TRABALHO NAS EMBARCAÇÕES DE PESCA
PERÍODO EXPERIMENTAL
TRANSMISSÃO DA EMPRESA ARMADORA OU DA EMBARCAÇÃO
CONTRATOS SIMULTÂNEOS
DENÚNCIA DO CONTRATO DURANTE O PERÍODO EXPERIMENTAL
Sumário

I - O contrato de trabalho um contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca como tal registadas nos portos nacionais, cujo regime jurídico se encontra regulado pela Lei nº 15/97, de 31/05, é um contrato especial e, como tal, de acordo com o que dispõe o artigo 9º do Código do trabalho, são-lhe aplicáveis as regras gerais deste código que não sejam incompatíveis com a suas especificidades.
II - O contrato de trabalho a bordo em embarcações de pesca apresenta certas especificidades (tais como risco, isolamento e fadiga) que legitimam a sua autonomização, sem excluir, no entanto, a aplicação de normas do regime geral.
III - O artigo 112º, nº 4 do Código do Trabalho, dispõe que «[o] período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele».
IV - Esta é uma norma inovadora introduzida pelo CT/2009 que leva á redução ou à exclusão do período experimental em razão de anteriores contratações do mesmo trabalhador e tem como finalidade o combate a práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação.
V - A sua razão de ser radica sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição a novo contrato ao norma período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão.
VI - É aplicável ao abrigo do artigo 9º do Código do Trabalho, ao contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, com consagração legal na Lei nº 15/97, de 31/05, o disposto no artigo 112º, nº 4, do Código do Trabalho, por ser uma regra geral compatível com as suas especificidades e, ainda, por o regime do período experimental ser de natureza imperativa.
VII - De acordo com o disposto no artigo 12º da lei nº 15/97, de 31 de Maio a posição que dos contratos de trabalho decorre para o armador transmite-se ao armador adquirente, por qualquer título, da empresa armadora ou da embarcação transmitida, salvo se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele.
Provando-se que:
1 - Pelo menos a partir de 01/07/2009 o réu admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade e direção, na supra referida embarcação exercer as funções de pescador.
2 - Que em 01/01/2011 o Autor e a sociedade D…, Lda., celebraram um novo contrato, a termo certo, com início nessa data e termo em 06/02/2012 [de acordo com a cláusula 4ª, nº 2 tal contrato caducaria nesta data sem necessidade de aviso prévio e sem lugar a indemnização].
3 – Que em 30/01/2012 Autor e Réu celebraram um novo contrato por tempo indeterminado, com início nesse mesmo dia.
E que:
- A partir de 01/01/2011 o réu cedeu a exploração da dita embarcação à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuando todos os tripulantes a laborar naquela embarcação, da qual o réu continuou a ser o mestre, tendo réu voltado a explorar a dita embarcação a partir de 30/01/2012, resulta que Autor e Réu celebraram um novo contrato quando o contrato anterior, o aludido no ponto II, ainda estava em vigor e se tinha transmitido ao Réu, por força do artigo 12º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio, já que este havia no dia da celebração do contrato de trabalho, voltado a explora a embarcação "F…".
VIII - Existe, assim, uma incompatibilidade de subsistência simultânea dos dois contratos, o que implica que a outorga do segundo contrato faz cessar a vigência do primeiro, ou seja, com a celebração do contrato por tempo indeterminado no dia 30/01/2012, cessou a vigência do contrato a termo cuja cessação ocorreria em 06/02/2012.
IX - A celebração de um segundo contrato em plena vigência do primeiro, tem a virtualidade de fazer cessar o primeiro, desde logo, por ser incompatível a subsistência simultânea dos dois contratos, trata–se da conversão (por acordo) de um contrato com termo num contrato sem termo.
X - A celebração quer do contrato de 01/01/2011, quer do contrato de 30/01/2012, nada trouxe de novo em relação ao conteúdo dos anteriores contratos, uma vez que, desde 01/07/2009 até 06/02/2012, data em que cessou a relação laboral, o Autor sempre exerceu as mesmas funções de pescador, na embarcação de pesca costeira denominada “F…", com o conjunto de identificação P-….., cujo é proprietário, tendo, durante a vigência dos aludidos contratos, sempre o aqui recorrente como mestre da dita embarcação, com retribuição variável, etc., ou seja, durante a vigência destes contratos nada mudou, a não ser o tempo de duração de sem termo para termo certo e de termo certo para sem termo.
XI - Se assim é, e destinando-se o período experimental a permitir, a ambas as partes, aferirem, na prática, do seu interesse na prossecução e manutenção do vínculo contratual, podendo em caso negativo fazê-lo cessar sem necessidade de prévio aviso ou de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização, tal não se justifica no caso em apreço, pois tendo sempre o Autor exercido na mesma embarcação piscatória as mesmas funções, sob a autoridade do mesmo mestre [que é o proprietário da embarcação e entidade empregadora e que mesmo na altura em que cedeu a exploração à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuou a ser o representante desta, estando o Autor a bordo da embarcação sob a autoridade do mestre, o qual é o representante do armador, vestindo ainda a qualidade de responsável máximo pela segurança da navegação e da vida a bordo – artigo 4º, alínea c) e 9º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio)] e de forma contínua, esse desiderato ou conhecimento reciproco que o período experimental tem como finalidade, já havia, por ambas os contraentes há muito sido alcançado.
XII - Considerando, ainda, a afirmação do interesse na persistência/manutenção de relacionamento contratual entre ambas, ou seja, na continuidade, ou melhor, no reforço do vínculo laboral existente entre ambos, autor e réu, interesse que esteve subjacente à celebração de novo contrato, verifica-se que inexiste, no caso, necessidade de novo período experimental, pois já tinham tido tempo em demasia para saberem e apreciarem o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho – se o não tivessem não celebrariam novo contrato.
XIII -Sendo assim, a denúncia contratual, efectuada pelo réu, em 06/02/2012, é ilegítima, à luz do nº 4 do artigo 112º do Código do Trabalho, pois, tendo em conta que a prestação da (mesma) actividade executada ao abrigo do anterior contrato de trabalho a termo, cuja duração foi superior à duração do período experimental clausulado no novo contrato de trabalho, ter-se-á por excluído o período experimental.
XIV- Desta forma, a cessação do contrato de trabalho do autor, efectuada pelo réu em 06/02/2012, foi ilegítima por inexistência nesse contrato de período experimental.
XV -Tal, consubstancia um despedimento ilícito do trabalhador, porque efectuado sem precedência de procedimento disciplinar – artigo 381º, alínea c) do Código do trabalho.

Texto Integral

ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 554/12.9TTMTS.P 1
RG 456

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…
RECORRIDO: C…

VALOR DA ACÇÃO: 11.095,00 €

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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1. C..., residente na Rua …, .., Matosinhos, intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com a forma de processo comum, contra B…, residente na Rua …, nº .., Matosinhos, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada e, por via dela:
I-Seja declarada a ilicitude do despedimento do A. com as legais consequências;
II-Seja o R. condenado à reintegração do A., se este por ela optar;
III-Seja o R. condenado a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final;
IV-Seja o R. condenado a pagar ao A., caso este não opte pela reintegração, uma indeminização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, decorrido desde a data do inicio do contrato até ao trânsito em julgado da sentença artigo 391º nº 1 referido;
V-Seja o R. condenado a pagar ao A. as seguintes quantias:
-a quantia de € 1.081,17 a título de retribuição correspondente a férias não gozadas no ano de 2009;
-a quantia de € 1081,17 a título de retribuição correspondente a férias não gozadas no ano de 2010;
-a quantia de € 1081,17 a título de retribuição correspondente a férias não gozadas no ano de 2011;
-a quantia de € 3243,51 a título de Subsidio de férias referentes aos anos 2009,2010 e 2011;
- a quantia de € 3243,51 a título de Subsidio de Natal referentes aos anos 2009,2010 e 2011;
- a quantia de € 270,42 relativa a dos proporcionais referentes ao ano de 2012 a título de férias, subsídio de férias e de Natal;
- a quantia de Mil Euros a titulo de danos não patrimoniais.
No montante global de 11.095,00 Euros, a que acresce juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, e em suma, que foi admitido ao serviço do réu em 02/01/2009 para desempenhar as funções de pescador, mediante a retribuição mensal média fixada em € 1.081,17 e que no dia 4 de Fevereiro o réu lhe telefonou informando-o de que a partir daquela data estava despedido, tendo-lhe entregue declaração de situação de desemprego na terça-feira seguinte, tendo deixado de lhe pagar a retribuição desde 01/02/2012. Mais alega que tendo ficado desempregado em consequência do comportamento do réu ficou angustiado, nervoso, sentindo-se humilhado.
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2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, o Réu apresentou contestação alegando que o autor foi admitido ao seu serviço como pescador, mas apenas em 1 de Julho de 2009, recebendo como contrapartida uma quantia a apurar de acordo com o art. 34º CCT aplicável, na qual se incluíam os duodécimos correspondentes ao subsídio de Natal e de férias. Em 31/12/2010 cedeu a exploração da embarcação para a sociedade D…, Lda, recebendo todos os trabalhadores proposta para continuar a laborar na dita embarcação, após o desembarque e cessação do contrato que o autor mantinha com o réu, pelo que em 01/01/2011 o autor celebrou um contrato de trabalho a termo certo, com duração até 06/02/2012, com aquela sociedade. O réu voltou, no entanto à posse e exploração da embarcação em 30/01/2012, tendo a sociedade D…, Lda., liquidado as contas com os seus tripulantes, referentes ao mês de janeiro de 2012, incluindo os duodécimos de subsídios de natal e de férias e assim após o desembarque e cessação daquele contrato o autor e o réu, em 30/01/2012, celebraram novo contrato de trabalho, desta feita por temo indeterminado. Daí que a cessação do contrato em 06/02/2012 tenha ocorrido no período experimental, inexistindo despedimento ilícito.
Alega ainda o réu ter pago ao autor as quantias devidas referentes aos seis dias do mês de Fevereiro de 2012 e que o autor acedeu de imediato ao subsídio de desemprego, impugnando o alegado quanto aos danos morais tendo o autor passado a trabalhar noutra embarcação, não tendo qualquer dificuldade em encontrar um meio de subsistência.
Deduziu, ainda, pedido reconvencional pretendendo que o autor seja condenado a pagar-lhe indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou ao propor a presente acção, no valor de € 4.000,00.
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3. Respondeu o Autor impugnando o alegado quanto á inclusão na remuneração mensal dos duodécimos de subsídio de férias e de natal e alegando nunca ter recebido as quantias invocadas pelo réu, que a embarcação trabalhou de forma continua não tendo ocorrido qualquer desembarque e que não rubricou, nem assinou os contratos de trabalho juntos, tratando-se de documentos fabricados pelo réu e impugnando os fundamentos da reconvenção.
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4. O pedido reconvencional não foi admitido, tendo sido proferido despacho saneador, no qual se verificou a regularidade da instância e se dispensou seleção da matéria de facto.
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5. Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, tendo-se sido proferida decisão sobre a matéria de facto e após proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
«Por todo o exposto julgo a ação parcialmente procedente e em consequência decide-se:
I – declarar a ilicitude do despedimento do autor;
II – condenar o réu a pagar ao autor:
a) indemnização de antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição mensal por cada ano de antiguidade ou fração, contando-se esta desde 30/01/2012 até ao trânsito em julgado da sentença, que não pode ser inferior a três meses de retribuição, a liquidar nos termos do art. 609º, nº 2 do C.P.C.
b) compensação correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde 18/05/2012 até ao trânsito em julgado da sentença, deduzida das retribuições que o autor auferir a partir do final do ano de 2012 a título de retribuição pelo trabalho prestado e das quantias que auferiu a título de subsídio de desemprego, estas a entregar pelo réu á segurança social, a liquidar nos termos do art. 609º, nº 2 do C.P.C.
c) a retribuição de férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado ao réu no ano da cessação do contrato de trabalho, a liquidar nos termos do art. 609º, nº 2 do C.P.C.
III – absolver o réu da parte restante do pedido.
*
Custas pelo autor e pelo réu na proporção dos respetivos decaimentos, sendo quanto ao autor sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga – art. 527º do C.P.C.
*
Valor da causa: € 11 095,00 (onze mil e noventa e cinco euros).
*
Registe e notifique.»
◊◊◊
6. Inconformado com esta decisão dela recorre o Réu, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
2) O recorrente foi alvo do presente procedimento laboral, porquanto entende o recorrido C… que existiu ilicitude no seu despedimento, devendo portanto ser indemnizado e ressarcido em quantia que peticionou de 11.095,00 € (onze mil e noventa e cinco euros).
3) Não se conformando o recorrente do teor da petição inicial, contestou a acção e demonstrou nos autos a verdade dos acontecimentos, nomeadamente a licitude do despedimento.
4) Nos termos da sentença, foram dados como provados os factos que se consideram para os devidos e legais efeitos aqui integralmente reproduzidos.
5) Com especial relevância para o facto dado como provado que diz: O autor e o réu outorgaram o documento de fls. 49 a 51, cujo teor se dá por reproduzido, pelo qual este declarou admitir aquele ao seu serviço por tempo indeterminado, a partir de 30 de Janeiro de 2012, ali estabelecendo, além do mais, que “Qualquer dos outorgantes deste contrato de trabalho poderá nos sessenta dias de vigência do contrato de trabalho, denunciar o contrato de trabalho sem necessidade de invocação de justa causa não havendo lugar a indemnização.”
6) Nas conclusões de facto conjugadas com a matéria de direito, o Tribunal recorrido entendeu que:
7) Do ponto de vista do Tribunal a ilicitude do despedimento do autor pelo réu é manifesta, ainda que tenha ficado demonstrada a efetiva assinatura do contrato em 30/01/2012 e apesar dos efeitos que tal assinatura produziu relativamente ao contrato a termo que nessa data se encontrava ainda em vigor.
8) Atenta a atividade a que se dedica o réu e à profissão exercida pelo autor, a relação laboral entre ambos estabelecida encontra-se subordinada ao regime previsto pela Lei 15/97 de 31/05 relativa ao trabalho a bordo das embarcações de pesca.
9) Assim, resulta do art. 31.º da citada Lei 15/97 que, salvo acordo em contrário, haverá um período experimental de 60 dias, o qual se considera cumprido logo que se completem 30 dias de mar, e ainda que durante tal período qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio.
10) Não existe atualmente qualquer proibição de contratar a termo quem já tivesse entretanto adquirido a qualidade de trabalhador contratado por tempo indeterminado, atenta a incompatibilidade da subsistência simultânea de dois contratos com o mesmo trabalhador para o mesmo posto de trabalho.
11) Acresce no caso dos autos, que o autor não pôs em causa a validade do contrato a termo, tendo-se limitado a alegar não o ter assinado, ao contrário do que se considerou provado.
12) Em 30/01/2012 o réu retomou a exploração da embarcação, transmitindo-se-lhe os contratos de trabalho em vigor, incluindo o do autor, pelo que, por esse efeito e a partir dessa data o réu voltou a ser o empregador do autor, assumindo a qualidade de empregador no contrato de trabalho a termo em vigor nessa data, o qual tinha termo previsto para o dia 06/02/2012. Tal vínculo foi modificado e cessou nesse mesmo dia, optando o réu por celebrar com o autor o supra referido contrato por tempo indeterminado.
13) Por isso afigura-se-nos que o réu, no momento e que celebrou com o autor o contrato por tempo indeterminado era seu empregador, existindo entre ambos um vínculo de trabalho a termo, o mesmo que antes era titulado pela sociedade unipessoal, contrato que tinha já uma duração de cerca de 13 meses, logo face ao disposto pelo referido art. 112.º n.º 4 do CT o período experimental tem de ser excluído.
14) Mesmo que se considere que o réu não era o empregador do autor à data da celebração do contrato em 30/01/2012, a solução não poderia ser diferente. Assim, mesmo considerando-se que no momento anterior à celebração do contrato por tempo indeterminado o autor estava vinculado a outro empregador, no caso concreto sempre terá de se considerar excluído o período experimental, sob pena de manifesto abuso de direito, por violação da boa fé contratual (art. 334.º do Código Civil).
15) Tendo o Tribunal com esta conjugação da matéria de facto e de direito sentenciando pela ilicitude do despedimento do autor e consequentemente condenado o autor ao pagamento de uma indemnização de antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição mensal por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se esta desde 30/01/2012 até ao trânsito em julgado da sentença, que não pode ser inferior a três meses de retribuição, a liquidar nos termos do art. 609.º n.º 2 do CPC; de uma compensação correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde 18/05/2012 até ao trânsito em julgado da sentença, deduzida das retribuições que o autor auferir a partir do final do ano de 2012 a título de retribuição pelo trabalho prestado e das quantias que auferiu a título de subsídio de desemprego, estas a entregar pelo réu à segurança social, a liquidar nos termos do art. 609.º n.º 2 do CPC e ainda da retribuição de férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado ao réu no ano de cessação do contrato de trabalho, a liquidar nos termos do art. 609.º n.º2 do CPC.
16) O art. 9.º do CT não foi criado pelo legislador para se somar mais normativo legal geral ao que já existe com regime especial, mas antes tem como génese a integração de lacunas e de procedimentos gerais que não estando previstos, no caso em apreço, na Lei 15/97 serão de aplicar os previstos no CT, desde que não sejam incompatíveis.
17) Como é exemplo perfeito a situação dos procedimentos disciplinares que antecedem a aplicação de penas e que podem culminar com o despedimento do trabalhador, isto sim é uma situação que não esta devidamente regulada na lei especial, e porque não incompatibiliza com o regime dos contratos de trabalho marítimos, tem de ser aplicada integralmente o previsto no CT.
18) A Lei 15/97 de 31/05 tem um articulado específico para esta situação, incluindo que abre uma excepção à forma de contagem dos 60 dias de período experimental, pelo que a não integração de uma outra excepção de redução ou exclusão de período experimental, foi porque o legislador entendeu que não se aplicam a estes contratos especiais.
19) Os contratos de trabalho marítimos sendo de um regime tão específico, e com tanta minúcia no seu trato, que temos de ter um conhecimento do processamento dos contratos de trabalho, da forma de cessação e da forma de remuneração, e mesmo podemos referir que é gíria e é comum até se ouvir dizer que “o pescador não tem férias”.
20) No caso em apreço, a embarcação é da arte do cerco, isto cabe por dizer, que pratica uma pesca dirigida à espécie da sardinha, sendo notoriamente reconhecido que é uma pesca sazonal, cujos contratos de trabalho têm apenas uma duração de um ano.
21) Assim, a cessação dos contratos de trabalho dos pescadores, quer na arte do cerco quer na pesca artesanal, processam-se de uma forma simples: através do desembarque ocorrido junto da Capitania do porto de pesca da embarcação, o que vulgarmente também se designa de “dar baixa ao rol de matrícula”.
22) Mas para alcançarmos os efeitos destas expressões, será preciso ter um conhecimento do meio e do processamento administrativo de uma embarcação, pois só dessa forma estamos munidos do entendimento do teor do depoimento das testemunhas.
23) Foi esclarecido pela testemunha E… que aquando da cedência de exploração da empresa D…, Lda. já esta empresa tinha cessado os contratos que mantinha com todos os tripulantes com a baixa total do rol de matrícula, no dia 27 de Janeiro de 2012.
24) Ora, daqui podemos concluir com exactidão que a ilação deduzida pelo Tribunal a quo se mostrou errónea com a prova produzida e com os factos dados como provados, mormente quando afirma que: “…em 30/01/2012 o réu retomou a exploração da embarcação, transmitindo-se-lhe os contratos de trabalho em vigor, incluindo o do autor, pelo que, por esse efeito e a partir dessa data o réu voltou a ser o empregador do autor, assumindo a qualidade de empregador no contrato de trabalho a termo em vigor nessa data, o qual tinha termo previsto para o dia 06/02/2012…”
25) Para além de que, é nosso entendimento que esta conclusão não se alicerça em nenhum dos pontos da petição inicial ou da contestação, inexistindo prova documental ou testemunhal que leve neste sentido, e está totalmente excluída da matéria de facto dado como provado, e assim o Tribunal recorrido extravasou os limites da acção judicial, decidindo e concluindo por uma vertente inexistente nos autos, criando uma realidade à parte e diversa da constante dos autos.
26) É impossível a existência em simultâneo de dois contratos de trabalho, tendo ficado provado por perícia de que o contrato outorgado em 30/01/2012 entre autor e réu é real, e que é este o último que tem de ser tido como o vigente à data da cessação do vínculo contratual entre as partes.
27) Se assim é dado como provado, é igualmente dado como provado que nesse contrato existe uma cláusula de período experimental pelo qual qualquer uma das partes outorgantes podem denunciar livremente e sem justificação o vínculo que a partir de 30/01/2012 os unia.
28) Pelo que, o réu podia e pode sem qualquer ilicitude proceder à dispensa do autor na data de 06/02/2012, sem estar obrigado a justificar, ou a indemnizar o autor por este acto.
29) É o que decorre do contrato, é o que decorre do Código de Trabalho e acima de tudo, é o que decorre da Lei 15/97.
30) Com a prova inequívoca da outorga daquele contrato de trabalho em 30/01/2012, com a clareza de inexistência de dois contratos de trabalho em simultâneo, é o recorrente incapaz de perceber porque é condenado, e ainda mais tendo em conta que o autor e respectivas testemunhas foram ao longo dos depoimentos revelando uma atitude de falsidade quanto aos factos pelos quais vinham “defender com unhas e dentes”.
31) A nossa jurisprudência tem também sido clara no entendimento de que a existir uma redução ou exclusão do período experimental, estes tem de constar expressamente por escrito!
32) Como podemos ler no Acórdão do STJ de 12.02.1997, …durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer uma das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização…e a sua duração pode ser reduzida por convenção colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho…por isso se compreenderá que o legislador tenha pretendido alertar as partes para os perigos e desvantagens que a supressão de tal período de tempo…pode acarretar aos seus interesses, impondo que tal decisão só por escrito pudesse ser validamente assumida…daí que pudesse a recorrida pôr termo ao contrato sem invocação de justa causa, nem precedência de processo disciplinar, não tendo o recorrente, em consequência, direito a qualquer indemnização…
33) Mas este entendimento perfilha há vários anos nas teses e ensinamentos dos Professores Meneses Cordeiro e Dr. Abílio Neto, quando nas suas obras dedicadas ao direito do trabalho referem sem sombra de dúvidas que só não haverá período experimental quando o mesmo seja expressamente afastado por acordo escrito, sendo insuficiente o simples acordo verbal.
34) Partilhando o mesmo entendimento quanto ao afastamento e/ou eliminação do período experimental que este só pode ocorrer quando estamos perante uma convenção colectiva de trabalho que assim o determine, ou conste expressamente do contrato individual de trabalho, o Acórdão do TR de Évora de 11.04.2013.
35) Sendo que no caso em apreço INEXISTE alteração de afastamento do período experimental, bem pelo contrário, estando o mesmo referido em cláusula autónoma do contrato de trabalho outorgado por autor e réu em 30/01/2012, não pode o tribunal substituir -se ao próprio legislador e vontade das partes.
36) A matéria de facto dada como provada tal como consta e que o recorrente nada tem a opor, está em total contradição com a aplicação e conjugação das regras de direito nos autos, tendo o Tribunal a quo tomado conclusões precipitadas em relação à protecção exacerbada do autor em prejuízo sério do réu, quando alargou o entendimento para além do peticionado e alegado nos autos, para além dos factos dados como provados e para além do legalmente em vigor!
37) Em momento algum foi alegado e provado que o réu em 30/01/2012 aquando da cedência da exploração da empresa para si da embarcação de que é proprietário também assumiu contratos de trabalho!
38) Em momento algum foi alegado e provado que o autor tinha um contrato em vigor em 30/01/2012, quer fosse com a empresa de E…, quer fosse com o próprio réu!
39) Assim, o recorrente estava no seu direito enquanto outorgante do contrato de trabalho de 30/01/2012 de denunciar este mesmo no período experimental que se encontrava a decorrer (60 dias ou 30 dias de mar), e como tal, podia dispensar o réu sem qualquer consequência de indemnização ou compensação!
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7. Contra-alegou o Autor, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito o recorrente não tem razão nas pretensões que deduz no presente recurso de Apelação e designadamente no que concerne à reapreciação da Prova Gravada e subsunção dos factos ao direito.
2. A decisão da matéria de facto operada pela Meritíssima Juíza mostra-se em conformidade com as provas testemunhal e documental produzidas em audiência de discussão e julgamento num exercício exímio, irrepreensível, sério e responsável do princípio da livre apreciação da prova, princípio basilar do processo civil.
3. Não existe qualquer contradição entre a factualidade provada, sendo forçoso concluir pela inteira adequação da apreciação de prova operada nos autos.
4. A reapreciação da prova gravada deve ser rejeitada por manifestamente infundada.
5. Em sede de recurso e havendo gravação da prova, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição indicar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que impunham decisão diferente sobre tais factos, devendo ainda transcrever as passagens da gravação em que se fundamenta.
6. Incumbia ao recorrente a especificação daqueles elementos o que não fez, tão pouco efectuaram a transcrição das passagens da gravação em que se fundamenta, conforme dispõe o artigo 640º do CPC.
7. O recorrente não procedeu à especificação daqueles elementos, tão pouco à transcrição das passagens da gravação em que se fundamenta o que implica que a prova não pode ser objecto de reapreciação devendo o recurso ser rejeitado - neste sentido Ac. Rel. Lisboa de 02/11/2000, Proc. n.º 0078816.
8. A rejeição do presente recurso impõe-se pelo disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, o que deverá ser decretado por V.as Ex.as.
9. A Aplicação/Interpretação do direito operadas pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo mostram-se em conformidade com as provas testemunhal e documental produzidas em audiência de discussão e julgamento.
10. Não tem razão o recorrente já que a decisão sobre a matéria de facto operada nos presentes autos de fls. traduz fielmente o resultado da produção de prova testemunhal em conjugação com a prova documental igualmente produzida nos presentes autos.
11. Resulta provado dos autos que o Réu admitiu o A. ao serviço pelo menos em 01/07/2009 para, sob a sua autoridade e direção, na embarcação “F…” exercer as funções de pescador.
12. O posto de trabalho do A. foi sempre o mesmo e o R. manteve-se sempre o mestre da embarcação.
13. Pelo que, em face da factualidade assente nos presentes autos, se impõe nos termos do disposto no artigo 112º nº 4 do Código do Trabalho considerar excluído o período experimental consignado no contrato e invocado pelo R..
14. Sob pena de abuso de direito, por violação da boa-fé contratual. - artigo 334º do C. Civil.
15. Deduzindo o R. pretensão e invocando factos que bem sabe não serem verdadeiros e direitos que bem sabe não lhe assistirem e não ter direito incorrendo na condenação como litigante de má-fé em multa a fixar pelo Tribunal. Pois bem sabe que não poderá colher o argumento de que se encontrava clausulado o período experimental.
16. Não se vislumbrando ainda - senão na versão inteiramente parcial do R. - qualquer contradição ou falta de fundamentação entre a factualidade provada.
17. Sucede porém que, da abundante prova produzida nos autos documental e em especial testemunhal-produzida em audiência de julgamento – nunca o Tribunal Recorrido poderia considerar tais factos tal como apresentados pelo R.
18. Conforme resulta dos depoimentos e documentos juntos aos autos, eles são de molde a infirmar a versão trazida aos autos pelo R.
19. É totalmente falso que o A. pretenda obter ilegitimamente do Ré qualquer quantia que não lhe seja devida pois que pela presente acção apenas pretende ser ressarcido daquilo a que tem direito, face a uma atitude de inqualificável prepotência e má-fé do Ré, que agiu para consigo ao arrepio, aliás, das mais elementares regras do Estado de direito onde se insere, consubstanciando a versão trazida aos autos pelo A. a realidade sobre os factos ocorridos.
20. Já que foi o R. comunicou ao A., sem precedência de processo disciplinar, que não o queria mais a trabalhar para ele.
21. O que consubstancia um despedimento ilícito face ao disposto no artigo 381ºal. C)do CT com as consequências previstas no artigo 389º e seguintes do CT.
22. Tal como competia ao A. este demonstrou em juízo que trabalhou para o R. desde 01/07/2009,que não ocorreu desembarque do A. do rol de matrícula nesse período, que foi alvo de despedimento ilícito.
23. Ao invés e como lhe competia e o impunham, designadamente as regras do ónus da prova, o R. não logrou provar o inverso, que validamente clausularam o período experimental, que o R. não era o mestre, que o posto de trabalho não foi o mesmo entre 01/07/2009 e o despedimento em 06/02/2012.
24. Tais factos, encontram-se definitivamente adquiridos para o processo por via do também muito importante princípio da aquisição processual da prova e naqueles exatos moldes.
25. Sendo consentâneos com a prova documental e testemunhal produzidas, agindo a Meritíssima Juiz de forma correcta na respectiva apreciação, aliás livre.
26. Ora, não pode o recorrido concordar com tal pretensão atenta a prova produzida em audiência de julgamento.
27. Tal comportamento do R. configura, outrossim abuso de direito e como dito ficou e tal como vem definido no art. 334.º do CC que dispõe que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
28. Donde, reitera-se, tal decisão quanto à matéria de facto operada pelo Tribunal de Trabalho de Matosinhos não padece de qualquer vício e/ou contradição e não merece qualquer reparo encontrando-se em perfeita adequação e sintonia com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento quer no tocante à prova testemunhal quer aos documentos que se encontram nos autos.
29. E, o mesmo se diga, relativamente á subsunção dos factos ao direito aplicável.
30. Ao considerar manifesta a ilicitude do despedimento do Autor por banda do Réu porquanto a cessação do contrato lhe foi comunicada de forma verbal, sem antecedência de processo disciplinar
31. E manifestamente excessivo que depois de uma pessoa que prestar a sua atividade num concreto posto, durante um determinado período de tempo, independentemente do regime contratual que titule o vínculo, celebrado um contrato de trabalho, esse período fosse seguido de um outro durante o qual as partes apreciassem o interesse na manutenção do contrato de trabalho, que pura e simplesmente ignorasse o tempo cumprido de execução de atividade no mesmo posto de trabalho, como defende o R.
32. Autor e Réu desde 01/07/2009 trabalharam juntos, o R. foi sempre o mestre da embarcação e o posto de trabalho continuou sempre o mesmo e em regime de subordinação àquele.
33. Concluindo que neste caso por referência ao contrato celebrado em 30/01/2011 não haveria lugar a período experimental, de acordo com o preceituado no artigo 112º nº 4 do Código de Trabalho aplicável ex vi artigo 9º do CT ao regime jurídico do trabalho a bordo das embarcações de pesca.
34. Assim, a comunicação feita pelo R. ao A. em 06/02/2014 de que não o queria mais a trabalhar para ele, operado pela comunicação do R. constitui um despedimento ilícito conforme dispõe o artigo 381º alínea c) do CT.
35. Com as consequências vertidas na douta sentença decorrentes dos artigos 389º,390º e 391º do CT.
36. A douta decisão fez, assim, uma correcta interpretação e aplicação dos artigo 9º,112º nº 4,381º,389º,390º,391º do Código do Trabalho, e dos princípios dispositivo e da autorresponsabilidade das partes não sendo de aplicar ao caso em apreço, como pretende a Ré, o disposto no artigo 31º da Lei 15/97 de 31/05.
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8. O Exº. Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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9. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações do recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes:
- QUESTÃO PRÉVIA: INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO.
- SABER SE O TRABALHADOR FOI ILICITAMENTE DESPEDIDO OU SE A CESSAÇÃO DO CONTRATO OCORREU DURANTE O PERÍODO EXPERIMENTAL
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III – FUNDAMENTOS
1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) O réu dedica-se à atividade de indústria da pesca marítima, sendo dono duma embarcação de pesca costeira, intitulada "F…", com o conjunto de identificação P-…….
2) Pelo menos a partir de 01/07/2009 o réu admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade e direção, na supra referida embarcação exercer as funções de pescador.
3) Mediante o pagamento de uma retribuição mensal variável, calculada em função da quantidade de pescado, paga semanalmente, na qual se encontravam incluídos os duodécimos correspondentes ao subsídio de Natal e ao subsídio de férias.
4) No dia 06/02/2012 o réu entregou ao autor a declaração de situação de desemprego com o teor de fls. 13 e 14 que se dá por reproduzido.
5) Ao serviço do réu o autor não gozou qualquer período de férias.
6) No ano de 2009 o réu pagou ao autor a quantia de € 6.124,90, a título de remuneração, subsídio de natal e subsídio de férias.
7) No ano de 2010 o réu pagou ao autor a quantia de € 11 880,82, a título de remuneração, subsídio de natal e subsídio de férias.
8) A partir de 01/01/2011 o ré cedeu a exploração da dita embarcação à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuando todos os tripulantes a laborar naquela embarcação, da qual o réu continuou a ser o mestre.
9) O autor assinou o contrato que constitui o documento de fls. 43 a 45, cujo teor se dá por reproduzido, pelo qual a dita D…, Lda. declarou admitir o autor ao seu serviço, com início em 1 de Janeiro de 2011 e término em 06/02/2012.
10) Daquela sociedade o autor recebeu no ano de 2011 a quantia de € 23.242,86, a título de remuneração, subsídio de natal e subsídio de férias.
11) O réu voltou a explorar a embarcação "F…" a partir de 30/01/2012.
12) O autor e o réu outorgaram o documento de fls. 49 a 51, cujo teor se dá por reproduzido, pelo qual este declarou admitir aquele ao seu serviço por tempo indeterminado, a partir de 30 de Janeiro de 2012, ali estabelecendo, além do mais, que "Qualquer dos outorgantes deste contrato de trabalho poderá nos sessenta dias de vigência do contrato de trabalho, denunciar o contrato de trabalho sem necessidade de invocação de justa causa não havendo lugar a indemnização."
13) Pelo menos em 06/02/2012, o réu comunicou ao autor que não o queria mais a trabalhar para ele.
14) O autor requereu a atribuição do subsídio de desemprego em 07/02/2012, o que lhe foi deferido pela Segurança Social.
15) Desde final de 2012 o autor encontra-se a trabalhar, sendo remunerado à semana em valor varável.
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3. DO OBJECTO DO RECURSO
Analisemos então as questões que nos foram trazidas pelo presente recurso.
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3.1. QUESTÃO PRÉVIA: INASMISSIBILIDADE DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Defende o recorrido que o recurso deve ser rejeitado, pois o recorrente impugna a matéria d facto, mas não cumpre os ónus de alegação previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos que o recorrente tenha impugnado a matéria de facto, sendo certo que o próprio refere que quanto à matéria de facto «nada tem a opor». Isto apesar de nas conclusões nº 23), 24) e 25) por em causa o entendimento do tribunal ao dizer «que a ilação deduzida pelo Tribunal a quo se mostrou errónea com a prova produzida e com os factos dados como provados, mormente quando afirma que: “…em 30/01/2012 o réu retomou a exploração da embarcação, transmitindo-se-lhe os contratos de trabalho em vigor, incluindo o do autor, pelo que, por esse efeito e a partir dessa data o réu voltou a ser o empregador do autor, assumindo a qualidade de empregador no contrato de trabalho a termo em vigor nessa data, o qual tinha termo previsto para o dia 06/02/2012…”». Todavia, o que verdadeiramente aqui está posto em causa é uma ilação, uma conclusão, um entendimento do tribunal, ou uma interpretação que este faz dos factos provados e não propiamente qualquer facto provado, mormente, o aludido, já que esse não foi dado como provado ou como não provado.
Se eventualmente tivesse havido essa impugnação da matéria de facto, não haveria qualquer dúvida que a mesma teria de ser rejeitada já que não teria sido dado cumprimento aos ónus de alegação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, não se pode rejeitar o que não foi impugnado.
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3.1. Viremo-nos agora para a questão que nos foi trazida pelo recorrente, ou seja, em suma, saber a cessação da relação laboral se consubstanciou num despedimento ilícito ou numa denúncia ou rescisão no período experimental.

3.1.1. Defende o recorrente que não houve qualquer despedimento ilícito do recorrido, uma vez que tendo as partes celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado e tendo o Autor iniciado as suas funções em 30 de Janeiro de 2012 a cessação da relação laboral ocorrida em 06/02/2012 foi efectuada dentro do período experimental.

3.1.2. Posição diferente teve a sentença recorrida segundo a qual “a ilicitude do despedimento é do autor pelo réu é manifesta, ainda que tenha ficado demonstrada a efetiva assinatura do contrato em 30/01/2012 e apesar dos efeitos que tal assinatura produziu relativamente ao contrato a termo que nessa data se encontrava ainda em vigor”.
Sustentou a sua posição na seguinte argumentação jurídica:
“Atenta a atividade a que se dedica o réu e à profissão exercida pelo autor, a relação laboral entre ambos estabelecida encontra-se subordinada ao regime previsto pela Lei 15/97 de 31/05 relativa ao trabalho a bordo das embarcações de pesca.
Assim, resulta do art. 31º da citada Lei 15/97 que, salvo acordo em contrário, haverá um período experimental de 60 dias, o qual se considera cumprido logo que se completem 30 dias de mar, e ainda que durante tal período qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio.
Não podemos, contudo, ignorar que nos termos do art. 9º do Código de Trabalho de 2009 (doravante C.T.) “Ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade”.
É o caso do disposto pelo art. 112º, nº 4 do C.T., segundo o qual o período experimental é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma atividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviço para o mesmo objeto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele.
Na verdade, seria manifestamente excessivo que depois de uma pessoa prestar a sua atividade num concreto posto, durante um determinado período de tempo, independentemente do regime contratual que titule o vínculo, celebrado um contrato de trabalho, esse período fosse seguido de um outro durante o qual as partes apreciassem o interesse na manutenção do contrato de trabalho, que pura e simplesmente ignorasse o tempo cumprido de execução de atividade no mesmo posto de trabalho.
No caso dos autos, resulta da matéria de facto que o autor foi admitido ao serviço do réu pelo menos a partir de 01/07/2009 para, mediante retribuição, exercer as funções de pescador, na embarcação de pesca costeira de que o mesmo é proprietário. O contrato de trabalho assim celebrado foi executado e manteve-se em vigor até 31/12/2010, já que, apesar de nada se ter apurado quanto à sua concreta forma de cessação, ficou provado que, tendo o réu cedido a exploração da embarcação a uma sociedade unipessoal e apesar de, em princípio, por via de tal cessão, o contrato de trabalho do autor se transmitir para tal sociedade, por força do disposto pelo art. 285º do C.T., se demonstrou que com data de 01/01/2011 o autor celebrou com aquela sociedade um contrato de trabalho a termo, para o exercício das mesmas funções.
Com efeito, sendo certo que, ao contrário do que acontecia no âmbito de vigência do DL 64-A/89 de 27/02, na redação da Lei 18/2001 de 03/07, não existe atualmente qualquer proibição de contratar a termo quem já tivesse entretanto adquirido a qualidade de trabalhador contratado por tempo indeterminado, atenta a incompatibilidade da subsistência simultânea de dois contratos com o mesmo trabalhador para o mesmo posto de trabalho, a celebração do segundo contrato opera a revogação do primeiro (cfr. Ac. RP de 08/04/2013 e Ac. STJ de 20/11/2003, acessíveis em www.dgsi.pt). Acresce no caso dos autos, que o autor não pôs em causa a validade do contrato a termo, tendo-se limitado a alegar não o ter assinado, ao contrário do que se considerou provado.
Assim, o contrato que vigorava entre o autor e o réu desde 01/07/2009, e que se transmitiria para a sociedade unipessoal, foi substituído por um contrato a termo entre o autor e aquela sociedade. Nada mais se modificou contudo. O posto de trabalho continuou a ser o mesmo e o réu, continuou a ser o mestre da embarcação.
Em 30/01/2012 o réu retomou a exploração da embarcação, transmitindo-se-lhe os contratos de trabalho em vigor, incluindo o do autor, pelo que, por esse efeito e a partir dessa data o réu voltou a ser o empregador do autor, assumindo a qualidade de empregador no contrato de trabalho a termo em vigor nessa data, o qual tinha termo previsto para o dia 06/02/2012.
Tal vínculo foi modificado e cessou nesse mesmo dia, optando o réu por celebrar com o autor o supra referido contrato por tempo indeterminado.
Por isso, afigura-se-nos que o réu, no momento e que celebrou com o autor o contrato por tempo indeterminado era seu empregador, existindo entre ambos um vínculo de trabalho a termo, o mesmo que antes era titulado pela sociedade unipessoal, contrato que tinha já uma duração de cerca de 13 meses, logo face ao disposto pelo referido art. 112º, nº 4 do C.T. o período experimental tem de se considerar excluído.
Mesmo que se considere que o réu não era o empregador do autor à data da celebração do contrato em 30/01/2012, a solução não poderia ser diferente.
Com efeito de tudo o exposto resulta que, independentemente na natureza e da forma do vínculo, o autor se manteve a exercer funções na mesma embarcação desde 01/07/2009, tendo como mestre o réu, simultaneamente seu empregador desde aquela data até 31/12/2010 e desde 30/01/2012 em diante, tendo-se mantido, pois, o autor, durante todo este período de tempo a trabalhar com o réu e a ele subordinado. Assim, mesmo considerando-se que no momento anterior à celebração do contrato por tempo indeterminado o autor estava vinculado a outro empregador, no caso concreto sempre terá de se considerar excluído o período experimental, sob pena de manifesto abuso de direito, por violação da boa-fé contratual (art. 334º do Código Civil).
Conclui-se, pois, que no caso dos autos, por referência ao contrato celebrado em 30/01/2011 não haveria período experimental.
Sendo assim, a comunicação feita pelo réu ao autor em 06/02/2012 de que não o queria mais a trabalhar para ele, porque não precedida de processo disciplinar constitui um despedimento ilícito face ao disposto pelo art. 381º, al. c) do Código do Trabalho, com as consequências previstas pelo art. 389º do Código do Trabalho (…)”.

Adiantamos desde já que concordamos com a solução preconizada.
3.1.3. O recorrente para a defesa da sua tese alega que sendo o contrato de trabalho um contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca como tal registadas nos portos nacionais com consagração legal na Lei nº 15/97, de 31/05, está prevista no artigo 31º, nºs 1 e 2 de tal diploma legal, a existência de um período experimental com a duração de 60 dias, salvo acordo em contrário, e que se ele se considera cumprido logo que se completem 30 dias de mar.
Durante esse período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato, sem aviso prévio nem invocação de justa causa, não havendo lugar a indemnização.
O artigo 9.º do Código do Trabalho ao estipular que ao contrato de trabalho com regime especial aplicam–se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade, significa que esta aplicação do Código do Trabalho apenas abrange a integração de lacunas e, como tal, só as regras gerais não previstas no regime especial é que lhe são aplicáveis, desde que não sejam incompatíveis.
Assim sendo, remata o recorrente, dispondo o regime especial sobre o período experimental e sobre o seu cumprimento não lhe é aplicável o disposto no artigo 112º, º 4 do Código do Trabalho.
Vejamos:
3.1.4. Não restam dúvidas, sendo por ambas as partes aceite, que estamos perante um contrato individual de trabalho a bordo de embarcações de pesca como tal registadas nos portos nacionais, cujo regime jurídico se encontra regulado pela Lei nº 15/97, de 31/05.
Este contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca (também designado como contrato de matrícula) é um contrato de trabalho comum ou especial?
Segundo MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO existe a seguinte tipologia nos contratos de trabalho que importa diferenciar: “contrato de trabalho comum, que constitui a categoria residual e de referência”, “contratos de trabalho especiais, que integram as modalidades de contrato de trabalho sujeitas a um regime especial, por motivos atinentes aos sujeitos envolvidos, às características da prestação ou à duração do contrato” e “contratos de trabalho sujeitos a regras específicas, categoria que abrange as situações laborais para as quais a lei prescreveu regras especiais, atendendo a certas características dos sujeitos envolvidos e independentemente do carácter comum ou especial do próprio contrato”[1].
Refere ainda a aludida Autora que «[a] classificação dos contratos de trabalho especiais pode ser feita tomando como critério a fonte da sua especialidade: o objeto da prestação laboral; ou o factor temporal, que pode ser reportado ou à duração do contrato ou à modelação do tempo de trabalho.
O reconhecimento da especialidade de alguns contratos de trabalho, em razão da especificidade do objeto da prestação laboral tem grande tradição entre nós e não carece de particular justificação: trata-se de situações em que as caraterísticas da própria atividade desenvolvida não se coadunam com o regime laboral comum, sendo, por isso, necessário proceder à adaptação deste regime”[2]. E, como exemplo, de contrato de trabalho especial, refere, entre outros, o contrato de trabalho a bordo.
ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, salienta que «existem verdadeiros contratos de trabalho (isto é, obedecendo à caracterização essencial do art. 11º) que estão sujeitos a regulamentação especial. Isso não descarateriza as correspondentes relações de trabalho (como relações de trabalho subordinado), nem, portanto, as afastam do âmbito do Direito do Trabalho. Ocorre apenas que se trata de contartos de trabalho especiais, carecendo de regulamentação adequada às suas particularidades»[3]. Como exemplo, de contrato de trabalho especial, refere também, entre outros, o contrato de trabalho a bordo.
JOÃO LEAL AMADO diz que “o pluralismo tipológico do contrato de trabalho se manifesta, desde logo, nos chamados «contratos especiais de trabalho»: o contrato de trabalho doméstico, o contrato de trabalho rural, o contrato de trabalho portuário, o contrato de trabalho a bordo, o contrato de trabalho artístico, o contrato de trabalho docente, o contrato de trabalho desportivo…»[4].
Também PEDRO ROMANO MARTINEZ dá como exemplo de contrato de trabalho especial, inter alia, o contrato de trabalho a bordo[5].
Assente que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca e que o mesmo é um contrato de trabalho especial, cumpre averiguar se ao mesmo lhe são aplicadas as regras previstas no Código do Trabalho quanto ao período experimental, mais concretamente, se lhe é aplicável o artigo 112º, nº 4.
Recorrendo, mais uma vez, aos ensinamentos de MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, dir-se-á que «o reconhecimento de contratos de trabalho especiais exige um maior cuidado no manuseamento das fontes a aplicar a estes contratos, que passa por uma relação de dupla subsidiariedade. Assim:
- aos contratos de trabalho especiais cabe aplicar, em primeiro lugar, as regras especiais que a lei preveja para eles; todavia, quando este regime não conste do Código do Trabalho e lhe seja anterior (o que sucede em diversas situações), deve ter-se um cuidado suplementar na articulação entre estas regras especiais e as normas do Código, bem como na interpretação das remissões do diploma especial para a legislação laboral geral, que foi, entretanto, substituída; em suma, cabe proceder à interpretação destes contratos à luz do Código do Trabalho;
- nos aspectos não regulados de forma especial serão aplicáveis as normas laborais gerais que sejam compatíveis com a especificidade de cada contrato (art. 9º do CT); o Direito Laboral comum funciona, assim, como direito subsidiário para efeitos do regime jurídico destes contratos;
- por último, as lacunas regulativas que ainda subsistam podem ser integradas através da aplicação das regras civis gerais, desde que não incompatíveis com as especificidades do contrato em questão nem com princípios próprios do Direito do Trabalho, por força da autonomia dogmática que assiste a este ramo jurídico»[6].
O artigo 9º do Código do Trabalho ao estatuir que são aplicáveis aos contratos de trabalho especiais as regras gerais daquele código que não sejam incompatíveis com a suas especificidades, não está a fazer uma verdadeira exclusão do âmbito de aplicação do mesmo, mas sim a sujeitar tais contratos à combinação duma lei geral, como é o Código do Trabalho, com uma regulamentação especial[7].
Pedro Romano Martinez refere que o normativo em apreço «pretende esclarecer que entre a parte geral e a parte geral e a parte especial do direito do trabalho subsiste uma relação comum: o regime geral (do Código do Trabalho) aplica-se aos contratos de trabalho especiais salvo quanto às particularidades justificadas pelos tipos contratuais em concreto. (…). Refira-se, ainda, que as regras especiais estabelecidas nesses contratos têm de ser interpretadas e integradas à luz do disposto no Código do Trabalho; ou seja, antes de a legislação respeitante aos contratos em especial ser alterada, as respetivas normas devem ser interpretadas de acordo com o regime do Código e as lacunas integradas segundo as soluções neste consagradas»[8].

3.1.5. Assim, visto o alcance do artigo 9º do Código do trabalho, cabe decidir se ao contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca é aplicável o disposto no artigo 112º, nº 4 do Código do trabalho.
O contrato de trabalho a bordo em embarcações de pesca apresenta certas especificidades (tais como risco, isolamento e fadiga) que legitimam a sua autonomização, sem excluir, no entanto, a aplicação de normas do regime geral[9].
Segundo o nº1 do artigo 3º da lei nº 15/97, de 31 de Maio, «[o] contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca é aquele pelo qual o inscrito marítimo, titular de cédula marítima válida, abreviadamente designado por marítimo, se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade profissional a um armador de pesca, sob a autoridade e direcção deste ou do seu representante legal».
O armador é «a pessoa singular ou coletiva titular de direito de exploração económica da embarcação» (artigo 4.º, alínea b)). Sendo que, de acordo com o artigo 9º da citada lei, «[a] bordo das embarcações de pesca o marítimo está sob a autoridade e direcção do comandante, mestre ou arrais, como representante do armador e na qualidade de responsável máximo pela segurança da navegação e da vida a bordo».
O comandante, como refere ISABEL MARIA TAVARES RIBEIRO ESTEVES[10], desempenha uma dupla função: comando da embarcação e representante legal do armador. Essa delegação de poderes traduz-se num desvio do regime laboral geral. Com efeito, cabe à entidade patronal, enquanto “pessoa individual ou coletiva que, por contrato, adquire o poder de dispor da força de trabalho de outrem, no âmbito de uma empresa ou não, mediante o pagamento de uma retribuição”, o poder de direção e disciplinar (artigos 97.º e 98.º do CT)».
Tal contrato está sujeito à forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter outros dizeres constantes nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 6º. Também a prorrogação do contrato a termo se encontra sujeito à observância da forma escrita (artigo 6º, nº 2).
O não cumprimento dessa exigência de forma escrita é imputável ao armador e a respectiva nulidade só é invocável pelo marítimo (artigo 6º, nº 3).
Tal contrato pode ser celebrado sem termo, ou a termo, certo ou incerto (artigo 5º, nº 1).
A duração do contrato de trabalho a termo certo, haja ou não renovação, não pode exceder três anos, contando-se a antiguidade do marítimo desde o início da prestação de trabalho (artigo 5º, nº 5). Por sua vez, o contrato de trabalho a termo incerto dura por todo o tempo necessário à substituição do marítimo ausente e até à conclusão da actividade da pesca sazonal ou por campanha para que o marítimo foi contratado (artigo 5º, nº 6).
O contrato de trabalho a termo certo ou incerto converte-se em contrato sem termo se for excedido o prazo de duração previsto no n.º 5 ou se o marítimo continuar ao serviço decorridos 15 dias sobre o regresso do marítimo substituído ou sobre a conclusão da actividade da pesca sazonal ou por campanha a que se reporta o número anterior (artigo 5º, nº 7).
No que tange ao período experimental estabelece o nº 1 do artigo 31º que nestes contratos haverá um período experimental com a duração de 60 dias, salvo acordo em contrário. Este período, expressa o nº 2 do citado normativo, considera-se, porém, cumprido logo que se completem 30 dias de mar. Esta diferenciação, consoante a actividade seja prestada no mar ou em terra, desvia-se do regime laboral comum.
Por sua vez, o nº 3 estatui que durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato, sem aviso prévio nem invocação de justa causa, não havendo lugar a indemnização. Nesta situação, caso a embarcação se encontre no mar, os efeitos da denúncia só começam a produzir-se quando o navio chegar a porto nacional.
O artigo 112º, nº 4 do Código do Trabalho, cuja aplicação ao contrato de trabalho contrato a bordo em embarcações de pesca se discute nesta acção, dispõe que «[o] período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores [11], é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele».
Esta é uma norma inovadora introduzida pelo CT/2009 que leva à redução ou à exclusão do período experimental em razão de anteriores contratações do mesmo trabalhador e tem como finalidade o combate a práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação[12].
Segundo o mesmo Autor “julga-se que a razão de ser do preceito radica sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição a novo contrato ao norma período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão.
(…).
Necessariamente, ter-se-á de fazer uma interpretação alicerçada na teleologia da norma, como de resto sucede com toda a interpretação jurídica. Assim, pensamos que será em especial decisiva a circunstância de a actividade contratada, ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, ser idêntico ou equivalente ao trabalho que o trabalhador já prestou na mesma organização”[13].
Já LUÍS MIGUEL MONTEIRO refere que “o nº 4 encontra-se em linha com as novas previsões normativas dos nºs 5 dos artigos 148º e 152º.
Sempre seria muito discutível a admissibilidade de período experimental em novo contrato com trabalhador já antes contratado ao empregador por contrato a termo ou de prestação de serviço “para o mesmo objecto”, como se lhes refere o legislador. O conhecimento recíproco alcançado pelas partes, bem como a afirmação do interesse na persistência de relacionamento contratual entre ambas que está subjacente à celebração de novo contrato, esvaziariam a finalidade do período de experiência, tornando quase óbvia a ilegitimidade da denúncia contratual que por via dele fosse operada.
(…)
Questão que a norma suscita, de imediato e tal como as referidas no início da presente nota, é a do âmbito temporal da sua aplicação. Como está redigida, a duração do período experimental do novo contrato toma em consideração o tempo de vigência de contratos anteriores para o exercício de funções idênticas (se ao abrigo de contrato de trabalho a termo), cumpridos no mesmo posto de trabalho (se por via de trabalho temporário) ou para o mesmo objecto (se em prestação de serviços), independentemente do intervalo temporal verificado entre a cessação de um destes contratos e a celebração do contrato de trabalho cujo período experimental se avalia. Ora, a extensão significativa deste intervalo pode justificar a necessidade de nova avaliação, por ambas as partes, do interesse na manutenção do contrato (…)”[14].
Assim, embora o artigo 112º, nº 4 do Código do Trabalho não aluda expressamente à situação em que o trabalhador já esteve contratado para executar a mesma actividade através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a referida norma não pode deixar de abranger essa situação, desde logo pela referência que é feita ao período experimental “de acordo com os números anteriores”, onde também se inclui o período experimental por tempo indeterminado, e depois pela teleologia desta norma, cuja razão, como já se salientou, radica na presumida desnecessidade da sujeição do novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão e pela circunstância de a actividade contratada, ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, ser idêntico ou equivalente ao trabalho que o trabalhador já prestou na mesma organização[15].
A celebração de um novo contrato de trabalho por um trabalhador que antes esteve ao serviço do mesmo empregador ou da mesma organização onde exerceu a mesma actividade ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, leva a que o período experimental, no novo contrato de trabalho, seja reduzido ou excluído consoante a duração do anterior contrato.
Convém ainda esclarecer que o regime jurídico do período experimental, com algumas excepções, tem natureza imperativa.

3.1.6. Por todas estas razões, é aplicável ao abrigo do artigo 9º do Código do Trabalho, ao contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, com consagração legal na Lei nº 15/97, de 31/05, o disposto no artigo 112º, nº 4, do Código do Trabalho, por ser uma regra geral compatível com as suas especificidades e, ainda, por o regime do período experimental ser de natureza imperativa.

3.1.7. Defende ainda o recorrente que em momento algum foi alegado e provado que o réu em 30/01/2012 aquando da cedência da exploração da empresa para si da embarcação de que é proprietário também assumiu contratos de trabalho.
Este ponto está relacionado com a questão da transmissão da embarcação e da incompatibilidade da subsistência simultânea dos dois contratos, sendo um a termo e outro sem termo.
O artigo 12º da lei nº 15/97, de 31 de Maio, sob a epígrafe “ Transmissão da empresa armadora ou da embarcação”, dispõe que:
“1 - A posição que dos contratos de trabalho decorre para o armador transmite-se ao armador adquirente, por qualquer título, da empresa armadora ou da embarcação transmitida, salvo se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele.
2 - O adquirente da empresa armadora ou da embarcação é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a marítimos cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até ao momento da transmissão.
3 - Para efeitos do número anterior, deverá o adquirente, durante os 15 dias anteriores à transacção, fazer afixar um aviso nos locais de trabalho, no qual se dê conhecimento aos trabalhadores que devem reclamar os seus créditos.”
Da factualidade provada resulta que se verificaram duas transmissões da embarcação:
A primeira ocorreu em 01/01/2011 em que o aqui recorrente cedeu a exploração da embarcação de pesca costeira, intitulada "F…", com o conjunto de identificação P-….., à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuando todos os tripulantes a laborar naquela embarcação, da qual o réu continuou a ser o mestre.
A segunda, ocorreu 30/01/2012 altura em que o recorrente voltou a explorar a dita embarcação.
Certo é que não ficou provado que tenha havido qualquer acordo entre o transmitente e a adquirente no sentido de o Autor continuar ao serviço do aqui recorrente na primeira das transmissões na sociedade D…, Lda., na segunda das vezes.
Assim, o contrato de trabalho foi-se transmitindo para os respectivos adquirentes, ao abrigo do citado artigo 12º da lei nº 15/97, de 31 de Maio.
Todavia,
I - provou-se que, pelo menos a partir de 01/07/2009 o réu admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade e direção, na supra referida embarcação exercer as funções de pescador.
II - provou-se que em 01/01/2011 o Autor e a sociedade D…, Lda., celebraram um novo contrato, a termo certo, com início nessa data e termo em 06/02/2012 [de acordo com a cláusula 4ª, nº 2 tal contrato caducaria nesta data sem necessidade de aviso prévio e sem lugar a indemnização].
Não ficou provado qual a razão da cessação do contrato sem termo aludido em I, nem a razão da celebração do contrato referido em II, logo de imediato.
III – Em 30/01/2012 Autor e Réu celebraram um novo contrato por tempo indeterminado, com início nesse mesmo dia.

Do ponto III, resulta que Autor e Réu celebraram um novo contato quando o contrato anterior, o aludido no ponto II, ainda estava em vigor e se tinha transmitido ao Réu, por força do artigo 12º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio, já que este havia no dia da celebração do contrato de trabalho, voltado a explora a embarcação "F…".
Como é lógico, não pode o mesmo trabalhador ter com a mesma entidade empregadora simultaneamente dois contratos de trabalho com o mesmo objecto. Existe, assim, uma incompatibilidade de subsistência simultânea dos dois contratos, o que implica que a outorga do segundo contrato faz cessar a vigência do primeiro, ou seja, com a celebração do contrato por tempo indeterminado no dia 3º/01/2012, cessou a vigência do contrato a termo cuja cessação ocorreria em 06/02/2012.
Como se decidiu no Acórdão desta Relação de 08/04/2013[16], não existe impedimento à celebração de contrato de trabalho a termo com trabalhador já contratado por tempo indeterminado. A ausência de proibição legal decorre do não acolhimento nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 de preceito idêntico ao nº 3, do artigo 41.º–A, do DL n.º 64–A/89, aditado pela Lei n.º 18/2001, que dispunha que “sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente”. Assim “a celebração de um segundo contrato em plena vigência do primeiro, tem a virtualidade de fazer cessar o primeiro, desde logo, «por ser incompatível a subsistência simultânea dos dois contratos»; trata– se da conversão (por acordo) de um contrato sem termo num contrato a termo”.
Se assim é, quanto à celebração de um contrato de trabalho a termo posteriormente à celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, por maioria de razão, face à maior segurança no trabalho, acontece o mesmo quando o segundo dos contrato celebrados, em substituição do anterior a termo, é por tempo indeterminado.
Foi precisamente o que aconteceu nos autos.
Na verdade, o primeiro contrato, com início em 01/07/2009, foi celebrado por tempo indeterminado e o segundo contrato, com início em 01/01/2011, foi celebrado a termo certo.
Assim, o Autor desde 01707/2009 – data em que foi admitido - até 06/02/2012 – data em que o réu unilateralmente fez cessar o vínculo laboral existente entre ambos – esteve sempre ao serviço na mesma embarcação – primeiro para o réu; depois para a sociedade D…, Lda., (da qual é sócia a esposa do réu); e, por último, novamente para o réu.
E, como refere o Exº Sr.º procurador-geral Adjunto, no seu parecer «por coincidência ou não, o término do contrato a termo verifica-se em 2012.02.06, data em que o apelante fez cessar, unilateralmente, o contrato que havia celebrado com o apelado, dizendo-lhe que “ não o queria mais a trabalhar para ele”.
Podemos, pois, concluir, que a celebração quer do contrato de 01/01/2011, quer do contrato de 30/01/2012, nada trouxe de novo em relação ao conteúdo dos anteriores contratos, uma vez que, desde 01/07/2009 até 06/02/2012, data em que cessou a relação laboral, o Autor sempre exerceu as mesmas funções de pescador, na embarcação de pesca costeira denominada “F…", com o conjunto de identificação P-…..., cujo é proprietário, tendo, durante a vigência dos aludidos contratos, sempre o aqui recorrente como mestre da dita embarcação, com retribuição variável, etc., ou seja, durante a vigência destes contratos nada mudou, a não ser o tempo de duração de sem termo para termo certo e de termo certo para sem termo.
Se assim é, e destinando-se o período experimental a permitir, a ambas as partes, aferirem, na prática, do seu interesse na prossecução e manutenção do vínculo contratual, podendo em caso negativo fazê-lo cessar sem necessidade de prévio aviso ou de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização, tal não se justifica no caso em apreço, pois tendo sempre o Autor exercido na mesma embarcação piscatória as mesmas funções, sob a autoridade do mesmo mestre [que é o proprietário da embarcação e entidade empregadora e que mesmo na altura em que cedeu a exploração à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuou a ser o representante desta, estando o Autor a bordo da embarcação sob a autoridade do mestre, o qual é o representante do armador, vestindo ainda a qualidade de responsável máximo pela segurança da navegação e da vida a bordo – artigo 4º, alínea c) e 9º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio)] e de forma contínua, esse desiderato ou conhecimento reciproco que o período experimental tem como finalidade, já havia, por ambas os contraentes há muito sido alcançado.
Considerando, ainda, como salienta o Exº Sr.º Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, «a afirmação do interesse na persistência/manutenção de relacionamento contratual entre ambas, ou seja, na continuidade, ou melhor, no reforço do vínculo laboral existente entre ambos, autor e réu, interesse que esteve subjacente à celebração de novo contrato, verifica-se que inexiste, no caso, necessidade de novo período experimental, pois, como se disse, já tinham tido tempo em demasia para saberem e apreciarem o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho – se o não tivessem não celebrariam novo contrato».
Sendo assim, a denúncia contratual, efectuada pelo réu, em 06/02/2012, é ilegítima, à luz do nº 4 do artigo 112º do Código do Trabalho, pois, tendo em conta que a prestação da (mesma) actividade executada ao abrigo do anterior contrato de trabalho a termo, cuja duração foi superior à duração do período experimental clausulado no novo contrato de trabalho, ter-se-á por excluído o período experimental.
Desta forma, a cessação do contrato de trabalho do autor, efectuada pelo réu em 06/02/2012, foi ilegítima por inexistência nesse contrato de período experimental.
Tal, consubstancia um despedimento ilícito do trabalhador, porque efectuado sem precedência de procedimento disciplinar – artigo 381º, alínea c) do Código do trabalho.
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3.1.8. Por todas estas razões, a apelação não merece provimento, confirmando-se a sentença recorrida.
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3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas dos recursos ficam a cargo do recorrente/autor e as custas da acção ficam a cargo de ambas as partes de acordo com o decaimento [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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IV - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) – Julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor, e, em consequência manter a sentença recorrida na parte por si impugnada.
b) – Condenar o recorrente/autor no pagamento das custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que usufrua [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 23 de Março de 2015
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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[1] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 2009,Almedina, p. 98.
[2] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra cit., pp. 99/100.
[3] ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 16ª Edição, 2012, p. 133.
[4] JOÃO LEAL AMADO, Contrato de trabalho prostitucional?, Temas Laborais, Coimbra Editora, 2005, pp. 35/36.
[5] PEDRO ROMANO MARTINEZ (e outros), Código do trabalho Anotado, 2013, 9ª Edição, p. 124.
[6] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra cit., pp. 99.
[7] Neste sentido ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, obra cit. P. 133.
[8] PEDRO ROMANO MARTINEZ (e outros), obra cit., p. 124.
[9] Para um maior desenvolvimento ver ISABEL MARIA TAVARES RIBEIRO ESTEVES, “contrato de trabalho a bordo - especificidades”, dissertação de mestrado em direito do trabalho, 2012 e a doutrina aí mencionada, consultável in:http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15990/1/Contrato%20de%20Trabalho%20a%20Bordo%20-%20Especificidades.pdf
[10] ISABEL MARIA TAVARES RIBEIRO ESTEVES, obra cit. P. 32.
[11] Ou seja, duração do período experimental nos contratos por tempo indeterminado, nos contratos a termo e nos contratos em comissão de serviço.
[12] PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ªed., 2012, p. 583.
[13] PEDRO FURTADO MARTINS, obra cit. Pp. 583/584.
[14] LUIS MIGUEL MONTEIRO (e outros), Código do trabalho Anotado, 2013, 9ª Edição, p. 302.
[15] Neste sentido cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 04/06/2014, Processo nº 685/12.5TTLRS.L1-4, in www.dgsi.pt.
[16] Processo nº 1277/10.9TTGMR.P1, in www.dgsi.pt.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
I - O contrato de trabalho um contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca como tal registadas nos portos nacionais, cujo regime jurídico se encontra regulado pela Lei nº 15/97, de 31/05, é um contrato especial e, como tal, de acordo com o que dispõe o artigo 9º do Código do trabalho, são-lhe aplicáveis as regras gerais deste código que não sejam incompatíveis com a suas especificidades.
II - O contrato de trabalho a bordo em embarcações de pesca apresenta certas especificidades (tais como risco, isolamento e fadiga) que legitimam a sua autonomização, sem excluir, no entanto, a aplicação de normas do regime geral.
III - O artigo 112º, nº 4 do Código do Trabalho, dispõe que «[o] período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele».
IV - Esta é uma norma inovadora introduzida pelo CT/2009 que leva á redução ou à exclusão do período experimental em razão de anteriores contratações do mesmo trabalhador e tem como finalidade o combate a práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação.
V - A sua razão de ser radica sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição a novo contrato ao norma período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão.
VI - É aplicável ao abrigo do artigo 9º do Código do Trabalho, ao contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, com consagração legal na Lei nº 15/97, de 31/05, o disposto no artigo 112º, nº 4, do Código do Trabalho, por ser uma regra geral compatível com as suas especificidades e, ainda, por o regime do período experimental ser de natureza imperativa.
VII - De acordo com o disposto no artigo 12º da lei nº 15/97, de 31 de Maio a posição que dos contratos de trabalho decorre para o armador transmite-se ao armador adquirente, por qualquer título, da empresa armadora ou da embarcação transmitida, salvo se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele.
Provando-se que:
1 - Pelo menos a partir de 01/07/2009 o réu admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade e direção, na supra referida embarcação exercer as funções de pescador.
2 - Que em 01/01/2011 o Autor e a sociedade D…, Lda., celebraram um novo contrato, a termo certo, com início nessa data e termo em 06/02/2012 [de acordo com a cláusula 4ª, nº 2 tal contrato caducaria nesta data sem necessidade de aviso prévio e sem lugar a indemnização].
3 – Que em 30/01/2012 Autor e Réu celebraram um novo contrato por tempo indeterminado, com início nesse mesmo dia.
E que:
- A partir de 01/01/2011 o réu cedeu a exploração da dita embarcação à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuando todos os tripulantes a laborar naquela embarcação, da qual o réu continuou a ser o mestre, tendo réu voltado a explorar a dita embarcação a partir de 30/01/2012, resulta que Autor e Réu celebraram um novo contato quando o contrato anterior, o aludido no ponto II, ainda estava em vigor e se tinha transmitido ao Réu, por força do artigo 12º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio, já que este havia no dia da celebração do contrato de trabalho, voltado a explora a embarcação "F…".
VIII - Existe, assim, uma incompatibilidade de subsistência simultânea dos dois contratos, o que implica que a outorga do segundo contrato faz cessar a vigência do primeiro, ou seja, com a celebração do contrato por tempo indeterminado no dia 30/01/2012, cessou a vigência do contrato a termo cuja cessação ocorreria em 06/02/2012.
IX - A celebração de um segundo contrato em plena vigência do primeiro, tem a virtualidade de fazer cessar o primeiro, desde logo, por ser incompatível a subsistência simultânea dos dois contratos, trata–se da conversão (por acordo) de um contrato com termo num contrato sem termo.
X - A celebração quer do contrato de 01/01/2011, quer do contrato de 30/01/2012, nada trouxe de novo em relação ao conteúdo dos anteriores contratos, uma vez que, desde 01/07/2009 até 06/02/2012, data em que cessou a relação laboral, o Autor sempre exerceu as mesmas funções de pescador, na embarcação de pesca costeira denominada “F…", com o conjunto de identificação P-….., cujo é proprietário, tendo, durante a vigência dos aludidos contratos, sempre o aqui recorrente como mestre da dita embarcação, com retribuição variável, etc., ou seja, durante a vigência destes contratos nada mudou, a não ser o tempo de duração de sem termo para termo certo e de termo certo para sem termo.
XI - Se assim é, e destinando-se o período experimental a permitir, a ambas as partes, aferirem, na prática, do seu interesse na prossecução e manutenção do vínculo contratual, podendo em caso negativo fazê-lo cessar sem necessidade de prévio aviso ou de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização, tal não se justifica no caso em apreço, pois tendo sempre o Autor exercido na mesma embarcação piscatória as mesmas funções, sob a autoridade do mesmo mestre [que é o proprietário da embarcação e entidade empregadora e que mesmo na altura em que cedeu a exploração à sociedade D…, Lda., da qual é sócia a sua esposa, continuou a ser o representante desta, estando o Autor a bordo da embarcação sob a autoridade do mestre, o qual é o representante do armador, vestindo ainda a qualidade de responsável máximo pela segurança da navegação e da vida a bordo – artigo 4º, alínea c) e 9º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio)] e de forma contínua, esse desiderato ou conhecimento reciproco que o período experimental tem como finalidade, já havia, por ambas os contraentes há muito sido alcançado.
XII - Considerando, ainda, a afirmação do interesse na persistência/manutenção de relacionamento contratual entre ambas, ou seja, na continuidade, ou melhor, no reforço do vínculo laboral existente entre ambos, autor e réu, interesse que esteve subjacente à celebração de novo contrato, verifica-se que inexiste, no caso, necessidade de novo período experimental, pois já tinham tido tempo em demasia para saberem e apreciarem o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho – se o não tivessem não celebrariam novo contrato.
XIII -Sendo assim, a denúncia contratual, efectuada pelo réu, em 06/02/2012, é ilegítima, à luz do nº 4 do artigo 112º do Código do Trabalho, pois, tendo em conta que a prestação da (mesma) actividade executada ao abrigo do anterior contrato de trabalho a termo, cuja duração foi superior à duração do período experimental clausulado no novo contrato de trabalho, ter-se-á por excluído o período experimental.
XIV- Desta forma, a cessação do contrato de trabalho do autor, efectuada pelo réu em 06/02/2012, foi ilegítima por inexistência nesse contrato de período experimental.
XV -Tal, consubstancia um despedimento ilícito do trabalhador, porque efectuado sem precedência de procedimento disciplinar – artigo 381º, alínea c) do Código do trabalho.

António José Ramos