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PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA
Sumário
I - O n.º 7 do art.751º do CPC não impõe que o executado requeira a substituição da penhora por caução em simultâneo com o requerimento de oposição à penhora. II - Enquanto estiverem pendentes os embargos de executado, o executado pode requerer a substituição da penhora por caução idónea, sendo que o objectivo do legislador quando passou a permitir essa possibilidade, foi admitir que as penhoras efectuadas fossem substituídas por caução e levantar-se com a sua prestação.
Texto Integral
Apelação n.º 5150/10.2 TBVNG-C.P1
Relator - Leonel Serôdio (400)
Adjuntos - Fernando Baptista Oliveira
- Ataíde das Neves
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Relatório
Na execução comum para pagamento de quantia certa que B…, entretanto substituído por C…, D…, E… e F…, move contra G…, Lda, veio a executada interpor recurso do despacho que indeferiu liminarmente o incidente de prestação de caução com vista ao levantamento da penhora.
Terminou a sua alegação com as conclusões que se transcrevem:
A. O presente recurso versa sobre o despacho de indeferimento liminar, com a referência n.º 20269849, de 22.05.2014, proferido no incidente de prestação de caução deduzido pela executada, ora recorrente.
B. Com tal incidente visou a executada obter o levantamento das penhoras incidentes sobre os veículos de matrícula ..-..-VS, marca Opel, modelo …, no valor, fixado no auto de penhora, de € 15.000, e matrícula ..-..-XB, marca Audi, modelo …, no valor, fixado no auto de penhora, de € 20.000, registadas em 09.07.2010, cujos veículos se encontram apreendidos desde o dia 16.12.2010.
C. A presente execução tem na sua origem um título executivo em que se pretendeu comunicar a intenção de resolver o contrato de arrendamento e o montante das rendas em dívida.
D. Com vista a lançar mão do artigo 1048.º do C.C. a executada fez um depósito autónomo nos autos de oposição - apenso A - no valor de € 27.282,07, depósito que juntou com o requerimento de oposição à execução.
E. É verdade que a executada veio posteriormente a ser citada no processo n.º 4616/10.9 TBVNG, do Juízo de Execução de V. N. de Gaia, e era neste processo, de entrega de coisa certa, que a executada podia ter lançado mão do 1048.º do C.C., mas o facto é que foi neste processo 5150/10.2 TBVNG, para pagamento de quantia certa, que a executada juntou depósito autónomo no valor de € 27.282,07, valor que incluía todos os valores que se encontravam em dívida (rendas) e indemnização correspondente a 50% do valor das rendas, bem como os demais encargos que o senhorio no título executivo entendia serem imputáveis à executada.
F. Sendo esse valor superior ao valor da quantia exequenda - € 27.225,90 -, estando a executada impedida de proceder ao seu levantamento sem autorização do Tribunal, encontrando-se assim assegurado o valor da quantia exequenda, a executada requereu, na oposição à execução que deduziu, que fosse ordenado o levantamento da penhora incidente sobre os veículos, com a implicação que tal penhora tem sobre a desvalorização dos veículos, requerimento que repetiu em 26.09.2011, alegando também que tais veículos fazem falta à actividade da executada.
G. A M.ª Juiz pronunciou-se sobre tais requerimentos no despacho saneador que proferiu com a referência 19590821, de 15.04.2014, indeferindo o levantamento das penhoras com o entendimento de que ao requerer o levantamento da penhora o que a executada queria era deduzir oposição à penhora, não estando reunidos requisitos para que pudesse ser acolhida a pretensão da executada, embora pudesse “o opoente prestar caução com vista ao levantamento da penhora, mas tê-lo-á que fazer observando agora o disposto nos artigos 751, n.º 7 e 915.º do NCPC”.
H. Foi na sequência deste despacho - proferido no apenso A - que a executada deduziu incidente de prestação de caução sobre o qual foi proferido despacho de que se recorre, em que a M.ª Juiz entendeu que o incidente de prestação de caução com vista ao levantamento da penhora tinha que ter sido deduzido “no acto da oposição”, nos termos do artigo 751.º, n.º 7 do NCPC., interpretação com que a executada não pode concordar.
I. Em tese, a executada podia ter deduzido incidente de prestação de caução com a oposição à execução, mas a executada tendo feito um depósito autónomo, necessário nos termos do artigo 1048.º do C.C., de valor superior ao da quantia exequenda, que se encontra junto aos autos, não tinha meios para prestar caução.
J. Não obstante a letra do artigo 751, n.º 7 do NCPC não se vê que o executado tenha que requerer a substituição da penhora mediante prestação de caução só e apenas com o articulado da oposição, até porque, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico e do ponto de vista da boa fé dos litigantes, não faz sentido que tal possibilidade - de prestar caução com vista à substituição da penhora - fique vedada ao executado após a apresentação do articulado da oposição, ainda durante a fase da oposição.
K. Tal interpretação do disposto no artigo 751.º, n.º 7 do C.P.C. colide com o artigo 915.º do CPC - a prestação espontânea de caução pode ser deduzida numa causa pendente - e é violadora dos direitos e das expectativas das partes pois que a quantia exequenda encontrava-se já garantida no processo mediante depósito autónomo, e assim protegida a posição do exequente, e prejudicada a executada que tem dois veículos penhorados há quatro anos, o que não era expectável à data em que deduziu oposição à execução.
L. Pelo que a executada tem fundamento para requerer a substituição daqueles bens, que estão penhorados, por caução e nada obsta a que nesta fase da oposição à execução o possa fazer.
M. Tanto mais que hoje, na sequência da prolação do despacho saneador é muito inferior o valor a caucionar - no despacho saneador proferido a Sra. Juiz extinguiu a execução relativamente aos montantes discriminados como despesas de electricidade (€ 13.032,07, € 1.437,45 e € 222,79), provisão a agente de execução, honorários a mandatário judicial e taxa de justiça (€ 61,20, € 400,00 e € 25,00), ou seja foi extinta a execução quanto a € 15.178,51.
N. É de elementar justiça entender-se que é possível a prestação de caução para substituição de penhora já realizada, numa causa pendente, incidente sobre bens facilmente desvalorizáveis, que se encontram penhorados há quatro anos, com despacho saneador recentemente elaborado e sem data de julgamento designada, nisto, e com este objectivo, se fazendo conciliação prática dos vários artigos da lei – artigo 751.º, n.º 7 e 915.º do NCPC.
O. Acresce que para além de a execução ter sido extinta, no despacho saneador, quanto a € 15.178,51, foi expressamente reconhecido pelas partes, nos articulados de oposição e contestação, que parte da quantia incluída no requerimento executivo foi paga pela executada ao exequente, directamente, antes da oposição à execução, qual seja parte da renda de Fevereiro de 2009, rendas de Março de 2009 a Dezembro de 2009, rendas de Janeiro de 2010 a Maio de 2010, e ainda rendas de Junho a Agosto de 2010 (estas depois de entrar a execução) num total de € 14.237,75.
P. Ora, sobejam razões à executada para pretender o levantamento da penhora incidente sobre os veículos, seja porque os mesmos se estão a desvalorizar imensamente, seja porque inexiste razão para que continuem penhorados bens no valor de € 35.000 quando o crédito do exequente, considerando as rendas entretanto vencidas, não irá além dos € 4.000.
Q. Acresce que as normas jurídicas supra citadas têm que ser lidas de forma a ser encontrado o justo equilíbrio das posições das partes e não apenas a ser satisfeito o interesse do credor, designadamente autorizando-se a prestação de caução nesta fase do processo com vista a libertar a penhora existente, pois que encontram-se penhorados à ordem do processo dois veículos no valor de € 35.000, há mais de 4 anos com claros prejuízos para o património da executada.
R. Foi violado o artigo 751.º, n.º 7 e 915.º do C.P.C.
S. Tais normas jurídicas deviam ter sido interpretadas no sentido em que a prestação espontânea de caução, para substituir a penhora, deve ser admitida quando o processo esteja em fase de oposição, e não apenas aquando do articulado da oposição, quando a penhora está a causar prejuízos graves ao executado quer quando se trata de penhora incidente sobre bens altamente desvalorizáveis, quer quando se trata de delongas processuais não expectáveis (artigo 639.º do C.P.C.).
T. Deve o despacho de que se recorre ser substituído por outro que receba o incidente de prestação de caução e determine o prosseguimento da causa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Fundamentação
A única questão a decidir, apesar das extensas conclusões, é a de saber se o pedido de prestação de caução para levantamento da penhora tem de ser formulado simultaneamente com o requerimento em que se suscita a oposição à penhora ou pode ser formulado posteriormente.
Factualidade a atender:
O despacho recorrido indeferiu liminarmente o pedido de prestação de caução, com a seguinte fundamentação:
I - Por apenso à execução requerida por B… contra “G…, Lda.”, a executada veio requerer o incidente de prestação de caução com vista ao levantamento da penhora.
De facto, ao opoente é possível deduzir tal incidente com vista ao levantamento da penhora, nos termos do art. 751.º, n.º7, do CPC.
No entanto, tem de o fazer no acto da oposição, tal como resulta da aludida disposição legal.
O executado opôs-se à penhora nos prazos previstos no art. 863.º-A, n.º1, do CPC (que ainda se convoca atenta a data em que nos autos foi deduzida).
Assim, mesmo considerando que a requerente se opôs à penhora cumulando a oposição à execução e à penhora nos termos previstos no n.º2 da citada disposição legal (com o que parece não concordar em face do requerimento apresentado em 8/5/2014), teria que se ter proposto a prestar caução nesse acto.
Acresce ainda que, tendo-se entendido que foi deduzida oportunamente oposição à penhora, de tal forma que o pedido foi apreciado no despacho-saneador proferido em 15 de Abril de 2014.
Seja porque não requereu a prestação de caução no acto de oposição, seja porque a oposição até foi já julgada improcedente, impõe-se julgar o incidente de prestação de caução intempestivo.
Pelo exposto, indefiro liminarmente o incidente de prestação de caução.”
II – No incidente de oposição à execução foi proferido em 05.04.2014, despacho saneador, cuja cópia consta de fls. 56 a 59 dos autos, que decidiu:
- Julgar a oposição parcialmente procedente e determinar a extinção da execução relativamente aos montantes discriminados como despesas de electricidade (13.032,07€, 1.437,45€ e 222,79€), provisão a agente de execução, honorários a mandatário judicial e taxa de justiça (61,20€, 400,00€ e 25,00€).
- Julgar a oposição è penhora improcedente e manteve a penhora sobre os veículos de matrículas “..-..-VS” e “..-..-XB”.
Ordenou o prosseguimento dos termos da oposição quanto aos pedidos ainda não apreciados.
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A questão passa pela interpretação do n.º 7 do art. 751º do CPC, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26.06, que estipula: “O executado que se oponha à execução pode, no ato da oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução.”
Este normativo corresponde ipsis verbis ao art. 834º n.º 5 do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 08.03.
Antes de ter sido introduzido o n.º 5 do art. 834, que passou a ser o n.º 6 do mesmo art. na redacção dada pelo DL n.º 226/2008, que implementou uma nova reforma ao processo de execução, o anterior regime do CPC, mesmo após a reforma de 95/96 não previa a prestação de caução com a finalidade de substituição da penhora.
No âmbito da redacção do art. 818º anterior à reforma de 95/96 e depois com o DL n. 329-A/95, era entendimento dominante que, sendo admitidos liminarmente os embargos de execução (depois denominados oposição à execução) a prestação de caução poderia ser requerida em qualquer altura, (Ac. da Rel. de Lisboa, de 20.4.99, CJ, tomo II, pág. 117) enquanto a oposição à execução se encontrasse pendente. Contudo, os efeitos da sua admissão reconduziam-se apenas à suspensão da execução, mantendo-se a penhora já eventualmente realizada. (cf. os Acs. do STJ, de 8.4.97, CJSTJ, tomo II, pág. 30, de 17.5.94, CJSTJ, tomo II, pág. 102, e de 9.5.95, BMJ 447º/448).
Como se referiu o DL n.º 38/2003, ao introduzir o n.º 5 ao art. 834º, passou a prever a possibilidade de o executado requer a substituição da penhora por caução idónea.
Essa possibilidade existia já em sede de procedimentos cautelares, concretamente no artigo 387º nº 3 do CPC na redacção do DL n.º 180/96, de 25.09 (art. 401º n.º 3 antes da reforma do CPC de 95/96), a que corresponde com idêntico teor o actual art. 367 n.º 3, que estipula: “A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida ouvido o requerente se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente”.
O elemento literal do citado n.º 7 do art. 751º do CPC (anterior n.º 5 e depois 6 do art. 834º) aponta no sentido de que o requerimento de substituição da penhora por caução idónea tem de ser formulada em simultâneo com o requerimento de oposição à penhora.
Contudo decorre do art. 9º do Código Civil que a interpretação não pode ser procurada meramente no plano linguístico, tem de atender às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, procurando fixar a vontade real do legislador.
Ora, o normativo em causa concretizou o que era há muito defendido por Anselmo de Castro que em “Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., 1977, Coimbra Editora, págs. 324 e 325”, escrevia: “Quanto a nós é impossível ver-se na caução outra função que não seja estritamente a de mera garantia da dívida exequenda” (…), “igualmente nos parece de admitir que as penhoras já efectuadas podem ser substituídas por caução, e levantar-se pela sua prestação. Será, se se quiser uma lacuna da lei, mas a solucionar necessariamente pelo modo indicado. Veja-se que uma das formas de prestação de caução é em dinheiro e o absurdo que seria não poder o executado fazer cessar a penhora por depósito da respectiva importância”.
Apoia esta posição Lebre de Freitas, em A Acção Executiva, 2ª edição, pág. 166, nota de rodapé 76.
Trata-se, pois, de norma inovadora, que tem subjacentes os princípios da proporcionalidade e da adequação e foi criada principalmente no interesse do devedor, visando criar condições para que este quando questiona a obrigação exequenda, não seja onerado excessivamente com a penhora, permitindo a sua substituição por caução idónea.
Assim sendo e visando a norma em causa, actual art. 751º n.º 7 do CPC, possibilitar ao executado substituir a penhora por caução idónea, esvaziava o seu conteúdo interpretá-la como impondo que o pedido de substituição tivesse de ser formulado em simultâneo com o requerimento de oposição à penhora.
Ao contrário do que decidiu o despacho recorrido a substituição da penhora por caução não está dependente da oposição à penhora.
A oposição à penhora visa o levantamento da penhora e tem por fundamento as três situações previstas no 784º do CPC vigente (anterior art. 863ºA) e a caução a que se refere o n.º 3 do art. 785º (anterior art. 863º -B n.º 3) tem por finalidade obviar ao prosseguimento da execução relativamente aos bens objectos da oposição, evitando designadamente a sua venda e está directamente conexionada ao incidente de oposição.
A caução a que se reporta o n.º 7 do art. 751º tem uma finalidade específica que é o de substituir a penhora pela caução e essa caução equivale para todos os efeitos à penhora que substitui e pode ser requerida mesmo nos casos em que não se verifica nenhuma das situações de impenhorabilidade que sustentam a oposição à penhora.
Note-se que se o n.º 7 do art. 751º se limitasse a permitir que o executado requeresse a prestação de caução quando deduzisse oposição à penhora, era absolutamente inútil, dado que do n.º 3 do art. 785º (anterior art. 683º-B) resulta que o executado se pretende a suspensão da execução tem de prestar caução.
Importa ainda ter presente que o legislador também permite a substituição do arresto por caução, nos termos do art. 368 n.º 3 ex vi art. 376º do CPC (anteriores arts 387º n.º 3 e 382º n.º 1), sem limitações, e sendo o arresto instrumental em relação à penhora, a unidade do sistema jurídico afasta que se aplique um regime diferente para a possibilidade da sua substituição da caução no arresto e na penhora
Assim e se a penhora tem por finalidade garantir o pagamento da obrigação exequenda, nenhuma vantagem se alcança em impedir que o executado, enquanto não for decidida a oposição que deduz à execução, a possa substituir por caução desde que a mesma seja idónea e em montante suficiente.
Por isso, nada justifica que o pedido de prestação de caução para substituição da penhora não seja admissível depois de decorrido o prazo para deduzir oposição à penhora, a única condição que se impõe é estar ainda pendente a oposição à execução.
Saber em concreto se a caução é idónea e suficiente, são questões a decidir, no incidente de caução.
Decisão
Julga-se a apelação procedente e ordena-se o prosseguimento do incidente de prestação de caução.
Custas pelo vencido a final.
Porto, 19-03-2015
Leonel Serôdio
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
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Sumário
O n.º 7 do art.751º do CPC não impõe que o executado requeira a substituição da penhora por caução em simultâneo com o requerimento de oposição à penhora.
Enquanto estiverem pendentes os embargos de executado, o executado pode requerer a substituição da penhora por caução idónea, sendo que o objectivo do legislador quando passou a permitir essa possibilidade, foi admitir que as penhoras efectuadas fossem substituídas por caução e levantar-se com a sua prestação.