as expôs. Por igual forma se pronunciam Munoz Conde (Derecho Penal Especial, pág 625) e Enrique Bacigalupo (ob. cit.) quando acentuam as três funções atribuíveis ao documento: a função de perpetuação referente á manutenção da declaração de vontade num suporte capaz de a fixar no tempo e torna-la cognoscível de pessoas distintas do emissor; a função probatória que permite demonstrar processualmente a existência de uma declaração de vontade do seu emissor e a função de garantia pela qual se garante a imputação do declarado ao autor da declaração.
Trata-se, por outro lado, de um crime de perigo, uma vez que "após a falsificação do documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança e a fé pública já foram violadas, mas o bem protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo" (cf. Helena Moniz, in "Comentário Conimbricense", Tomo II, Coimbra Editora, pág. 681).
Dentro dos crimes de perigo (na medida em que a lei, na incriminação deste tipo de condutas, abstrai da existência de uma lesão efectiva dos interesses ou bens jurídicos que com ela se visa tutelar, contentando-se, com a colocação desses interesses em perigo), o tipo legal em análise pertence à categoria dos crimes de perigo abstracto, porquanto "basta que exista urna probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico -verifica-se uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual" (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 681).
A lesão efectiva que com este crime se visa tutelar apenas se verifica quando o documento falso é apresentado, quando ele é colocado em circulação. O simples facto de falsificar um documento já é, em si mesmo, punido pois tal conduta torna possível uma futura lesão dos valores jurídico-penalmente relevantes protegidos para este tipo legal, independentemente do agente o utilizar ou o colocar no tráfico jurídico (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, anotação ao art.º 256º do CP, pag. 681). Basta que se considere a nível abstracto que a falsificação daquele documento é uma conduta possível de lesão do bem jurídico criminal aqui protegido. Basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos, e por conseguinte no tráfico jurídico. Logo, existe uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual.
Daí se entender tratar-se de um crime formal ou de mera actividade, dado que não é necessária a produção de qualquer resultado.
Contudo atendendo a que o crime de falsificação de documento exige uma certa actividade por parte do agente, no sentido de fabricar, modificar ou alterar o documento, é necessária uma modificação do mundo exterior, modificação do documento, modificação esta que ocorre aquando da criação do documento ou posteriormente, a doutrina considera ainda que se trata de um crime material de resultado, ou seja um “crime formal ou de mera actividade considerado o resultado final que se pretende evitar (violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso), mas um crime material considerado o facto (modificação exterior) que o põe em perigo” (cfr. Eduardo Correia, citado em Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, anotação ao art.º 256º do CP, pag. 682).
Documento, para efeitos de direito penal, não é material que corporiza a declaração, mas a própria declaração independentemente do material em que está corporizada; e declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação). O que permite integrar na noção de documento não só o documento autêntico ou autenticado, direito civil, que têm força probatória plena, mas qualquer outro – escrito, isto em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico – que integre declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante (quer tal destino lhe seja dado desde o início – documentos intencionais – quer posteriormente – documentos ocasionais).
Com efeito "documento, para efeitos de crime de falsificação é a declaração e não o objecto em que está incorporada". Assim, "o que constitui falsificação de documento é não a falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento" (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 676).
Deste modo, fácil é de compreender que o que constitui a falsificação de documento não é a falsificação do documento que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração, enquanto documento.
Ora, a falsificação assim entendida pode assumir diversas formas, ou seja, pode consubstanciar uma falsificação material ou uma falsificação ideológica.
Na falsificação material, "o documento não é genuíno", isto é, "ocorre uma alteração, modificação total ou parcial do documento ".
Na falsificação ideológica, "o documento é inverídico", ou seja, diz respeito aos casos em que "o documento foi objecto de falsificação intelectual" - o documento integra uma declaração falsa, existindo uma declaração escrita integrada no documento, distinta da declaração prestada - e àqueles em que existe "falsidade do documento" - ou seja, em que se narra um facto falso.
Quanto ao tipo objectivo do ilícito, o documento constitui o objecto da acção. É sobre o documento que incidirá a conduta do agente, bastando o acto da falsificação para a sua consumação, comportando diversas modalidades de conduta, a saber fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo, falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram, abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento, fazer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto jurídico relevante, usar documento falsificado nos moldes descritos ou, por qualquer meio, facultar ou deter documento falsificado ou contrafeito.
Ou, como se refere na decisão recorrida “… o tipo objectivo de ilícito, que comporta, desde logo, diversas modalidades de conduta. A saber:
- fabricar documento falso: Com esta conduta procede-se a uma "contrafacção total, isto é, à feitura ex novo e ex integro de um documento" (Simas Santos, in "Código Penal Anotado ", Vol. II, Rei dos Livros, 2000, pág. 1100);
- falsificar ou alterar documento: Esta modalidade de falsificação diz respeito aos casos de "falsificação material", em que se verifica "uma falsificação posterior do documento" (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 682), mediante uma alteração do seu conteúdo. Cabe aqui diferenciar a contrafacção parcial, "que se preenche com os chamados actos acessórios falsos, ou seja, com actos falsos que acrescem a documento verdadeiro" e a alteração que "surge sempre que se acrescentam aditamento, em documento já completo, ou se suprimem dizeres ou sinais por forma a produzir a modificação do seu conteúdo" (cfr. Simas Santos, loco cit.);
- abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso: Esta modalidade de conduta prende-se com os casos de fraude na identificação. Nesses casos, o documento não é autêntico, a declaração não foi proferida pela pessoa que o escrito aparenta' Por outras palavras, "utiliza-se uma assinatura mecânica alheia não autorizada para os documentos em que é aposta" aproveita-se de "papel assinado em branco por terceiro introduzindo-lhe uma declaração de vontade que não pertence ao dono da assinatura" (cfr. Simas Santos, loco cit.);
- fazer constar falsamente facto juridicamente relevante: Esta modalidade de conduta reporta-se à falsidade em documento; e
- usar documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa, distinta da que falsificou”.
Relativamente ao elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa, e tendo em conta que o conceito de dolo que nos é fornecido pelo artigo 14.º do Código Penal, o crime de falsificação de documentos é um crime doloso, não sendo punível a título de negligência.
Para além deste elemento subjectivo, o dolo, a lei exige uma particular intenção de praticar o crime: a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo (crime intencional). Deste modo, só é punível pelo crime de falsificação de documentos o agente que agiu com aquele específico dolo; é o que a doutrina chama de dolo específico ou delito intencional. O dolo específico, como a própria designação indica, exige, para além da intenção de realização de um crime, uma particular intenção aquando da sua realização – o agente tem de ter procedido, tendo em vista um certo fim.
O elemento intelectual do dolo implica um conhecimento da ilicitude do facto, um conhecimento dos elementos constitutivos da infracção, dos elementos objectivos de um tipo de crime. Tal elemento intelectual envolve o conhecimento dos elementos descritivos e normativos do facto típico. Constituindo o documento um elemento normativo do tipo, apenas se exige que o agente tenha sobre ele o conhecimento normal de um leigo de acordo com as regras gerais, não sendo necessário o conhecimento da noção jurídica, maxime, da noção jurídica penal.
Revertendo para o caso sub judice.
Estão em causa as fotografias apresentadas pelo arguido B… e juntas aos autos a fls. 20 e 21 do processo nº 397/12.0GEVNG.
Ora, tais fotografias constituem meio de prova – prova documental – que sustenta a queixa por ele apresentada e traduzem o que captaram no momento em que foram tiradas. Melhor, espelham o estado em que o arguido B… se encontra no momento em que foram tiradas, nada mais.
No que respeita à sua valoração enquanto meio de prova, aspecto completamente distinto, tal cabe ao tribunal, segundo as regras da experiencia e a sua livre apreciação (artigo 127º do Código de Processo Penal).
E conforme consta do despacho de arquivamento, “nenhum elemento de prova existe que indicie que tais fotografias tenham sido objecto de qualquer tipo de alteração posterior ao momento em que foram capturadas, nem nenhum elemento de prova existe no sentido de que tais fotografias não retratem factos verdadeiros”.
Com efeito, conforme se refere na decisão recorrida “a mera circunstância de o arguido não se encontrar com a roupa que vestia aquando da prática dos factos e eventuais outras discrepâncias, não nos podem levar a concluir que as mesmas, por si, perfectibilizam os elementos objectivos e subjectivos do crime imputado, desde que traduzam as mesmas o que captaram, sem terem sido alvo de manipulação posterior, o que não se mostra de todo indiciado”.
Efectivamente, conjugando as fotografias em causa com a fotografia junta a fls. 9 (apresentada pelo arguido C…) ressalta que a roupa com que o arguido B… se apresenta não é a mesma. Mas não é isso que está em causa: com certeza o arguido C… nas fotografias que apresentou quis evidenciar as lesões de que fez referência na respectiva queixa.
E reiteramos que as fotografias apresentadas pelo arguido B… se limitam a captar o estado em que o mesmo se encontrava no momento em que foram tiradas, sem que esteja minimamente indiciado que tais fotografias foram objecto de qualquer manipulação, mormente, tenham sido falsificadas, de acordo com as considerações supra expostas.
Entende-se, pois, em consonância, com a decisão recorrida, que não existem indícios suficientes da prática pelo arguido B… do crime de falsificação imputado pelo assistente C….
Pelo que, nenhum reparo merece o despacho de não pronúncia quanto ao crime de falsificação.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo assistente C….
Custas pelo recorrente C…, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça.
b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente C… e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar que, na 1.ª Instância, o arguido B… seja pronunciado, pela prática dos factos acima referidos, como autor material de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1, 155º, nº 1, alínea c), 131º e 132, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.
Sem tributação (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
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Porto, 11 de Março de 2015
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva