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GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
Sumário
I - Não se provando nenhum dos factos que permitiriam preencher a previsão da alínea b) do art. 333.º do Código do Trabalho, o crédito dos trabalhadores beneficia apenas de privilégio mobiliário geral, devendo ser graduado, para ser pago pelo produto dos bens móveis, antes de crédito referido no n.º 1 do art. 747.º do Código Civil [alínea a) do n.º 2 do art. 333.º do Código do Trabalho]. II - O crédito hipotecário deve ser graduado antes do crédito da Segurança Social dotado de privilégio imobiliário geral (artigo 749.º do Código Civil).
Texto Integral
Recurso de Apelação Processo n.º 1745/12.8TBVFR-B.P2 [Aveiro/Inst.Central/Oliveira de Azeméis/Comércio]
Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
Por apenso ao processo de insolvência de B… e mulher C…, uma vez declarada a insolvência, vieram os credores apresentar as suas reclamações de créditos.
Findo o prazo, o Administrador de Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, tendo sido apresentada uma impugnação dessa relação com fundamento na indevida exclusão de um crédito reclamado.
A final foi proferida decisão julgando parcialmente procedente a impugnação e após procedendo à graduação de créditos nos termos seguintes:
“Importa agora graduar os créditos verificados e reconhecidos, de acordo com as disposições legais aplicáveis, tendo em conta que a massa insolvente compreende bens móveis e imóveis.
Existem créditos privilegiados de D…, trabalhador dos insolventes, do Instituto de Segurança Social, I.P., em parte, e do Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária.
Há dois créditos garantido, por hipoteca, de E…, CRL e do Instituto da Segurança Social, I.P., em parte.
São créditos comuns todos os restantes descritos na lista oportunamente homologada, por decisão de 21.02.2013, bem como o crédito supra reconhecido, da credora impugnante.
Não há créditos subordinados.
Atendendo às regras legais que definem a ordem de graduação dos créditos reconhecidos, decido graduá-los da seguinte forma:
1.º: o crédito de D…, que beneficia de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário;
2.º: o crédito do Ministério Público, com privilégio imobiliário e mobiliário geral;
3.º: o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., com privilégio, na parte devida;
4.º: os créditos da E… e do Instituto da Segurança Social, I.P., garantidos por hipoteca, pagando-se primeiramente aquele que beneficie da hipoteca que antes tenha sido registada;
5.º: os créditos comuns.”
A credora E… interpôs recurso de apelação dessa decisão.
Conhecendo desse recurso, foi proferido neste Tribunal da Relação do Porto e por este colectivo Acórdão no qual se decidiu: “anular a sentença recorrida determinando que o Tribunal a quo apure os aspectos da matéria de facto supra mencionados e de que depende em concreto a graduação a operar e proceda depois à graduação dos créditos com descriminação dos bens sobre que recai a ordem que for definida e fazendo tantas graduações quantos os bens ou conjunto de bens que tenham a mesma e única graduação”.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi oficiado ao Administrador de Insolvência para “indicar …a natureza concreta do crédito do trabalhador e se existia privilégio sobre algum dos imóveis apreendidos para a massa, para indicar, juntando as certidões devidas, os imóveis que se encontram onerados com hipoteca ou outros privilégios ou garantias reais, e para especificar a natureza e origem dos créditos da Segurança Social Fazenda Pública, designadamente a que contribuições e impostos dizem respetivamente respeito”.
A seguir foi proferida sentença de graduação de créditos cujo texto integral é o seguinte:
“Importa agora graduar os créditos verificados e reconhecidos, de acordo com as disposições legais aplicáveis, tendo em conta que a massa insolvente compreende bens imóveis.
Existem créditos privilegiados do Instituto de Segurança Social, I.P., no montante de €12.446,61, gozando de privilégio mobiliário geral e imobiliário; e do Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária, no valor de €33.262,80, correspondendo a IRS, IVA e IMI, gozando respetivamente de privilégio mobiliário geral e imobiliário, quanto ao valor de € 6.211,87, de privilégio mobiliário geral, quanto ao montante de €26.459,55, e de privilégio imobiliário quanto à quantia de €414,36.
Há dois créditos garantidos, por hipoteca, de E…, e do Instituto da Segurança Social, I.P., este no montante de €25.594,85.
São créditos comuns todos os restantes descritos na lista oportunamente homologada, por decisão de 21/02/2013, bem como o crédito supra reconhecido, da credora impugnante, incluindo o crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., no montante de €28.124,60.
Não há créditos subordinados.
Foram apreendidos para a massa insolvente os bens imóveis descritos no auto de apreensão, correspondendo aos imóveis descritos sob os artigos 1563, 1383 (sobre o qual incide hipoteca, a favor de E…, inscrita a 19/02/2004, e hipoteca legal a favor de Instituto da Segurança Social, I.P., inscrita a 06/12/2007) 2788 (sobre o qual incide igualmente hipoteca, a favor de E…, inscrita a 19/02/2004, e hipoteca legal a favor de Instituto da Segurança Social, I.P., inscrita a 06/12/2007) e 42.
Atendendo às regras legais que definem a ordem de graduação dos créditos reconhecidos, com destaque para os art.ºs 686.º, n.º 1, 733.º, 736.º, n.º 1, 737.º, n.º 1, d), 744.º, n.º 1, 747.º e 748.º do Código Civil e art.º 377.º do Código do Trabalho, decido graduá-los da seguinte forma:
1.º: o crédito do Ministério Público, na parte em que tem privilégio imobiliário, referente ao IRS e IMI, nos montantes acima referidos;
2.º: o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. , na parte em que tem privilégio imobiliário;
3.º: o crédito da E…, garantido por hipoteca, primeiramente constituída, relativamente aos prédios descritos sob os números 1383 e 2788;
4.º: o crédito do Instituto da Segurança Social, I.P. , garantido por hipoteca, relativamente aos prédios descritos sob os números 1383 e 2788;
5.º: o crédito de D…, que beneficia de privilégio mobiliário geral;
6.º: o crédito do Ministério Público, na parte em que tem privilégio mobiliário, referente ao IVA, no montante acima referido;
7.º: o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., na parte em que tem privilégio mobiliário geral;
8.º: os créditos comuns.”
De novo a credora E… interpôs recurso de apelação dessa decisão, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1º) A recorrente reclamou o seu crédito, como garantido, no valor de 70.285,48€, acrescido de juros vincendos à taxa discriminada de 11%, sobre o valor total dos capitais mutuados em divida de 62.334,84€, igualmente com a natureza de garantidos até ao limite máximo da hipoteca, desde a data da declaração da insolvência, até integral pagamento
2º) O crédito reclamado é garantido por beneficiar de duas hipotecas, sobre cada um dos dois prédios, a saber:
- Prédio urbano composto de casa de habitação de dois pisos e logradouro, com a superfície coberta de 146m2 e descoberta de 138m2 e com a área total de 302 m2, sito no …, na Rua …, nº…, freguesia …, do concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 235 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1383/19971015, correspondente à verba 2 do auto de apreensão de bens imóveis; e
- Prédio rústico composto de cultura, com a área total de 480 m2, sito no …, freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2328, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2788/20091021, correspondente à verba 3 do auto de penhora.
3º) As ditas hipotecas voluntárias estão registadas a favor da reclamante, ora recorrente, na competente Conservatória do Registo Predial, pelas inscrições das aps. 7 de 2004/02/19 e 19 de 2005/06/14.
4º) O senhor Administrador de Insolvência reconheceu o crédito da recorrente nos precisos termos da sua reclamação.
5º) Do auto de arrolamento e inventário de bens constam cinco imóveis, dois dos quais os hipotecados a favor da recorrente e ainda dois móveis.
6º) Dada a existência de direitos reais de garantia e privilégios creditórios, haveria que proceder a graduações especiais referentes aos imóveis e móveis existentes, nos termos do artigo 140º do CIRE
7º) A sentença de créditos ora recorrida, não gradua especialmente os diversos créditos para cada tipo de bem, acabando por fazer apenas uma graduação única, englobando todos os créditos, garantidos, privilegiados e outros.
8º) Finalmente, acresce ainda, salvo o devido respeito e que é muito, que a graduação entre os créditos de natureza diversa padece de erro, uma vez que os créditos que derivam de privilégios mobiliários ou imobiliários gerais se encontram graduados nas posições 1 a 2, à frente dos créditos, ou da parte deles, que estão a coberto de hipotecas voluntárias constituídas a favor da E… e do Instituto da Segurança Social, IP, contrariando o disposto nos artigos 749º e 751º, ambos do C. Civil.
9º) Tudo isto não obstante o teor do Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido em 3.4.2014, a propósito da mesma matéria, em que se anulou a sentença anteriormente proferida e em que aí se decidiu que a Meritíssima Juiz a quo devia proceder “à graduação dos créditos com descriminação dos bens sobre que recai a ordem que for definida e fazendo tantas graduações quantos os bens ou conjunto de bens que tenham a mesma e única graduação”.
10º) Se já o mencionado acórdão apontava no sentido de que era incompreensível que nada disso tivesse sido feito na decisão recorrida, mais incompreensível se torna ainda que, após advertência para o facto, a Meritíssima Juiz a quo insista no mesmo procedimento erróneo.
11º) O crédito da recorrente, tem a natureza de garantido quanto aos dois imóveis a seu favor hipotecados e de comum, na parte eventualmente remanescente, que não obtenha pagamento como garantido, quanto aos demais bens.
12º) Quanto à graduação para o produto da venda dos dois imóveis dados de hipoteca à ora recorrente, depois das dividas da massa insolvente saírem precípuas, na devida proporção, seriam graduados os créditos privilegiados especiais da Autoridade Tributária relativos ao IMI de tais imóveis (nº 8), nos termos do art. 122º do CIMI e 744º do C. Civil e depois o crédito desta mesma recorrente (nº 3, na importância de 70.285,48€), nos precisos termos em que foi reclamado e reconhecido, isto é, abrangendo, como garantidos, os juros vincendos até ao limite máximo das hipotecas.
13º) Só após o crédito reclamado pela recorrente, ainda quanto aos dois imóveis que lhes foram dados de garantia, surgiria, em termos de graduação de créditos, os créditos privilegiados gerais, em conformidade com o disposto nos artigos 749º e a contrario 751º, ambos do C. Civil.
14º) Quanto à graduação dos créditos dos demais bens, o eventual remanescente do crédito da recorrente que não tenha obtido pagamento enquanto garantido, será graduado como comum.
15º) A Meritíssima Juiz “a quo” ao não elaborar graduações especiais para os diversos tipos de bens e ao não graduar, de forma correcta e prevista legalmente, os créditos garantidos, privilegiados e comuns, violou o disposto no artigo 140º, nº2 do CIRE e os artigos 749º e a contrario 751º, ambos do C. Civil e também a decisão desse Venerando Tribunal supra mencionada, ao ignorar por completo o seu teor.
Nestes temos [requer que seja julgado] procedente o presente recurso de apelação, revogando, pela segunda vez, a sentença de verificação e graduação de créditos, da qual se recorre, na sequência da sua segunda versão, substituindo-a por decisão que gradue os créditos reclamados em relação aos imóveis e móveis apreendidos, nos termos supra alegados.
Não consta que tenha sido apresentada resposta a estas alegações de recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que decida por que ordem devem ser pagos os créditos sobre a insolvência caso possua elementos que lhe permitam fazer essa graduação.
III.
Foram dados como assentes apenas os seguintes factos:
Foram reclamados perante o Administrador da insolvência os seguintes créditos sobre a insolvência:
1. F…, Lda. reclamou um crédito no montante de €32.415,14, emergente de títulos de crédito.
2. G…, S.A. reclamou um crédito no montante de €6.558,91, emergente do fornecimento de bens ou serviços.
3. E… reclamou um crédito no montante de €70.285,48, emergente de financiamentos concedidos aos insolventes, garantido por hipotecas.
4. H… reclamou um crédito no montante de €4.075,78, emergente do fornecimento de bens ou serviços.
5. D… reclamou um crédito no montante de €3.021,50, relativos a contrato de trabalho.
6. I…, Lda. reclamou um crédito no montante de €6.697,17, emergente do fornecimento de bens ou serviços.
7. Instituto da Segurança Social, IP reclamou um crédito no montante de €66.166,06, emergente de contribuições à segurança social.
8. J… reclamou um crédito no montante de €75.600,00, emergente do fornecimento de bens ou serviços.
9. Fazenda Nacional, reclamou um crédito no montante de €33.262,58, emergente do não pagamento de IRS, IVA e IMI e coimas resultantes desse não pagamento.
10. K…, S.A. reclamou um crédito no montante de €1.413,58, emergente do fornecimento de bens ou serviços.
11. L… reclamou um crédito no montante de €13.928,12, emergente de contrato de empreitada com os insolventes.
Os créditos supra identificados sob os nos. 1 a 10 foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência e não impugnados, tendo sido reconhecidos pelo valor reclamado.
O crédito supra identificado sob o n.º 11 não foi reconhecido pelo Administrador de Insolvência, mas veio a ser reconhecido por sentença pelo valor de €3.328,12.
IV.
Escrevemos no anterior Acórdão o seguinte:
“Nos termos do artigo 140.º do CIRE na sentença de verificação e graduação dos créditos, a graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.
Isto é assim porque existem diversas classes de créditos sobre a insolvência. Desde logo os créditos garantidos, isto é, os créditos dotados de garantia real, onde se incluem os privilégios creditórios especiais. Depois os créditos privilegiados que são aqueles que beneficiam de privilégios creditórios gerais sobre os bens integrantes da massa falida. A seguir os créditos comuns ou créditos que não beneficiam de qualquer privilégio nem são subordinados. E por fim os créditos subordinados que são aqueles que o próprio CIRE define como tais e que são graduados depois de todos os anteriormente referidos.
A graduação dos créditos pressupõe em primeiro lugar que se defina qualquer é exactamente a garantia ou privilégio de que beneficia cada um dos créditos.
E exige, depois, que se distinga a natureza mobiliária/imobiliária e especial/geral da garantia ou privilégio que acompanha o crédito, fazendo tantas graduações quantas os bens ou conjuntos de bens relativamente aos quais a ordem é a mesma e única. O que normalmente obrigará a graduações específicas para o produto de determinado imóvel, diferente da graduação para o produto de outro imóvel e da graduação para os móveis.
É fácil de ver que, de modo incompreensível, nada disso foi feito na decisão recorrida. Nesta fez-se uma graduação única como se a ordem pela qual os créditos deverão ser pagos fosse sempre a mesma independentemente dos bens que geram o produto a distribuir e como se não houvesse que distinguir entre as diversas prioridades de pagamento se as mesmas recaem sobre bens imóveis (todos ou parte deles) ou móveis e, não recaindo igualmente sobre todos os bens, quais as diversas ordens de pagamento que no caso concreto se formam.
Nessa medida, a decisão recorrida tem de ser revogada uma vez que a mesma não se mostra elaborada em conformidade com as disposições legais atinentes à graduação de créditos, quer no que respeita à forma de ordenar os créditos, quer no que respeita à concreta qualificação da natureza do crédito e da prioridade de pagamento que a acompanha.”
Na parte dispositiva do Acórdão ordenou-se que após as diligências destinadas a apurar os factos especificados na fundamentação do Acórdão e indispensáveis à graduação correcta dos créditos, a 1.ª instância “proceda depois à graduação dos créditos com descriminação dos bens sobre que recai a ordem que for definida e fazendo tantas graduações quantos os bens ou conjunto de bens que tenham a mesma e única graduação” (sublinhado agora introduzido).
Comparando a 1ª e a 2ª sentenças, vê-se que a Mma. Juíza a quo introduziu algumas precisões quanto à natureza dos créditos, mas ignorou por completo a decisão que ordenou a realização de tantas graduações quantos os bens sobre os quais recaem ordens específicas de graduação dos créditos, fazendo de novo uma única graduação, como se a ordem de graduação fosse a mesma para todos os bens, quando já antes se tinha explicado que não é assim.
Conforme se assinalou também no anterior Acórdão a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no artigo 665.º do novo Código de Processo Civil pressupõe que a Relação tenha à sua disposição os elementos necessários para conhecer do objecto da apelação.
Esses elementos foram especificados no anterior Acórdão. Apesar disso, a Mma. Juíza a quo obteve apenas algumas das informações necessárias. De forma a resolver em definitivo a questão, iremos substituirmo-nos à 1.ª instância e proceder à graduação dos créditos, colocando as hipóteses necessárias para acautelar a informação que falta.
Isto posto, considerando que estamos perante uma reclamação de créditos em processo de insolvência, importa começar por assinalar que a declaração de insolvência tem consequências em relação aos créditos conduzindo à extinção de alguns privilégios creditórios e garantias reais que os beneficiam.
Assim, nos termos do artigo 97.º do CIRE, com a declaração de insolvência extinguem-se:
a) Os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
b) Os privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
c) As hipotecas legais cujo registo haja sido requerido dentro dos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e que forem acessórias de créditos sobre a insolvência do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social;
No tocante aos créditos reclamados pelo Ministério Público em representação da Fazenda Nacional e pelo Instituto da Segurança Social terá de se ter em consideração estas disposições legais, de modo que os respectivos créditos que beneficiavam das garantias previstas no preceito apenas conservam essas garantias se estiverem dentro do lapso temporal preservado da extinção da garantia, passando o crédito afectado pela extinção a ter a natureza de crédito comum. Quando a seguir nos reportarmos aos créditos destes credores dotados de garantia estaremos a considerar os créditos não afectados pela extinção das garantias, sendo a parte remanescente, se a houver, considerada e atendida nos créditos comuns.
Acresce que nos termos do n.º 3 do artigo 140.º do CIRE, na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora. Nessa medida, as penhoras que recaem sobre alguns dos imóveis apreendidos não conferem ao respectivo credor exequente qualquer privilégio ou preferência de pagamento, o qual será feito pela ordem que corresponder a esse crédito independentemente da penhora.
Foi reclamado e verificado um crédito de um trabalhador dos insolventes (crédito 5- D…).
Nos termos do artigo 333.º do Código do Trabalho, os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) privilégio mobiliário geral; b) privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
Não constando dos autos nenhum dos factos que permitiriam, a verificarem-se, preencher a previsão da alínea b) do preceito legal, este crédito, incluindo os respectivos juros relativos aos últimos dois anos (artigo 734.º do Código Civil) beneficia apenas de privilégio mobiliário geral, ou seja, de preferência de pagamento sobre o valor de todos os bens móveis existentes no património dos devedores à data da insolvência e apreendido para a massa – neste sentido o Acórdão da Relação do Porto de 19.01.2012, Leonel Serôdio, in www.dgsi.pt –. Na graduação de créditos a serem pagos pelo produto desses bens móveis, o crédito deste trabalhador deve ser colocado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil [alínea a) do n.º 2 do artigo 333.º do Código do Trabalho].
Foi também reclamado e verificado um crédito da Segurança Social por falta de pagamento de contribuições à segurança social (crédito 7) no montante de €66.166,06.
Nos termos do n.º 1 do artigo 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro (o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011, antes da declaração de insolvência), os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.
Assim, no tocante ao produto dos bens móveis, este crédito será graduado após o crédito do trabalhador antes mencionado e na 1.ª posição da ordem dos privilégios mobiliários prevista no artigo 747.º do Código Civil, ou seja, ao lado dos créditos do Estado por impostos.
Acresce que nos termos do artigo 205.º do mesmo diploma, os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam ainda de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do devedor, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil.
Assim, no tocante ao produto dos bens imóveis, este crédito será graduado após os créditos do Estado por contribuição predial ou imposto que lhe corresponda (artigo 748.º do Código Civil).
Finalmente, nos termos do artigo 207.º do mesmo diploma, o pagamento dos créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora poderá ser garantido por hipoteca legal sobre os bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, existentes no património do contribuinte.
Verifica-se que em data anterior aos dois meses que antecederam o início do processo de insolvência, a Segurança Social inscreveu no registo predial hipotecas legais sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob os nos. 1383/19971015 e 2788/20091021 para garantia do crédito de €29.845,21 (o mesmo em ambos os registos). Assim, no tocante ao produto destes bens imóveis, o crédito da Segurança Social garantido pelo registo das hipotecas, beneficia da preferência de pagamento própria das hipotecas.
O Ministério Público reclamou créditos da Fazenda Nacional proveniente do não pagamento de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), no valor de €414,36, de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no valor de €26.459,55, e de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), no valor de €6.211,87.
Nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do Código do IMI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial. Por sua vez nos termos do n.º 1 do artigo 744.º do Código Civil os créditos por contribuição predial devida ao Estado, inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
Ignora-se a que concreto imóvel dos apreendidos para a massa corresponde o IMI em dívida e objecto da reclamação. O privilégio imobiliário especial de que esse crédito beneficia incide unicamente sobre o imóvel a que corresponde e, portanto, apenas sobre o produto desse bem o crédito deverá ser pago com esta preferência. No que concerne ao produtos dos demais bens imóveis ou móveis esse crédito é um crédito comum e como tal deverá ser pago.
Nos termos do artigo 111.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, (que corresponde ao artigo 104.º na redacção anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho) para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.
Esta norma fixa um limite temporal ao beneficio do privilégio. Não é todo o crédito de IRS que beneficia de privilégio creditório, essa vantagem apenas incide sobre os créditos do IRS relativo aos três últimos anos. Não é o IRS cuja liquidação tenha ocorrido nos últimos três anos ou o IRS cujo pagamento deva ter ocorrido nos últimos três anos. É apenas o IRS relativo aos últimos três anos, ou seja, o IRS relativo aos rendimentos dos últimos três anos, ou seja, dos três anos anteriores à data da declaração de insolvência que justifica a reclamação de créditos. A norma do CIRS é uma norma especial em relação ao artigo 744º do Código Civil, pelo que a aplicação desta está afastada. O que é dizer que a data de inscrição do crédito para cobrança é agora irrelevante.
Assim, este crédito deverá ser pago como privilegiado sobre o produto dos bens móveis e dos bens imóveis apreendidos. Se, contudo, o crédito reclamado for relativo (ou na parte em que o for) a rendimentos dos anos anteriores a esses três anos, o crédito é comum e como tal deverá ser pago.
Prescreve o artigo 736.º do Código Civil que o Estado tem privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos. O imposto sobre o valor acrescentado é um “imposto indirecto, porque instantâneo ou de obrigação única e, consequentemente, incidente sobre matéria colectável não previamente determinada” – cf. Salvador da Costa, in O concurso de credores, pág. 174. O Estado goza, por isso, para garantia do referido direito de crédito, incluindo o de juros, de privilégio mobiliário (preferência no pagamento sobre o produto da venda de bens móveis).
Os privilégios dos créditos dos Estado estendem-se aos juros de mora respectivos nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03.1999, segundo o qual as dívidas provenientes de juros de mora gozam dos mesmos privilégios que por lei sejam atribuídos às dívidas sobre que recaírem.
A E… reclamou um crédito no valor de 70.285,48€, acrescido de juros vincendos sobre o valor total dos capitais mutuados em divida de 62.334,84€, proveniente de financiamentos concedidos aos insolventes.
Este crédito está garantido por duas hipotecas sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nos. 1383/19971015 e 2788/20091021, as quais foram inscritas no registo predial respectivamente em 2004.02.19 (1.ª hipoteca) e 2005.06.14 (2.ª hipoteca), em qualquer caso antes da inscrição da hipoteca legal inscrita para garantia do crédito da Segurança Social.
De acordo com o artigo 686.º do Código Civil a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Essa preferência abrange os juros relativos a três anos (artigo 693.º, n.º 2).
Por conseguinte, o credor hipotecado goza de preferência no pagamento do seu crédito sobre o produto da venda dos bens imóveis hipotecados, sendo que no confronto entre os créditos garantidos pelas várias hipotecas inscritas o pagamento far-se-á por ordem de inscrição no registo da hipoteca correspondente, ou seja, os credores hipotecários serão pagos não rateadamente mas de acordo com a ordem pela qual foram inscritas no registo as respectivas hipotecas (1.º a E…, 2.º o ISS). O eventual remanescente do crédito da E… tratado como crédito comum.
No entanto, face ao que dispõe o artigo 751.º do Código Civil, os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior. Na ordem de graduação de créditos com privilégio imobiliário especial estão em primeiro lugar os créditos do Estado por impostos – artigo 748º, nº 1, alínea a), do Código Civil – que preferem sobre a hipoteca – artigo 686º do mesmo diploma –.
Sucede que o privilégio creditório imobiliário de que beneficiam o crédito do ISS e o crédito da Fazenda Nacional relativo a IRS são privilégios imobiliários gerais, uma vez que não têm qualquer limitação temporal e não se referem a bens imóveis determinados, mas tão só aos que existam no património do devedor no momento relevante.
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 02.07.2013, relatado por Henrique Araújo, in www.dgsi.pt, o qual cita ainda os Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.12.2011 e de 23.10.2012, na mesma base de dados:
“O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente – artigo 749º, n.º 1, do CC. Os privilégios imobiliários gerais não se consubstanciam, assim, em garantias reais de cumprimento de obrigações, na medida em que não incidem – como já se disse – sobre imóveis certos e determinados, estando desprovidos de sequela sobre os bens que oneram e de prevalência sobre as garantias reais que incidam sobre tais bens, nomeadamente a penhora e a hipoteca, só funcionando como causa de preferência legal de pagamento. Já os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores – artigo 751º do CC. Ora, conferindo a lei aos créditos da segurança social apenas um privilégio imobiliário geral, ter-lhe-á de ser aplicável o regime do artigo 749º e não o do artigo 751º do CC. Consequentemente, não pode dar-se preferência ao crédito reclamado pela Segurança Social relativamente ao crédito reclamado pela recorrente, garantido por hipoteca, já que esta confere ao credor o direito de ser pago de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor ou a terceiros com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – artigos 686º e 751º do CC.” [no mesmo sentido o Acórdão da Relação do Porto de 13.05.2014, Francisco Matos, in www.dgsi.pt].
Finalmente, têm a natureza de créditos comuns os restantes créditos reclamados e verificados (1. F…, Lda.; 2. G…, S.A.; 4. H…; 6. I…, Lda.; 8. J…; 10. K…, S.A.; 11. L…).
Estes, bem como os eventuais créditos do Estado e da Segurança Social que sendo originariamente garantidos viram a garantia extinguir-se com a insolvência nos termos antes assinalados, e ainda o crédito da Segurança Social já reclamado como comum não beneficiam de qualquer garantia ou preferência de pagamento e serão pagos, rateadamente, na mesma posição de graduação, posterior à posição dos créditos com garantias ou privilégios de pagamento.
Resta agora proceder à definição da ordem de pagamento dos créditos pelo produto dos bens apreendidos. Não consta da sentença recorrida nem no apenso de reclamação de créditos a relação dos bens apreendidos, mas sabe-se que foram apreendidos dois imóveis hipotecados (sobre ambos estão registadas as hipotecas voluntárias a favor do credor E… e a hipoteca legal a favor do ISS), dois imóveis não hipotecados (descrições n.º 1563 e 42) e aparentemente bens móveis. Importa por isso fazer três graduações distintas, uma para os imóveis hipotecados (as hipotecas registadas garantem os mesmos créditos em ambos os casos), outra para os demais imóveis e outra para os móveis. A]Sobre o produto da venda dos bens imóveis descritos na Conservatória sob os nos. 1383 e 2788, os créditos deverão ser pagos pela seguinte ordem:
1.º O crédito relativo ao não pagamento de IMI, se acaso este for relativo a esses imóveis e na medida em que o for;
2.º O crédito reclamado pela E…, garantido pelas hipotecas nos termos assinalados;
3.º O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social garantido pela hipoteca legal nos termos assinalados;
4.º O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social que nos termos assinalados beneficia de privilégio imobiliário geral e o crédito reclamado pela Fazenda Nacional proveniente do não pagamento de IRS, nos termos assinalados e rateadamente;
5.º Restantes créditos e eventuais remanescentes dos créditos referidos nas posições anteriores.
B] Sobre o produto da venda dos bens imóveis descritos na Conservatória sob os nos. 1563 e 42, os créditos deverão ser pagos pela seguinte ordem:
1.º O crédito relativo ao não pagamento de IMI, se acaso este for relativo a esses imóveis e na medida em que o for;
2.º O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social que nos termos assinalados beneficia de privilégio imobiliário geral e os créditos reclamados pela Fazenda Nacional provenientes do não pagamento de IRS e de IVA, nos termos assinalados e rateadamente;
3.º Restantes créditos e eventuais remanescentes dos créditos referidos nas posições anteriores.
C] Sobre o produto da venda dos móveis (aparente e eventualmente apreendidos) os créditos deverão ser pagos pela seguinte ordem:
1.º O crédito reclamado pelo credor D….
2.º O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social que nos termos assinalados beneficia de privilégio imobiliário geral e os créditos reclamados pela Fazenda Nacional provenientes do não pagamento de IRS e de IVA, nos termos assinalados e rateadamente;
3.º Restantes créditos e eventuais remanescentes dos créditos referidos nas posições anteriores.
De referir, por fim, que as custas do processo de insolvência saem precípuas do produto da venda dos bens da massa.
Procede assim o recurso.
V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e em consequência, revogam a sentença recorrida substituindo-a por outra que verifica e gradua os créditos pela ordem e nos termos assinalados na fundamentação que antecede e que aqui se dá inteiramente reproduzida.
Custas pela massa.
*
Porto, 19 de Abril de 2015.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto189)
José Amaral
Teles de Menezes