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CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADO
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
OMISSÃO DE DILIGÊNCIA DE PROVA
MEDIDA DA PENA
Sumário
I -Nas conclusões da motivação o recorrente deve fazer uma síntese da substancia da fundamentação do recurso para que o tribunal possa aperceber-se e apreender as razões da discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, prevenir o uso injustificado do recurso e contribuir para a fluidez e celeridade do processo. II – A omissão de uma diligencia de prova reputada essencial para a descoberta da verdade requerida no decurso da audiência de julgamento constitui uma nulidade sanável a arguir antes de terminado o acto (artº120º 2 al.d) e 3º al.a) CPP. III – Nos crimes fiscais é reclamada pela comunidade uma eficaz e severa perseguição penal, e para que não seja posta em acusa a função tutelar da pena traduzido no limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico a pena deve situar-se longe do limite mínimo da moldura legal.
Texto Integral
Proc. n.º 82/06.1 IDPRT.P1
1ª secção
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 82/06.1 IDPRT, correu termos pelo 1.º Juízo do (entretanto extinto) Tribunal Judicial de Marco de Canavezes (e agora corre pela Instância Central, Secção Criminal, da Comarca do Porto Este) acusados pelo Ministério Público e, no termo da instrução requerida, pronunciados pelo Juiz de instrução pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada e de abuso de confiança fiscal, foram submetidos a julgamento em tribunal coletivo: “B…, L.da”, pessoa coletiva n.º ………, com sede social na Rua …, n.º .. R/C D.to, …, …, Marco de Canaveses, “C…, Lda”, pessoa coletiva n.º ………, com sede social no …, …, Marco de Canaveses, D…, E… F…,
todos melhor identificado nos autos.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferido acórdão (acórdão datado de 30.06.2014 e depositado na mesma data) que:
- Julgou improcedente a exceção de prescrição do procedimento criminal invocada pelos arguidos B…, Lda., D… e E…;
- Julgou improcedente a arguida nulidade da acusação invocada pelos arguidos B…, Lda., D… e E…;
- Julgou a pronúncia procedente por provada e em consequência I) condenou pela prática, em co-autoria, e em concurso real de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 103º e 104°, n.01 e 2 do RGIT os arguidos:
a) D… e E… na pena de três anos e seis meses de prisão;
b) F… na pena de dois anos e quatro meses de prisão;
c) B…, Lda. na pena de 900 (novecentos) dias de multa à taxa de 5€ (cinco euros) (art. 15°, n.01 do RGIT);
d) C…, Lda. na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa de 5€ (cinco euros) (art. 15°, n.01 do RGIT). II) condenou pela prática, em co-autoria, e em concurso real de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 105.º e n.º 1 e 4 do RGIT os arguidos:
a) D… e E… na pena de um ano e seis meses de prisão;
b) B…, Lda. na pena de 600 (seiscentos) dias de multa à taxa de 5€ (cinco euros) (art. 15°, n.01 do RGIT) III) efetuado o competente cumulo jurídico das penas referidas em I-a) e II-a), foram condenados os arguidos D… e E…na pena única de quatro anos de prisão IV) foram suspensas na sua execução as penas de prisão aplicadas aos arguidos F…, D… e E…em I-b) e III) por cinco anos nos termos dos artigos 50.º. n.ºs 1 e 5 do Código Penal e 14° do RGIT, suspensão essa condicionada ao pagamento pelos arguidos, no prazo de cinco anos, do montante do beneficio indevidamente obtido, ou seja a quantia de €1.102.076,50€ (um milhão cento e dois mil, setenta e seis euros e cinquenta cêntimos) - art. 14° do RGIT, decorrente das faturas que fizeram integrar na contabilidade da arguida B…, Lda. emitidas por G…, F… e C…, Lda. e a quantia de 238.352,69€ (duzentos e trinta e oito mil, trezentos e cinquenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos) relativa ao montante de IVA descrito no facto 29) dos factos provados - art. 14° do RGIT, devendo documentá-lo nos autos; a obrigatoriedade de pagamento pelo arguido F… é limitada ao âmbito da sua responsabilidade no beneficio ilegítimo obtido, ou seja, a quantia de €1.080.127,60 (um milhão, oitenta três mil, cento e vinte e sete euros e sessenta cêntimos) - art. 14° do RGIT, decorrente das faturas que emitiu e que os arguidos D… e E… fizeram integrar na contabilidade da arguida B…, Lda. - art. 14° do RGIT, devendo documentá-lo nos autos. V) efetuado o competente cumulo jurídico das penas referidas em I) II), foi condenada a arguida B…, Lda.. na pena única de 1200 (mil e duzentos) dias de multa à taxa diária de 5€ (cinco euros), no total de 6.000.00€ (seis mil euros);
Inconformados, almejando a sua absolvição ou, quando menos, a redução das penas (parcelares e única), os arguidos pessoas singulares (D…, E… e F…) vieram interpor recurso da decisão condenatória para este Tribunal da Relação.
Os dois primeiros, fizeram-no em conjunto, com os fundamentos explanados na respetiva motivação, que “condensaram” nas seguintes “conclusões”: (em transcrição integral)
1. “Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pela Sra. Juiz Presidente a 20/06/2014, que indeferiu o requerimento apresentado pelo mandatário dos recorrentes, no sentido de ser agendada nova data para a inquirição da testemunha H…, os recorrentes também não se conformam com o Acórdão proferido em 30/6/2014, que será posto em causa (matéria de facto e de direito), nesta peça recursória.
2. Os recorrentes indicaram, entre outras, uma testemunha que reside atualmente na Suíça – H… - que reputaram de absolutamente essencial para a descoberta da verdade material, uma vez que tem conhecimento direto e pessoal da esmagadora maioria dos factos alegados na contestação, porquanto à data dos mesmos era funcionário da co-arguida B…, Lda.
3. Foi devidamente requerida a sua inquirição através de videoconferência às autoridades do Cantão de Berna, as quais diligenciaram no sentido de proceder à sua notificação.
4. Refere-se o despacho em crise: "Tentada mais uma vez a inquirição da testemunha H… por videoconferência informou o ministério público do Cantão de Berna que a mesma não era possível na data que foi indicada pelo tribunal, o dia de hoje, solicitando a indicação de outras datas nos meses de Agosto, Setembro e Outubro próximos. Desta informação estima-se, portanto, a impossibilidade de a inquirição se realizar ainda durante o mês em curso ou até ao início das férias judiciais de verão.
5. Daqui se percebe que para o tribunal a quo era bem mais importante resolver o processo antes de férias, do que ter a maçada de agendar uma data (ou duas ou três) durante os meses de Julho ou Agosto, para permitir que os arguidos explanassem em todo o seu alcance a sua tese defensional.
6. Continua: "Precisamente, foi para assegurar uma efetiva concretização destes princípios que em sessão anteriores se sugeriu a inquirição da testemunha em causa na sessão de hoje por telefone. assim se procurando adequar o formalismo processual ao princípio maior da garantia da defesa dos arguidos da defesa da descoberta material e da justiça do caso concreto".
7. O tribunal sugeriu a inquirição da testemunha por telefone?! - Com a aquiescência de que norma do Código do Processo Penal?! - Quem garantiria ao tribunal e à defesa que a testemunha ouvida seria a identificada no rol testemunhal da contestação?! - Como prestaria juramento?! - Como se analisaria o seu depoimento?! - Como ficaria o mesmo registado?!
8. Prossegue o despacho: "Ora, não havendo mais prova a produzir neste momento a renovação do pedido de inquirição da testemunha por videoconferência para as justiças suíças e o seu agendamento para um dos três meses sugeridos, buliria com o princípio da continuidade da audiência consagrado no artº 358º, nº 4 do CP Penal, posto que está demonstrada a impossibilidade de agendamento da inquirição nos próximos 30 dias.
9. O Tribunal "a quo" preferiu o Princípio da Continuidade da Audiência em detrimento do Princípio da Verdade Material, o que é manifestamente ilegal e torna nulo o despacho em causa.
10. Depois, quanto à fundamentação da essencialidade do depoimento: uma vez que o mandatário dos arguidos não conhece a testemunha nem tinha conversado com ela sobre o teor do seu depoimento, alegando-se que tem conhecimento direto dos factos e que os arguidos a reputam de essencial para a sua defesa, obviamente que se encontra cumprido o ónus justificativo.
11. Por fim, no despacho: "Por outro lado e tendo atenção ao teor da contestação dos arguidos não consegue o tribunal vislumbrar por que motivo a prova do que ali vem alegado, relativa aos factos ocorridos em tribunal e normalmente do conhecimento de várias pessoas há-de depender apenas da inquirição desta testemunha residente na Suíça".
12. O tribunal entra num exercício de profecia e consegue descortinar a não essencialidade da testemunha por dois motivos: i) os factos ocorreram em Portugal; ii) normalmente os factos são do conhecimento de várias pessoas.
13. Em primeiro lugar, a testemunha, como resulta do processo, só há pouco tempo se deslocou para o estrangeiro, habitando até então em território nacional. Em segundo lugar, não se compreende porque é que os factos que a testemunha poderia trazer aos autos pudessem necessariamente ser do conhecimento de outras pessoas que já teriam sido ouvidas no julgamento.
14. Mais, o despacho que indeferiu o depoimento da testemunha em causa não foi devidamente fundamentado, pelo que não foi explicado diretamente o motivo de tal indeferimento, tendo em conta os requisitos supra.
15. Mais, nos autos, a audiência de discussão e julgamento nunca foi adiada com base na falta da comparência da testemunha em causa.
16. Assim, verificamos uma dupla fundamentação para ser declarado nulo o despacho em crise, por um lado o julgamento já havia sido iniciado antes da verificação da demora na notificação da testemunha, não se podendo aplicar a disposição legal supra referida.
17. Por outro lado, caso não se entenda que a disposição legal apenas se aplica ao início da audiência, verificamos que nenhuma das sessões foi adiada com o fundamento na falta da testemunha.
18. Desta forma entendem os impetrantes que o despacho que indeferiu a marcação de nova data para a audição da testemunha H…, sendo essencial para a descoberta da verdade material, violou o disposto nos art.ºs 13º, n.º 1, 20°, n.º 1 e 32°, n.ºs 1, 2 e 5 da CRP e ainda 311º, n.º 1, 328 e 340° do CPP.
19. Nos termos supra, o despacho em recurso padece da nulidade, prevista no art. 120°, n.º 2, alínea d) do CPP, que se pretende que os Senhores Desembargadores declarem.
20. Pretendem os recorrentes ver alterada a matéria de facto dada como assente nos factos provados, nos números 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33 e 34.
21. Quanto às testemunhas de defesa não merecem sequer grandes referências no acórdão, bem como algum documentação junta pelos recorrentes já durante o decorrer do julgamento.
22. Quanto aos factos provados sobre os n.ºs 12 e 13, relativamente às facturas emitidas por G… ouvido na sessão de julgamento do dia 24/4/2014, este senhor foi ouvido como testemunha e escutado o seu depoimento que se encontra registado no Citius verifica-se, com o devido respeito, face à confusão do seu discurso que padecerá de alguma deficiência cognitiva que o impediu de prestar um depoimento lógico, coerente e assertivo que permitisse ao tribunal "a quo" fundamentar a inclusão dos referenciados factos na matéria provada.
23. Pois bem, opinião diametralmente oposta tiveram os senhores juízes do coletivo "a quo" que valorizaram exacerbadamente o depoimento alienado desta testemunha.
24. Quanto aos dois inspetores tributários ouvidos – I… ouvido na audiência ocorrida em 27/2 e 13/3/2014 e J… ouvida na sessão do dia 27/2/2014 - com referência aos factos que envolvem o G…, declararam nos seus depoimentos que em 1998 este procedeu a entrega nos da ATA do início de atividade, afirmando em uníssono não conseguirem concluir se as facturas emitidas por este fornecedor correspondem ou não a transações materialmente verdadeiras.
25. Aliás, os inspetores tributários com maior incidência no referido I…, não verificaram junto da Autoridade para as Condições do Trabalho se o fornecedor inscreveu ou não trabalhadores estrangeiros, nem tratou de verificar se existia um seguro de acidentes de trabalho ou qualquer outro indício que permitisse assegurar com a certeza necessária neste tipo de processos, que as facturas emitidas pelo referido fornecedor, fossem falsas.
26. Como se infere do depoimento dos inspetores tributários, a ATA não levantou o sigilo bancário quer do, referido G…, quer da B…, Lda ou dos seus sócios-gerentes, de forma a permitir assegurar ao tribunal a falsidade das operações comerciais declaradas.
27. Como se referiu o depoimento do G…, é completamente desfasado dos factos e mesmo da realidade: refere que era titular de uma sociedade comercial quando o que está em causa nos factos é a sua atividade empresarial desenvolvida em nome pessoal, não ouvia as perguntas dando respostas completamente desfasadas do que lhe era questionado.
28. Referiu que não conhece o arguido D… e que conhece o E… por lhe ter sido apresentado por um senhor do Marco de Canaveses, contudo, não o conseguiu identificar ou descrever, não se chegando a perceber se se tratava de um dos ora recorrentes (como se arrogou no acórdão em crise).
29. Refere ter-se deslocado às finanças (repetiu tal facto até à exaustão) e que foram falsificados uns papéis não conseguindo descrever a que se pretendeu referir com estas afirmações.
30. Assim, porque a certeza que se exige num processo com esta estrutura é aquela que está para lá da dúvida razoável, que cairá sempre no princípio constitucional "in dubio pro reo", os factos assentes sobre os n.ºs 12 e 13 têm que ser dados como não provados.
31. Quanto aos factos provados com referência à interação entre o F…, a C…, Lda e a B…, Lda que era gerida pelos arguidos, deve ser anulada toda a matéria de facto provada, uma vez que não constam do processo, nem dos registos da prova testemunhal produzida, prova suficiente para considerar falsas tais operações.
32. Foram lidas as declarações do arguido F… na sessão de julgamento do dia 27/2/2014 a pedido do seu defensor e das quais resultam que o mesmo efetuou para a B…, Lda trabalhos de cofragem e pedreiro, entre outros, sendo certo que era a empresa arguida a fornecer os materiais e equipamentos.
33. Mais, o inspetor tributário I… referiu que na Segurança Social os fornecedores agora em causa tiveram trabalhadores registados - cfr. anexo 36 e 49 - e que na Autoridade para as Condições do Trabalho nos anos a que se reportam os autos o F… e a C…, Lda registaram dezenas de trabalhadores estrangeiros de origem egípcia, marroquina e tunisina, entre outras - Cfr. anexos 37 e 49.
34. Estes factos relatados pela testemunha, entre outros, que se referirão infra, destroem a teoria que trespassa o acórdão sub judicio de que os referidos fornecedores nunca tiveram meios humanos suficientes para prestarem serviços à co-arguida B…, Lda.
35. Aliás, tal realidade foi também afirmada pela testemunha, K… (ouvido na sessão do dia 10/4/2014), que era escriturário da arguida B… e que garantiu a existência de dezenas de funcionários que o F… transportava para obras em duas carrinhas de 9 lugares, um automóvel ligeiro e um jipe.
36. Confirmou essa realidade, também, a testemunha F… (ouvido na sessão do dia 10/4/2014) que trabalhou entre 2001 e 2003 para a B… e que relatou a existência de cerca de 30 trabalhadores do F… na obra do aeroporto.
37. Depois a testemunha L… (ouvido na sessão do dia 10/4/2014), que também relatou ao tribunal que se cruzou na obra do aeroporto com vários trabalhadores do F… (e com o próprio).
38. A testemunha M… (ouvido na sessão do dia 10/4/2014), que trabalhou na obra do aeroporto durante 15 meses, durante os anos de 2001 e 2002, também confirmou a existência de funcionários do F… e da C…, Lda, na obra do aeroporto, que eram transportados num jipe e em duas carrinhas de 9 lugares;
39. As testemunhas N… (ouvido na sessão do dia 10/4/2014) e O… (ouvido na sessão do dia 24/4/2014), que confirmaram a existência das carrinhas que efetuavam o transporte dos trabalhadores dos fornecedores referenciados;
40. Por fim a testemunha P… (ouvido na sessão do dia 23/5/2014), vizinho do F… que relatou a existência na obra do aeroporto de mais ou menos 18 homens na sua grande maioria estrangeiros, identificando também como funcionário do F… nessa obra o Sr. Q… (que esteve presente na audiência de julgamento de 24/4/2014 e que não quis prestar declarações);
41. Depois, o inspetor I… referiu a existência de um seguro de acidentes de trabalho titulado pela C…, Lda - cfr. anexo 50, referindo ainda que essa empresa entregou em diversos períodos as declarações do IVA através de técnico oficial de contas que havia indigitado para o efeito.
42. Ainda, referiu que o F… e a C…, Lda possuíam alvará válido de construção civil emitido pela autoridade competente - IMOPPI - cfr. anexo 53, o que também deita por terra a ideia de que tais sujeitos eram uma espécie de fantasmas, como se referenciou, e incapazes de prestar à B… qualquer tipo de serviço.
43. Mais, referenciou detalhadamente as tipografias e os requerentes da emissão dos livros de facturas dos fornecedores em causa e confirmou que não foi inquirido (como deveria) um referenciado Sr. S…, com domicílio em Amarante, que era o técnico oficial de contas dos fornecedores.
44. O Sr. Inspetor I… confirmou que efetivamente o F… e a sua sociedade prestaram serviços para a B…, não conseguindo, contudo, concretizar o respetivo volume e incidência temporal.
45. A mesma testemunha referiu também não ter sido levantado o sigilo bancário, quer dos recorrentes, quer da arguida B…, do F… ou da C…, Lda, de forma a permitir-lhe afirmar alicerçadamente (aquando da sua inquirição) que as transações tituladas pelas facturas constantes dos autos não foram objeto de materialização, nomeadamente através de movimentos bancários (ou a sua inexistência) que comprovassem a irrealidade das mesmas.
46. Ainda a respeito da veracidade das relações comerciais com o F… e a sua sociedade, numa das últimas sessões de julgamento os arguidos juntaram 41 páginas de folhas de obra, tratando-se de uma pequena amostra que os arguidos conseguiram obter (a grande distância temporal) dos empreiteiros gerais das obras e onde eram registados os tempos de trabalho e assiduidade dos trabalhadores do arguido F… e da C….
47. Estes documentos não tiveram no acórdão em recurso uma qualquer menção que permita afirmar-se que foram tidos em conta na decisão proferida, o que se reconduz à falta de fundamentação da decisão proferida.
48. Face ao exposto, devem ser dados como não provados os n.ºs 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 26 dos factos assentes.
49. Agora quanto aos erradamente provados factos 27 e 29 a 33 não resulta de qualquer documentação que conste dos autos que o IVA cujo abuso de confiança foi imputado aos recorrentes, tenha sido efetivamente recebido e como tal objeto de apropriação por parte dos mesmos.
50. Tal qual no crime de fraude fiscal a inspeção tributária não tratou de efetuar uma conciliação bancária das contas da B… ou dos recorrentes que lhe permitisse com certeza afiançar ao tribunal que o valor do IVA liquidado teria sido efetivamente recebido pela B….
51. O inspetor confirmou a existência de pagamentos que considerou efetuados mas que foram concretizados através de letras de câmbio e cheques que afirmou não saber se foram efetivamente recebidos pela B….
52. Ainda, o inspetor I… esclareceu o tribunal que aquilo que procurou foi apenas o IVA liquidado pela B…, nunca tendo sido alvo de investigação o IVA suportado pela empresa na normal aquisição de bens e serviços essenciais para o desenvolvimento da sua atividade.
53. A investigação da ATA nunca devia ter em vista apenas os factos que desfavoreciam os arguidos, outrossim, a procura e descoberta da verdade material, para isso deveria ter procurado não só o IVA recebido e liquidado pela B…, mas também, como se referenciou o IVA suportado pela empresa, por exemplo, em combustíveis, materiais, transportes, comunicações, eletricidade, subcontratos, etc. e que teria que ser tido em conta no IVA que a B… trimestralmente deveria entregar nos cofres do Estado.
54. É que o IVA que os arguidos se poderiam ter apropriado era apenas aquele que resultava da diferença do IVA liquidado e o IVA suportado pela empresa no desenvolvimento da sua atividade.
55. Esta falha na investigação leva a que os recorrentes sustentadamente possam pôr em causa, baseados no principio "in dubio pro reo", que mesmo se apropriando do IVA, não ficou provado que esse montante foi superior em cada um dos períodos (trimestres) aos 7.500 € que exige o art. 105° do RGIT.
56. Também por aqui se conclui que os factos provados sobre os n.ºs 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33 deveriam ter sido dados como não provados.
57. Para finalizar a impugnação da matéria de facto refere-se com particular relevância e estranheza a matéria constante do item 34: a sociedade arguida B…, Lda responsável tinha boas disponibilidades financeiras".
58. Lida e relida o acórdão em crise, não se compreende qual a fundamentação para este facto provado.
59. Não existe prova documental no processo nem foi produzida prova testemunha no sentido de comprovar tal afirmação que como tal tem que ser liminarmente retirada dos factos assentes.
60. Nos termos da acusação, relativamente aos anos de 2001, 2002 e 2003, face à alegada utilização das comummente designadas facturas falsas, os contestantes terão diminuído o valor do IRC a pagar em 178.904,71 €, 206.005,14 € e 254.681,26 €, respetivamente.
61. Tais valores foram determinados pelos serviços inspetivos da ATA com uma simples aplicação aritmética da taxa máxima de IRC, ao valor total das facturas utilizadas e supostamente fraudulentas, não cuidando de saber nos exercícios económicos de 2001 a 2003, qual foi a real declaração de IRC da empresa, retirando o valor das facturas como custo e verificando qual o valor da vantagem patrimonial dos arguidos (a existir) e se foi superior a 15.000 €, em cada exercício económico.
62. Face ao teor do nº 2 do art. 103° do RGIT, seria necessário que a acusação indicasse expressamente que os arguidos obtiveram uma vantagem patrimonial ilegítima não inferior a 15.000 €, por cada declaração de IRC.
63. Por outro lado, não resulta da acusação que a vantagem patrimonial dos arguidos (em sede de IRC) seja superior a 15.000,00 €, uma vez que não se enquadrou as alegadas diferenças entre os valores declarados e os valor alegadamente pagos, na declaração de IRC da sociedade dos anos 2001 a 2003, pois, como supra se referenciou, na acusação, aplica-se diretamente a tais diferenças a taxa de IRC sem se verificar os outros custos e benefícios da empresa nesse mesmo ano, espelhados na modelo 22, sendo certo que a liquidação do montante do imposto é elemento essencial para a determinação de ser ou não facto criminalmente punível.
64. Na verdade, face ao disposto no art. 103°, nº 2, do RGIT, é essencial a determinação da vantagem patrimonial ilegítima, pois sem a sua verificação (superior a 15.000,00 €) não existe crime, nem sequer imputação criminal válida.
65. Ora, a vantagem patrimonial não se encontra sequer liquidada na acusação, o que constitui nulidade da mesma, que expressamente se alega, nos termos da al. b), do nº 3, do artº 283° do CPP.
66. A prescrição do procedimento criminal no ilícito sub judicio tem lugar logo que sobre a prática do crime, sejam decorridos cinco anos (artº 21°, nº 1, do RGIT).
67. Contudo, a acusação foi notificada aos recorrentes apenas em 24/10/2012, pelo que se encontram prescritas todas as infrações criminais imputadas aos arguidos na acusação, com referência ao crime de abuso de confiança fiscal ou pelo menos, quanto aos factos do 2° trimestre de 2001.
68. Conforme emerge do artº 103°, nº 2 do RGIT em vigor, as condutas só são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for superior a 15.000,00 €.
69. Determinada a base legal do tipo criminal, o acórdão sub judicio sobre a questão, nomeadamente, sobre a vantagem patrimonial obtida pelos recorrentes da suposta ocultação de proveitos na B…, Lda, refere pura e simplesmente (e sem grandes considerações ou fundamentação) que todas as facturas emitidas pelos co-arguidos G…, F… e C…, Lda são falsas e que originaram uma vantagem patrimonial ilegítima de mais de 1.000.000 €.
70. A verdade é que o tribunal a quo não conseguiu apurar um dos elementos do tipo, nomeadamente a existência de uma vantagem patrimonial por parte dos recorrentes, superior a 15.000,00 €, pelo que, com base no basilar princípio do nosso ordenamento jurídico "in dubio pro reo", nunca poderiam ter sido condenados pelo crime de Fraude Fiscal Qualificada.
71. Os recorrentes não se conformam com a decisão condenatória, no que respeita à determinação da medida da pena, uma vez que a pena única concreta aplicada, 4 anos de prisão, apesar de suspensa na sua execução por 5 anos, na condição dos recorrentes pagarem ao Estado o valor de cerca de 1.500.000,00 € é injusta, por excessiva.
72. Os recorrentes reclamam a diminuição da pena única que foram condenado para 24 meses, com a diminuição das penas parcelares de abuso de confiança fiscal para 12 meses e da pena por fraude fiscal para 20 meses.
*
Por seu turno, o arguido F… rematou a motivação do seu recurso com o seguinte quadro conclusivo:
A. “Sem prejuízo da possibilidade de conhecimento oficioso, por parte deste venerando tribunal da relação, decorrente da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.0 do C.P.P., ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n. 0 1 do artigo 379.0 do mesmo diploma legal.
B. O Tribunal a quo, não realizou como podia e devia, ao abrigo do artigo 340.º do C.P.P., durante a realização de a instrução de julgamento, as diligências essências à descoberta da verdade nomeadamente, a tomada de declarações de todos os intervenientes no circuito do uso das referidas facturas, nomeadamente do T…, U… e responsáveis das tipografias onde aquelas foram impressas. Ainda, a omissão do exame grafológico às assinaturas contidas nas facturas, para se aferir se estas foram feitas pelo punho do recorrente, o que o Tribunal podia fazer e postergou. Entende o recorrente que a omissão destas diligências essenciais para a descoberta da verdade preenche a nulidade prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.0 do CP.P., o que neste ato, para os devidos efeitos se alega.
C. A omissão destas diligências e, a falta de capacidade ínsita no douto Acórdão para identificar dentro do lote das facturas que sustentam a condenação do recorrente, quais são aquelas que correspondem a serviços efetivamente prestados pelo recorrente enquanto pessoa singular e como gerente da C…, Lda, e que, também, não logrou distinguir as facturas efetivamente assinadas pelo recorrente e que autorizou a sua entrega à B…, Lda, daqueles que alguém falsificou e usou à sua revelia, obstam que se possa estabelecer com rigor qual a vantagem patrimonial ilegítima com a entrega de cada declaração na administração tributário, ou seja não se consegue fixar o nexo de causalidade exigido pelo artigo 10.º do Código Penal.
D. Desta feita são por demais as dúvidas no que se refere ao valor da vantagem patrimonial (se é que a houve) retirada pelo recorrente, mesmo a admitir-se a responsabilidade solidária (a culpa não se comunica).
E. Também, são muitas as dúvidas acerca do preenchimento, assinaturas e autorização para o uso das facturas, isto cujo responsabilidade é assacada ao ora recorrente no Douto Acórdão como posto em crise. Se outro motivo não existisse, esta situação, a persistir, ofenda um dos princípios orientadores do Estado de Direito (democrático Português), ou seja a postergação do princípio do IN DUBIO PRO REO, com consagração nos artigos 18.0 e 32.0, n.0 2 da C.R.P.
F. Para tanto confronte-se o que resulta das gravações dos depoimentos do inspetor tributário I…, quando ele mesmo admite que as assinaturas que constam das várias facturas são diferentes, o que mereceu a observação concordância da Sra Juíza presidente, e a afirmação que algumas facturas foram impressas à ordem do tal U… e de uma outra pessoa desconhecida. (cfr. Gravação - sessão de 13-03- com início às 12:21 e 14:00 na integra).
G. O empregado de escritório da B…, Lda. referiu que parte das facturas do recorrente foram-lhe entregues pelo TOC encarregado pela contabilidade do F… e C…, Lda., ou seja o pai ao U… de seu nome T… (cfr gravação - sessão de 10-04-2014, 15:30 escuta integral).
H. Se outras dúvidas não houvesse atente-se que o modus operandi usado com o F… é ipsis verbis o mesmo do que foi utilizado com o então suspeito e depois testemunha G…. Também aqui o TOC do G… era o T… e, na constituição da sua firma interveio um dos sócios da B…, Lda (cfr. Gravação - sessão de 24-04 2014, 10: 27 a escutar-se na íntegra.).
I. Entendamo-nos, o F… pessoa singular, tal qual a C…, Lda. executaram obras vultosas para a B…, Lda como se alcança dos depoimentos prestados pelas pessoas que assistiram no local à presença do recorrente com os seus trabalhadores e meios de transporte, ou seja:
J. K… (gravação – sessão de 10-04-2014, 15:36 a escutar na íntegra); V… (gravação – sessão de 10.04.2014; 16:08, a escutar na íntegra); L… (gravação – sessão de 10-04-2014, 16:30 a escutar na íntegra); M… (gravação – sessão 10-04-2014, 16:53 a escutar na íntegra); N… (gravação – sessão 10-04-2014, 17:04, a ouvir na íntegra); O… (gravação – sessão de 24-04-2014, 14:30, a ouvir na íntegra) e P… (gravação – sessão 23-05-2014, 9:59, a ouvir na íntegra).
K. Este teve inscrito ao longo do tempo na Segurança Social, pessoas como estando ao seu serviço (cfr. Com o depoimento do inspetor tributário I… na gravação já mencionada).
L. Foi apurado pela Inspeção de Finanças que na contabilidade da B…, Lda existia um crédito de no valor de € 551.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros) o que revela o exercício de atividade empresarial, a favor do recorrente (cfr. Gravação de I…).
M. O recorrente, embora fora do prazo entregou nas finanças declarações de I.V.A referente aos anos de referentes aos anos de 2001; 2003; 2003, num total de € 1.021.892,00 (um milhão, vinte e um mil e oitocentos e noventa e dois euros), o que não o poderia fazer caso não exercesse qualquer atividade.
N. São muitas as dúvidas existentes acerca dos verdadeiros responsáveis pela emissão e uso das facturas que o Tribunal a quo, classifica como sendo falsas.
O. Por não ser de somenos, toda a porva que conduziu à condenação do arguido, resulta de ilações de ilações, que por frágeis, nunca poderiam conduzir à condenação do recorrente, pois, como vem sido referido em arestos produzidos acerca do presente crime, a complexidade na obtenção da prova não atenua ou ilide a exigência da mesma, sendo que, talqualmente, o sobredito, cuidando-se de matéria atinente à infra-estrutura contabilística de uma empresa postula-se de indícios documentais suscetíveis de fundar a emissão de um juízo de probabilidade necessário aos factos indiciados. O juízo probatório do tribunal não se basta com meros indícios, conjeturas ou ingerências conclusivas desprovidas de premissas fácticas, demandando a conexão crítica de elementos objetivos que fundamentem, não um juízo de certeza, mas um juízo de probabilidade elevada.
P. No presente caso, constata-se que a premissa fundamental da acusação que o recorrente ou não dispunha de estrutura empresarial, ou seja, trata-se de um ente fictício. Porém, exigia-se factos demonstrativos que atividade do recorrente era uma ficção. Ora, através dos factos atrás elencados (objetivos e testemunhos), provou-se o contrário. Refira-se que não foi provado que o recorrente individualmente ou a sociedade que geria não tivesse empregados; contabilidade, contas bancárias, sede física, logística, negócios, etc. Saliente-se que o inspetor tributário que procedeu às diligências de inquérito assumiu no seu depoimento que não inspecionou fisicamente quer o recorrente ou a empresa C…, Lda. para apurar em concreto se a quer a nível singular ou no âmbito da sociedade em causa ele recorrente exercia atividade. Ao invés, provou-se que o recorrente estava no mercado com meios de transporte e trabalhadores. Era credor da sociedade a que usou as facturas. Tinha contabilidade organizada.
Q. Eventualmente, não cumprindo com determinações e obrigações tributárias, não discutidas nesta sede.
R. Inclusive a Inspeção Tributária identificou o técnico encarregado da contabilidade da mesma.
S. Apurou-se, mesmo admitindo-se que o recorrente atuava no mercado com recurso a trabalho clandestino; utilizando a maquinaria contratada a terceiro não faturada, que tinha trabalhadores ao seu serviço, meios de transporte, contabilidade e crédito junto dos seus clientes, concretamente na também co-arguida B…, Lda. (cfr. Gravações do depoimento do Inspetor tributário I…, já antes situada no CD).
T. Admite-se que nem todas as facturas apreendidas correspondam a trabalhos efetuados pelo recorrente. Todavia essas facturas chegaram a posse de quem as usou sem o seu conhecimento e com a sua assinatura falsificada como se vem alegado.
U. Refira-se que ao remeter-se em sede de prova para o total da gravação de cada testemunha, é porque tudo o que as mesmas depuseram é importante, que a ser seccionado truncaria a sua lógica e trairia o raciocínio final.
V. O tribunal a quo, não conseguiu destrinçar quais as facturas apreendidas que correspondem a trabalhos efectivamente realizados pelo recorrente.
W. O Tribunal a quo não consegue distinguir quais são as facturas efectivamente assinadas e autorizadas a usar pelo recorrente daquelas, que foram usadas com a falsificação da sua assinatura e sem o seu consentimento.
X. Desta feita o Tribunal a quo não consegue quantificar/liquidar, a ter existido, qual foi o montante da vantagem patrimonial ilegítima, reportada a cada declaração prevista nos artigo 103º nº. 2 e 3 do RGIT.
Y. Assim sendo, falta estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a obtenção da referida vantagem patrimonial a que se refere o artigo 10º do C. Penal.
Z. A falta da prova deste pressuposto é o mesmo que se dizer que falta o preenchimento de um elemento objetivo do crime para que este esteja consumado.
AA. Por tudo, em face de tantas dúvidas, em homenagem e obediência ao princípio constitucional do in dubio pro reo, deve o recorrente ser ABSOLVIDO como autor do crime que o Douto Acórdão lhe imputa”.
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Admitidos os recursos (despacho a fls. 1765) e notificados os sujeitos processuais por eles afetados, à respetiva motivação respondeu o Ministério Público, resposta que sintetizou nas seguintes conclusões (reprodução integral):
“1.ª - O coletivo de juízes fundamentou devidamente a sua convicção sobre os factos que deu como provados, não existindo qualquer erro notório na apreciação da prova.
2.ª - Os factos dados por assentes no douto acórdão recorrido, nomeadamente os que constam dos pontos nºs 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33 e 34, resultam de toda a prova constante dos autos, como seja, prova documental e prova testemunhal.
3.ª - O Tribunal analisou com rigor e sabedoria todos estes meios de prova constantes dos autos, como seja, a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, mas também e, sobretudo, a abundante prova documental constante dos autos.
4.ª - O coletivo de juízes formou a sua convicção sobre os factos que deu como provados com base em todos os meios de prova constantes dos autos, nomeadamente valorando os depoimentos prestados na audiência de julgamento pelos inspetores tributárias e pelas restantes pessoas que foram ouvidas e a extensa prova documental junta aos autos, fazendo uma correta aplicação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal.
5.ª - Como o coletivo de juízes não ficou com qualquer dúvida sobre o modo como os arguidos atuaram, atento o teor seguro, credível, firme, não ambíguo, nem contraditório de todos os meios de prova em que se baseou para formar a sua convicção, não faz qualquer sentido dizer-se que o Tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova.
6.ª - No presente caso o Tribunal não ficou com quaisquer dúvidas sobre os factos ilícitos típicos praticados pelos recorrentes, atenta a abundante prova documental e testemunhal de que se socorreu, ficando claramente convencido que os arguidos praticaram os crimes que foram dados como provados.
7.ª - Os próprios recorrentes não conseguem demonstrar minimamente em que meios de prova se baseiam para fundamentar a sua pretensão de não serem dados como provados os pontos anteriormente mencionados.
8.ª - Foram dadas como provadas no douto acórdão agora em recurso as vantagens patrimoniais obtidas indevidamente pelos recorrentes.
9.ª - Também o Exmo. Juiz Presidente fundamentou devidamente e exaustivamente a razão pela qual o tribunal não chegou a inquirir a testemunha H…, que se encontra na Suíça, não sofrendo este douto despacho judicial de qualquer vício ou nulidade.
10.ª - O coletivo de juízes no douto acórdão agora em recurso já se pronunciou de um modo eloquente sobre a questão da eventual prescrição do procedimento criminal dos crimes em apreço nestes autos, nada mais se nos afigurando dizer sobre esta matéria, por ser demasiado ostensivo que ainda não ocorreu qualquer prescrição do procedimento criminal.
11.ª - O Tribunal fundamentou devidamente as penas que aplicou aos recorrentes, assim fazendo uma correta aplicação do disposto no art. 71º do Código Penal.
12.ª - Também o Tribunal levou em conta todas as circunstâncias que devem nortear a aplicação de uma pena, fazendo uma exemplar aplicação da lei penal e condenando os recorrentes em penas justas, equilibradas e adequadas, face a toda a factualidade apurada e à gravidade dos crimes aqui em apreço.
13.ª - Resulta, assim, claro que o douto acórdão agora em recurso na determinação das penas parcelares e da pena única teve em conta não só a globalidade dos factos imputados aos recorrentes como também todas as circunstâncias que devem nortear a aplicação de uma pena.
14.ª - Face à gravidade dos crimes praticados pelos recorrentes e levando em consideração a moldura abstrata dos tipos legais de crime aqui em apreço (crime de fraude fiscal qualificada e crime de abuso de confiança), não se justifica qualquer alteração ou redução das penas em que os recorrentes foram condenados.
15.ª - O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, pois não viola qualquer disposição ou preceito legal e muito menos algum princípio penal, processual penal ou constitucional, nomeadamente os referidos pelos recorrentes”.
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Remetidos os autos a este tribunal de recurso, e já nesta instância, na vista a que se refere o n.º 1 do artigo 416.º do Cód. Proc. Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu douto parecer em que, abordando todas as questões suscitadas pelos recorrentes, conclui que em nenhuma delas lhes assiste razão, pelo que entende ser de confirmar, integralmente, a decisão recorrida e, por conseguinte, devem ser julgados improcedentes os recursos interpostos.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, mas não houve resposta dos recorrentes.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos:
1. A sociedade arguida "B…, Lda.", sociedade por quotas, constituída em 27.11.1996, dedica-se à construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
2. A sociedade arguida referida no artigo 1.0 iniciou a sua atividade em Novembro de 1996, tributada em IRC para o exercício da atividade de "construção de edifícios", a que corresponde o CAE ….., coletada para efeitos de I.V.A. e enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral.
3. Desde o início da sua constituição foram seus sócios e gerentes os arguidos D… e E…, tendo ambos exercido, desde sempre, de facto e de direito, a gerência daquela sociedade arguida.
4. O arguido F… iniciou a sua atividade em 02.06.1997 e, no ano 2000, encontrava-se enquadrado para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, sendo tributado em IRS pelo exercício da atividade de construção de edifícios, a que corresponde o CAE …...
5. Posteriormente, em 23.10.2001, este arguido F… constituiu a sociedade "C…, L.da", sociedade por quotas, que se dedica à construção geral de edifícios e engenharia civil, aluguer de máquinas e equipamentos para a construção civil, cedência de mão-de-obra e trabalho temporário, a que corresponde o CAE …..-R3, coletada para efeitos de I.V.A. e enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral.
6. Desde o início da sua constituição foi seu sócio e gerente o arguido F…, tendo este exercido, desde sempre, de facto e de direito, a gerência daquela sociedade arguida.
7. A arguida C…, L.da entregou folhas de remuneração de quatro trabalhadores relativas ao ano de 2001 e efetuou, nos anos de 2001 e 2002, junto da Inspeção Geral de Trabalho, dezoito comunicações de celebração de contratos de trabalho efetuados com trabalhadores estrangeiros.
8. Aquela mesma arguida efetuou junto da W…, seguro de acidentes de trabalho;
9. Em data não concretamente apurada do ano de 2000, os arguidos D… e E…, enquanto sócios-gerentes da sociedade arguida "B…, Lda." e F…, por si e enquanto sócio-gerente da "C…, L.da", combinaram entre si um esquema para, de comum acordo e em conjugação de esforços, emitirem faturas que não correspondiam à prestação, por parte de qualquer deles ou da sociedade referida no artigo 5.0, de qualquer serviço, material ou produto.
10. Da mesma forma, e através de pessoa e em data que não foi possível apurar, os arguidos D… e E…, enquanto sócios-gerentes da sociedade arguida "B…, Lda." entraram na posse de diversas faturas emitidas para a atividade exercida pela testemunha G…, que preencheram e utilizaram na sua contabilidade, bem sabendo que as mesmas não consubstanciavam qualquer prestação, por parte daquele, de qualquer serviço, material ou produto, sendo certo que o mesmo se encontrava a residir e trabalhar em França.
11. Os arguidos referidos no artigo 9.0 e 10.º igualmente combinaram entre si que o arguido F…, por si e agindo em nome e representação da sociedade "C…, L.da" emitiria faturas, quando tal lhe fosse solicitado por parte de qualquer dos arguidos D… e E…, em representação da sociedade arguida "B…, Lda.", que pretendia, dessa forma, diminuir, por via da utilização dessas faturas na elaboração da sua contabilidade, em sede e para efeitos de I.R.C., a tributação.
12. Tanto assim é que, em data não concretamente apurada do ano de 2001 e até ao ano de 2003, os arguidos D… e E…, agindo em nome e por conta da sociedade arguida "B…, L.da", com vista à redução da matéria tributável para efeitos de I.R.C., que sabiam não lhes ser devida, entraram na posse de diversas faturas emitidas em nome da testemunha G… e solicitaram ao arguido F… a emissão de faturas, acrescidas de I.V.A. à taxa legal, no valor de €462.485,40 (quatrocentos e sessenta e dois mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e quarenta cêntimos).
13. Como tal, também em data não concretamente apurada mas que se reporta ainda ao ano de 2001, os arguidos D… e E…, agindo em nome e por conta da sociedade arguida "B…, L.da" entraram na posse das seguintes faturas da testemunha G…, que preencheram, dirigidas àquela sociedade arguida: 14. Da mesma forma, também em data não concretamente apurada mas que se reporta ainda ao ano de 2001, os arguidos D… e E…, agindo em nome e por conta da sociedade arguida "B…, Lda.", da forma combinada com o arguido F…, por si e em nome da sociedade arguida "C…, da.", solicitaram a este arguido que preenchesse as seguintes faturas dirigidas à sociedade arguida "B…, L.da”:
15. Contudo, tais faturas não correspondiam à prestação, por parte de qualquer deles ou da sociedade referida no artigo 5.0, de qualquer serviço, material ou produto.
16.As faturas mencionadas no artigo 13.0 entraram na posse dos arguidos D… e E… por forma não concretamente apurada e as faturas descritas no artigo 14.0 foram entregues pelo arguido F… aos arguidos D… e E…, que as integraram na contabilidade da sociedade arguida "B…, L.da", tendo, por força dessa consideração dessas faturas para efeitos fiscais, beneficiado das respetivas deduções em sede de IVA e de IRC.
17. Com efeito, a sociedade arguida "B…, Lda." viu, por via da contabilização das aludidas faturas para efeitos fiscais, reduzido o valor de IVA devido ao Estado, a quem tinha obrigação legal de pagar, nas seguintes quantias:
18. Por sua vez, em sede de IRC, a sociedade arguida "B…, Lda." viu, por via da contabilização das aludidas faturas para efeitos fiscais, reduzido o valor devido a título daquele imposto devido ao Estado, a quem tinha obrigação legal de pagar, nas seguintes quantias:
19. As declarações para efeitos de IRC (modelo 22) de onde deveriam constar apenas as transações que correspondessem a efetivas prestações de serviços, materiais ou produtos, foram entregues nos serviços da Administração Tributária nas seguintes datas:
- ano de 2001: 31.05.2002;
- ano de 2002: 01.07.2003;
- ano de 2003: 31.05.2004.
20. Assim e da forma descrita, não só a sociedade arguida "B…, Lda." como os arguidos seus sócios e gerentes, que agiram em nome, em representação e em benefício não só próprio como daquela sociedade, e bem assim por via da sua atuação de emissão de faturas por serviços que nunca chegaram a ser prestados, os restantes arguidos fizeram diminuir as receitas fiscais do Estado, em termos de IVA e de IRC em relação ao que seria efetivamente devido, beneficiando, assim, de um benefício patrimonial que lhes não era devido.
21. Da mesma forma e como acima referido, em virtude do efetivo exercício desta atividade, como acima se referiu, a sociedade arguida "B…, L.da" é sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral de obrigação de declaração, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 26.º e 40.0 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
22. Por força do funcionamento das regras próprias deste imposto - método do crédito de imposto - a sociedade arguida "B…, L.da" e os arguidos D… e E… em representação desta - são obrigados a liquidar imposto nas suas operações, isto é, a fazer incidir a taxa do imposto sobre os respetivos preços.
23. A sociedade arguida "B…, L.da" e os arguidos D… e E… efetivamente liquidaram, cobraram e receberam IVA nas vendas que efetuou aos seus clientes, nos 2.0 trimestre do ano de 2001 e no 1.0, 2.0, 3.0 e 4.0 trimestres do ano de 2004, retendo as quantias liquidadas que lhe haviam sido entregues por título não translativo da propriedade, e apenas com o fim de, por sua vez, as entregar ao Estado.
24. Uma vez deduzido ao imposto liquidado o montante do imposto que onerou as aquisições aos seus fornecedores (IVA suportado), a diferença encontrada entre estes dois valores constitui o montante que a sociedade arguida "B…, L.da" e os arguidos D… e E…, em sua representação, bem sabiam ter que entregar ao Estado.
25. Esta obrigação, imposta pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º e 40.0 do CIVA, consistia na imperatividade da entrega trimestral, à Direção de Serviços de Cobrança do I.V.A., pela sociedade arguida "B…, L.da", de uma declaração em simultâneo com o meio de pagamento do montante líquido do imposto, num prazo que tem como limite máximo o dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre a que respeitam as operações a que se refere a declaração.
26. Porém, a partir de dado momento que não foi possível precisar, mas no decurso do ano de 2001, os arguidos D… e E…, decidiram fazer suas e não entregar nos cofres da Fazenda Pública as quantias em dinheiro provenientes de I.V.A por cada transação ou venda que efetuassem.
27. Efetivamente, apesar de a sociedade «B…, L.da.», ter enviado àqueles serviços as declarações relativas aos 2.0 trimestre de 2001, não tendo sequer procedido ao envio das declarações relativas aos 1.0, 2.0, 3.0 e 4.0 trimestres de 2004, aquela entrega da declaração não foi acompanhada do respetivo meio de pagamento relativo ao imposto exigível nos mesmos períodos, no montante global de €238.352,92 (duzentos e trinta e oito mil trezentos e cinquenta e dois euros e noventa e dois cêntimos), apurado nos termos dos artigos 19.0 a 25° do CIVA, como bem sabiam os arguidos D… e E… ser obrigação da sociedade que representam, nos termos que a seguir se discriminam:
28. Até à data, e apesar de há muito terem expirado os prazos para entrega do imposto exigível e de terem decorrido já mais de noventa dias após o termo daqueles, os arguidos D… e E… não procederam ao seu pagamento.
29. A sociedade arguida "B…, Lda." e os arguidos D… e E… fizeram suas as quantias relativas ao imposto liquidado, na sua totalidade, no montante global de €238.352,69, usando-as como próprias.
30. Os arguidos D… e E… inverteram assim o título de posse em relação ao dinheiro e quantia que retiveram e receberam e comportando-se em relação a ela como se fossem os seus legítimos proprietários, não obstante saberem que aquela quantia de €238.352,69 não lhes pertencia e que atuavam contra a vontade e em prejuízo do seu dono.
31. Assim lograram a sociedade arguida "B…, L.da" e os arguidos D… e E… enriquecer o seu património, na mesma e correspetiva medida em que empobreceram o património do Estado, dado que a quantia que lhe era devida não deu entrada nos seus cofres.
32. Ao agirem pela forma descrita, os arguidos D… e E…, em representação da sociedade arguida "B…, Lda.", de que são sócios e gerentes, agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as quantias de que se apropriaram a favor daquela não lhe pertenciam, e apenas lhe haviam sido entregues a título temporário, com o fim de por sua vez as entregar ao Estado.
33. Assim, violaram os arguidos a relação de confiança derivada da cobrança, determinação e detenção do imposto, apropriando-se voluntariamente daquela quantia, sem qualquer causa justificativa da sua conduta.
34. A sociedade arguida "B…, L.da." responsável tinha boas disponibilidades financeiras.
35. Ao procederem pela forma descrita, os arguidos D… e E…, agiram conscientemente e fizeram-no sem qualquer causa justificativa, como representantes da sociedade «B…, Lda.», de que são sócios gerentes e estatutários, exercendo de facto aquela função no período a que se reportam os factos.
36. A sociedade arguida "B…, Lda." e os arguidos D… e E… foram notificados, em 26.05.2012 e 01.06.2012, a fls. 725 e 726, respetivamente, para proceder ao pagamento da quantia em dívida, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.0 do Regime Geral das Infrações Tributárias, não tendo procedido ao pagamento das quantias devidas.
37. Todos os arguidos agiram livre e conscientemente, com perfeito conhecimento de que as suas condutas eram previstas e punidas por lei como crime.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição) I) Para além do que se teve por provado o arguido F…, enquanto pessoa singular e enquanto legal representante e sócio-gerente da sociedade “C…, L.da” apesar de apresentar como objeto social a construção civil e reparação de edifícios e subempreiteiro para construção civil, não possui, nem nunca possuiu, instalações, escritórios ou mesmo estaleiros nem tão-pouco qualquer trabalhador ao seu serviço e que, por sua vez, este arguido F… nunca exerceu as funções de comerciante, nem alguma vez teve ao seu serviço qualquer trabalhador, tal como não possui, nem nunca possuiu, qualquer negócio da área da construção civil, sede, estaleiros ou escritórios; II) tais faturas foram pagas por parte dos arguidos D… e E…, agindo em nome e por conta da sociedade arguida "B…, Lda.'', não só em numerário como em cheques ao portador que entregaram ao arguido F… que, posteriormente, dividiram tais quantias entre si, em montantes não concretamente apurados, valor titulado por numerário e cheques entregues pelos arguidos D… e E…, para pagamento das faturas aludidas. III) a sociedade arguida B…, Lda. e os arguidos D… e E… tenham usado as quantias elencadas em 27) de que se apropriaram, para além do que se teve por provado em 29) para o pagamento das suas despesas correntes, na liquidação de créditos a terceiros e aos sócios e na aquisição de mercadorias. IV) todas as faturas referenciadas na acusação titulem verdadeiras prestações de serviços à B…, L.da pela C…, L.da, por F… e G…, nas obras de ampliação do aeroporto … na Maia, em …, …, em …, Braga, em Viseu e Felgueiras, entre outras empreitadas de menor envergadura; V) na sequência das adjudicações por empreiteiros-gerais à arguida B… dessas obras, esta última subcontratasse outras empresas para a coadjuvar na realização dos trabalhos que lhe eram adjudicados; VI) os emitentes dos documentos contabilísticos prestaram os serviços descritos de construção civil nas faturas descritas na acusação, deslocando para as referidas obras dezenas de trabalhadores, máquinas e ferramentas; VIII) os arguidos desconhecessem a quem pertenciam os instrumentos de trabalho, máquinas e automóveis utilizados no transporte de pessoal; VIII) nos exercícios do 1.º T de 2001 e de 2004 muitos dos clientes da B…, L.da atravessassem dificuldades económico-financeiras e, como tal, muitos dos serviços prestados não foram efetivamente recebidos; IX) o arguido F… não seja mais do que um roçador de mato; X) o arguido F… era contratado por empresas ligadas à construção civil para realizar devastação e limpeza de terrenos com vista à edificação de imóveis; XI) abusando da sua ignorância, simplicidade, humildade e sobretudo ingenuidade, alguém, a jeito do homem de palha transformou-o no gerente da sociedade em questão; XII) depois, esses terceiros bem informados, usando de artifícios fraudulentos, usaram o nome do arguido na emissão de faturas emitidas pela sociedade comercial em questão; XIII) as assinaturas/rubricas contidas nas faturas, nuns casos constituem puras falsificações, noutras situações correspondem a serviços efetivamente prestados ou então compelido pelo então contabilista da sociedade que lhe dizia serem necessárias ao trato da empresa; XIV) o arguido F… nada percebe de contabilidade e quando o fez confiou na pessoa que lhe entregava as faturas para assinar; XV) quando assinou tais faturas/recibos nunca lhe passou pela cabeça que as mesmas visavam o cometimento de qualquer crime; XVI) o arguido F… não beneficiou rigorosamente nada, quer em termos patrimoniais ou outros, com o seu comportamento; XVII) o grosso das assinaturas/rubricas colocadas nas faturas não tenham sido feitas pelo seu punho; XVIII) após o arguido F… se ter afastado da empresa tenham continuado a emitir faturas e que tais faturas tenham ficado na posse de terceiros que as usaram a seu bel prazer, emitindo-as e falsificando a assinatura do arguido, revertendo os respetivos proventos a favor dessas pessoas; XIX) todas as faturas que o arguido assinou de cruz lhe eram entregues pelo contabilista da firma; XX) o arguido F… contratasse estrangeiros indocumentados ou pessoas que beneficiavam do subsidio de desemprego; XXI) a atividade a que dedicava não exigia nenhum talento especial, pois eram essas pessoas que se ofereciam para o efeito. XXII) o arguido F… tenha feito muitas obras dessa natureza que não exigiam grandes estruturas, para além da disponibilidade de mão de obra (intensiva e desqualificada) para um curto lapso de tempo (limpeza de terreno), daí que a empresa não tinha necessidade de dispor de quadro de pessoal (mão de obra); XXIII) os arguido F… tenha atuado sem consciência da ilicitude, dado ignorar o fim ilícito a que se destinavam tais documentos.
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III – O DIREITO
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que delimitam o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, [2]www.dgsi.pt/jstj), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.
As conclusões de recurso devem expressar-se através de proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações e nessas proposições devem estar manifestadas, de forma clara, as razões (de facto e de direito) da discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida, a indicação especificada dos fundamentos do recurso.
A exigência legal significa que o recorrente deve fazer uma síntese da substância da fundamentação do recurso para que o tribunal ad quem possa, facilmente, aperceber-se e apreender o que é essencial e não se disperse na apreciação do que é acessório, supérfluo ou inútil na economia da motivação.
Os recorrentes não satisfizeram essa exigência, não fizeram o esforço de síntese que se lhes impunha. E se isso é particularmente evidente nas “conclusões” do recurso do recorrente F…, também as 72 “conclusões” do recurso dos recorrentes D… e E… são, manifestamente, excessivas.
Mas, mais que facilitar a tarefa do tribunal de recurso, as exigências legalmente impostas para as conclusões “estão predeterminadas à finalidade de prevenir o uso injustificado do recurso, pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância, e assim delimitando o objeto do recurso e os termos da cognição do tribunal de recurso, tudo na perspetiva do uso racional e justificado do meio e não como procedimento dilatório”, visando ainda aquelas imposições “permitir a fluidez da decisão do recurso, contribuindo para a celeridade do processo penal na realização dos fins de interesse público a que está determinado” (Acórdão do STJ, de 20.09.2006, acessível em www.dgsi.pt; Cons. Henriques Gaspar).
Ora, não é difícil a identificação das questões que os recorrentes pretendem ver apreciadas pelo tribunal de recurso e daí não se ter feito uso da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 417.º do Cód. Proc. Penal.
Os recorrentes impugnam a decisão em matéria de facto e em matéria de direito.
Embora o Ministério Público, na sua resposta, se refira ao erro notório na apreciação da prova, não vislumbramos que algum dos recorrentes tenha invocado tal vício decisório.
É bem sabido que uma das vias de impugnação da decisão sobre matéria de facto é a invocação dos vícios da sentença enunciados nas três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Cód. Proc. Penal, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão.
É uma impugnação de âmbito restrito, desde logo, porque tem de cingir-se ao texto da decisão recorrida.
A verificação de algum dos vícios decisórios dá lugar ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.º 426.º, n.º 1, ou, sendo requerida a renovação da prova e havendo razões para crer que ela permitirá evitar o reenvio, serão supridos no tribunal de recurso (art.º 430.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).
Nada disto é pedido pelos recorrentes, que nem sequer invocam a disposição legal que prevê tais vícios.
Em boa verdade, os recorrentes (todos eles) limitam-se a invocar o erro de julgamento em matéria de facto, pois consideram que o tribunal fez uma incorreta apreciação e uma má avaliação (“avaliação parcial e deturpada”, dizem os recorrentes D… e E…) da prova.
Em matéria de direito, os recorrentes discordam do enquadramento jurídico-penal feito na primeira instância dos factos considerados provados por entenderem que não se verifica um dos elementos objetivos do tipo legal previsto no artigo 103.º do RGIT, qual seja, a obtenção de uma vantagem patrimonial ilegítima de montante superior a € 15.000,00, o que implicaria a inexistência do crime de fraude fiscal.
Além disso, os recorrentes D… e E… insurgem-se contra a medida das penas (parcelares e única), que consideram “injustas, por excessivas”.
Mas os recorrentes não se ficam pelo ataque à decisão condenatória na sua substância. Argúem nulidades que, a verificaram-se, são suscetíveis de afetar a validade, quer do julgamento, quer da sentença.
Os recorrentes D… e E… arguiram a nulidade do despacho proferido no decurso da audiência (na sessão realizada no dia 20.06.2014) que lhes indeferiu requerimento pedindo que fosse agendada nova data para a inquirição, por videoconferência da testemunha H…, residente na Suíça.
Por seu turno, o recorrente F… arguiu, não só a nulidade da sentença, mas também do inquérito e da instrução.
Podemos, então, enunciar como questões a apreciar e decidir (por esta ordem):
- a nulidade do inquérito e da instrução;
- a nulidade do despacho que indeferiu pedido de novo agendamento da inquirição, por videoconferência, da testemunha H…;
- nulidade do acórdão recorrido;
- o erro de julgamento em matéria de facto, por incorreta apreciação e valoração da prova;
- a valoração jurídico-penal dos factos considerados provados;
- a medida das penas (parcelares e única).
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Como se constata pela sua leitura, no acórdão da 1.ª instância começou-se por apreciar duas questões prévias suscitadas pelos arguidos “B…, L.da”, D… e E…: a nulidade da acusação e a prescrição do procedimento criminal.
Em sede de recurso, os recorrentes D… e E… insistem na sua tese e voltam a arguir a nulidade da acusação e a prescrição do procedimento criminal, como se não tivesse recaído já decisão sobre essas questões.
É, também, como questões prévias que aqui devem ser apreciadas.
A nulidade, segundo os recorrentes, resultaria da omissão, na acusação, da liquidação da vantagem patrimonial obtida e estaria prevista na al. b), do n.º 3, do artigo 283.º do Cód. Proc. Penal (conclusão 65.ª).
O tribunal analisou, longa e proficientemente, a questão e, na parte que consideramos relevante, pronunciou-se nos seguintes termos:
“Em resumo, as nulidades da acusação previstas no nº 3 do artigo 283° do Código de Processo Penal e que não coincidam com as previstas no artigo 311°, a existirem, devem ser arguidas perante o magistrado subscritor ou seu superior hierárquico e são sanáveis no sentido em que, não declaradas, nada impede o seu envio para a fase de julgamento. As "nulidades" também previstas pelo artigo 311º, nº 3 do Código de Processo Penal - a que haverá que fazer acrescer a da alínea g) do nº 3 do artigo 283° do Código de Processo Penal, enquanto não datada e assinada a acusação - seguem um regime de conhecimento oficioso pelo juiz da fase de julgamento mas, passada a fase de saneamento do processo, são insuscetíveis de arguição de nulidade em prazo útil (v. g. artigo 313°, nº 4 do Código de Processo Penal e insuscetibilidade de recurso do despacho que designa dia para julgamento). Ou seja, em momento em que a nulidade da acusação poderia encontrar-se sanada por não ter sido arguida, segundo o regime dos artigos 120° a 122°, pode o juiz rejeitar a acusação se não contiver a narração dos factos; afinal conhecer oficiosamente da nulidade da acusação prevista no artigo 283°, nº 3 que não se sanou pelo facto de não ter sido arguida. Passada a fase de dedução da acusação e de saneamento do processo em fase de julgamento, fixa-se o objeto do processo, cristalizando-se o thema decidendum (objeto do processo) e o thema probandum (extensão da cognição) e tudo se reconduz a saber se estes se verificam em sede de facto e de direito. Excluindo apenas, talvez, a falta de assinatura da acusação - todas as restantes "nulidades" da acusação e causas de atuação judicial no âmbito do artigo 311º perdem a sua invocabilidade como "nulidades" e passam a merecer um juízo exclusivo de procedência ou improcedência. Ou seja, sem analisar a substância da invocação da arguida, mesmo que sustentável, a eventual invalidade, a existir, está sanada pelo curso do processo.
Entende o Tribunal, em conclusão, quanto à alegação de nulidade da acusação, porque não arguida perante o magistrado subscritor da acusação ou seu superior hierárquico, não cabe ao juiz de julgamento dela conhecer, no caso de se não tratar de uma ocorrência prevista no artigo 311°, nº 3 do Código de Processo Penal. Sendo caso de conhecimento (causas prevista no nº 3 do artigo 311° do Código de Processo Penal) mas passada a fase de saneamento, já dela não cabe conhecer porque se cristalizou, bem ou mal, o objeto do processo tanto bastando para decidir o mérito da invalidade arguida pela sua improcedência.
De todo o modo, sempre se dirá que a acusação não configura a hipótese da alínea b) do nº 3 do artigo 311°, que deverá ser interpretada, de forma extrema, como de ausência total ou parcial mas grave, "manifesta", de factos.
Tem sido entendimento deste Tribunal que para considerar preenchido o tipo de crime de fraude fiscal qualificada imputado aos arguidos se exige a verificação de todos os elementos essenciais deste e ainda circunstâncias especiais que têm por efeito a agravação da penalidade aplicável. Deste modo, para que exista crime de fraude fiscal qualificada devem mostrar-se preenchidos, primeiramente, todos os elementos do crime de "fraude simples" tipificado no art. 103° do RGIT, incluindo a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos igual a €15.000.
Ora, no que contende com o IRC, da acusação constam todos os factos necessários e indispensáveis para que se considere preenchido o tipo de crime imputado. Com efeito, basta atentar na factualidade descrita no facto 18) onde se refere, discriminadamente, por referência aos quadros que constam do mesmo, qual o valor que a sociedade arguida, por via da contabilização das faturas falsas, fez diminuir em termos de IRC a pagar ao Estado e a que, naturalmente, corresponde a vantagem patrimonial que obtiveram os arguidos.
A não identificação da vantagem patrimonial obtida apenas viciaria a acusação se não desse a conhecer aos arguidos a factualidade em causa de modo a que estes pudessem exercer o seu direito de defesa. Ora, se a especificação da vantagem patrimonial obtida se encontra efetuada por referência aos quadros que constam do facto 18) não se vislumbra que dificuldade poderiam os arguidos sentir em identificar qual o montante da vantagem patrimonial indevida que lhes é imputada. E, a acusação é bem explicita no sentido de que o valor do beneficio ilegítimo corresponde ao valor das faturas que a arguida contabilizou na sua contabilidade como custos e que não existiram.
Não se verifica, por isso, a pretendida nulidade da acusação”.
Na sua essência, a decisão merece a nossa concordância e uma vez que os recorrentes não indicam qualquer razão para dela dissentir, não se antolha a necessidade de um acréscimo de fundamentação.
No entanto, não deve ficar sem reparo a circunstância de o tribunal ter apreciado e decidido a questão como se não tivesse havido instrução.
Havendo instrução, é a decisão instrutória de pronúncia que define e fixa o objeto do processo e, portanto, que delimita os poderes de cognição e de decisão do tribunal. A vinculação temática do tribunal afere-se, já não pela acusação, mas pela pronúncia. Por isso não teve qualquer sentido útil conhecer da arguição de nulidade da acusação. Como é de primeira evidência, mesmo que se reconhecesse a existência da alegada omissão, na acusação, da vantagem patrimonial ilegitimamente obtida pelos arguidos, nunca poderia haver rejeição da acusação porque esta foi ultrapassada pela pronúncia. Como deflui, cristalinamente, do n.º 2 do artigo 311.º do Cód. Proc. Penal, só pode haver rejeição da acusação quando o processo passa, diretamente, da fase de inquérito para a fase de julgamento. Ao tribunal de julgamento competia, apenas, formular um juízo de procedência ou improcedência da pronúncia. E foi o que acabou por fazer, concluindo que estavam verificados todos os elementos constitutivos do crime de fraude fiscal.
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Os recorrentes D… e E… renovam, nesta sede, a questão da prescrição do procedimento criminal e, embora comecem por afirmar que “se encontram prescritas todas as infrações criminais imputadas aos arguidos na acusação”, acabam por restringir a prescrição “ao crime de abuso de confiança fiscal ou pelo menos, quanto aos factos do 2° trimestre de 2001” (conclusões 66.ª e 67.ª).
Para uma correta decisão da questão equacionada, é fundamental ter em consideração os seguintes factos e ocorrências processuais que decorrem dos autos:
- os factos imputados aos arguidos B…, L.da”, D… e E…, que se considerou integrarem a prática de um (só) crime de abuso de confiança fiscal, consistiram na omissão de entrega à Administração Tributária dos valores liquidados e efetivamente cobrados a título de IVA no segundo trimestre de 2001 e nos quatro trimestres do ano de 2004;
- tendo em consideração o regime normal de periodicidade trimestral, a que se encontrava sujeita a sociedade arguida “B…, L.da”, aqueles valores (os respetivos meios de pagamento) deviam ter sido entregues nos cofres da Fazenda Pública até ao dia 15 do segundo mês imediatamente a seguir ao final de cada trimestre;
- a sociedade arguida entregou à Administração Tributária as declarações do IVA liquidado e cobrado relativo ao 2.º trimestre do ano de 2001, mas não entregou o(s) respetivo(s) meio(s) de pagamento no prazo legalmente fixado;
- no ano de 2004, aquela sociedade arguida não entregou nenhuma das declarações trimestrais do IVA liquidado e cobrado[3] nem entregou qualquer meio de pagamento no prazo legalmente fixado;
- nem aquela sociedade arguida, nem os arguidos D… e E… efetuaram o pagamento dos valores de IVA em falta nos 90 dias imediatamente subsequentes ao termo dos referidos prazos;
- D… e E… foram constituídos arguidos, respetivamente, em 03.11.2007 e 31.03.2008;
- a acusação foi notificada aos arguidos em 24.10.2012.
Considerando que o prazo de prescrição do procedimento criminal é determinado em função da pena (abstratamente) aplicável ao crime ou crimes imputados na acusação ou na pronúncia, e tendo presente que é de 3 anos o limite superior da moldura penal da pena de prisão prevista para o crime de abuso de confiança fiscal, será de 5 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal (artigo 118.º, n.º 1, al. c), do Código Penal ex vi do artigo 3.º do RGIT).
Importa esclarecer quando começa a correr esse prazo, tendo presente que, nos termos do art.º 119.º, n.º 1, do Código Penal, em regra, inicia-se na data da consumação do crime, mas nos crimes permanentes o dies a quo coincide com o dia em que cessar a consumação e nos crimes continuados o dia da prática do último ato (alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo).
É, hoje, entendimento pacífico que o abuso de confiança fiscal, concretizando-se numa não entrega do valor do imposto retido por quem tem a obrigação de o liquidar e cobrar (como é o caso do IVA), configura-se como um crime omissivo.
Essa omissão de entrega concretiza-se periodicamente, com independência de execução e autonomia típica. Autonomia que decorre da necessária renovação periódica dos procedimentos que permitem determinar o montante do imposto a entregar em cada período trimestral.
Por isso, essas condutas omissivas só podem ser reconduzidas às categorias dogmáticas da pluralidade de infrações ou da continuação criminosa, se verificados os respetivos pressupostos, com a existência de uma situação exógena que diminua sensivelmente a culpa do agente.
Na 1.ª instância, a questão foi ignorada e teve-se por adquirido a existência de um só crime de abuso de confiança fiscal. Entendimento que, diga-se, teve o beneplácito dos arguidos, que nunca questionaram a unificação criminosa.
Ora, se se aceita que, relativamente ao ano de 2004, as sucessivas omissões de entrega dos valores do IVA liquidado e cobrado possam configurar uma continuação criminosa, já o mesmo não podemos dizer relativamente à omissão de entrega no 2.º trimestre do ano de 2001.
De todo o modo, não se alcança que efeito pretendem os recorrentes obter com a invocação da prescrição do procedimento criminal “pelo menos, quanto aos factos do 2.º trimestre de 2001”.
Visto que não foi reconhecida autonomia típica a essa omissão de entrega do valor do IVA, para o efeito de que aqui se trata (a eventual prescrição do procedimento criminal), esse facto não é relevante.
Pressuposta a continuação criminosa, o último ato, ou melhor, a última omissão de entrega de IVA nos cofres da Fazenda Pública consumou-se no dia 15 do segundo mês imediatamente a seguir ao final do 4.º trimestre de 2004, ou seja, em 15.02.2005.
Mas há que contar com a condição objetiva de punibilidade estabelecida no artigo 105.º, n.º 4, alíneas a) e b), do RGIT, pois que, como se refere na decisão recorrida, os factos em causa só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e, portanto, só a partir de então pode iniciar-se o procedimento criminal[4].
Temos, então, que o termo inicial do prazo (de 5 anos) de prescrição do procedimento criminal é 15 Maio de 2005.
Mas esse prazo não corre continuamente, pois, como se sabe, há causas de suspensão e causas interruptivas, previstas nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal.
Quando ocorre uma causa de suspensão, o período de tempo decorrido até à sua verificação conta para o cômputo do prazo de prescrição, adicionando-se ao tempo decorrido após a cessação da causa de suspensão.
Já quando ocorre uma causa de interrupção, o tempo decorrido antes da sua verificação fica sem efeito, é inutilizado e começa a correr novo prazo de prescrição por inteiro depois de cada interrupção (art.º 121.º, nº 2, do Cód. Penal).
No caso que se aprecia, o procedimento criminal iniciou-se e continuou sem qualquer obstáculo até que os arguidos D… e E… foram como tal constituídos, respetivamente, em 03.11.2007 e 31.03.2008.
Esse ato (constituição de arguido) é causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal, pelo que, nessas datas, o prazo de prescrição voltou a correr por inteiro (art.º 121.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal).
Em 24.10.2012 (portanto, ainda antes de se esgotar o prazo de prescrição), a acusação foi notificada aos arguidos e também este ato constitui causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal.
Mas a lei impõe um limite máximo para o alargamento do prazo da prescrição em resultado da verificação de causa interruptiva: o prazo normal é acrescido de metade (art.º 121.º, n.º 3. do Cód. Penal).
Mas esse mesmo n.º 3 ressalva o tempo de suspensão da prescrição do procedimento criminal.
Ora, a notificação da acusação, além de causa de interrupção, tem efeito suspensivo da prescrição (art.º 120.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal).
Mas também aqui a lei impõe um limite máximo para o alargamento do prazo da prescrição: a suspensão não pode ir além de três anos (art.º 120.º, n.º 2).
Significa tudo isto que, no caso, ao prazo normal de 5 anos acrescem 2 anos e meio, havendo que descontar o período de 3 anos de suspensão, o que perfaz o prazo máximo de dez anos e seis meses (5 anos + 2 anos e 6 meses + 3 anos = 10 anos e 6 meses).
Daqui decorre que, tendo como referência o termo inicial de 15.05.2005, aquele prazo máximo só se esgotaria(rá) em 15.11.2015.
Assim, não pode proceder o recurso, relativamente à questão da prescrição do procedimento criminal.
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As alegadas nulidades: - do inquérito e da instrução; - do despacho que indeferiu pedido de novo agendamento da inquirição, por videoconferência, da testemunha H… e - do acórdão recorrido.
Face ao alegado pelos recorrentes, umas breves notas - sobre a natureza e a função processual dos recursos e sobre o regime das nulidades dos atos - impõe-se deixar aqui consignadas.
Os recursos destinam-se a corrigir erros de julgamento, seja em matéria de facto, seja em matéria de direito, ou em ambas.
Não podem ter por objeto a apreciação e decisão de questões novas, mas tão só de questões específicas e delimitadas que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo.
Assim acontece com as nulidades dos atos que, em regra, não são arguidas em recurso, mas antes mediante requerimento de arguição perante a autoridade judiciária que praticou o ato (eventualmente) nulo e é da decisão que recair sobre essa arguição que, em princípio, poderá recorrer-se.
A lei estabelece os parâmetros a que devem obedecer os atos processuais, designadamente as exigências de fundamentação dos atos decisórios.
Mas as exigências do cumprimento desse dever e as consequências da sua inobservância não são as mesmas para todos os atos decisórios: existe um regime geral (definido nos artigos 97.º e 118.º a 123.º do Cód. Proc. Penal) e regimes específicos para as sentenças (artigos 374.º e 379.º) e para os despachos que aplicam medidas de coação (artigo 194.º do mesmo compêndio normativo).
As nulidades podem, por si só, constituir fundamento de recurso ou serem invocadas no recurso interposto da sentença (mesmo não sendo nulidades da própria sentença), como se dispõe no n.º 3 do artigo 410.º do Cód. Proc. Penal.
Só as nulidades da própria sentença podem/devem ser arguidas na motivação (logo, no prazo) do recurso[5]. Mas, não havendo recurso (por ser inadmissível ou porque quem tem legitimidade para tanto não recorre), são arguidas nos termos previstos no n.º 3 do artigo 120.º do CPP.
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O recorrente F… entende que foi postergada a realização de uma série de diligências que considera legalmente obrigatórias e essenciais à descoberta da verdade, nomeadamente “um exame ao local”, “a tomada de declarações de todos os intervenientes no circuito do uso das referidas faturas” e “o exame grafológico às assinaturas contidas nas faturas para se aferir se estas foram feitas pelo punho do recorrente”, omissão que teria como consequência a nulidade do inquérito e da instrução prevista na “alínea d), do n.º 2, do artigo 120.0 do CP.P., o que neste ato para os devidos efeitos se alega” (conclusão B)).
A nulidade do inquérito a que alude o citado preceito legal é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um ato que a lei prescreve como obrigatório. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos atos de inquérito é da competência exclusiva do MP (acórdão do STJ, de 15.06.2005, Proc. n.º 1556/05-3.ª, acessível em www.dgsi.pt).
Na verdade, com a revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007 ficou consagrado na lei (alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º) o entendimento, claramente, dominante na doutrina e na jurisprudência, de que só ocorreria a insuficiência do inquérito ou da instrução quando o ato (supostamente) omitido fosse prescrito na lei como obrigatório[7].
É ao Ministério Público que compete exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade e por isso é este órgão, e não o arguido ou o assistente, quem avalia da necessidade ou conveniência da realização de diligências de prova durante o inquérito com vista a fundamentar a decisão de acusar ou arquivar.
Nenhuma das diligências de investigação a que alude o recorrente F… são atos que a lei prescreva como obrigatórios.
Se entendia que o inquérito foi mal conduzido e que havia diligências de prova que se impunha levar a cabo, o recorrente tinha à sua disposição um mecanismo de que podia lançar mão: a intervenção hierárquica prevista no artigo 278.ºdo Cód. Proc. Penal.
De todo o modo, as nulidades relativas ao inquérito ou à instrução têm de ser arguidas até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar à instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (artigo 120.º, n.º 3, al. c), do CPP).
Assim, a haver alguma nulidade do inquérito ou da instrução, não foi tempestivamente arguida e há muito que estaria sanada.
Improcede, pois, a arguição de nulidade do recorrente F….
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É também no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Cód. Proc. Penal que os recorrentes D… e E… buscam apoio legal para sustentarem a nulidade do despacho proferido na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 20/06/2014 (conclusão 19.ª).
Pelo referido despacho (ditado para a ata – a fls. 1628 e segs.), o tribunal indeferiu requerimento apresentado pelo ilustre mandatário dos recorrentes no sentido de ser agendada nova data para a inquirição, por videoconferência, da testemunha H… (conclusão 1.ª) e não, como também afirmam os recorrentes, a própria inquirição da testemunha (conclusão 14.ª).
O tribunal fez aquilo que lhe era exigível - diligenciou para que a testemunha fosse inquirida por videoconferência – mas uma certa falta de empenho da Autoridade Judiciária Suíça (bem percetível no conteúdo de fls. 1557) e a deficiente cooperação dos arguidos/recorrentes (que, como se colhe de fls. 1585 e 1663, não forneceram as indicações necessárias para a sua localização e convocação, tendo mesmo indicado um local como sendo o paradeiro habitual da testemunha, quando nem sequer era aí conhecida) inviabilizaram a realização atempada da videoconferência.
Os recorrentes reputam de “absolutamente essencial para a descoberta da verdade material” o depoimento dessa testemunha e por isso, juntamente com o recurso interposto do acórdão condenatório, recorreram do referido despacho, arguindo a sua nulidade.
A propósito dos critérios materiais de admissibilidade da prova que se encontram dispersos pelos preceitos do Código de Processo Penal, nomeadamente no artigo 340.º, distingue a doutrina entre a prova essencial ou indispensável (cuja omissão acarreta uma nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), daquele Código), a prova necessária, útil ou relevante (cuja omissão constituirá mera irregularidade) e a prova conveniente, mas a essencialidade, a utilidade ou relevância e a conveniência da prova são sempre aferidas em função do objeto do processo.
Tendo os arguidos/recorrentes D… e E… alegado que a referida testemunha tinha conhecimento direto dos factos que alegaram na contestação por ter sido trabalhador por conta da arguida “B…, L.da”, não haveria razão para questionar a essencialidade ou indispensabilidade do depoimento da referida testemunha.
O regime geral das invalidades em processo penal é dominado pelo princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades: só se consideram nulos os atos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (artigo 118.º, n.º 1).
Fora desses casos, se for cometida alguma ilegalidade suscetível de afetar o valor do ato praticado, estaremos perante uma irregularidade (n.º 2 do citado artigo 118.º).
O direito a oferecer e a produzir prova é uma componente fundamental do direito de defesa em processo penal.
Só é possível falar num due process of law que um Estado de Direito democrático exige quando, efetivamente, se assegura ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi e aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam ser cometidos no exercício desse poder punitivo.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 340.º do Cód. Proc. Penal, o tribunal ordena a produção de todos os meios de prova (requeridos pelos sujeitos processuais ou da iniciativa do tribunal, antes ou durante a audiência) que se lhe afigurarem necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Como já se assinalou, o tribunal fez o que lhe competia e lhe era exigível para que a testemunha arrolada pudesse prestar o seu depoimento. Não cremos que possa, fundadamente, sustentar-se que o tribunal omitiu diligência reputada essencial para a descoberta da verdade e por isso não se verifica a situação que constitui a nulidade contemplada na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Cód. Proc. Penal.
Mas que assim não seja, mesmo que se concluísse em sentido oposto, nem por isso a pretensão dos recorrentes (de que este tribunal de recurso declare a nulidade daquele despacho) poderia ser acolhida.
É de uma questão de produção de prova que aqui se trata, que foi apreciada e decidida no momento próprio e pela via adequada, ou seja, na audiência e por meio de despacho ditado para a ata pela Sra. Juiz, logo notificado aos sujeitos processuais presentes, nomeadamente ao arguido.
Discutia-se (na doutrina e na jurisprudência) se o poder conferido pelo artigo 340.º do Cód. Proc. Penal é um poder discricionário ou, pelo contrário, é sindicável.
Concretamente, questionava-se se era recorrível a decisão de indeferimento de um requerimento de prova apresentado, na fase de julgamento, ao abrigo do preceituado no artigo 340.º do Código de Processo Penal.
O citado preceito tem um conteúdo normativo que tutela o princípio da investigação para que a decisão final se conforme, no possível das provas, com a verdade material. Trata-se de um poder vinculado do tribunal, de exercício obrigatório, verificado o condicionalismo nele previsto: que a produção dos meios de prova se afigure necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
O correto exercício desse poder/dever é sindicável, ou seja, a eventual violação dos pressupostos legais do exercício desse poder é impugnável, mediante recurso[8].
Impõe-se, no entanto, distinguir duas situações:
Pode acontecer que, no decurso da audiência de discussão, se venha a revelar essencial para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa a realização de diligências de prova não requeridas, nem na acusação, nem na contestação do arguido: por exemplo, a realização de um exame à letra e assinatura de um documento, de uma perícia psiquiátrica ou até a audição de uma testemunha cujo depoimento se venha a revelar decisivo.
A omissão dessa diligência de prova reputada de essencial para a descoberta da verdade constitui uma nulidade sanável (portanto, dependente de arguição pelo interessado), nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal)[9].
Como se ponderou no acórdão da Relação de Guimarães, de 27.04.2009 (Des. Cruz Bucho), acessível em www.dgsi.pt, “a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade acarreta (…) uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, a arguir «antes que o ato esteja terminado» (artigo 120.º, n.º 3, al. a)), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art.º 410.º, n.º 3, do CPP)”.
No entendimento do recorrente F…, a nulidade do inquérito e da instrução decorrente da omissão das diligências de investigação que apontou como sendo essenciais para a descoberta da verdade “podia ser remediado(a) durante a produção de prova em julgamento, ao abrigo do que se encontra disposto no artigo 340.º do C.P.P., o que sem se perceber, foi descurado”.
Por isso, em sede de motivação do seu recurso, invoca a nulidade “para os devidos e legais efeitos”.
Mas também pode acontecer que qualquer dos sujeitos processuais, tendo-se apercebido da essencialidade de uma diligência de prova, apresente um requerimento para a sua realização. Ou então, como aconteceu com os arguidos/recorrentes D… e E…, logo com a contestação, indique os meios de prova que pretende sejam produzidos em audiência.
Se o tribunal omite as diligências reputadas essenciais para o apuramento da verdade ou indefere, ou, por qualquer forma, inviabiliza, o requerimento de realização da diligência, como pode/deve o sujeito processual interessado reagir?
Arguindo a referida nulidade até ao encerramento da audiência (artigo 120.º, n.º 3, al. a), do CPP) e, não sendo a arguição atendida, recorrendo do despacho de indeferimento.
Nada disso fez o arguido/recorrente F… e por isso, a haver nulidade, ela ficou sanada.
No caso do despacho que indeferiu o requerimento para que fosse agendada nova data para a inquirição, por videoconferência, da testemunha H…, se os recorrentes entendiam que o despacho era nulo, designadamente por não estar devidamente fundamentado (cfr. conclusão 14.ª), tinha que arguir a nulidade no próprio ato (a audiência) e recorrer do despacho que, conhecendo da arguição, a indeferisse.
A decisão em causa é um despacho e por isso não se lhe aplica o regime do artigo 379.º do Cód. Proc. Penal (que, como já se explicou, é aplicável, apenas, às sentenças ou a atos decisórios a elas equiparáveis).
Não tendo sido tempestivamente arguida, uma eventual nulidade estaria sanada e já não poderia ser invocada em recurso interposto da sentença.
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O recorrente F… arguiu, ainda, a nulidade do acórdão recorrido, argumentando que tal decisão “não cumpre cabalmente tal comando normativo”, referindo-se aos artigos 97.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal e 205.º, n.º 1, da C.R.P.
Embora as conclusões omitam qualquer referência a esta arguição de nulidade, não deixaremos de a apreciar e decidir.
O recorrente espanta-se (“é necessário manifestar surpresa…”) porque, na sua ótica, o tribunal a quo fundou a sua convicção nos depoimentos dos inspetores tributários J… e I…, mas, enquanto a primeira se limitou a dizer “que não participou na inspeção, pois a sua participação restringiu-se a instruir o processo”, o segundo “assumiu que não inspecionou diretamente o ora recorrente…”.
Além disso, o tribunal “desprezou… o conteúdo dos depoimentos das pessoas que assistiram, in loco aos factos com relevo para a causa em questão…” e “não explicita … de onde retira a conclusão de que o depoimento destas testemunhas… não pode ser valorado, favoravelmente, no que a este diz respeito”.
A falta ou insuficiência da fundamentação fere de nulidade a sentença (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal), mas é patente que o recorrente confunde falta de fundamentação com discordância em relação ao juízo probatório formulado pelo tribunal.
É vasto o leque de causas de nulidade da sentença[10], mas o erro de julgamento, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito (n.ºs 2 e 3 do art.º 412.º do Cód Proc. Penal) não gera essa nulidade[11].
Uma coisa, é decidir mal, quer porque se apreciou e valorou erradamente a prova, quer porque se interpretou e aplicou mal o direito aos factos apurados. Outra coisa, bem diversa, é não observar as prescrições que a lei estabelece para a prática dos atos processuais, inobservância que pode originar vícios formais. No primeiro caso, temos o error in judicando que, como ensina o Professor Germano Marques da Silva (no seu “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, 5.ª edição revista e atualizada, pág. 113) é fundamento de recurso e “não cabe(m) na previsão normativa das nulidades, nomeadamente na disciplina da sua impugnação específica”; no segundo caso, temos o error in procedendo que, podendo, por si só, ser fundamento de recurso, tem o seu regime específico, designadamente quanto à sua invocação.
Improcede, também, esta arguição de nulidade.
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O alegado erro de julgamento em matéria de facto
É nos 3 e 4 do art.º 412.º do Cód Proc. Penal que está previsto o erro de julgamento em matéria de facto e aí se estabelecem diretrizes muito precisas e exigentes para o recorrente que pretenda impugnar a decisão nesse âmbito, com base na prova gravada.
Enquanto a impugnação em que se invocam os vícios do n.º 2 do artigo 410.º é de âmbito restrito, aqui a apreciação alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento dos ónus de especificação impostos pelos citados n.os 3 e 4 do art. 412.º do Cód. Proc. Penal.
Se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (cfr. n.º 3 do citado art.º 412.º):
● os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados pelo tribunal recorrido (obrigação que “só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida”[12]);
● as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito “com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”[13]).
Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspetiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (Loc. Cit.), “o cerne do dever de especificação”, com o que se visa impor-lhe “que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado”.
Este é um ponto que tem sido sublinhado na jurisprudência dos tribunais superiores e tem merecido geral aceitação: para provocar uma alteração da decisão em matéria de facto, não basta a existência de provas que, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o tribunal proferiu.
Como bem se faz notar no acórdão da Relação de Coimbra de 08.02.2012 (Des. Brízida Martins), disponível em www.dgsi.pt, “os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127.º, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se”.
Por outro lado, duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre este ponto, cfr. os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www. dgsi.pt).
Os recorrentes D… e E… dizem que “pretendem (….) ver alterada a matéria de facto dada como assente nos factos provados, nos números 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33 e 34” (conclusão 20.ª).
Aí estão descritos os factos que materializam os crimes de fraude fiscal qualificada e de abuso de confiança pelos quais foram os recorrentes condenados e, portanto, pode dizer-se que impugnam a totalidade dos factos relevantes para a decisão da causa.
Ora, não existe diferença entre remeter genericamente para a globalidade de factos que constitui o suporte factual da imputação dos crimes e indicar os números sob os quais esses factos estão descritos, como fazem os recorrentes.
A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objeto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso, mas os recorrentes não cumpriram esse encargo.
O reexame da matéria de facto é, necessariamente, segmentado, tem em vista a correção de pontuais erros de julgamento e não todo o conglomerado factual.
Como se expendeu no acórdão do STJ, de 13.02.2008 (Proc. n.º 4564/07-3.ª), “impugnar especificadamente (os factos) é enumerá-los[14] um a um: primeiro, porque o novo julgamento que deles se pede à Relação, para assegurar um efetivo grau de jurisdição de recurso em sede de matéria de facto, é um julgamento segmentado, respeitando a aspetos parcelares, um remédio para questões pontuais e nunca uma reapreciação global daquela matéria”, exigindo-se “…numa ótica de colaboração, de lealdade, mas sobretudo de celeridade processual, a satisfação daquela enumeração, bem como das concretas provas que autorizam uma diferente solução, por referência aos suportes magnéticos onde constam as provas”.
Os recorrentes D… e E… manifestam a pretensão de “ver alterada a matéria de facto dada como assente nos factos provados”, mas nem sequer concretizam o sentido da alteração pretendida.
Dizem que “deve ser anulada toda a matéria de facto provada” no que respeita “à interação entre o F…, a C…, L.da e a B…, L.da que era gerida pelos arguidos” e que “não são assertivos (isto é, afirmativos) os factos provados sobre os n.os 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 26”, mas, com todo o respeito devido, não se percebe o que pretendem, exatamente, significar com tais afirmações.
Mas se estes recorrentes não cumpriram, de forma minimamente satisfatória, aquele ónus, o recorrente F… omite, pura e simplesmente, qualquer referência aos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
No que tange ao ónus de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, só com muita condescendência se poderá reconhecer o seu cumprimento pelos recorrentes.
Esse ónus impõe ao recorrente que indique, concretamente, as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes para a boa decisão da causa (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.º do Cód. Proc. Penal).
Sendo curial que transcreva essas passagens (pois só assim é possível relacionar o conteúdo específico do meio de prova que, alegadamente, impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado), a tanto não o obriga a lei.
Importa recordar a jurisprudência uniformizada sobre esta matéria.
O cumprimento de tal ónus exige do recorrente que, por referência ao consignado na ata, indique concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (pois são estas que devem ser ouvidas, lidas ou visualizadas pelo tribunal) e pelo AUJ n.º 3/2012, de 08.03.2012 (DR, I, n.º 77, de 18.04.2012), o STJ manifestou o entendimento de que, para o efeito, basta “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações”.
Ora, os recorrentes (todos eles) limitam-se a manifestar a sua divergência ou discordância em relação à análise e à valoração das provas que o tribunal fez e consideram que a prova produzida, apreciada e valorada de acordo com os critérios que, na sua perspetiva, deviam ter prevalecido, levariam a que o resultado do processo probatório fosse, pelo menos, uma dúvida insanável que impunha uma decisão pro reum.
A divergência é compreensível, pois os recorrentes não têm preocupações de objetividade e isenção na apreciação que fazem, mas não pode fundamentar uma alteração da decisão de facto.
O que os recorrentes, verdadeiramente, pretendem é contrapor, e mesmo sobrepor, a análise e a valoração que fazem das provas àquela que foi a convicção formada pelo tribunal (um coletivo de três juízes, note-se), convicção que, como adiante veremos, está objetivada e fundamentada, com explicitação das razões da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório.
Ao questionarem a decisão do tribunal a quo nos termos em que o fazem, os recorrentes põem em causa o princípio da livre apreciação da prova que, sabidamente, está consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal e “é direito constitucional concretizado” (Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, p. 329).
Essa ilegítima pretensão dos recorrentes (de imporem a sua própria avaliação da prova produzida) é particularmente notória em relação aos factos descritos sob os n.ºs 12 e 13 do elenco de factos provados.
Além da prova documental e do depoimento fundamental da testemunha I…, inspetor tributário que realizou inspeção às sociedades arguidas e a G… e cujo relatório esteve na origem deste processo, o tribunal alicerçou, ainda, a sua convicção no depoimento daquele G…, o suposto emitente das quatro faturas (totalizando € 129 111,34) referidas naquele n.º 13.
Da análise crítica da prova efetuada pelo tribunal, destacamos o seguinte trecho:
“Finalmente, e corroborando os elementos objetivos assim demonstrados pela análise dos documentos supra, o depoimento daquele mesmo G…, confirmando nunca ter prestado serviços ou emitido quaisquer faturas por serviços por si prestados em nome individual ou de qualquer empresa em nome da qual tenha trabalhado, seja para a arguida B…, seja para qualquer um dos representantes legais desta em nome individual”.
Os recorrentes D… e E… contrapõem que os juízes que integraram o Coletivo “ “valorizaram exacerbadamente o depoimento alienado desta testemunha”, que dizem padecer de “deficiência cognitiva que o impediu de prestar depoimento lógico, coerente e assertivo”.
É nesta base, na tentativa de desacreditar a testemunha, inventando uma deficiência mental, que os recorrentes constroem o seu discurso argumentativo e sustentam que se impunha decisão diversa da recorrida.
Se suspeitavam que a testemunha não tinha aptidão mental para depor com credibilidade, podiam suscitar essa questão ao tribunal que tinha o dever de verificar se a suspeita tinha algum fundamento (artigo 131.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal) e o momento certo para o fazerem era a audiência de julgamento e não em sede de recurso.
Mas o que mais evidencia a inconsistência da impugnação dos recorrentes é a circunstância de o depoimento da testemunha G… ter servido, apenas, de corroboração da prova objetiva, sobretudo documental, em que assentou a convicção do tribunal e esta prova não lhes mereceu qualquer referência. Obviamente!
Como é que uma empresa como a “B…, L.da”, que tinha, necessariamente, contabilidade organizada, não dispunha de um único documento idóneo comprovativo do pagamento de uma quantia de montante muito significativo (€ 129.111,34), correspondente à soma dos valores das quatro faturas supostamente emitidas pelo G…? E como é que se explica que uma pessoa (G…), residente em França há vários anos, que declara à Administração Fiscal daquele país ter recebido rendimentos do trabalho nos anos de 1999 e 2001 (facto apurado pelo inspetor tributário I…), neste mesmo ano, em Portugal, presta à “B…, L.da” serviços que teriam atingido aquele montante significativo?
A mesma fragilidade se deteta facilmente na impugnação dos factos descritos sob os n.os 27 e 29 a 33 (não entrega dos valores de IVA liquidado e cobrado no 2.º trimestre de 2001 e em todo o ano de 2004), limitando-se os recorrentes a afirmar que não existem documentos que comprovem que o IVA liquidado foi, efetivamente, recebido e a criticar a investigação que só se teria preocupado com os factos que os desfavoreciam, em vez de procurar descobrir a verdade material.
O tribunal fundamentou assim a sua decisão:
“Quanto aos factos que se tiveram por provados nos n.ºs 22 a 34 a convicção do Tribunal fundou-se, mais uma vez, no depoimento da testemunha I… (corroborado pelo de J…) a referir a não entrega de declaração periódica da arguida quanto ao IVA do 4° trimestre de 2004, este devidamente concatenado com as faturas constantes dos anexos 35 e 87, nas quais se mostram descriminados os preços dos serviços prestados pelas clientes da arguida B…, Lda., as taxas aplicáveis e o montante do IVA devido, em resultado da aplicação da taxa em vigor à data da respetiva emissão.
Da análise à contabilidade da arguida, segundo referiu a mesma testemunha, resultam demonstrados os pagamentos das faturas em causa pelas clientes da arguida em razão dos serviços prestados, mormente pela análise dos documentos a que a testemunha acedeu e cuja relação se mostra efetuada nos anexos 37, 87 e 88.
Mais se atendeu aos valores apurados das prestações tributárias não entregues na administração tributária constantes no anexo 89”.
Quanto a provas que imporiam decisão diversa da recorrida, os recorrentes remeteram-se a um estrondoso silêncio.
O acórdão recorrido contém uma extensa, exaustiva, minuciosa e esclarecida análise crítica da prova que sustentou a convicção do tribunal sobre os factos que consubstanciam o crime de fraude fiscal qualificada por que foram condenados os arguidos D…, E… e F….
Depois de reconhecer a inexistência de prova direta da combinação entre os arguidos (só obtenível com uma confissão) com vista à emissão de faturas sem terem subjacentes qualquer prestação de serviços ou a venda de quaisquer mercadorias, faturas essas que foram utilizadas na contabilidade da “B…, L.da” para, por essa via, fazer baixar a tributação em sede de IRC e IVA, o tribunal concluiu pela existência de uma sólida base indiciária que permitiu um juízo de inferência positivo, que justificou assim:
“Ora, precisamente, a análise e ponderação dos documentos constantes nos autos, que foram devidamente conjugados com os depoimentos do inspetor da administração tributária e diligências que efetuou e com as regras da experiência comum, é de salientar, genericamente, não só a incapacidade constatada dos emitentes em prestar os serviços declarados pela ausência de infraestruturas adequadas, a declaração por parte de G… no ano de 2001 de subcontratos titulados por faturas sem que tenha mão de obra ao seu dispor, a circunstância de as faturas apresentarem inconsistências na relação numeração/data e serem insuficientemente descritivas quanto aos serviços a que se reportam, os clientes da arguida B… ou não reconhecerem a presença de subempreiteiros em obra ou de identificarem trabalhadores que constam nas listas de funcionários da B…, a ausência de documentos (contratos, autos de medição, orçamentos) associados às faturas, a ausência, em todos os casos, de comprovativos idóneos de pagamento, sejam cheques ou transferências bancárias e a referência em todos os casos a movimentos efetuados pelo conta caixa.
A acrescer, o desequilíbrio demonstrado entre os custos e os proveitos obtidos em função dos subcontratos celebrados com os emitentes. É que, de acordo com a contabilidade da arguida B… verifica-se que apurou resultados líquidos negativos nos exercícios de 2002 e 2003 no valor de 201.334,93€ e 173.349,96€, respetivamente e prejuízos fiscais de iguais montantes (cf. anexos 71 e 72). Por outro lado, o somatório dos custos suportados a titulo de subcontratos e de custos com pessoal totalizou um valor muito próximo daquele que a arguida obteve com a prestação de serviços decorrentes da sua atividade, o que evidencia já, de acordo com as regras da experiência neste tipo de crimes, o uso de subcontratos fictícios para fazer inflacionar os custos da empresa assim se obtendo, por um lado, reembolso de IVA a que não se tem direito pelo uso da mão-de-obra própria e por via deles fazer aproximar os custos não declarados que a empresa tem com o pessoal”.
Os recorrentes D… e E…, também neste conspeto, limitam-se a atacar a convicção do tribunal alicerçada em sólidos elementos de prova.
A sua argumentação assenta, basicamente, em dois pontos:
● procuram desvalorizar os depoimentos das testemunhas/inspetores tributários I… e J…, mas salientam afirmações da primeira que, na sua perspetiva, contrariariam o juízo probatório formulado pelo tribunal;
● invocam os depoimentos das testemunhas K… (escriturário da “B…, L.da”), V…, L…, M…, N… e O…, todos trabalhadores por conta daquela sociedade arguida.
Segundo os recorrentes, os depoimentos destas testemunhas, que foram unânimes na afirmação de que, nos anos de 2001 e 2002, viam o F… transportar “dezenas de funcionários” em “duas carrinhas de nove lugares, um automóvel ligeiro e um jipe” para a obra do aeroporto do Porto, contrariam a ideia, que perpassa todo o acórdão recorrido, de que aquele F… e depois a sociedade “C…, L.da” não tinha estrutura empresarial, nomeadamente no que toca a meios humanos, que lhe permitisse prestar o volume de serviços que as faturas emitidas, supostamente, documentariam.
Pelo mesmo diapasão afinou o recorrente F…, argumentando que “a ser valorado o que disseram as testemunhas (…) não poderia ser retirada outra conclusão senão a total inocência do recorrente e, a sua consequente absolvição quanto aos factos em discussão no processo” e manifestando estranheza pelo facto de o tribunal, da extensa contestação que apresentou, apenas, ter dado relevo à sua afirmação de que “só se ocupava da limpeza de terrenos e que não passava de um roçador de mato”.
Como que antecipando as alegações dos recorrentes, o tribunal a quo fez uma apreciação cuidada dos meios de prova apresentados pelos arguidos, nomeadamente os depoimentos das referidas testemunhas.
Apesar de ser o próprio F… a admitir que os serviços que prestava eram de limpeza de terrenos, o tribunal ponderou outros elementos de prova e do depoimento da testemunha I… e das provas documentais por este recolhidas (anexos 36 e 37) constatou que aquele F… e a “C…, L.da” tinham trabalhadores inscritos (egípcios e marroquinos), com nove comunicações junto da IGT de contratos celebrados em 2000 e 2001 pelo primeiro, mas inscritos na Segurança Social, apenas, três, sem remunerações, e dezoito (tunisinos, egípcios, argelinos e indianos) pela segunda.
Porém, os contratos celebrados pelo arguido F… são reportados ao final do ano de 2001 e início de 2002, ou seja, em data posterior aos serviços a que se reportam algumas das facturas.
É, assim, perfeitamente justificada a afirmação de que, face à débil (senão mesmo incipiente) estrutura produtiva da “C…, L.da”, era praticamente impossível que esta sociedade tivesse prestado o volume de serviços que a faturação de 2002 e 2003 revela: respetivamente, de € 1.949.926,25 e de € 2.290.630,78.
Não surpreende, apesar de estar fora da normalidade, que, durante o ano de 2001, a arguida “B…, L.da” não tenha efetuado qualquer pagamento a F… e a “C…, L.da”, não obstante as “contas correntes” destes apresentarem saldos credores face à “B…” de, respetivamente, € 93.917,72 e € 539.543,91.
A “B…, L.da”, esta sim, tinha capacidade para levar a cabo obras de vulto e ter um volume de facturação daquela ordem, pois chegou a ter a trabalhar por sua conta 210 empregados.
E não podia ser mais objetiva, isenta e correta a avaliação que o tribunal fez dos depoimentos daquelas testemunhas:
“No mais, o depoimento das restantes testemunhas indicadas pela defesa, ouvidas em audiência, à data, todos eles funcionários da arguida B…, não foi de modo a afastar as conclusões que se retiraram da análise dos elementos objetivos ao dispor do Tribunal para o julgamento como supra se expendeu.
Todos eles trabalhadores, à data, da arguida B…, Lda. (e a maioria ainda trabalhadores de uma outra empresa propriedade dos mesmos arguidos E… e D…), se referiram a uma única obra - a do aeroporto …, atestando que o arguido F… também ali trabalhou, com empregados que trazia ao seu serviço, sendo que, quanto às demais obras que a B… teve em curso, nos anos a que se reportam as faturas objeto dos autos, não foram capazes de as identificar com segurança.
Ora, restando a obra do aeroporto …, há a anotar a circunstância de nenhuma das testemunhas ouvidas ser, à data, funcionário do arguido F…; antes, todos trabalhavam para a arguida B…. Referiram-se a trabalhadores que, de acordo com o que era a sua convicção, naquela obra do aeroporto, trabalhariam com ou por conta do arguido F… assim afirmando um conjunto de indivíduos, que seriam trabalhadores ao serviço deste arguido posto que eram por ela transportados em cerca de duas ou três carrinhas. Não os logrando identificar, como se disse, a testemunha L… descreveu-os como sendo homens de nacionalidade do leste da europa, de tez clara. Este elemento surge em contradição com aquele outro objetivo constante dos autos - folhas de remuneração da Segurança Social relativas ao arguido F… e que constam do anexo 36 e as relativas à arguida C…, Lda. que constam do anexo 49; informação da Inspeção Geral de Trabalho quanto às comunicações de contratos de trabalho celebrados por F… e que constam do anexo 37 no que à nacionalidade do pessoal que o arguido F… teria ao ser serviço à data - Marroquinos e Egípcios.
Por outro lado, os mesmos elementos relativos à arguida B… demonstram, que, à data, esta empresa tinha ao seu serviço um grande número de pessoal de diversas nacionalidades de países da Europa de Leste.
Ademais da referência genérica que cada uma das testemunhas fez à existência de trabalhadores por conta do arguido F…, conhecimento, de resto, circunscrito à obra no aeroporto …, ela surgiu desprovida de qualquer elemento objetivo adicional que a corroborasse, (para além da mera convicção das testemunhas ouvidas de que se tratavam de funcionários do arguido F…), ou por outra prova que a defesa carreasse e que permitisse imputar a cada uma das faturas em causa, pois é disso que se trata nos autos, a efetividade do serviço que ali surge reportado prestado e pago, afastando assim as conclusões lógicas supra elencadas. Para o efeito, a insuficiência das cópias juntas em audiência de julgamento denominadas "folhas de obra", meras fotocópias, alegadamente, existentes nos escritórios da B… a referirem o subempreiteiro C… na obra do aeroporto, mas que não encontram corroboração nas diligências de prova efetuadas pela testemunha I… junto dos empreiteiros gerais X…, S.A. (cf. anexos 47 e 74), Y… (anexo 24) e Z… (anexo 35) que não fazem referência à existência de conhecimento de subempreiteiro em obra.
De resto, a testemunha K…, empregado de escritório da arguida B… e que era quem, à data, tratava da faturação, encontrando-se em melhores condições de o demonstrar, até por via documental, seja com a apresentação de contratos, seja por via da apresentação de meios de pagamento, não o fez. Por outro lado, este seu depoimento (bem como os demais) ao restringir os serviços prestados ao fornecimento de mão-de-obra, foi até contrariado pelo que resulta de uma análise detalhada do conjunto da faturação, onde se pode ver que além de mão-de-obra, existem faturas relativas ao aluguer de máquinas.
Finalmente, não mereceu credibilidade este depoimento ao firmar o pagamento sempre em dinheiro seja das faturas, seja dos trabalhadores, posto que não é normal, de resto sequer compatível com uma contabilidade que se exige transparente, que pagamentos em montantes tão elevados fossem sempre feitos em dinheiro.
Concluindo, a prova que se produziu carreada pela defesa, não foi, por isso, de maneira a contrariar as conclusões lógicas que se o Tribunal retirou dos elementos objetivos que tinha ao seu dispor do modo como supra se expendeu”.
Em suma, para os recorrentes, a circunstância de as testemunhas terem afirmado que viam o F… transportar trabalhadores para a obra do aeroporto do Porto levaria, inevitavelmente, à conclusão de que, subjacente à emissão das faturas em causa, esteve a efetiva prestação de serviços por aquele arguido e pela sociedade (“C…, L.da”) que, entretanto, constituiu, e não meras operações fictícias para fazer baixar a tributação da “B…, L.da” em sede de IRC e IVA. Isto, apesar de ser o próprio recorrente F… a afirmar na motivação do seu recurso que o grosso das faturas “são falsificações grosseiras, que saltam à vista de qualquer observador”, mas a que ele, naturalmente, é alheio.
Ao tribunal impunha-se, no entanto, uma apreciação e avaliação rigorosa, objetiva e concatenada de todos os elementos de prova (objetivos e subjetivos) de que dispôs e foi o que fez, nada autorizando que se questione a justeza da avaliação efetuada.
Também aqui, o que temos é uma diversa valoração dos meios de prova e a pretensão dos recorrentes de sobreporem a avaliação que fazem, e a convicção que formaram, àquela que foi a convicção do tribunal de 1.ª instância sobre os mesmos factos na base da prova produzida, livremente apreciada segundo as regras da lógica e da experiência comum.
Em boa verdade, as provas indicadas pelos recorrentes não só não impõem decisão diversa da recorrida como nem sequer a sugerem ou admitem.
A falta das especificações a que vimos aludindo é patente nas conclusões de ambos os recursos, mas não estamos perante mera deficiência das conclusões, que justificaria um convite ao seu aperfeiçoamento. Também do “corpo” da motivação dos recursos ressalta que os recorrentes não cumpriram os referidos ónus de especificação.
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão sobre matéria de facto, a falta de indicação de qualquer das menções contidas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do Cód. Proc. Penal, quer nas conclusões da motivação, quer na própria motivação do recurso, não impõe o convite ao aperfeiçoamento e tem como efeito o não conhecimento do objeto do recurso, nessa parte (assim, entre outros, o acórdão do TC n.º 259/2002, DR, II, de 13.12.2002, que considerou que tal interpretação não afronta qualquer norma constitucional).
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A valoração jurídico-penal dos factos provados relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada
Os recorrentes D… e E… alegam que inexiste crime de fraude fiscal porque o tribunal “não conseguiu apurar um dos elementos do tipo, nomeadamente a existência de uma vantagem patrimonial por parte dos recorrentes, superior a 15.000,00€”.
Embora não se contenham nos limites dos fundamentos invocados no “corpo” da motivação, nas conclusões X), Y), Z) e AA), também o recorrente F… afirma que o tribunal “não consegue quantificar/liquidar, a ter existido, qual o montante da vantagem patrimonial ilegítima, reportada a cada declaração prevista no artigo 103.º n.º 2 e 3 do RGIT”, pelo que faltaria o preenchimento de um elemento objetivo do crime e, “em homenagem e obediência ao princípio constitucional do in dubio pro reo, deve o recorrente ser ABSOLVIDO como autor do crime que o Douto Acórdão lhe imputa”.
É indiscutível[15] que o crime de fraude fiscal tipificado no artigo 103.º do RGIT pressupõe um limiar mínimo de punição, é dizer, qualquer das ações típicas descritas no seu n.º 1 só assume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima obtida pelo agente em prejuízo do património do Estado/Fazenda Pública for igual ou superior ao montante de € 15.000,00 estabelecido no seu n.º 2.
É esse valor mínimo da vantagem patrimonial obtida (e do correspondente prejuízo causado) que define a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional.
Se a conduta fraudulenta de ocultação, alteração ou simulação de factos ou de valores que devam ser declarados, tendo em vista obter vantagens patrimoniais à custa das receitas fiscais se concretiza através da emissão de faturas falsas, tanto comete o crime o emitente das faturas que as entrega a outrem com essa finalidade como aquele a quem as faturas falsas são entregues e que as utiliza na sua contabilidade para fazer diminuir a base de tributação.
Como referimos no acórdão desta Relação de 09.04.2014 (disponível em www.dgsi.pt), “através da emissão de faturas falsas, o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, porque não existem ou pelo menos não existem nos exatos termos que aparentam” e “o objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com consequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA)”.
A conduta fraudulenta dos arguidos reporta-se aos anos de 2001, 2002 e 2003 e, como decorre, de forma perfeitamente cristalina, do descrito sob o n.º 18 do elenco de factos provados (que, obviamente, inclui o quadro aí reproduzido), fez com que a base tributária para efeitos de IRC fosse reduzida pela contabilização (como custos) dos valores inscritos nas faturas falsas e, assim, que o Estado/Fazenda Pública deixasse de arrecadar, respetivamente, € 178.904,71, € 206.005,14 e € 254.681,26. Consequentemente, foram esses os montantes da vantagem patrimonial ilegítima obtida pela "B…, L.da" em sede de IRC.
Mas a atuação fraudulenta dos arguidos também se refletiu em sede de tributação por IVA.
Com efeito, por força do funcionamento das regras próprias deste imposto, o sujeito passivo só paga (podendo mesmo não ter que pagar nada e até ser reembolsado) a diferença (apurada em cada período trimestral) entre o valor do imposto liquidado e cobrado nas transacções em que surge como vendedor ou prestador de serviços e o valor de IVA que pagou nas transações em que surge como adquirente de bens e serviços (IVA suportado). Como os valores inscritos nas faturas falsas não constituíam IVA efetivamente suportado, os arguidos obtiveram a correspondente vantagem patrimonial ilegítima que, como se pode constatar pelo quadro reproduzido no n.º 17 do elenco de factos provados, foi sempre, largamente, superior a € 15.000,00.
Por tudo isto, não se vislumbra onde possa estar a dúvida que os recorrentes invocam e que, no seu entendimento, imporia uma decisão pro reum.
Com todo o respeito devido, é para nós manifesto que não assiste razão aos recorrentes quando defendem não estar verificado aquele elemento objetivo do tipo legal de fraude fiscal.
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A medida (judicial) das penas (parcelares e única)
Não se conformam, por último, os arguidos D… e E… com as penas parcelares que lhes foram aplicadas nem com a pena única de 4 anos de prisão, que consideram excessiva.
Depois de realizar a primeira das várias operações que o procedimento de determinação da pena envolve, concretamente, encontrar a medida legal da(s) pena(s) aplicáveis ao caso (não se referiu a circunstâncias suscetíveis de alterar, elevando ou baixando, os limites mínimo e máximo da moldura de 1 a 8 anos de prisão, certamente, por considerar patente a sua inverificação), de justificar, face à dualidade de punição (prisão ou multa) para o crime de abuso de confiança fiscal, a opção pela pena detentiva (opção que os recorrentes não questionam) e de enunciar os parâmetros que, dentro das molduras penais abstratas, devem orientar o juiz na fixação da medida (concreta) da pena a aplicar, o tribunal a quo ponderou:
“Vejamos agora a medida concreta, sendo as seguintes as circunstâncias a relevar nesta sede (art. 71°, nº 2 do C.P.): o desvalor da ação que é elevado, já que a conduta dos arguidos foi praticada com o recurso às chamadas "faturas falsas'', titulando operações inexistentes com o objetivo de obter vantagens fiscais no âmbito das deduções do IVA e do lucro tributável em sede de IRC; o número de "faturas" utilizadas na conduta dos arguidos; o dolo, ocorreu na sua modalidade mais intensa, pois foi direto (dada a definição do art. 14°, nº1 do C. Penal); o dano produzido pela conduta, de natureza patrimonial, a que manda também atender o artigo 13.0 do RGIT é elevado, no montante global de €238.352,69 no que se reporta ao crime de abuso de confiança e 639.591,11€ pelo uso de faturas falsas. Ademais, estamos perante uma conduta reiterada que se prolongou no tempo por vários anos e não podem deixar de ser considerados os elevados montantes envolvidos. O grau de ilicitude do crime é, pois, significativo.
Por outro lado, são muito fortes as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso, como, de resto, foi expressamente acentuado no preâmbulo do DL 394/93, pois que, se por um lado, a danosidade social nos crimes fiscais é inúmeras vezes superior à dos crimes comuns, por outro, como aí se refere, "o fenómeno constitui inaceitável violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade contributivas, pelo que, não sendo combatido de forma eficaz, criará nos contribuintes uma sensação de impunidade que o Estado de Direito não pode permitir". Ainda ao nível deste mesmo juízo sobre as necessidades de prevenção geral, salientamos que o atual contexto económico-financeiro público tem vindo a importar um alarme social crescente ao longo dos últimos anos, sobre o fenómeno da evasão fiscal, estando profundamente enraizada na comunidade forte convicção sobre a imperativa necessidade de perseguir eficaz e severamente os autores de condutas subtrativas do erário público. Tal comportamento colide com a ideia de captação das receitas fiscais devidas nos termos da Lei Tributária. Enfim, o dever fundamental de estar sujeito a tributação como paradigma da igualdade na repartição de encargos e no apoio financeiro às funções públicosociais que incumbem ao Estado é absolutamente basilar.
A favor dos arguidos releva apenas o facto de não terem antecedentes criminais no que se reporta ao crime de fraude fiscal, posto que a este propósito a condenação sofrida é posterior à prática dos factos em julgamento e de se encontrarem, aparentemente, bem inseridos socialmente. De todo o modo, não confessaram os factos de que vinham acusados, assim não demonstrando qualquer arrependimento e, ao menos os arguidos D… e E…, mantêm atividade empresarial, o que acentua a necessidade de lhes fazer sentir a importância do bem jurídico violado; a conduta retratada nos CRC de cada um revela já uma pluriocasionalidade na prática de factos de idêntica natureza”.
Conforme decorre do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Cód. Penal, é em função do binómio prevenção-culpa que se há-de encontrar a medida da pena, assim se satisfazendo a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a exigência de que a vertente pessoal do crime limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Como é referido, e bem, pelos recorrentes, são as exigências de prevenção geral que hão-de definir a chamada “moldura da prevenção” (em que o quantum máximo da pena corresponderá à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar), dentro da qual cabe à prevenção especial (por regra, positiva ou de (res)socialização) determinar a medida concreta.
A determinação da medida da pena em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstânciasatinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto e as chamadas consequências extratípicas) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Como vimos, na decisão recorrida foram enfatizadas as prementes necessidades de prevenção geral, já pelo elevado grau de ilicitude da conduta dos arguidos, já pelo modo de execução (com abundante recurso a faturas falsas, tornando difícil a descoberta do crime) e reiteração da conduta criminosa, já ainda pelo particular desvalor do resultado dessa atuação criminosa.
Visando as penas, antes de mais, a proteção de bens jurídicos e a reposição e o reforço da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas que o crime pôs em crise, as exigências de prevenção geral serão tanto mais prementes quanto maior for a gravidade da violação jurídica cometida.
Se a função de prevenção geral, que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas, nos crimes fiscais, não deve sobrepor-se às restantes finalidades da punição, designadamente à prevenção especial, é inegável que, no caso, as exigências de prevenção geral são particularmente sentidas pelas razões apontadas na decisão recorrida e que aqui não vamos repetir.
Aliás, os recorrentes reconhecem a premência das exigências de prevenção geral que se fazem sentir.
Por outro lado, é bem sabido que os crimes fiscais têm atingido uma dimensão tal que, como bem se discorreu no acórdão recorrido, é reclamada pela comunidade uma eficaz e severa perseguição criminal dos prevaricadores.
Pelas razões apontadas, afigura-se-nos que o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, para que não seja posta em causa a referida função tutelar da pena, deve situar-se bem longe do limite mínimo da moldura legal. Sendo esse mínimo, no caso da fraude fiscal qualificada, de 1 ano, situaremos o limite inferior da sub-moldura de prevenção nos 2 anos e 6 meses de prisão e no caso do crime de abuso de confiança fiscal em 1 ano.
A finalidade preventivo-especial da pena é evitar que o agente cometa, no futuro, novos crimes. Evitar a reincidência, portanto.
Sendo primordial a função de socialização, a tarefa que se impõe ao juiz é averiguar se o agente está carecido de socialização.
Dentro da medida de prevenção (proteção óptima e proteção mínima – limite superior e limite inferior da moldura preventiva), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
É aqui que entram, porque relevam para a determinação da pena ao nível da prevenção, as circunstâncias (algumas com valor ambivalente, pois tanto podem relevar pela via da culpa como pela via da prevenção) atinentes ao facto e relativas ao agente, a que já aludimos (modo de execução do crime, grau de violação dos deveres impostos ao agente, os motivos que o determinaram à prática do crime, a conduta do agente anterior e posterior ao facto, a personalidade do agente, a postura adotada no âmbito do processo, etc.), previstas no art.º 71.º do Cód. Penal[16].
Os recorrentes alegam a existência de “diversos elementos mitigadores da culpa e/ou da ilicitude dos factos”, mas não concretizam em que se traduz essa atenuação do juízo de censura.
De resto, apontam em sentido contrário a postura dos arguidos/recorrentes ao longo do processo (nem sequer compareceram na audiência) e a ausência de qualquer manifestação no sentido da reparação do mal dos crimes cometidos.
Por isso as penas parcelares devem afastar-se, claramente, dos referidos limites inferiores das tais molduras de prevenção, afigurando-se-nos que as penas aplicadas na 1.ª instância (3 anos e 6 meses para o crime de fraude fiscal qualificada e 1 ano e 6 meses para o crime de abuso de confiança fiscal) são adequadas à culpa dos arguidos e às exigências de prevenção.
O tribunal recorrido fundamentou longamente a determinação da pena única (aplicada aos arguidos D… e E…) e não vemos necessidade de acrescentar o que quer que seja.
Merece, apenas, reparo o parágrafo sobre a gravidade do ilícito global, afigurando-se tratar-se de lapso o que aí se afirma. Ilicitude que, no caso, se situa num patamar bem acima da mediania.
Por isso, também não se justifica qualquer alteração da medida da pena única.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em:
A) não conhecer do objeto dos recursos interpostos pelos arguidos D…, E… e F… na parte em que impugnam a decisão sobre matéria de facto, por incumprimento dos ónus de especificação previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal;
B) negar provimento aos recursos interpostos pelos mesmos arguidos e confirmar o acórdão recorrido.
Por terem decaído totalmente, pagarão os arguidos/recorrentes as custas do processo, fixando-se em 5 (cinco) UC´s a taxa de justiça devida por cada um deles.
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Porto, 22 de Abril de 2015
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Eduarda Lobo
Alves Duarte
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[1] Não se transcreve aqui os factos relativos às condições pessoais e ao processo de socialização dos arguidos, bem como os seus antecedentes criminais, para evitar que o texto deste acórdão fique demasiado extenso e maçudo.
[2] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[3] Cabe aqui referir que a entrega da declaração tributária, constituindo uma mera obrigação acessória face à obrigação de entrega do imposto cobrado, não interfere com o preenchimento do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal, que se pode verificar independentemente dessa entrega da declaração.
[4] O mesmo não acontece em relação ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão n.º 2/2015 (DR, I, n.º 35/2015, de 19.02.2015) uniformizado jurisprudência no sentido de que «No crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107.º, número 1, e 105.º, números 1 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas, conforme dispõe o artigo 5.º, número 2, do mesmo diploma».
[5] Excecionalmente, pode a nulidade da sentença ser arguida, no prazo-regra de 10 dias, perante o órgão jurisdicional que a proferiu se não houver recurso ordinário (por ser inadmissível ou porque quem tem legitimidade não recorre), nos termos previsto no n.º 3 do artigo 120.º do Cód. Proc. Penal.
[6] No mesmo sentido, os acórdãos desta Relação de 24.05.2006 e de 27.06.2007 e da Relação de Lisboa, de 30.11.2006.
[7] Cfr, por todos, o acórdão do STJ, de 15.06.2005, Proc. n.º 1556/05-3.ª, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr, por todos, o acórdão do STJ, de 04.12.96, BMJ 462.º, 286.
[9] Neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 01.04.2008, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Veja-se uma enumeração exaustiva no Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição actualizada, anotação 2 ao artigo 379.º, de Paulo Pinto de Albuquerque.
[11] Assim, o acórdão do STJ, de 10.03.2010, Proc. n.º 1353/07.5 PTLSB.S1.
[12] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, 1131.
[13] Idem
[14] E enumerar não é o mesmo que numerar.
[15] A discussão suscitada pelo acórdão da Relação de Guimarães de 18.05.2009 (mais recentemente, a Relação de Coimbra, no acórdão de 3/12/2014, proferido no Processo n.º 128/05.0IDAVR.C2, pronunciou-se em sentido idêntico) traduziu-se em saber se também para a fraude fiscal qualificada se exigia esse limiar mínimo de punição. Sobre esta polémica, pode ver-se a anotação de Susana Aires de Sousa in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2011, 621 e segs. [16] Sobre este ponto, cfr., entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 268-272, e Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, 245 e segs.