JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
INEXIGIBILIDADE
RETARDAMENTO DE CLASSIFICAÇÃO
Sumário

I – Só é de conhecer da caducidade do direito de resolução do contrato com justa causa, se a excepção tiver sido invocada pela parte que dela queira aproveitar-se no momento próprio (contestação).
II – Embora a lei não o explicite, mostra-se subjacente ao conceito geral de justa causa de resolução, a ideia de "inexigibilidade" que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada no domínio da faculdade de ruptura unilateral da entidade patronal.
III – Integra justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador o comportamento do empregador que retarda por seis meses a correcta classificação profissional do trabalhador contabilista, embora pagando-lhe salário superior ao devido pela tabela do instrumento de regulamentação colectiva, que não procede durante um ano à revisão da situação salarial do trabalhador quando lhe atribuiu as funções de TOC, apesar de ter prometido que o faria “mais tarde” e de ter havido um aumento da carga de trabalho e responsabilidade e pedidos de outras tarefas, e que não permite ao trabalhador frequentar em tempo de trabalho formação profissional que este era obrigado a fazer junto da Ordem que tutela a profissão dos Técnicos Oficiais de Contas e lhes ministra em exclusivo formação obrigatória.

Texto Integral

Processo n.º 336/13.0TTSTS.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

II
1. Relatório
1.1. B…, instaurou em 2013.08.14 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra C…, S.A., pedindo que seja julgada provada e procedente a acção, por via dela seja a ré condenada a pagar-lhe:
● por danos não patrimoniais a quantia de € 8.000,00;
● a título de indemnização pela antiguidade, e a determinar tendo por base 45 dias de retribuição base e diuturnidades, a quantia de € 23.022,00;
● a título de trabalho suplementar não pago, a quantia total de € 6.227,76;
● a título de crédito de horas para formação, que não foi utilizada nos últimos 3 anos, a importância de € 794,85.
Em fundamento da sua pretensão invoca, em síntese, que era trabalhador da R. com a antiguidade reportada a 2001.07.13 e que resolveu o seu contrato de trabalho, invocando justa causa para o efeito, em 2013.07.11, pelas razões que fez constar da carta que então endereçou à R. e que, atenta a justa causa invocada e a gravidade dos factos ocorridos tem direito a indemnização pela antiguidade na empresa, bem como pelo danos não patrimoniais que alega ter sofrido. Alega ainda ter direito ao pagamento de horas de trabalho suplementar prestadas e não pagas e um crédito de formação profissional que não lhe foi ministrada.
Procedeu-se à audiência de partes não tendo sido possível obter a sua conciliação.
A R., empregadora, apresentou contestação, nos termos de fls. 53 e ss., pugnando pela total improcedência da acção e alegando, em síntese: que é ilícita a resolução do contrato operada pelo autor dada a improcedência dos motivos nela invocados que, ou são absolutamente falsos, ou não ocorreram da forma descrita pelo mesmo, ou não revestem uma gravidade que consubstancie motivo de resolução com justa causa, não tendo o A. direito aos créditos que peticiona.
O A. veio a responder à contestação nos termos de fls. 176 e ss., pedindo a final a condenação da R. por litigância de má fé.
Foi proferido despacho saneador, fixados o objecto do litígio e a matéria de facto assente e enunciados os temas da prova (fls. 227 e ss.).
Concluído o julgamento que se prolongou por quatro sessões (fls. 247 e ss.), a Mma. Julgadora a quo prolatou em 7 de Julho de 2014 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente por provada e em consequência decide-se condenar a ré a pagar ao autor:
- Por danos não patrimoniais a quantia de € 5.000,00;
- A título de indemnização pela antiguidade, a quantia de € 15.348,00;
- A título de trabalho suplementar não pago, a quantia total de € 5.348,64;
- A título de crédito de horas para formação, que não foi utilizada nos últimos 3 anos, a importância de € 662,37.
- No mais vai a ré absolvida.
Custa por autor e ré na proporção dos decaimentos, fixando-se à causa, para efeito de custas, o valor do pedido
Registe e notifique.»
1.2. A R. inconformada, interpôs recurso desta decisão em 3 de Julho de 2013, sustentando que deve ser revogada a sentença e a acção ser julgada improcedente por não provada.
Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. presente recurso é interposto, pela C..., S.A., da douta sentença, proferida em 11 de Agosto de 2014, constante de fls. ... e ss. dos autos, que julgou a acção acima identificada parcialmente procedente, por provada, tendo condenado a aqui Apelante a pagar ao aqui Apelado: i) por danos não patrimoniais a quantia de 5.000,00 €; ii) a título de indemnização pela antiguidade, a quantia de 15.348,00 €; iii) a título de trabalho suplementar não pago, a quantia total de 5.348,64 €; iv) a título de crédito de horas para formação, que não foi utilizada nos últimos 3 anos, a importância de 662,37 €. No mais a douta sentença proferida absolveu a Ré.
2. A decisão da Mma. Juíza a quo, aqui posta em crise, não foi, na perspectiva da Apelante, e com o devido respeito, a mais acertada, nem no tocante às respostas que foram dadas à matéria de facto, nem, também, quanto à apreciação e à decisão proferida relativamente às questões de direito que se encontravam suscitadas nos autos,devendo dizer-se, desde já, que a Apelante sustenta, com o devido respeito, que, tendo em conta a prova produzida e considerando o direito aplicável ao caso dos autos, se impunha que a acção tivesse sido julgada totalmente improcedente, por não provada, e a Ré-Apelante absolvida dos pedidos contra si formulados.
3. O Autor na acção interposta contra a Ré pedia a condenação desta no pagamento de: i) Por danos não patrimoniais a quantia de € 8.000,00; ii) A título de indemnização pela antiguidade, e a determinar tendo por base 45 dias de retribuição base e diuturnidades, a quantia de € 23.022,00; iii) A título de trabalho suplementar não pago, a quantia total de € 6.227,76; iv) A título de crédito de horas para formação, que não foi utilizada nos últimos 3 anos, a importância de € 794,85.
4. O Autor-Apelado alegou em síntese, que resolveu o seu contrato de trabalho, em 11 de Julho de 2013, invocando justa causa para o efeito pelas razões que melhor constam na carta que então àquele endereçou.
5. Em resumo o Autor sustenta a sua posição nos seguintes pontos:
a. ter sido sujeita a assédio moral ou mobbing; ofensas e coacções;
b. não ter gozado qualquer dia de férias em 2012;
c. não ter rec[ebido] a formação profissional imposta por Lei;
d. não lhe ter sido pago o alegado trabalho suplementar prestado.
6. Em sede de contestação a C..., aqui Apelante impugnou todos os factos alegados pelo Autor-Apelado refutando todas as acusações que lhe eram imputadas pelo Autor, advogando ainda no que respeita ao enquadramento jurídico da causa que a justa causa para a resolução do contrato de trabalho é apreciada nos termos do artigo 351 do Código do Trabalho, ou seja, não basta que haja um comportamento que objectivamente possa estar elencado no artigo 394 do código do Trabalho, mas é também necessário que tal comportamento culposo do empregador pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
7. Para a avaliação da justa causa, deve-se atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
8. Por forma a delimitar o objecto do presente recurso, importa desde já referir que a Mma. Juíza a quo considerou, e bem, que nenhuma materialidade foi apurada no sentido de se concluir por uma conduta persecutória e intencional da C..., assim como quanto à violação do direito a férias invocado pelo Autor, entendeu a Mma. Juíza a quo, até por confissão do próprio Autor, que as férias gozadas e o molde em que o foram, resultam de acordo entre o Autor e a Ré e como tal, a alegada violação do direito a férias, não era motivo justificativo para a resolução do contrato.
9. A Mma. Juíza a quo, na perspectiva da aqui Apelante, e com o devido respeito, cometeu um erro de apreciação da prova global produzida, tendo dado como provado os seguintes pontos J), III), IV),VI),VII), XI), XV), XVI), XVII) de forma incorrecta ou de forma imprecisa.
10. A Mma. Juíza a quo deu como provados os factos acima descritos, os quais na perspectiva da Apelante ou não deveriam ter sido dados como provados ou encontram-se assentes de forma imprecisa, incompleta, não retractando a globalidade da prova produzida nas várias sessões da audiência de julgamento.
11. Como abaixo se evidenciará, houve factos que não foram dados como provados que deveriam ter sido, pois sem eles teremos uma visão parcelar do período a que a presente contenda se reporta.
12. E ainda que se entenda que tais factos não são essenciais, tratam-se de factos que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais - os chamados factos instrumentais.
13. Na presente acção tais factos revestem extrema importância, pois são tais factos que irão permitir aferir da alega gravidade dos comportamentos que o Autor pretende imputar à Ré e dessa forma preencher o conceito de (in) exigibilidade da manutenção do vínculo laboral.
14. Na motivação dos factos dados como provados, referiu a Mma. Juíza a quo que a convicção do tribunal fundou-se na apreciação critica e conjugada da prova produzida em audiência, nomeadamente do confronto e conjugação de todos os documentos juntos aos autos, depoimentos de parte prestados em julgamento, quer pelo legal representante da ré quer pelo autor, e declarações de testemunhas, ouvidas, tudo com recurso a juízos de normalidade e experiência comum.
15. A ponderação crítica e comparativa de todos os meios de prova produzidos, relacionados dialeticamente entre si, impunham, na perspectiva da Apelante, e com o devido respeito, uma decisão bem diversa da que foi proferida.
16. Dos depoimentos prestados em Tribunal e da prova documental é inequívoco que ficou provado não existir qualquer nexo de causalidade em o estado depressivo do Apelado e a sua situação laboral, bem como ficou provado que a estrutura afecta ao departamento de contabilidade, numa altura em que a factura da empresa diminui drasticamente era superior à estrutura anterior ao Apelado ter assumido as funções de TOC.
17. Deveriam ainda ter sido dado como provado vários factos, ainda que instrumentais, demonstrativos do incumprimentos generalizado que estavam adstritas ao Apelado.
18. Basta analisar a fundamentação dada na Sentença proferida para se concluir que em sede de julgamento não ficou provado que o Autor prestasse mais duas horas de trabalho por dia, pois se tal facto tivesse sido provado de forma inequívoca, o Tribunal na sua fundamentação não teria que se socorrer à previsão do n.º 5 do artigo 231 do Código do Trabalho, a qual cria uma penalização para a entidade empregadora quando a mesma não possui registo do trabalho suplementar.
19. O Autor não tem direito a receber qualquer pagamento a título de trabalho suplementar, uma vez que só é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador, nos termos do número 2 do artigo 268 do Código do Trabalho.
20. Entendeu a Mma. Juíza a quo que o Autor para manter a sua carteira profissional tinha que frequentar formação ministrada pela OTOC e como tal a Ré deveria ter suportado os custos (quer em tempo de trabalho, quer custeando o valor da formação) dessa formação, e que ao não ter custeado a formação em causa a Ré teve uma conduta suficientemente grave que por si só torna inexigível a manutenção do contrato de trabalho.
21. A Ré não impediu que o Autor frequentasse a formação em causa, apenas se recusou em suportar os custos da mesma, isto porque, considerou que no seio da própria empresa existia alguém capaz de ministrar a formação.
22. A Ré enquanto entidade empregadora estar obrigada a prestar um determinado número de horas de formação anualmente, não está obrigada a dar formação e a suportar os custos da formação exigida pela ordem profissional dos trabalhadores.
23. Não é verdade que a Ré não tenha dado prosseguimento ao processo disciplinar, a verdade é que face à resolução do contrato operada pelo Autor, a Ré ficou impedida de prosseguir com o processo disciplinar, uma vez que o seu poder disciplinar terminou com a cessação da relação laboral.
24. Ditam as regras da experiência comum, ao contrário do que entendeu a Mma. Juíza a quo que nenhuma entidade empregadora revê a situação salarial de um trabalhador quando está descontente com o seu desempenho.
25. A matéria de facto dada como provada pela Mma. Juíza a quo não foi, assim, e com o devido respeito, a mais correcta, nem a mais ajustada à prova global produzida.
26. Na sentença proferida considerou a Mma. Juíza a quo que nenhuma materialidade foi apurada no sentido de se concluir por uma conduta persecutória e intencional por da Ré, aqui Apelante.
27. A Mma. Juíza a quo considerou existir motivos bastantes para a resolução do contrato, alicerçando a sua tese na indevida categorização profissional, na promessa de revisão salarial não cumprida, na falta de pagamento de trabalho suplementar, incentivado pela Ré e na falta de acesso a formação profissional obrigatória para OTOC.
28. A Apelante considera que a Mma. Juíza a quo não esteve bem ao considerar aqueles factos como bastantes para permitirem a resolução do contrato de trabalho por justa causa, como ainda considera a Apelante que a solução jurídica adoptada pela Mma. Juíza a quo não é a correcta.
29. No que respeita à retribuição e categoria profissional - a Mma. Juíza a quo para alicerçar a sua tese valorou determinada factualidade e desconsiderou por completo toda a factualidade que permitiria justificar o comportamento da Apelante.
30. Conforme ficou demonstrado nos autos o Autor recebia acima da tabela salarial, pelo que não estava prejudicado, ou tinha uma retribuição inferior à permitida por lei.
31. A Mma. Juíza a quo defende ainda para legitimar a resolução do contrato operada que o aqui Apelado, para manter a sua carteira profissional, necessitava de formação dada pela entidade que estava habilitada por lei a fazê-lo (OTOC), tendo a aqui Apelante obstado à mesma.
32. A Apelante não obstou que o Apelado frequentasse tal formação, o que Apelante a considerou foi não haver motivos para custear tal formação quando tinha contratado um professor para acompanhar o Apelado e dar-lhe formação nas suas novas funções.
33. A Apelante não tinha a obrigação de custear ao Apelado qualquer formação destinada a que este cumprisse com os requisitos exigidos pela sua ordem profissional, aliás, a Apelante desconhecia e não tinha a obrigação de conhecer quais as obrigações que o Apelado tinha que cumprir perante a sua ordem profissional, até porque o Apelado nunca a informou de tal.
34. Foi com base nestes pontos que a Mma. Juíza a quo considerou existir motivos bastantes para a resolução do contrato de trabalho operada pelo Apelado - “a indevida categorização profissional do autor, a não revisão da sua situação salarial como prometido com um claro aumento da carga de trabalho e pressão a que foi sujeito, de maior responsabilidade, os pedidos de trabalho extra, tais como caixa, arquivo, contratação pública, etc, que o obrigou a trabalho suplementar de que a ré tinha conhecimento e incentivava sem remunerar, aliado à não permissão para frequentar formação profissional que era obrigado a fazer junto da Ordem que tutela a profissão, o que tudo contribui para agravar o seu estado de saúde, de que a ré tinha também conhecimento - justifica e torna legitima a resolução do contrato de trabalho do autor com justa causa”.
35. A Apelante está em total desacordo com a sentença proferida, pois, tal como a própria Mma. Juíza a quo afirma quando caracteriza o conceito de justa causa, a resolução do contrato só será lícita quando os factos que lhe dão origem são suficientemente graves para tornarem imediatamente impossível a subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo. Ou seja, a resolução está ligada à ideia de inexigibilidade.
36. Mesmo analisando os factos no seu todo (isoladamente, não são certamente), os mesmos não são suficientes para impedir a manutenção do contrato, até porque todos eles estão ligados à componente remuneratória, sendo certo que não ficou provado nas sessões de julgamento realizadas, que antes da resolução do contrato o trabalhador tenha instado a Ré para pagar os valores que entendia serem-lhe devidos, ou seja, não foi sequer dada a possibilidade à entidade empregadora de fazer cessar qualquer incumprimento da sua parte.
37. A solução jurídica adoptada pela Mma. Juíza a quo, com o devido respeito não é pois a mais acertada e vai contra o estatuído nos artigos 351, 394 e n.º 3 do 398 todos Código do Trabalho.
38. A justa causa para a resolução do contrato de trabalho é apreciada nos termos do artigo 351 do Código do Trabalho, ou seja, não basta que haja um comportamento que objectivamente possa estar elencado no artigo 394 do código do Trabalho, mas é também necessário que tal comportamento culposo do empregador pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
39. Devendo-se, para a avaliação da justa causa, atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
40. Nesse sentido: AC STJ, de 15.10.2003, Rec. n.º 4495/02-4.ª. e, (AC. STJ, de 15.1.2003, Ver n.º 698/02 - 4º)
41. Na comunicação dirigida pelo Apelado à Apelante a resolver o contrato de trabalho, o mesmo não invoca como motivo para tal resolução o facto de se encontrar mal categorizado, sendo certo que, na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação de resolução (n.º 3 do artigo 398 do Código Trabalho).
42. Nenhuns dos factos em que o Tribunal sustentou a sua decisão poderiam ser atendidos, pois todos eles eram do conhecimento do Autor, aqui Apelado há mais de 30 dias, circunstância que o Tribunal não atendeu.
43. A Apelante descorda, com o devido respeito, em absoluto com a condenação a título de danos não patrimoniais, uma vez que considera não ter sido feita prova do nexo de causalidade entre o estado depressivo do Apelado e a sua situação profissional.
44. À luz do que precede, qualquer que fosse a solução jurídica adoptada pela Mma. Juíza a quo, a acção sempre teria, na perspectiva da Ré-Apelante, e com o devido respeito, que ter sido julgada totalmente improcedente por não provada e a Ré absolvida dos pedido contra si formulados.
45. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 351, 394 e n.º 3 dos 398 todos Código do Trabalho, pelo que, na procedência deste recurso, deverá, pois, ser revogada e substituída por douto acórdão que absolva a Ré-Apelante dos pedidos.
46. Estas, pois, Excelentíssimos Senhores Desembargadores, as questões que aqui se submetem à douta e superior apreciação e decisão de Vossas Excelências, que melhor ajuizarão do acerto e do bem ou mal fundado da sentença recorrida, confiando a Apelante, e o aqui signatário, na ponderação, na experiência, no discernimento, e, sobretudo, no superior sentido de Justiça de Vossas Excelências.”
1.3. O A. apresentou contra-alegações, nas quais concluiu que:
“1) O caso em apreço é simples e este recurso vem surpreender sobremaneira o Apelado pois é visível à saciedade que a douta sentença, ora recorrida, não merece qualquer juízo de censura ou reparo.
2) Pois, a mesma é justa e sentencia segundo a veracidade do concretamente sucedido.
3) No presente processo resulta da prova provada que não existiu um, mas sim vários comportamentos culposos da entidade empregadora, que foram violadores dos seus deveres contratuais e, desse comportamento resultaram efeitos de tal modo graves, que determinaram a impossibilidade da manutenção da relação laboral.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO PRÉVIA
4) A Apelante impugna a matéria de facto (os pontos J), III), IV), VI), VII), XI), XV), XVI), XVII)) dada como provada em sede de audiência de julgamento.
5) No entanto, a Apelante não indicou as concretas passagens da gravação relativamente aos depoimentos prestados onde funda a sua discordância.
6) Ora, o artigo 640º do CPC estabelece o ónus a cargo do Apelante que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo no seu nº 2, alínea a) que, no caso de ter havido gravação da prova, «incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
7) Ao impugnar a matéria de facto, com base nos depoimentos das testemunhas, a Apelante não pode pois, como o fez, apenas fazer referência ao dia em que foi prestado o depoimento da referida testemunha e a hora/minuto/segundos de início e fim do referido depoimento.
8) A Apelante, ao fazer essa referência genérica aos depoimentos das testemunhas, não cumpre o ónus que sobre si impende, fazendo assim uma impugnação genérica da matéria de facto controvertida, obrigando assim os Exmos Juízes Desembargadores à reapreciação de toda a prova.
9) Por outro lado, decorre também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria.
10) Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o âmbito do ónus de alegação em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, dando nota do sentido interpretativo exposto pronunciaram-se, entre outros, os seguintes arestos: Ac. STJ 06/11/2006 (Proc. 06S2074), Ac. STJ 24/01/2007 (Proc. 06S2969), Ac. STJ 06/02/2008 (Proc. 07S3903), Ac. STJ 19/03/2009 (Proc. 08B3745), Ac. STJ 23/11/2011 (CJ STJ XIX,III,126).
11) Tem sido também entendido, maioritariamente, que a lei do processo, pela expressa referência à cominação “sob pena de rejeição do recurso” no nº 1 e “sob pena de imediata rejeição do recurso” no nº 2 do artigo 640º, e ainda pelas características próprias desta impugnação, designadamente o grau de exigência que lhe impõe, não permite o despacho de aperfeiçoamento das alegações que prevê no artigo 639º, assim reservado para as alegações em matéria de direito.
12) Conforme refere ainda A. Abrantes Geraldes, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.”
13) A inobservância, por parte da recorrente, do que lhe é imposto pelo nº 2 do art. 640º do CPC determina, salvo melhor opinião, a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto, pelo que nenhuma alteração deverá ser feita na mesma.
Sem prescindir,
DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
14) A Apelante impugna especificamente os pontos E), J), III), IV), VI), VII), XI), XVI) e XVII) da matéria de facto dada como provada.
15) No entanto, como se referiu supra, não indicou a Apelante, como era seu ónus, os depoimentos em que fundamenta a concreta divergência, nem apontou as passagens precisas dos referidos depoimentos, nem em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal a quo.
16) Com efeito, a Apelante apenas faz considerações genéricas, sem qualquer densidade, sobre aquilo que ela acha que deveria ter sido o julgamento da matéria de facto dada como provada.
17) No que concerne ao ponto J), que o tribunal a quo deu como provado.
18) A Apelante alega neste ponto que não foi provado em sede de audiência de julgamento haver nexo causal entre o ambiente vivido no seio da Ré e o estado de depressão do Apelado.
19) Escamoteando os depoimentos do pai (D… – depoimento gravado no dia 26-03-2014 das 16:10:13 às 16:26:21) e esposa (E… – depoimento gravado no dia 26-03-2014 das 16:26:55 às 17:06:31) do Apelado, onde afirmaram nos referidos depoimentos, sem margem para qualquer dúvida, que as baixas médicas do Apelado foram provocadas pelas situações vividas no seio da ré; bem como o depoimento da médica psiquiatra, Dra. F… (depoimento gravado no dia 20-05-2014 das 14:11:33 às 14:25:48), onde confirma o relatório de fls. 42, e reafirma que o mesmo estava num estado depressivo, deprimido, clinicamente doente, tendo-o aconselhado a fazer uma interrupção do trabalho, que este não quis fazer, acabando contudo por não aguentar e desistir.
20) No que respeita aos pontos III) e IV), que o tribunal a quo deu como provado.
21) A Apelante veio nas alegações de recurso, e quanto a estes factos específicos, afirmar que a estrutura da Ré afecta à contabilidade cresceu e não diminuiu durante o período que o Apelado assumiu as funções de TOC.
22) Mas, esta afirmação não corresponde à realidade vivenciada no dia-a-dia da Ré, pois aquando da promoção do Apelado a TOC, pela saída do anterior TOC – G…, ninguém assumiu as funções que ele próprio tinha, passou assim o Apelado a desempenhar as funções de dois trabalhadores.
23) Portanto, não se compreende a afirmação da Apelante de que a equipa cresceu, pois não podemos contabilizar nessa mesma equipa um trabalhador que tem um contrato de prestação de serviço (Dr. H…) para prestar assessoria em contabilidade e fiscalidade e a dar formação naquelas áreas, num mínimo de 35 horas mensais.
24) Nem se provou, em sede de audiência de julgamento, que tivessem sido efectivamente assegurados ao Apelado as 35 horas assinaladas no contrato de prestação de serviço junto aos autos.
25) Veja-se o testemunhado por G…, que “Alertou, nomeadamente, para a necessidade premente de entrar alguém para dar apoio ao autor, pois era prática e humanamente impossível, com a sua saída, ele fazer tudo sozinho, o que justifica quer pela falta de experiência do mesmo, quer pelo volume de negócio, quer pela carga de trabalho.”
26) Acresce, que para além de terem reduzido o número de trabalhadores na função de contabilidade, ainda foram dadas tarefas adicionais ao Apelado, nomeadamente funções de caixa, aquando da saída do colaborador I…, que saiu da empresa por estar com uma depressão. (facto IV da matéria provada).
27) Para além dessa função adicional, ainda foi pedido ao Apelado um estudo sobre contratação pública referente a 4 veículos a ser adquiridos pelo Município … e a organização do arquivo contabilístico, que se encontrava nos armazéns de Vila do Conde que a empresa vendeu e que foi transportado para uma cave das instalações de Santo Tirso.
28) E sobre esta última tarefa adicional, não nos parece admissível o argumento utilizado pela Apelante de que é ao contabilista que cabe a função de organização do seu arquivo porquanto, embora seja de admitir que o faça dos documentos que vai processando diariamente, não é aceitável que o contabilista, com as ocupações inerentes à função e como vimos já sobrecarregado com as mesmas, que vá para a cave das instalações de Santo Tirso refazer o arquivo de contabilidade da empresa que foi transportado de outro armazém (Vila do Conde) por o mesmo ter sido vendido.
29) No que alude aos pontos VI) e VII), que o tribunal a quo deu como provado.
30) Tal como foi afirmado pela Mma. Juíza a quo na douta sentença, mais uma vez a Apelante continua com uma comportamento a raiar a má-fé processual ao reafirmar que o Apelado saía sempre a horas, pois está provado à saciedade pela prova produzida em julgamento (testemunhal e documental) que o Apelado, devido ao excesso de trabalho era obrigado a trabalho extra.
31) Veja-se, designadamente, os emails juntos aos autos: o email remetido por J…, superior hierárquico do Apelado, aos Administradores da Ré, datado de 30/10/2012, em que o mesmo refere: “Eu e o G… é 24 sobre 24, com o apoio do S…”; o email do responsável informático da ré, datado de 05/07/2012, às 22H22, com conhecimento dos administradores da ré “B…, Pedia-te o especial favor de verificares as janelas do piso de cima na C… antes de saíres, uma vez que és DIS últimos (...).”; e o email do dia 13/08/2012, data em que o autor estava em gozo de férias, em que J…, após ter pedido e recebido resposta do autor, refere “Obrigado B…. Já se está a habituar a férias dos executivos?”.
32) Portanto, como pode a Apelante dizer que nada sabia das horas extra, contrariando toda a prova produzida e quando era ela própria que as incentivava, embora não as pagasse.
33) Por outro lado, ao não proceder ao registo do trabalho suplementar, nos termos do artigo 231º do CT/2009, a Apelante torna mais difícil o seu controlo e a prova por parte do Apelado da efectiva prestação do trabalho suplementar.
34) Sendo que, violado tal normativo, decorre do n.º 5 do mesmo preceito legal, que se confere ao trabalhador, “por cada dia em que tenha prestado actividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar.”.
35) No que toca ao ponto XII) (nas Alegações de recurso o Apelante, pensamos que por lapso, identifica este ponto da matéria de facto dada como provada, como ponto XI), que o tribunal a quo deu como provado:
36) Entende a Apelante que não deveria ter sido dado como provado a expressão “por força e como consequência do supra descrito”.
37) Alegando que não ficou provado em sede de audiência de julgamento qualquer causa efeito entre a situação laboral e o seu estado depressivo.
38) No entanto, mais uma vez, a Apelante é muito selectiva nos depoimentos das testemunhas que elege como “portadores da verdade”, não valorizando as testemunhas que mais de perto vivenciaram o degradar da saúde do Apelado, designadamente o seu pai (D… – depoimento gravado no dia 26-03-2014 das 16:10:13 às 16:26:21) e sua esposa (E… – depoimento gravado no dia 26-03- 2014 das 16:26:55 às 17:06:31), onde afirmaram, nos referidos depoimentos, sem margem para qualquer dúvida, que as baixas médicas do Apelado foram provocadas pelas situações vividas no seio da ré, bem como a médica psiquiatra, Dra. F… (depoimento gravado no dia 20-05-2014 das 14:11:33 às 14:25:48), onde confirma o relatório de fls.42, e reafirma que o Apelado estava num estado depressivo, deprimido, clinicamente doente.
39) Conduzindo a Mma. Juíza a quo, a não ter dúvidas e a concluir que o cansaço derivado do excesso de trabalho, que o obrigava a trabalho extra, os constantes pedidos feitos, os problemas vivenciados pela sua equipa, a falta de férias condignas e retemperadoras, e o facto de ver que tal dedicação e empenho não tinha por parte da empresa o reverso da medalha, tudo isso levou a um agravar da sua doença e a uma baixa médica.
40) No que se refere ao ponto XVI), que o tribunal a quo deu como provado.
41) Entende a Apelante, discordando da douta sentença do tribunal a quo, que: a) A Ré não impediu o Autor de ir à formação que pretendia ir; b) A Ré não é obrigada a custear os custos das formações impostas pela OTOC; c) O Autor nunca informou a Ré que estava obrigado a frequentar aquela formação sob pena de lhe ser retirada a carteira profissional – o que não corresponde à verdade.
42) No entanto a Apelante, ao obrigar o Apelado a meter um dia de férias para lhe permitir à formação ministrada pela OTOC, estava a negar-lhe a formação institucional que apenas pode ser ministrada pela OTOC, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento da Formação de Créditos, publicado no Diário da República n.º 133, II Série, de 12 de Julho de 2007, em anexo ao Anúncio n.º 4539/2007.
43) Pois, não se “autoriza” nenhum trabalhador a fazer formação, obrigando-o a utilizar os seus dias de férias, já que nesses dias o referido trabalhador é livre de frequentar a formação que entender sem precisar de o solicitar à entidade empregadora.
44) Acresce que a formação contratada pela Ré ao Dr. H…, ao contrário do que impõe o CT, não foi certificada, não podendo assim a referida formação ser aferida pelo tribunal a quo.
45) Como bem refere a Mma. Juiza a quo, “O autor precisava da formação dada pela entidade habilitada por lei a fazê-lo, solicitou-a à ré, e esta obstou à mesma, dizendo-lhe para, querendo, suportar o seu custo e meter férias.”
46) No que respeita ao ponto XVII), que o tribunal a quo deu como provado.
47) A Apelante discorda do tribunal a quo do julgamento que deste ponto da matéria de facto foi feito, pois entende que não prosseguiu o referido processo disciplinar, porque com a resolução do contrato de trabalho pelo Apelado terminou o seu poder disciplinar sobre o referido trabalhador.
48) É que o Apelado, na opinião da Apelante, antecipou-se à tramitação própria do processo disciplinar e resolveu o contrato de trabalho e com tal resolução bloqueou o poder disciplinar que a Apelante detinha sobre o Apelado.
49) No entanto, na matéria de facto dada como provada em sede de audiência de julgamento não ficou provado que o Apelado tivesse tido conhecimento do referido processo disciplinar.
50) E, de acordo com o estipulado no Código do Trabalho, mais concretamente no artigo 353.º, é com a nota de culpa que se notifica o trabalhador da existência de um processo disciplinar instaurado contra ele, pois como alega a Apelante, poderia ser aplicado ao Apelado a sanção de despedimento.
51) No entanto, a Apelante, estranhamente, toma a iniciativa de instaurar um processo disciplinar ao Apelado em 11 de Junho de 2013 e até ao dia 13 de Julho de 2013 (data da resolução do contrato do trabalho) não notifica o Apelado do referido processo disciplinar, ou seja, depois de terem decorrido 32 dias após a iniciativa de instaurar o procedimento disciplinar o Apelado ainda não tinha recebido a nota de culpa correspondente.
52) A Apelante deveria, pois, estar à espera que o direito de exercer o poder disciplinar caducasse nos termos do artigo 329.º n.º 2, ou seja, decorridos 60 dias do conhecimento da infracção para notificar o Apelado.
53) Parece-nos óbvio que o referido procedimento disciplinar, a ter existido na cabeça da Apelante, nunca existiu no mundo jurídico.
54) No que concerne ao ponto E), que o tribunal a quo deu como provado.
55) A Apelante reafirma nas alegações que foi prometido ao Autor que a sua situação remuneratória seria revista, tal como provado na douta sentença (facto provado I)).
56) No entanto, afirma a Apelante, que perante os erros e as omissões do Apelado na nova função de TOC, não justificava que a sua situação salarial fosse revista.
57) O Apelado não pode estar mais em desacordo, senão vejamos, para além de estar mal categorizado (facto provado X)), pois exercia efectivamente funções de TOC desde Julho de 2012 e a sua categoria “oficial” era de escriturário, sendo que em 1 de Janeiro de 2013 alteraram a sua categoria para contabilista, sabendo a Apelante que o Apelado já não tinha tal categoria na empresa, pois fora a Apelante que o promovera a TOC em Junho de 2012.
58) Não podemos olvidar que a retribuição constitui a contrapartida do trabalho prestado pelo trabalhador, representando o principal e fundamental direito decorrente do contrato de trabalho.
59) Ora, se com a promoção a TOC, ao Apelado acresceram trabalho e responsabilidades, é legítimo que, mesmo sem a referida promessa de revisão salarial (que aconteceu – facto provado I)), a contraprestação (retribuição) também aumentasse na referida proporção.
60) A não ser assim, como bem refere a Mma. Juíza a quo, esta promoção “tornar-se-ia apenas um presente envenenado…”
61) No entanto, a Ré incumpriu a promessa feita ao Apelado aquando da sua promoção a TOC, até à data da cessação do contrato.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
62) O Tribunal a quo considerou na douta sentença, e muito bem, existir motivos bastantes para a resolução do contrato de trabalho por justa causa, alicerçando a sua convicção na indevida categorização profissional, na promessa de revisão salarial não cumprida, na falta de pagamento de trabalho suplementar incentivado pela Ré e na falta de acesso a formação profissional obrigatória para OTOC.
63) A Mma. Juíza a quo, ao contrário do que defende a Apelante, repete-se, esteve bem em considerar aqueles factos como bastantes para permitirem a resolução do contrato de trabalho por justa causa.
64) Porquanto a verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos:
Um, de natureza objectiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 394º do Código de Trabalho;
Outro, de carácter subjectivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por acção ou omissão, da culpa exclusiva da entidade patronal;
Outro, de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa-fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
65) Assim, o Tribunal a quo, perante os factos dados como provados, e depois de ter verificado a existência dos elementos objectivo e subjectivo, apenas poderia concluir, como concluiu, pela impossibilidade da manutenção desta relação laboral.
66) Não podemos olvidar que o contrato de trabalho reveste-se de características especiais em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais.
67) O que de facto aconteceu, particularmente durante o período de 01 de Junho de 2012 (data em que passou a desempenhar funções de TOC) a 11 de Julho de 2013 (data em que resolveu o seu contrato). No entanto, o Apelado apenas perante a agudizar das suas condições de saúde, nomeadamente o agravamento da sua situação depressiva, e quando nada mais lhe restava, pois até uma reunião com a Apelante para negociar uma rescisão amigável ele solicitou, resolveu o seu contrato de trabalho.
68) Defende, no entanto, a Apelante que tais comportamentos, nomeadamente, a indevida categorização profissional, a promessa de revisão salarial não cumprida, a falta de pagamento de trabalho suplementar incentivado pela Ré e a falta de acesso a formação profissional obrigatória para OTOC, não é o bastante para permitirem a resolução do contrato de trabalho por justa causa.
69) Descurando a Apelante que na apreciação de justa causa da resolução de um contrato de trabalho, como bem refere a Mma. Juíza a quo, nunca poderá ser esquecido que, enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reacção alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa invocada pelo trabalhador, sendo certo que, naquela se tutela a garantia do emprego por um lado, e que, nesta, não tem o trabalhador, à semelhança do que ocorre com o empregador (que detém um leque variado de sanções disciplinares), outros meios de reacção ao comportamento infractor do empregador.
70) Sendo assim, é de concluir pela total improcedência do presente recurso, devendo manter-se a douta sentença recorrida.”
1.4. O recurso foi admitido com efeito devolutivo por despacho proferido a fls. 414.
1.6. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em douto Parecer no sentido de que deve ser rejeitada a impugnação de facto e negado provimento ao recurso.
As partes, ouvidas, não se pronunciaram sobre este douto Parecer.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar as questões que se suscitem nas contra-alegações (artigo 81.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da observância, pela recorrente, dos requisitos legais para a impugnação da matéria de facto (questão prévia suscitada pelo recorrido e pelo Ministério Público);
2.ª – em caso afirmativo, da apreciação da impugnação da decisão de facto (conclusões 9.ª a 18.ª e 20.ª a 25.ª das alegações);
3.ª – da caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho (conclusão 42.ª das alegações);
4.ª – de saber se deve reconhecer-se ao ora recorrido justa causa para a resolução contratual que operou (conclusões 26.ª a 41.ª das alegações);
5.ª – da indemnização por danos não patrimoniais (conclusões 43.ª a 45.ª das alegações).
6.ª – do direito de crédito por trabalho suplementar (conclusão 19.ª das alegações);
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3. Da impugnação da decisão de facto
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A R. recorrente inicia as suas alegações e, depois, as suas conclusões, afirmando que existe na sentença um erro de apreciação da prova global produzida, ao darem-se como provados os pontos J), III), IV),VI),VII), XI), XV), XVI), XVII) de forma incorrecta ou de forma imprecisa. Acrescenta que houve factos secundários, não essenciais, que não foram dados como provados que deveriam ter sido, pois sem eles teremos uma visão parcelar do período a que a presente contenda se reporta.
O recorrido, nas suas contra-alegações, e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto Parecer, suscitaram a questão prévia da rejeição da impugnação da decisão de facto com base no incumprimento dos ónus fixados no artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b) e c) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil em vigor, por não ter a recorrente especificado os concretos meios probatórios relativos a cada ponto concreto de facto provado impugnado. Acrescenta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta que quanto aos vários factos instrumentais que alega deveria ter sido considerados provados, a recorrente não os discriminou ou identificou, nem para os mesmos, que se desconhece quais sejam, indicou elementos concretos de prova no sentido de os provar, pelo que não observou os ónus fixados no artigo 640.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Vejamos.
A propósito dos requisitos para a impugnação da matéria de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lei processual aplicável à data em que foram produzidas as alegações[2], o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Para sindicar o cumprimento destas especificações legais, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender, de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso). Actualmente, tornou-se claro que é necessária a formulação de um pedido concreto quanto à alteração da decisão de facto, com a indicação pelo recorrente da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Assim, o critério subjacente à definição da conformidade das conclusões com o comando dos artigos 639.º e 640.º do CPC está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. É esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Nesta lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso se situam os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto, cuja inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria, com vista a prevenir o uso injustificado do recurso e a delimitar o seu objecto e os termos da cognição do tribunal ad quem (pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância), tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio recursório.
Além disso, cabe ter presente que, uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária a indicação, nas conclusões, pelo menos, dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda, embora se admita que a indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação[3], sendo a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
Na palavra do douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto” e “enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”.
No caso em análise, a R. recorrente especificou nas suas conclusões pontos de facto em concreto que foram elencados na sentença como provados e que considera incorrectamente julgados: as alíneas J), III), IV),VI),VII), XI), XV), XVI), XVII) da sentença.
Mas já não indicou o sentido da decisão que pretende quanto a cada um deles, limitando-se a dizer, conclusivamente, que estes factos foram dados como provados “de forma incorrecta ou de forma imprecisa” e que na perspectiva da apelante, “ou não deveriam ter sido dados como provados ou encontram-se assentes de forma imprecisa, incompleta, não retratando a globalidade da prova produzida nas várias sessões da audiência de julgamento” (conclusões 9.ª e 10.ª), não indicando de modo algum qual o sentido da decisão a proferir nesse domínio quanto a cada um deles, não autonomizando quais são destes factos os que entende deverem ser considerados não provados (e, portanto, eliminados da decisão) e quais os que deveriam ter sido precisados ou completados e, quanto a estes, em que termos e com que redacção.
Aliás, no que diz respeito a outro grupo de factos em que imputa também à sentença erro de julgamento e que diz serem factos secundários ou não essenciais que, segundo alega, não foram dados como provados e que deveriam tê-lo sido, a recorrente não chega sequer a especificar nas suas conclusões quais são esses concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem os relaciona com os artigos constantes da alegação do seu articulado que o tribunal a quo não julgou provados e que, na sua perspectiva, deveriam considerar-se provados, limitando-se a referir que são factos instrumentais “demonstrativos do incumprimento generalizado do apelado”.
Segundo Lopes do Rego, “[a] expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente”.[4]
Assim, ainda que se saiba o sentido da decisão pretendido quanto a esta segunda vertente da impugnação da decisão de facto – o sentido de “provado” – desconhece-se a que matéria concreta de natureza instrumental pretende a recorrente reportar-se na sua impugnação.
Ainda quanto a estes “factos” que a recorrente não enumera nas conclusões, deve dizer-se que, mesmo no corpo das alegações, o que a recorrente diz que deveria constar como provado – “os diversos erros, omissões e falhas que o Autor teve durante o período de tempo que desempenhou as funções de TOC da Ré, nomeadamente que o Autor demonstrava: 1. lncapacidade de contabilização dos documentos de caixa; 2. Desconhecimento da aplicação e contabilização dos ativos pelo critério do justo valor previsto no SNC. 3. Desconhecimento da contabilização de um aumento de capital. 4. Confundir uma nota de débito com uma nota de crédito. 5. lncapacidade de distinguir passivo corrente de passivo não corrente. 6. Envio de demonstrações Financeiras com erros para o K… 7. Preparação de envio de demonstrações financeiras com erros técnicos para o L…, (que colocaria em causa a aprovação da operação de 1M€) 8. lncapacidade de fazer o apuramento mensal do IVA corretamente. 9. Ausência de resposta a questões colocadas diretamente. 10.lncumprimento de ordens diretas e escritas. Ausencia de respostas a bancos e instituições financeiras, atrasando decisões de credito. 11. Não faturar Garantias nem comissões de financiamento, colocando em causa a tesouraria e a capacidade de liquidar salários. 12. Calculo do valor de IVA a liquidar no próprio dia do pagamento, sabendo que a programação de tesouraria se efetua ao início de cada mês e que esse pagamento coloca em causa o cumprimento dos pagamentos acordados” –, consubstancia-se, essencialmente, em referências de natureza conclusiva que, por tal motivo, nunca poderia este tribunal superior fazer constar do elenco de factos a atender para fundamentar a decisão jurídica do pleito (cfr. o artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, e ambos “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Assim, temos como não cumprido o ónus prescrito na alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º, do Código de Processo Civil quanto ao primeiro grupo de factos discriminados sob as alíneas J), III), IV),VI),VII), XI), XV), XVI), XVII) da sentença e como não cumprido, quanto ao segundo grupo de factos alegadamente instrumentais, o ónus prescrito na alínea a), do n.º 1 do mesmo artigo 640.º.
O que tanto bastaria para a rejeição da impugnação da decisão quanto a todos eles.
Acresce que, como bem referem o recorrido e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, não foi efectivamente cumprido pela recorrente, em toda a impugnação de facto, o ónus de localizar, com exactidão, as passagens da gravação da prova pessoal produzida em que o recorrente funda o recurso por referência aos concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada que, na sua perspectiva, impunham decisão diferente sobre os pontos da matéria de facto de que discorda, tal como prescreve o artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC.
Com efeito, da prova pessoal que quer ver reapreciada indica, quanto ao facto J), os depoimentos da “médica psiquiatra do Autor (cujo depoimento foi gravado no dia 20/05/2014 das 14:11:33 às 14:25:48) e o depoimento de parte da Ré (cujo depoimento foi gravado no dia 26/03/2014 das 10:12:17 às 12:36:49)”, quanto aos factos III) e IV), o “- Depoimento de parte da Ré (cujo depoimento foi gravado no dia 26/03/2014 das 10:12:17 às 12:36:49) - Depoimento do Dr. J… (cujo depoimento foi gravado no dia 03/06/2014 das 10:26:21 às 12:38:58) - Depoimento do Dr. H… (cujo depoimento foi gravado no dia 18/06/2014 das 15:30:05 às 16:23:24) - Depoimento do Dr. M… (cujo depoimento foi gravado no dia 18/06/2014 das 14:13:30 às 15:21:26)”, quanto aos factos VI) e VII), o“ depoimento do pai D… (cujo depoimento foi gravado no dia 26/03/2014 das 16:10:13 às 16:26:21) e da mulher do Autor E… (cujo depoimento foi gravado no dia 26-03-2014 das 16:26:55 às 17:06:31)”, quanto ao facto XI) o “depoimento da médica psiquiatra, Dra. F… (cujo depoimento foi gravado no dia 20-05-2014 das 14:11:33 às 14:25:48)” e quanto ao facto XVI), )” o “depoimento prestado pelo Dr. J… (cujo depoimento foi gravado no dia 03/06/2014 das 10:26:21 às 12:38:58), bem como ao e-mail que se encontra junto aos autos com a contestação com o número” [referência documental esta que também é manifestamente insuficiente para individualizar e localizar o e-mail a que a recorrente pretende referir-se, atenta a profusão de documentos com esta natureza juntos com a contestação].
Daqui se extrai que a recorrente indica a duração total no suporte digital dos depoimentos que invoca, mas não indica efectivamente as concretas passagens da gravação em que funda o seu recurso por referência ao CD apenso aos autos
Ora a indicação da duração total dos referidos depoimentos no suporte digital não cumpre a exigência legal de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recorrente, pelo que não podem assim considerar-se cumpridos na íntegra os supra referidos ónus legais constantes dos artigos 640, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil na impugnação deduzida pela recorrente, como bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta.
Em suma, a recorrente não deu a conhecer ao tribunal superior os termos precisos em que pretende a alteração da decisão de facto proferida na 1.ª instância e os fundamentos probatórios de tal alteração quanto aos meios de prova gravados que invoca, não sendo a argumentação que desenvolve, por si só, de molde a lograr a alteração que pretende.
De acordo com a parte final do corpo do artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil, não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais nele previstas (regime que corresponde ao artigo 685.º-B, n.º 1 do anterior CPC).
Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai actuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[5].
Assim, sendo de concluir que não se mostram cumpridos os ónus impostos pelo artigo citado 640.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, existe fundamento para rejeição da impugnação deduzida pelo recorrente.
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4. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
A-) A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de automóveis.
B-) O autor foi contratado pela empresa N…, S.A. (empresa integrante do Grupo de empresas, do qual a aqui ré pertence) em 13 de Julho de 2001.
C-) Em 01 de Janeiro de 2006, através de cedência, o autor passou a desempenhar funções nas instalações da ré, mantendo todos os seus direitos enquanto trabalhador, designadamente, a ré assumiu a antiguidade do autor.
D-) Em 01 de Junho de 2012 o autor passou a desempenhar funções de Técnico Oficial de Contas (TOC), da empresa ré.
E-) A Administração nunca alterou a remuneração, nem modificou a categoria do autor - classificado como contabilista - a qual exige uma maior responsabilidade e uma carga de trabalho muito superior à que anteriormente detinha.
F-) O autor resolveu o seu contrato de trabalho, invocando justa causa para o efeito, o que fez por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Julho de 2013.
G-) Em tal carta, o aqui autor aponta, em suma, como fundamentos para a resolução:
«1.º Como a seguir se desenvolverá, sou de opinião que V. Exas. enquanto empregadores violaram os deveres previstos no art. 127.º, n.º 1, alíneas a); b); c); d) e e) do Código do Trabalho, pois são constantes as faltas de respeito por parte da gerência que não se coíbe de denegrir o meu trabalho, não me tratando com urbanidade e probidade; a minha retribuição não é justa e adequada ao trabalho realizado; violaram o dever de formação profissional adequada a desenvolver a minha qualificação; não me têm proporcionado boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral e não respeitam a minha autonomia técnica enquanto contabilista da empresa.
2.º Violaram ainda o meu direito a férias, que seriam gozadas no ano de 2012, desrespeitando o art. 238.º, n.º 5 do CT, o que constitui contra-ordenação grave, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, porquanto, no ano passado não gozei férias e não me queriam pagar as mesmas, alegando que como tinha assumido maiores responsabilidades e sido promovido, não devia fazer certas exigências, quando o gozo de 20 dias úteis de férias é um direito irrenunciável, imposto pelo artigo 7.º da Directiva n.º 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, de modo a que qualquer trabalhador possa recuperar física e psiquicamente, bem como beneficiar de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação na vida familiar e cultural, cf. n.º 4 do art. 237.º do Código do Trabalho.
3.º Foi-me referido expressamente pelo Sr. Eng. O… que o simples facto de ter efectuado tal pedido e que se insistisse pelo pagamento das férias vencidas e não gozadas, me poderia considerar excluído da equipa, sendo um tipo de ameaça recorrente na empresa a quem quer que reclame os seus direitos.
4.º A retribuição paga, não é justa e adequada ao trabalho desempenhado, pois a 1 de Junho de 2012 promoveram-me a técnico oficial de contas da empresa, mas até à presente data nunca reviram a minha retribuição, como era normal e expectável, mantendo-me há cerca de 6 (seis) anos com o mesmo vencimento de 1.279,00€, sem o pagamento de qualquer diuturnidade, apesar das responsabilidades e sobrecarga de trabalho que as novas funções acarretaram.
5.º Também a minha categoria profissional demorou cerca de 6 meses a ser alterada de escriturário de 1.ª para contabilista, apenas com a entrada do novo programa integrado informático em 1 de Janeiro de 2013, a Administração deu ordens para refazer a minha categoria profissional e a de muitos outros Colegas que estavam mal categorizados.
6.º Também não existe remuneração justa, pelo facto de todos os dias prestar trabalho suplementar, prescindindo muitas vezes da minha hora de almoço e saindo diariamente 1 ou 2 horas depois do período normal de trabalho acordado.
7.º Mesmo quando era escriturário de 1.ª, pontualmente laborava fora do horário, sem nunca ter sido retribuído nesse sentido.
8.º A situação agravou-se exponencialmente quando em 1 de Junho de 2012 sou promovido a TOC da empresa e aí o trabalho suplementar (não remunerado) prestado, consistia, no mínimo, em duas horas diárias, sendo muitos os dias em que fazia mais que essas duas horas diárias.
9.º Inclusive cheguei a fazer directas e mesmo na habitação, exerci trabalho para a empresa, aliás cheguei mesmo a solicitar um computador portátil com o sistema informático da empresa pelo facto de trabalhar muitas horas à noite no meu domicílio e tal ir facilitar a execução de muitas tarefas.
10.º Dada a pressão exercida pela Administração da empresa era quase que inevitável a prestação de trabalho extraordinário para além do horário normal, sem que este fosse devidamente pago.
11.º Um dos Administradores dizia-me muitas vezes que só seria alguém quando mandasse emails e respondesse a solicitações durante a madrugada, facto repetido no tempo.
12.º Nesta conformidade, o horário prestado, incluindo o suplementar, era naturalmente do perfeito conhecimento de V. Exas. que o impõe e incentivam, não se opondo ou manifestando qualquer discordância.
13.º Apesar de não picar ponto, o próprio relógio de ponto da empresa estava irregular, situação confirmada pela ACT, pelo facto de independentemente dos trabalhadores da empresa realizarem ou não horas de trabalho suplementar, registava sempre as 18H00 como horário de saída, pelo que tal trabalho extraordinário nunca foi remunerado a nenhum outro trabalhador da empresa, sendo usual todos fazerem horas extras.
14.º Por outro lado, dispõe o art. 394.º, n.º 2 do Código do Trabalho que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
- alínea b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, o que se verifica à saciedade, dadas todas as violações dos deveres do empregador atrás referidas e que adiante se concretizarão.
- alínea f) Ofensa à integridade moral, honra ou dignidade do trabalhador, praticada pelo empregador, situação que também se verifica na minha relação de trabalho, onde a administração, não se coíbe de constantemente insultar-me e pressionar-me, bem como a outros colaboradores em reuniões que faz com todos os trabalhadores.
15.º Nos últimos 30 dias a Administração disse-me que já não conta comigo, mas não efectua qualquer proposta de revogação do meu contrato de trabalho.
16.º Com efeito, estive reunido no 17 de Junho de 2013, pelas 10H00, com o Administrador Sr. Eng. O…, tendo o mesmo comunicado que a empresa não conta comigo, mas também não faz qualquer tipo de acordo de rescisão, situação que me levou a depreender que aguardavam que me despedisse.
17.º Apesar de estar de baixa médica, soube por Colegas que já fui substituído por duas pessoas, um TOC e um funcionário, tendo inclusive sido contactado pelo novo TOC da empresa, o Dr. H…, em 16 de Junho de 2013, nos termos e para os efeitos do previsto no art. 17.º do Código deontológico dos TOC.
18.º Não se tratando de substituição temporária no período da minha doença, pelo facto da Administração me ter deixado bem claro que já não retomava as anteriores funções de TOC.
19.º Ora, sempre demonstrei ao longo da relação de trabalho um elevado empenho e desempenho, mas não obstante a minha dedicação à empresa, sinto que sou perseguido e sujeito a uma enorme pressão no exercício das minhas funções o que configura um verdadeiro assédio moral com o intuito claro de provocar o meu despedimento e/ou aceitar situações abusivas que a entidade patronal me quer impor.
20.º Todos os comportamentos assumidos pela gerência da empresa fazem parte de uma estratégia concertada e lastimável de assédio moral ou mobbing no trabalho que me causaram graves danos psíquicos e psicológicos e que motivaram a que tenha ficado de baixa médica por não aguentar mais a pressão exercida.
21.º Era do V/ conhecimento que quando assumi as novas funções de TOC da empresa estava num estado psicológico frágil e a ser medicado de uma depressão, mas a sobrecarga de trabalho, o facto da equipa de trabalho ser reduzida e a anormal exigência e pressão exercida por V. Exas. agravaram ainda mais o meu estado de saúde.
22.º Tentaram por diversas vezes imiscuir-se na minha autonomia técnica enquanto TOC da empresa, como por exemplo aconteceu no caso de perdão de rendas já liquidadas por uma das empresas do grupo.
23.º Ademais, no dia 1 de Janeiro de 2013 foi instalado um complexo e problemático novo programa informático integrado denominado “P…”, que foi implementado sem que fosse ministrada formação adequada e suficiente o que acarretou também acréscimo da sobrecarga de trabalho já existente, perdendo horas a tentar resolver os problemas que diariamente surgiam.
24.º Ocorreram diversas situações às quais não sabia dar resposta, designadamente na questão do apuramento do IVA, implicando a necessidade de recorrer várias vezes aos manuais de formação e ao serviço de help-desk.
25.º Desde Junho de 2012 que pedi o reforço da equipa de trabalho, anteriormente constituída pelo Sr. G… e eu, sendo que passei a fazer o trabalho dos dois até Abril de 2013, data em que após várias interpelações minhas acederam finalmente a contratar a Dra. Q… que como é normal demorou algum tempo a inteirar-se do serviço, em especial do serviço de tesouraria e a quem tive de prestar apoio.
26.º Por outro lado, encontro-me desde Julho de 2012 sob vigilância médica e psiquiátrica e medicado para um estado de ansiedade, depressão e esgotamento, causado pelos comportamentos da administração desta empresa.
27.º Sendo que como o meu estado de saúde se agravou, não restou alternativa que não fosse afastar-me do ambiente hostil criado pela Administração desta empresa, tendo entrado de baixa médica em 25 de Junho de 2013 até ao presente.
28.º Por outro lado, não me foi prestada qualquer formação profissional, obrigatória nos termos legais.
29.º Para além de que não cumpriram com as V/ promessas de que teria acompanhamento permanente de um TOC experiente, que me ajudaria nas novas funções, situação que falhou, tal pessoa esteve mais de 6 meses sem aparecer na empresa para efeitos de me ajudar.
30.º Recordam-se certamente do meu pedido para que o Sr. G… se mantivesse mais uns meses para acompanhar o serviço de contabilidade, designadamente no que respeita ao encerramento do exercício, mas os meus alertas e pedidos foram sucessivamente ignorados.
31.º O meu serviço agravou-se e dificultou-se também pelo facto do arquivo contabilístico que se encontrava nos armazéns de Vila do Conde que a empresa vendeu, foi transportado para uma cave das instalações de Santo Tirso, para onde foi literalmente despejado, estando completamente desorganizado, inviabilizando qualquer pesquisa.
32.º Era frequente a atribuição de tarefas que nada tinham a ver com o meu conteúdo funcional, como por exemplo, no primeiro trimestre deste ano me solicitaram que estudasse e preparasse processo de contratação pública referente a 4 veículos a serem adquiridos pelo Município … e no qual perdi muitas horas de trabalho.
33.º Igualmente tive de assumir as funções de caixa, anteriormente assumidas pelo Sr. I… que saiu da empresa com uma depressão, mais uma tarefa que veio acrescer às minhas funções de TOC.
34.º Também, quando pedi no início deste ano para efectuar uma formação ministrada pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas – OTOC, responderam-me que devia tirar férias para a fazer e pagar a mesma.
35.º Situação repetida e reiterada no tempo relativamente a outras formações ministradas pela OTOC, indispensáveis face às constantes alterações legislativas, sendo que já nem sequer tinha coragem para propor a presença nas mesmas, atendendo à postura da empresa nestas situações.
(…)
39.º Toda esta situação originou a que vivesse num estado de grande ansiedade e de esgotamento nervoso, transformando a minha relação de trabalho num verdadeiro pesadelo, provocado por V. Exas., sendo esta conduta totalmente intolerável num estado de Direito e ofensiva dos meus elementares direitos.
40.º Sem que consiga perceber porquê ou porque é que me estão a prejudicar deliberadamente, ao ser colocado nesta situação, a minha família e amigos são testemunhas que fiquei profundamente afectado, consternado, triste, deprimido, dormindo e alimentando-me mal.
41.º Na verdade o assédio moral, a perseguição, a pressão, o clima de medo a que fui diariamente sujeito, são inconcebíveis e intoleráveis.
42.º Tal levou a que tivesse de meter baixa por depressão e para curar os danos provocados por V. Exas. enquanto empregador.
(…)
44.º Face ao exposto, estes comportamentos desrespeitosos e ofensivos da minha dignidade pessoal e profissional, a somar a todas as outras situações tornam absolutamente impossível e insuportável a minha continuidade ao trabalho, pelo que em consequência, resolvo com justa causa o contrato de trabalho celebrado com V. Exas., com efeitos imediatos e reclamo os créditos laborais em dívida.»
H-) Em resposta a tal missiva, a ré enviou ao autor em 17/07/2013 carta registada com A/r na qual refutava os motivos invocados para a alegada justa causa.
I-) O vencimento base do autor estava fixado em € 1.279,00, remuneração idêntica desde 2007.
J-) O autor, não suportando a situação vivida no seio da ré, entrou em período de baixa médica em 13 de Junho de 2013, baixas que foram prorrogadas por 2 vezes.
K-) O trabalho tornou-se para o autor um sacrifício, pelo que pediu uma reunião à administração da ré por forma a negociar uma rescisão amigável do seu contrato de trabalho.
L-) Durante o período de baixa do autor, a ré contratou um novo TOC, que contactou o autor para assumir a contabilidade da ré.
M-) Na sequência de uma notificação da ACT, a ré pagou ao autor o triplo da retribuição correspondente a violação do direito a férias, vencidas a 1 de Janeiro de 2012.
Mais se provou que:
I-) Aquando das novas funções, como Toc, foi prometido pela ré ao autor que mais tarde seria revista a sua situação salarial, o que, até à data da cessação do seu contrato de trabalho, não foi feito.
II-) Quando assumiu aquelas novas funções o autor estava num estado psicológico frágil e a ser medicado de uma depressão grave, estando sob vigilância médica e psiquiátrica.
III-) Por força da sobrecarga de trabalho que teve a partir daquela data - Junho de 2012 - o autor pediu reforço da equipa de trabalho, visto que passou a desempenhar as funções de dois trabalhadores, dado que, previamente, quando trabalhava como contabilista, fazia-o sob a alçada directa de G…, anterior administrador financeiro da empresa e TOC na mesma, não tendo sido ninguém contratado para o exercício das funções que ele próprio anteriormente desempenhava.
IV-) Foram ainda exigidas ao autor o cumprimento de tarefas adicionais, o que agravou claramente a situação de sobrecarga de trabalho a que estava já sujeito, nomeadamente funções de caixa, aquando da saída do colaborador I…, que saiu da empresa por estar com uma depressão, estudo sobre contratação pública referente a 4 veículos a ser adquiridos pelo Município … e organização do arquivo contabilístico, que se encontrava nos armazéns de Vila do Conde que a empresa vendeu e que foi transportado para uma cave das instalações de Santo Tirso.
V-) No dia 1 de Janeiro de 2013 foi instalado na ré um novo programa informático integrado, o que acarretou também acréscimo da sobrecarga de trabalho já existente, fazendo com que os trabalhadores, e o autor, perdessem horas a tentar resolver os problemas que diariamente surgiam.
VI-) Por força do acima descrito, o autor, a partir de Junho de 2012, momento em que foi promovido e passou a desempenhar funções de TOC, passou a trabalhar a mais, em média, pelo menos, 2 horas diárias.
VII-) Facto que era do conhecimento da ré, e até incentivado pela mesma, dada a responsabilidade inerentes ao exercício das novas funções assumidas pelo autor.
VIII-) Em Abril de 2013 foi contratada a Dra. Q… para auxiliar o autor, assumindo algumas tarefas que eram até então desempenhadas pelo mesmo.
IX-) Durante o ano de 2012, conforme acordado entre autor e ré, o autor apenas gozou 11 dias de férias, não seguidos, sendo que no mês de Agosto apenas gozou 4 dias úteis (dias 13,14, 16 e 17).
X-) A categoria profissional do autor demorou cerca de 6 meses a ser alterada de escriturário de 1.ª para contabilista, o que apenas aconteceu com a entrada do novo programa informático em 1 de Janeiro de 2013.
XI-) Em reunião ocorrida em 17 de Junho de 2013, pelas 10H00, com o Administrador Sr. Eng. O…, pedida pelo autor, conforme descrito em K-), aquele transmitiu ao mesmo que não faria com ele qualquer tipo de acordo de rescisão.
XII-) Por força e como consequência do supra descrito, o autor viu a sua situação de saúde agravada, tendo tido uma recaída em Maio/2013, com necessidade de aumentar a medicação antidepressiva, sendo aconselhado a interromper a actividade laboral, o que também se reflectiu na sua relação com a família e amigos.
XIII-) Em 21/12/2012 foi ministrado ao autor formação na sua área da actividade, com a designação P1… - Formação contas a receber, com a duração de 3 horas e meia.
XIV-) Nos dias 17 e 18 de Janeiro/2013 foi ministrado formação, com a designação P1… - Formação contabilidade, com a duração de 14 horas.
XV-) A ré contratou dois novos colaboradores para a empresa, Dr. S… e Dr. H…, tendo celebrado com este último o contrato de prestação de serviços junto a fls. 167 dos autos e cujo teor aqui se reproduz, com vista a prestar assessoria em contabilidade e fiscalidade e a dar formação naquelas áreas, num mínimo de 35 horas mensais, com inicio em 01/07/2012.
XVI-) O autor solicitou à ré, pelo menos em Janeiro/2013, que lhe fosse permitido participar numa formação profissional ministrada pela OTOC, tendo-lhe sido dito que para fazer a mesma teria de meter um dia de férias, não vendo a ré motivos para permitir a mesma em tempo de trabalho e suportar o seu custo pelo facto de ter sido contratado o Dr. H… para dar formação.
XVII-) A Administração da ré deliberou, em 11 de Junho de 2013, instaurar um processo disciplinar ao autor – fls. 72 – ao qual depois não deu prosseguimento.
[...]».
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso.
*
5. Fundamentação de direito
*
5.1. Da caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho
Já no âmbito da vertente jurídica da apelação, cabe enfrentar antes de mais – porque pode prejudicar o conhecimento da justa causa de resolução – a alegação da recorrente de que nenhuns dos factos em que o tribunal sustentou a sua decisão poderiam ser atendidos, pois todos eles eram do conhecimento do aqui apelado há mais de 30 dias, circunstância que o tribunal não atendeu (conclusão 42.ª).
Compulsados os autos, verifica-se que a recorrente não suscitou esta questão da caducidade do direito de resolução na contestação que apresentou na 1.ª instância, limitando-se a impugnar os factos alegados pelo A. e alegando a sua inaptidão para fundamentar a resolução com justa causa do contrato de trabalho (vide a contestação de fls. 53 e ss.).
Jamais invocou a recorrente naquela peça processual que o A. inobservou um qualquer prazo para o exercício do direito que quer fazer valer.
Por isso se compreende que a sentença da 1.ª instância não tenha analisado e decidido a questão da caducidade do direito de resolução, questão esta que se perfila nesta instância como uma questão nova.
Como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil de 2013 (correspondente ao artigo 676.º do Código de Processo Civil revogado), e constitui jurisprudência uniforme e reiteradamente afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[6].
Os recursos ordinários visam a reponderação da decisão proferida, dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.05.25[7], a caducidade do direito de rescisão do contrato de trabalho constitui uma excepção peremptória que não é de conhecimento oficioso, sendo extemporânea a arguição de tal questão efectuada apenas nas alegações da apelação interposta da sentença de 1.ª instância, em homenagem ao princípio da concentração da defesa previsto no art. 489.º do Código de Processo Civil.
E no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 2002.05.08 decidiu-se, igualmente, que o prazo de 15 dias para a rescisão (então fixado no n.º 2 do art.º 34 da LCCT), não se mostra estabelecido em matéria que seja de considerar excluída da disponibilidade das partes, pelo que só é de conhecer da caducidade do direito de rescisão do contrato com justa causa, pelo trabalhador, se a excepção tiver sido, no momento próprio (contestação), invocada pela parte que dela queira aproveitar-se[8].
No caso em análise, a questão da caducidade do direito de resolução não foi colocada ao tribunal da 1.ª instância, nem a sentença recorrida sobre ela se debruçou, pelo que não se conhece do recurso no que diz respeito a esta questão.
*
5.2. Da justa causa para a resolução
Aqui chegados, cabe aferir se a resolução contratual a que o A. procedeu se fundou, ou não, em justa causa, pois que a verificação desta condiciona o direito do trabalhador a resolver o contrato com efeitos imediatos.
5.2.1. Ao exercício do direito de resolução, aplica-se o regime jurídico do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em face do que prescreve o art. 7.º, n.º 1 da Lei Preambular, e uma vez que, quer o acto desvinculatório, quer os actos invocados para o fundamentar, tiveram lugar em plena vigência deste Código (a partir de Junho de 2012).
O artigo 394.º, n.º 1 do Código do Trabalho possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador sem necessidade de observar o período de aviso prévio previsto no art. 400.º do Código do Trabalho em situações que considera serem anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio. O preceito abarca duas espécies de justa causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador: a justa causa subjectiva (n.º 2) e a justa causa objectiva (n.º 3).
Estabelece o art.º n.º 2 do referido artigo 394.º, que “[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante legítimo.”
Como escreve o Professor João Leal Amado[9] relativamente à justa causa subjectiva de demissão, elencada nas diversas alíneas do n.º 2 em termos meramente exemplificativos (“nomeadamente”), esta “refere-se a comportamentos ilícitos e culposos do empregador, analisando-se naquilo que muitas vezes se designa de despedimento indirecto, isto é, abrange casos em que a ruptura contratual, conquanto desencadeada pelo trabalhador, tem como verdadeiro e último responsável o empregador, o qual viola culposamente os direitos e garantias daquele”.
A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam e na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do art.º 395.º.
Ou seja, dessa indicação depende a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato[10].
De acordo com o art. 394.º, nº 4 do Código do Trabalho, a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador, tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do nº 3 do art. 351º do mesmo diploma, com as necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho que o contrato pressupõe.
*
5.2.2. No caso "sub judice", pode neste momento considerar-se assente que o A. mantinha em vigor com a R. um contrato de trabalho com antiguidade reportada a 13 de Julho de 2001 (factos C e D).
O A. pôs termo a este contrato invocando justa causa, através da carta datada de 11 de Julho de 2013 que enviou à R. [facto G)], aí fundando a sua atitude resolutória, em resumo, nas seguintes circunstâncias:
● ter sido sujeito a assédio moral ou mobbing, com comportamentos de perseguição da R. no âmbito de uma estratégia concertada com vista ao despedimento do A.;
● violação do direito a férias em 2012;
● indevida categorização profissional e promessa de revisão salarial não cumprida;
● aumento de carga de trabalho, com tarefas adicionais, e pressão sem que lhe tenha sido pago trabalho suplementar prestado e incentivado pela R.;
● não lhe ser permitido receber formação profissional imposta por Lei e exigida pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.
A sentença da 1.ª instância considerou que não assistia ao A. direito à resolução com fundamento nos alegados assédio moral e violação do direito a férias. Quanto à primeira entendeu que “nenhuma materialidade foi apurada que nos permita concluir por uma conduta persecutória e intencional da ré, entidade empregadora, sendo que a materialidade apurada é claramente insuficiente para retractar tal assédio. Situações de stress, provocadas pela responsabilidade de funções, com chefias exigentes e interventivas, não consubstanciam em si uma efectiva perseguição do trabalhador”. Quanto à violação do direito a férias, entendeu que as férias gozadas e os moldes em que o foram, resultaram de acordo entre A. e R., confessando o A. no seu depoimento “que acordou com a ré nesse sentido dadas as novas funções assumidas na empresa e exigência das mesmas”, não podendo agora o mesmo “obter e justificar uma resolução do seu contrato de trabalho com base no não gozo de férias a que o próprio acedeu”.
Após a análise dos factos apurados, a mesma sentença considerou que “[a]inda que não demonstrada totalmente a justificação apresentada naquela carta para o efeito, certo é que - a indevida categorização profissional do autor, a não revisão da sua situação salarial como prometido com um claro aumento da carga de trabalho e pressão a que foi sujeito, de maior responsabilidade, os pedidos de trabalho extra, tais como caixa, arquivo, contratação pública, etc, que o obrigou a trabalho suplementar de que a ré tinha conhecimento e incentivava sem remunerar, aliado à não permissão para frequentar formação profissional que era obrigado a fazer junto da Ordem que tutela a profissão, o que tudo contribui para agravar o seu estado de saúde, de que a ré tinha também conhecimento - justifica e torna legitima a resolução do contrato de trabalho do autor com justa causa”.
Restam assim para apreciar em fundamento da justa causa, exclusivamente, os factos que foram comunicados à R. a propósito dos demais fundamentos invocados na carta em que o A. procedeu à resolução do contrato de trabalho.
É sobre estes aspectos que versa o recurso interposto, considerando a R. recorrente, ao invés do que foi decidido na 1.ª instância, que os factos respectivos não consubstanciam justa causa para a resolução operada pelo A., ora recorrido.
Vejamos.
*
5.2.2.1. Quanto à indevida categorização profissional e promessa de revisão salarial não cumprida
Invoca a recorrente que, no que respeita à retribuição e categoria profissional, a Mma. Juiz a quo valorou determinada factualidade e desconsiderou por completo toda a factualidade que permitiria justificar o comportamento da apelante e que, conforme ficou demonstrado nos autos, o Autor recebia acima da tabela salarial, pelo que não estava prejudicado, ou tinha uma retribuição inferior à permitida por lei.
Recordemos os factos que se provaram a este propósito:
D-) Em 01 de Junho de 2012 o autor passou a desempenhar funções de Técnico Oficial de Contas (TOC), da empresa ré.
E-) A Administração nunca alterou a remuneração, nem modificou a categoria do autor - classificado como contabilista - a qual exige uma maior responsabilidade e uma carga de trabalho muito superior à que anteriormente detinha.
I-) O vencimento base do autor estava fixado em € 1.279,00, remuneração idêntica desde 2007.
I-) Aquando das novas funções, como Toc, foi prometido pela ré ao autor que mais tarde seria revista a sua situação salarial, o que, até à data da cessação do seu contrato de trabalho [11 de Julho de 2013], não foi feito.
II-) Quando assumiu aquelas novas funções o autor estava num estado psicológico frágil e a ser medicado de uma depressão grave, estando sob vigilância médica e psiquiátrica.
III-) Por força da sobrecarga de trabalho que teve a partir daquela data - Junho de 2012 - o autor pediu reforço da equipa de trabalho, visto que passou a desempenhar as funções de dois trabalhadores, dado que, previamente, quando trabalhava como contabilista, fazia-o sob a alçada directa de G…, anterior administrador financeiro da empresa e TOC na mesma, não tendo sido ninguém contratado para o exercício das funções que ele próprio anteriormente desempenhava.
VI-) Por força do acima descrito, o autor, a partir de Junho de 2012, momento em que foi promovido e passou a desempenhar funções de TOC, passou a trabalhar a mais, em média, pelo menos, 2 horas diárias.
VII-) Facto que era do conhecimento da ré, e até incentivado pela mesma, dada a responsabilidade inerentes ao exercício das novas funções assumidas pelo autor.
X-) A categoria profissional do autor demorou cerca de 6 meses a ser alterada de escriturário de 1.ª para contabilista, o que apenas aconteceu com a entrada do novo programa informático em 1 de Janeiro de 2013.
No que diz respeito a este aspecto, a Mma. Julgadora da 1.ª instância teceu as seguintes considerações:
«[…] no que alude aos pontos 4º e 5º – retribuição e categoria profissional - temos que ver que, neste item, provou-se que o autor esteve mal categorizado, pois exercia efectivamente funções de Contabilista e a sua categoria “oficial” era a de Escriturário de 1.ª, situação que apenas se regularizou no início ano de 2013, sendo que, em Julho de 2012 o mesmo passou a desempenhar funções de Técnico Oficial de Contas (TOC) da empresa ré, não tendo a administração alterado a sua remuneração, nem modificado a categoria, a qual exigia uma maior responsabilidade e uma carga de trabalho muito superior à que anteriormente detinha.
Provou-se também que aquando das novas funções, como Toc, foi prometido pela ré ao autor que mais tarde seria revista a sua situação salarial, o que, até à data da cessação do seu contrato de trabalho, não foi feito.
É evidente que o autor tem total razão no aqui reivindicado, estando a ré claramente a infringir a lei, não adequando, como se impõe, a categoria profissional do autor ao efectivo exercícios das suas funções (mais grave que isso, quando actualiza a categoria do mesmo – para contabilista - fá-lo sabendo que ele já não tem tal categoria na empresa, pois que a ré promovera-o a TOC!).
É também evidente que o autor tinha legítima expectativa em ver o seu salário actualizado face à promoção ocorrida, expectativa que decorria da própria promessa da ré nesse sentido (sendo que, neste item, os depoimentos prestados apenas diferiram quanto ao momento em que tal deveria ocorrer, o autor afirmou que o combinado seria ser feita uma revisão salarial no inicio do ano de 2013 e o legal representante da ré no encerramento do ano fiscal, em Maio/2013).
É também certo que essa revisão não ocorreu, sendo que o próprio autor admitiu em julgamento que nunca colocou tal questão à administração, não mais solicitando fosse revista a mesma, por entender, face à entretanto sucessão de acontecimentos, tal não ser oportuno.
A ser assim, cumprirá agora aferir se esta indevida categorização e esta não actualização salarial afectou o autor de forma a entender não lhe ser mais exigível continuar aquela relação laboral.
É certo que o autor recebia já acima da tabela, mas, ainda assim, foi-lhe prometido algo pela empresa que por esta não foi claramente cumprido até à data da cessação do contrato. E tem de haver um retorno, pois, caso contrário, a promoção dada ao autor, tornar-se-ia apenas um presente envenenado, acarretando-lhe maior trabalho e responsabilidades sem que fosse devidamente compensado pela única forma que a ré se comprometera a faze-lo: rever a sua situação salarial.
E se bem que nos pareça que tal promessa incumprida deveria ter feito o autor reagir aquando do vencimento da mesma, que para si era em Janeiro/2013, tal não é, quanto a nós, impeditivo de o fazer na carta de resolução do contrato, invocando a mesma como justa causa de resolução, pois que também não vemos outra solução de que pudesse o autor lançar mão quando não vê comprida a promessa feita em torno de uma actualização de vencimento (não esqueçamos que a retribuição constitui a contrapartida do trabalho prestado pelo trabalhador, representando o principal e fundamental direito decorrente do contrato de trabalho).
Tal factualidade, aliada como veremos, a outros factos trazidos à colação, tornava pois justa a invocada resolução.
[…]»
Quanto à questão da categorização, resulta efectivamente dos autos que o autor esteve mal categorizado, pois que era contabilista e, como invoca na missiva resolutória, a sua categoria profissional demorou cerca de 6 meses a ser alterada de escriturário de 1.ª para contabilista, o que igualmente se provou (facto X).
É apenas este facto, quanto à indevida categorização, que se mostra em causa, pois que mais não foi invocado como fundamento da resolução, pelo que a este propósito não são atendíveis para justificar a resolução operada as considerações expressas na sentença de que em Julho de 2012 o A. passou a desempenhar funções de Técnico Oficial de Contas (TOC) da empresa ré, não tendo a administração modificado a categoria, a qual exigia uma maior responsabilidade e uma carga de trabalho muito superior à que anteriormente detinha.
Sem embargo de reconhecer que da matéria de facto emerge esta maior responsabilidade e carga de trabalho, a verdade é que em termos de categorização profissional – o que agora se mostra em causa – o A. não indica na missiva que lhe devesse ser atribuída a categoria profissional de TOC, nem se nos afigura que tal categoria profissional se mostre autonomizada no instrumento de regulamentação colectiva que alega ser-lhe aplicável.
Com efeito, não sendo o A. sindicalizado, e como o próprio alega, têm-se como aplicáveis à relação laboral sub judice as condições de trabalho constantes do contrato colectivo entre a ACAP — Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e da Energia e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 37, de 8 de Outubro de 2010, que foram estendidas no território do continente às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as actividades abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas através da Portaria n.º 3/2011, de 3 de Janeiro e às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as actividades abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas não representados pelas associações sindicais outorgantes [als. a) e b) do artigo 1.º da Portaria][11].
Em tal instrumento de regulamentação colectiva, mostra-se consagrada a obrigação de classificação profissional de acordo com as funções efectivamente desempenhadas (cláusula 6.ª), mas não se mostra autonomizada a categoria profissional de TOC. Apenas se prevê a categoria profissional de “Contabilista” como integrando o nível de qualificação “I – Quadros Superiores”. Não se procede, contudo, à descrição das funções inerentes a esta categoria profissional.
Procurando tal descrição, verifica-se que esta Convenção Colectiva de Trabalho publicada no BTE n.º 37/2010 na parte destinada à “Integração das profissões abrangidas por este CCT em níveis de qualificação” faz expressa remissão para a Convenção Colectiva de Trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 19, de 22 de Maio de 1982, a qual procede a igual integração do “Contabilista” como integrando o nível de qualificação “I – Quadros Superiores”, fazendo por sua vez expressa remissão para as Convenções Colectivas de Trabalho publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 39, de 22 de Outubro de 1980. Apenas neste instrumento encontramos o descritivo funcional do Contabilista, com a seguinte redacção:
«É o trabalhador que organiza e dirige os serviços de contabilidade e emite parecer sobre problemas de natureza contabilística; estuda a planificação dos circuitos contabilísticos, analisando os diversos sectores de actividade da empresa de forma a assegurar uma recolha de elementos precisos com vista à determinação de custos e resultados de exploração; elabora o plano de contas a utilizar para a obtenção dos elementos mais adequados à gestão económico-financeira e cumprimento da legislação comercial e fiscal; supervisiona a escrituração dos registos e livros de contabilidade, coordenando, orientando e dirigindo os empregados encarregados dessa execução; fornece os elementos contabilísticos necessários à definição da política orçamental e organiza e assegura o controlo de execução do orçamento; elabora ou certifica os balancetes e outras informações contabilísticas a submeter à administração ou a fornecer a serviços públicos; procede ao apuramento de resultados, dirigindo o encerramento das contas e a elaboração do respectivo balanço, que apresenta e assina; elabora o relatório explicativo que acompanha a apresentação de contas e fornece indicações para essa elaboração; efectua as revisões contabilísticas necessárias, verificando os livros ou registos para se certificar da correcção da respectiva escrituração. Pode subscrever a escrita da empresa, sendo o responsável pela contabilidade das empresas dos grupos A e B a que se refere o Código da Contribuição Industrial, perante a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Nestes casos tem o título de técnico de contas.»
A categoria profissional a atribuir ao trabalhador é, pois, a de “contabilista”, sendo que este pode também ter o título de técnico de contas quando no seu exercício se mostram incluídas estas funções finais, como se nos afigura que passou a suceder com o A. quando foi investido em Julho de 2012 das funções de TOC.
Não vemos pois que possa censurar-se à R. o não ter categorizado o A. como TOC, designação que não tem autonomia enquanto categoria profissional, nem este o reclama, pelo que se não acompanham as considerações expressas na sentença, bem para além do que o próprio A. invoca, no sentido de que a conduta da R. é ainda mais grave “quando actualiza a categoria do mesmo – para contabilista - fá-lo sabendo que ele já não tem tal categoria na empresa, pois que a ré promovera-o a TOC”.
Quanto ao referido a este propósito pelo A. na carta de resolução – que “a minha categoria profissional demorou cerca de 6 meses a ser alterada de escriturário de 1.ª para contabilista, apenas com a entrada do novo programa integrado informático em 1 de Janeiro de 2013, a Administração deu ordens para refazer a minha categoria profissional e a de muitos outros Colegas que estavam mal categorizados” –, matéria a que nos cingimos, tal facto ficou provado, embora não conste do mesmo a referência ao que sucedeu com outros colegas de trabalho do A. (vide o facto X).
A despeito de se impor ao empregador o dever de classificar o trabalhador com o rótulo da categoria profissional correspondente às funções efectivamente exercidas, em conformidade com o denominado “princípio da correspondência”, entendemos que esta demora de 6 meses não é suficiente para justificar a resolução contratual, maxime se enquanto perdurou a indevida classificação a retribuição paga era superior à convencionalmente exigida – como as partes aceitam e a Mma Juiz a quo relevou – e se, como diz o A. na carta, tal aconteceu com outros trabalhadores e foi resolvido com a entrada em funcionamento de um novo programa informático em 1 de Janeiro de 2013. Estas duas circunstâncias indiciam, por um lado, que este comportamento inadimplente do empregador não se relacionava apenas com este trabalhador e, por outro, que o empregador se preocupou em resolver a situação, tendo-o feito mais de 6 meses antes de, em Julho de 2013, o A. ter operado a resolução do contrato de trabalho.
Esta última circunstância, não implicando que no caso vertente possa considerar-se caduco o direito de resolver o contrato de trabalho, como resulta do já exposto, não pode deixar de ser ponderada em termos de evidenciar que a indevida classificação não foi de molde a tornar inexigível a relação de trabalho para o A. enquanto perdurou, nem durante os seis meses que se seguiram à correcção da situação por parte da recorrente. E não pode também deixar de se ponderar que o A. deixou passar este lapso de tempo já correctamente classificado para vir mais tarde a invocá-la, a par de outros factos, como fundamento da justa causa para resolver o contrato.
No que diz respeito a não ter a R. alterado a retribuição do A. apesar de o mesmo ter passado a desempenhar funções de Técnico Oficial de Contas (TOC) provou-se que aquando destas novas funções, “foi prometido pela ré ao autor que mais tarde seria revista a sua situação salarial, o que, até à data da cessação do seu contrato de trabalho, não foi feito” (facto I).
Como a 1.ª instância, entendemos que o autor tinha legítima expectativa em ver o seu salário actualizado face às novas funções que começou a desenvolver em Junho de 2012, expectativa que decorria desta promessa da ré nesse sentido.
Mas bastará a existência desta expectativa para se considerar que a não actualização salarial até Julho de 2013, quando o A. pôs fim ao contrato, ou seja, durante cerca de um ano, justifica a resolução?
Também aqui entendemos ser negativa a resposta.
Com efeito, o direito à actualização aqui em causa radica, apenas, na promessa feita pelo empregador ao autor de que “mais tarde seria revista a sua situação salarial, quando lhe atribuiu a nova responsabilidade de, como contabilista, assumir as funções de TOC.
Assim, sendo a promessa da actualização para “mais tarde”, sem qualquer concretização temporal, não estando demonstrado que anteriormente o A. haja reclamado o que quer que seja a este propósito, apesar do aumento da responsabilidade e do trabalho, e tendo ainda em atenção que o salário auferido de € 1.279,00 é superior ao devido perante o instrumento de regulamentação colectiva (há consenso entre as partes a este propósito e a própria sentença refere que o A. recebia “acima da tabela”), entendemos que o facto de cerca de um ano volvido da assunção das novas responsabilidades de TOC a R. não ter ainda procedido à referida actualização salarial, não traduz um facto ilícito e culposo do empregador.
Sem que se negue a justeza de uma actualização salarial face ao comprovado aumento de responsabilidade e trabalho, cremos que se o A. a pretendia, perante a vacuidade e indeterminação temporal da promessa que lhe foi feita quando lhe foram confiadas as novas responsabilidade, se lhe impunha que interpelasse a R. para o efeito. Não o tendo feito, e atento o que provado ficou quanto ao que foi prometido, não se pode ter a promessa como incumprida.
Deve notar-se que, como o faz a sentença, que “o próprio autor admitiu em julgamento que nunca colocou tal questão à administração, não mais solicitando fosse revista a mesma, por entender, face à entretanto sucessão de acontecimentos, tal não ser oportuno” (a fls. 274).
Em suma, não acompanhamos também a sentença sob censura quando a mesma refere que o A. não estava impedido de reagir na carta de resolução do contrato à “promessa incumprida”, invocando a mesma como justa causa de resolução, e que não vê outra solução de que pudesse o A. lançar mão quando não foi comprida a promessa de actualização de vencimento.
Não se verificando a este propósito um comportamento ilícito e culposo do empregador (n.º 2 do artigo 394.º do CT), não se coloca, sequer, a necessidade de aferir se tal afectou o autor de forma a entender-se não lhe ser mais exigível continuar aquela relação laboral (n.ºs 1 e 4 do mesmo artigo 394.º).
*
5.2.2.2. Quanto ao aumento de carga de trabalho e pressão, com tarefas adicionais, sem que tenha sido pago o alegado trabalho suplementar incentivado pela R.
Também a este propósito a recorrente refuta haver justa causa para a resolução e alega concretamente não ter ficado provado que o A. prestasse duas horas de trabalho suplementar por dia, o que se retira da própria fundamentação de direito da sentença onde o tribunal se socorre da previsão do n.º 5 do artigo 231 do Código do Trabalho, a qual cria uma penalização para a entidade empregadora que não possui registo do trabalho suplementar. Alega, ainda, que o A. não tem direito a receber qualquer pagamento a título de trabalho suplementar, uma vez que só é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador, nos termos do número 2 do artigo 268.º do Código do Trabalho, que nunca o trabalhador instou a R. para que lhe pagasse valores que entendesse serem devidos.
Relativamente a este aspecto, a Mma. Juiz a quo exarou o seguinte:
«[…]
Iguais considerandos teremos de fazer no que alude aos pontos 6º a 13º daquela carta – trabalho suplementar não remunerado. Neste item, provou-se que, de facto, a partir de Junho de 2012, momento em que foi promovido e passou a desempenhar funções de TOC na empresa, o autor passou a trabalhar a mais, em média, pelo menos, 2 horas diárias, o que era do conhecimento da ré e até incentivado pela mesma dada a responsabilidade inerentes ao exercício das novas funções.
Evidentemente que tal trabalho suplementar, que tem de ser pago e liquidado, só por si poderia não fundar, de forma justificada, a resolução do contrato aqui em causa, por justa causa, até porque, não resulta dos autos que o autor tivesse, decorrido um ano de prestação diária, tal pagamento reclamado à administração. Mas, no quadro em que a mesma ocorre, a situação é diferente. Vimos já que a administração era sabedora das queixas do autor, do excesso de trabalho do mesmo, das horas que prestava a mais e que a ré não só não pagava, como incentivava, o que, aliado à não revisão da sua situação salarial, nos faz concluir por uma actuação culposa da ré, que, não só não cumpriu a promessa de revisão salarial, como era sabedora do aumento de responsabilidade do autor, das horas extra que prestava, sem que o autor disso tivesse qualquer retorno, o que apenas faz, mais uma vez, salientar o presente envenenado que lhe foi dado (é certo que promoção na empresa o pode satisfazer profissionalmente, é certo que a empresa lhe estava a dar uma oportunidade de nela crescer e vingar, mas, tal, só por si, não basta, quando tal promoção, que foi feita, não esqueçamos, com promessa de revisão salarial, apenas vem acompanhada de maior trabalho, responsabilidade, grande exigência profissional e nada mais. E também aqui, como o dissemos para a questão das férias, é claramente ir contra as mais elementares regras de boa fé - que devem existir e que são aplicáveis a ambas as partes num contrato de trabalho - prometer mais – salário - e não cumprir - apenas fazendo mais exigências, exigindo maior responsabilidade!).
Esta factualidade justifica também, toda ela conjugada, uma justa causa de resolução.
[…]»
Recordemos os factos que se provaram a este propósito:
III-) Por força da sobrecarga de trabalho que teve a partir daquela data - Junho de 2012 - o autor pediu reforço da equipa de trabalho, visto que passou a desempenhar as funções de dois trabalhadores, dado que, previamente, quando trabalhava como contabilista, fazia-o sob a alçada directa de G…, anterior administrador financeiro da empresa e TOC na mesma, não tendo sido ninguém contratado para o exercício das funções que ele próprio anteriormente desempenhava.
IV-) Foram ainda exigidas ao autor o cumprimento de tarefas adicionais, o que agravou claramente a situação de sobrecarga de trabalho a que estava já sujeito, nomeadamente funções de caixa, aquando da saída do colaborador I…, que saiu da empresa por estar com uma depressão, estudo sobre contratação pública referente a 4 veículos a ser adquiridos pelo Município … e organização do arquivo contabilístico, que se encontrava nos armazéns de Vila do Conde que a empresa vendeu e que foi transportado para uma cave das instalações de Santo Tirso.
V-) No dia 1 de Janeiro de 2013 foi instalado na ré um novo programa informático integrado, o que acarretou também acréscimo da sobrecarga de trabalho já existente, fazendo com que os trabalhadores, e o autor, perdessem horas a tentar resolver os problemas que diariamente surgiam.
VI-) Por força do acima descrito, o autor, a partir de Junho de 2012, momento em que foi promovido e passou a desempenhar funções de TOC, passou a trabalhar a mais, em média, pelo menos, 2 horas diárias.
VII-) Facto que era do conhecimento da ré, e até incentivado pela mesma, dada a responsabilidade inerentes ao exercício das novas funções assumidas pelo autor.
Perante estes factos, entendemos que não pode dar-se como verificada a prática, por parte do A., de trabalho que deva qualificar-se como trabalho suplementar.
Com efeito, o que se provou foi que, a partir de Junho de 2012, momento em que foi promovido e passou a desempenhar funções de TOC, o A. “passou a trabalhar a mais, em média, pelo menos, 2 horas diárias” (facto VI).
Este facto, atenta a sua vacuidade, não permite que se conclua ter o A. prestado, no mínimo, duas horas diárias de trabalho suplementar não remunerado depois de 1 de Junho de 2012, como alegou na carta de resolução, ou que trabalhasse no mínimo 50 horas semanais, como alegou na petição inicial (onde formulou um pedido de pagamento de trabalho suplementar equivalente a 2 horas diárias, em 22 dias por mês, obtendo 44 horas de trabalho suplementar mensais que multiplicou por um período de 12 meses).
Nos termos do artigo 226.º do Código do Trabalho de 2009, considera-se trabalho suplementar todo aquele que é “prestado fora do horário de trabalho” e de acordo com o artigo 200º do mesmo Código, entende-se por horário de trabalho a “determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”. O período normal de trabalho, por seu turno, é “[o] tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana” – artigo 198.º do Código do Trabalho.
Ora a verdade é que, no caso em análise, se desconhece, de todo, “a mais” de quê foi prestado o trabalho que se apurou no ponto VI da matéria de facto, não sendo os factos apurados suficientes para integrar estes conceitos de direito. Se se provou que o A. passou a trabalhar “a mais” 2 horas diárias em média, mas se desconhece a mais de quê passou ele a trabalhar essas duas horas – vg. a mais do que antes sucedia, ou a mais do horário de trabalho que lhe foi fixado (e que também se não conhece), ou a mais do seu período normal de trabalho diário – não pode afirmar-se que o A. prestou trabalho de natureza suplementar. Aliás, a invocação por parte da Mma. Juiz a quo da presunção prevista no n.º 5 do artigo 231.º na fundamentação de direito da sentença para efeitos de reconhecer ao A. o direito de crédito à retribuição especial por trabalho suplementar correspondente a duas horas diárias, denota que a resposta à decisão de facto foi propositadamente vaga, porque mais se não apurou quanto ao trabalho efectivamente realizado pelo A.
Não pode, pois, a resolução contratual fundar-se na indemonstrada prática de trabalho suplementar não remunerado.
Quanto ao cumprimento de tarefas adicionais exigidas ao autor, apenas poderá atender-se às funções de caixa, aquando da saída do colaborador I…, que saiu da empresa por estar com uma depressão e ao estudo sobre contratação pública referente a 4 veículos a ser adquiridos pelo Município ….
A organização do arquivo contabilístico, que se encontrava nos armazéns de Vila do Conde que a empresa vendeu e que foi transportado para uma cave das instalações de Santo Tirso não constitui tarefa adicional que o A. tenha elencado na missiva resolutória (pontos 32.º e 33.º), sendo a referência nesta feita ao arquivo apenas alusiva ao facto de a sua desorganização dificultar o serviço do A. e inviabilizar qualquer pesquisa (ponto 31.º), o que constitui realidade diversa da atribuição de tarefas de organização que não terão a ver com o conteúdo funcional da categoria.
Quanto aos factos de ter sido o A. incumbido de funções de caixa, aquando da saída do colaborador I… por ter sofrido uma depressão e do estudo sobre contratação pública referente a 4 veículos a ser adquiridos pelo Município …, trata-se efectivamente de funções não se enquadram no descritivo funcional da categoria profissional de contabilista já acima descrito pelo que, em princípio, não deveriam ser exigidas ao trabalhador.
Com efeito, a protecção legal da categoria profissional – que se traduz basicamente num modo de identificação, por referência a uma fórmula ou a um “nomen”, das funções que um trabalhador pode ser obrigado a realizar[12] - faz parte do núcleo duro do ordenamento juslaboral há largos anos e manifesta-se em vários sentidos, um dos quais o princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria contratual do trabalhador (com a inerente garantia da invariabilidade da prestação relativamente às funções para que o trabalhador foi contratado e ao conjunto de tarefas que efectivamente o trabalhador realiza).
No Código do Trabalho de 2003, o princípio da invariabilidade da prestação encontrou arrimo no artigo 151.º, n.º s 1 e 5, embora aí referindo a “actividade contratada” em vez da referência à categoria profissional. A denominada mobilidade funcional (correspondente ao ius variandi) foi prevista no artigo 314.º como uma vicissitude contratual. E passaram a incluir-se no conceito de actividade contratada as “funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas” (artigo 151.º, n.º 2), permitindo ao empregador exigir ao trabalhador uma prestação de trabalho mais vasta ou complexa[13], sem limite de tempo e sem direito a reclassificação pelo desempenho das funções acessórias quando as mesmas correspondam a uma categoria profissional superior.
O Código do Trabalho de 2009 mantém essencialmente o regime de 2003. O princípio da invariabilidade da prestação mostra-se consagrado no artigo 118.º, n.º 1, também com referência à actividade contratada. As funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade nuclear que correspondam a outras actividades compreendidas “no mesmo grupo ou carreira profissional do trabalhador”, para que o trabalhador tenha qualificação e que não impliquem a sua desvalorização profissional, podem ser exercidas acessoriamente a esta (artigo 118.º, n.ºs 2 e 3) e integram a “actividade contratada em sentido amplo”, não conferindo o direito de reclassificação[14]. E pode também o trabalhador ser chamado a desempenhar funções não compreendidas na função que lhe foi atribuída nas situações limitadas da mobilidade funcional reguladas no artigo 120.º do mesmo Código.
No caso vertente, resulta da missiva resolutória que, ao invocar a assunção destas duas tarefas, o A. não coloca o enfoque tanto na variação ou mobilidade funcional como na circunstância de aquelas tarefas implicarem para si sobrecarga de trabalho e acrescerem às funções de TOC.
Seja como for, o modo pontual e vago como invoca a sua realização e como ficaram descritos os inerentes factos, denota que se tratou de uma atribuição ocasional de outras tarefas, sendo que o facto de a atribuição se não encontrar localizada no tempo dificulta a análise da sua relevância face à atitude resolutória e dificulta, também, a análise da própria licitude (ou ilicitude) da inerente variação funcional.
Além disso, descortina-se alguma justificação para a sua atribuição, designadamente quanto à primeira, que se verificou por ocasião da saída de um trabalhador que estava com depressão (facto IV).
Neste contexto, ainda que possa considerar-se haver uma conduta ilícita da recorrente ao nível das garantias ligadas à categoria profissional com a atribuição destas duas tarefas – por não demonstrados cabalmente os pressupostos legais do recurso à mobilidade funcional (artigo 120.º) nem da denominada polivalência funcional (artigo 118.º, n.ºs 2 e 3) –, entendemos que a mesma não é susceptível, por si só, de justificar a resolução contratual por parte do trabalhador.
Finalmente, e quanto ao acréscimo da sobrecarga de trabalho já existente quando no dia 1 de Janeiro de 2013 foi instalado na ré um novo programa informático integrado que levou o A. a perder horas a tentar resolver os problemas que diariamente surgiam (facto V), cremos que é algo que sucede em todas as organizações, mesmo de natureza não empresarial[15], não significando a mesma uma qualquer conduta ilícita do empregador.
Não pode ainda deixar de se dizer, a propósito das responsabilidades e carga de trabalho que incidiam sobre o A. depois de assumir as funções de TOC em Junho de 2012 que antes dessa assunção, quando o A. trabalhava como contabilista, fazia-o sob a alçada directa de G…, anterior administrador financeiro da empresa e TOC na mesma (facto III) e que, porque passou a exercer as funções de TOC daquele e manteve as suas, o A. pediu reforço da equipa de trabalho, invocando a sobrecarga de trabalho e passar a desempenhar as funções de dois trabalhadores pois não foi ninguém contratado para o exercício das funções que ele próprio anteriormente desempenhava (mesmo facto III).
Ora, por um lado, o referido G… era administrador financeiro da empresa, além de TOC, pelo que se não pode dizer que se dedicasse apenas às tarefas da contabilidade a par do A., e que o A. a partir de Junho de 2012 passou a realizar todo o trabalho dos dois. Por outro lado, a verdade é que a R. praticou actos tendentes a satisfazer o pedido do A. e a colmatar aquela falta, pois contratou dois novos colaboradores para a empresa, Dr. S… e Dr. H…, e com este último celebrou um contrato logo com início a 1 de Julho de 2012 com vista a prestar assessoria em contabilidade e fiscalidade e a dar formação naquelas áreas (facto XV) e em Abril de 2013 contratou a Dra. Q… para auxiliar o autor, assumindo algumas tarefas que eram até então desempenhadas pelo mesmo (facto VIII).
Actos estes que, tenham ou não sido suficiente para fazer face ao volume efectivo de trabalho, não deixaram de ser praticados pela R. antes de o A. operar a resolução contratual e que, necessariamente, respondem à solicitação do A. de reforço da equipa de trabalho, sendo em princípio aptos a aliviar a maior carga de trabalho que implicou para este o assumir das novas responsabilidades de TOC.
Em suma, quanto ao aumento de carga de trabalho e pressão sem que tenha sido pago o alegado trabalho suplementar prestado e incentivado pela R., ficou demonstrada a ilicitude dos factos atinentes à atribuição das identificadas tarefas adicionais, mas continuamos a entender que os factos apurados não são, de per si, de molde a integrar justa causa para a resolução contratual a que o A. procedeu em Julho de 2013.
*
5.2.2.3. Quanto ao não ter recebido formação profissional imposta por lei e exigida pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
Quanto a este fundamento da justa causa que a sentença da 1.ª instância entendeu relevar, a recorrente alega, essencialmente, que a Ré, enquanto entidade empregadora, está obrigada a prestar um determinado número de horas de formação anualmente, mas não está obrigada a dar formação e a suportar os custos da formação exigida pela ordem profissional dos trabalhadores.
Alega, ainda, que não obstou a que o apelado frequentasse tal formação e que considerou foi não haver motivos para custear tal formação quando tinha contratado um professor para acompanhar o apelado e dar-lhe formação nas suas novas funções, não tendo a obrigação de custear qualquer formação destinada a que o mesmo cumprisse com os requisitos exigidos pela sua ordem profissional, que desconhecia e não tinha a obrigação de conhecer.
A sentença recorrida, depois de enunciar o regime legal do Código do Trabalho quanto à formação profissional e aos seus objectivos e de evidenciar que a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC), obriga os TOC a fazer a denominada formação institucional, que apenas ela ministra (artigo 1.º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas e artigos 3º, n.º 1, al. b) e 5.º, n.º 2, do Regulamento da Formação de Créditos, publicado no Diário da República n.º 133, II Série, de 12 de Julho de 2007, em anexo ao Anúncio n.º 4539/2007), pelo que o A. era obrigado a fazer tais formações junto daquela entidade, afirmou não ser suficiente a formação contratada pela ré do então prestador de serviços, Dr. H….
Apreciando depois a conduta da recorrente, afirmou não fazer sentido obrigar o autor a recorrer a férias para obter formação que apenas lhe pode ser dada pela entidade reguladora dos profissionais em causa, podendo, em última análise, perder a sua carteira profissional, o que o impediria de cumprir o seu contrato de trabalho junto da ré.
E concluiu:
«(…) se bem que em grande parte das situações possa aquela falta de formação profissional ser algo que não torna inexigível a relação laboral, não constituindo justa causa para a desvinculação do trabalhador, claramente a situação em apreço é diferente. O autor precisava da formação dada pela entidade que estava habilitada por lei a fazê-lo, solicitou-a à ré, e esta obstou à mesma, dizendo-lhe para, querendo, suportar o seu custo e meter férias. É de facto um pouco inacreditável o comportamento assumido pela ré nesta matéria, atenta até a especificidade da relação em apreço (ela que, segundo diz, tanto apoiou o autor) devendo uma empresa permitir aos seus trabalhadores a formação que a ajudará também a crescer e melhorar a sua própria prestação no mercado.
Em suma, e em jeitos de conclusão, a factualidade apurada, tendo presente que a resolução apenas se justifica consagrando em si mesma a ideia de uma inexigibilidade, parece-nos que constituía causa suficiente para o aqui autor para resolver o seu contrato.»
Recordemos o que a este propósito ficou provado:
XIII-) Em 21/12/2012 foi ministrado ao autor formação na sua área da actividade, com a designação P1… - Formação contas a receber, com a duração de 3 horas e meia.
XIV-) Nos dias 17 e 18 de Janeiro/2013 foi ministrado formação, com a designação P1… - Formação contabilidade, com a duração de 14 horas.
XV-) A ré contratou dois novos colaboradores para a empresa, Dr. S… e Dr. H…, tendo celebrado com este último o contrato de prestação de serviços junto a fls. 167 dos autos e cujo teor aqui se reproduz, com vista a prestar assessoria em contabilidade e fiscalidade e a dar formação naquelas áreas, num mínimo de 35 horas mensais, com inicio em 01/07/2012.
XVI-) O autor solicitou à ré, pelo menos em Janeiro/2013, que lhe fosse permitido participar numa formação profissional ministrada pela OTOC, tendo-lhe sido dito que para fazer a mesma teria de meter um dia de férias, não vendo a ré motivos para permitir a mesma em tempo de trabalho e suportar o seu custo pelo facto de ter sido contratado o Dr. H… para dar formação.
Resulta dos factos XIII a XV que a R. não era de todo alheia à formação profissional do A. seu trabalhador e que desenvolveu esforços no sentido dessa formação, empenhando-se na sua prestação (vide o facto XV).
Com efeito, a formação contínua de trabalhadores é um dever das empresas e um direito dos trabalhadores, conferindo a lei ao trabalhador direito, anualmente, a um mínimo de 35 horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano (n.ºs 1 e 2 do artigo 131.º do Código do Trabalho). O empregador deve assegurar, em cada ano, formação contínua a pelo menos 10% dos trabalhadores da empresa (n.º 5 do artigo 131.º), podendo antecipar, ou adiar, a formação a um determinado trabalhador durante dois anos (n.º 6 do artigo 131.º). Findo esse prazo, se não a tiver realizado, o trabalhador ganha um crédito de horas, considerado período normal de trabalho, que tem de ser pago como tal. O trabalhador pode usar o crédito de horas para a frequentar ações de formação, bastando apenas comunicar ao empregador o facto, com a antecedência mínima de 10 dias. Se não usar o crédito de horas no prazo de três anos, o trabalhador perde o direito ao mesmo. Se o contrato de trabalho cessar entretanto, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente às horas da formação que não lhe tenham sido proporcionadas.
Não pode dizer-se, face aos factos provados, que a recorrente tenha incumprido o dever geral de formação nos termos enunciados pelo A. na missiva enviada à recorrente em Julho de 2013, não podendo afirmar-se, como aí faz o A., que “não me foi prestada qualquer formação profissional, obrigatória nos termos legais” (ponto 38.º da carta).
A questão que se coloca reconduz-se à análise da conduta da R. quando em Janeiro de 2013 o autor solicitou que lhe fosse permitido participar numa formação profissional ministrada pela OTOC e lhe foi dito “que para fazer a mesma teria de meter um dia de férias, não vendo a ré motivos para permitir a mesma em tempo de trabalho e suportar o seu custo pelo facto de ter sido contratado o Dr. H… para dar formação”.
Face a estes factos, a R. negou efectivamente ao A. a possibilidade de se socorrer da formação da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em período laboral.
Ora, constituindo a função de TOC uma função que exige uma cédula profissional, mostrando-se submetida a um Código Deontológico e sendo superintendida por uma Ordem – a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, pessoa colectiva pública de natureza associativa a quem compete representar, mediante inscrição obrigatória, os interesses profissionais dos técnicos oficiais de contas (artigo 1.º do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas aprovado pelo Decreto-Lei n.° 310/2009, de 26 de Outubro) e que tem múltiplas atribuições que exerce de modo exclusivo [16] –, é de entender que um empregador que tenha ao seu serviço um trabalhador que, para executar o contrato necessita da cédula profissional respectiva, tem o dever de, pelo menos, não obstar a que o mesmo beneficie em período laboral da formação obrigatória concebida, organizada e executada pela Ordem dos TOC.
Como resulta do Regulamento que visa a organização e realização de acções formativas que atribuem créditos no âmbito do Controlo de Qualidade dos TOC (Anúncio n.º 131/2004 de 27 de Julho de 2004, publicado em DR, 2ª série, e alterado pelo regulamento publicado no DR - 2.ª série, n.º 133, de 12 de Julho de 2007), o controlo de qualidade do trabalho dos TOC é aferido, além do mais, pela obtenção de uma média anual de 35 créditos, nos últimos dois anos, em formação promovida pela OTOC ou por ela aprovada [artigo 4.º, n.º 1, alínea e)].
Aliás, é de notar que a recorrente não refuta abertamente no recurso ter a obrigação de colaborar com o recorrido na obtenção de uma formação ministrada pela OTOC em tempo de trabalho, pois que apenas questiona que esteja obrigada a dar formação e a suportar os custos da formação exigida pela ordem profissional dos trabalhadores, não fazendo qualquer referência ao dever de permitir ao trabalhador a frequência da referida formação obrigatória.
Embora a recorrente não tenha comunicado ao recorrido que ele teria que pagar a formação na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, como alegou o A. na carta de resolução, pois apenas afirmou que não via “motivos para permitir a mesma em tempo de trabalho e suportar o seu custo” (facto XVI), a verdade é que tinha ao seu serviço o A. ora recorrido com esta específica função que exige a atribuição de cédula profissional pela OTOC e devia colaborar com o mesmo na prática dos actos necessários à obtenção da formação legalmente exigida para as funções profissionais que lhe atribuiu, bem como para a manutenção da cédula profissional imprescindível ao respectivo exercício.
A tanto conduzia o princípio da boa fé que deve nortear o desenvolvimento das relações contratuais estabelecidas de acordo com o disposto no artigo 126.º do Código do Trabalho, o qual determina o reconhecimento da existência de deveres acessórios ou laterais, inseridos numa relação contratual complexa que se não esgota na realização das prestações principais convencionadas pelas partes, em conformidade com o padrão ou critério normativo da boa fé, consagrado no n.º 2 do art. 762.º do Código Civil.
Acresce que, nos termos do preceituado no artigo 249.º, n.º 2, alínea d) do Código do Trabalho, se devem considerar justificadas as faltas motivadas pelo cumprimento de obrigação legal.
Finalmente, é importante também atentar em que, se da frequência da formação obrigatória ministrada pela OTOC pode depender a manutenção da carteira profissional do trabalhador e se desta depende a possibilidade de o A. exercer as funções de TOC, pode, no limite, estar em causa a caducidade do contrato de trabalho nos termos do art.º 343º, al. b) do Código do Trabalho por “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber” o que também, a este nível, não pode deixar de ser ponderado.
Entendemos pois, como a 1.ª instância, que a atitude da recorrente em não permitir que o recorrido efectuasse uma formação ministrada pela OTOC em tempo de trabalho, aliada aos demais comportamentos ilícitos do empregador que se apuraram, é de molde a justificar que passe a ser inexigível ao trabalhador técnico oficial de contas que se confronta com tal recusa e com aqueles comportamentos, manter-se laboralmente vinculado.
A factualidade apurada e as circunstâncias que dela emergem preenchem, efectivamente, os fundamentos de resolução previstos no art. 394°, n. 2, alínea b) do Código do Trabalho, ou seja, traduzem “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador”.
Relembremos que a noção de justa causa para estes efeitos e a aferição da inexigibilidade da subsistência da relação de trabalho não pode ser perspectivada nos exactos termos em que o é a justa causa de despedimento.
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes “poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º1 do artigo 396.º [do Código do Trabalho de 2003]; no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento. Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento»[17].
Pelo que é de reconhecer ao recorrido, como a Mma. Julgadora a quo, o direito a receber da recorrente uma indemnização nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho, cabendo manter a arbitrada a tal título.
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5.3 Da indemnização por danos não patrimoniais
A discordância da apelante no que diz respeito à condenação a título de danos não patrimoniais radica na circunstância de considerar não ter sido feita prova do nexo de causalidade entre o estado depressivo do apelado e a sua situação profissional (conclusão 43.ª).
Deve notar-se que, perante os factos provados, se mostra estabelecido o nexo de causalidade entre o agravamento do estado de saúde do A. e a situação laboral vivida no seio da empresa da recorrente (factos J e XII), embora não esteja autonomizado o nexo de causalidade entre tal agravamento e os concretos ilícitos da recorrente compreendidos nessa situação profissional, atento o carácter genérico das expressões usadas pelo tribunal recorrido para o estabelecer (“por força e como consequência do supra descrito” ou “não suportando a situação vivida no seio da R.”).
Cabe, pois, aferir dos reflexos desta circunstância no juízo decisório sobre a indemnização por danos não patrimoniais, vg. se a mesma tem a virtualidade de levar a excluir, ou a fixar em valor menor, a indemnização devida a tal título, que a 1.ª instância fixou em € 5.000,00.
Para haver lugar à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais prevista no art. 496º do Código Civil, é necessário que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos – cfr. o art. 483º do Código Civil.
Como ponderado já neste texto, a recorrente praticou perante o ora recorrido seu trabalhador actos ilícitos e culposos que consideramos justificativos da resolução contratual que este veio a operar.
E a verdade é que, embora não em termos exclusivos, se mostra estabelecido o nexo de causalidade entre tais actos – que fazem parte dos que estão “supra descrito” e “da situação vivida no seio da R.” – e os danos sofridos pelo trabalhador no que diz respeito à baixa médica verificada a partir 13 de Junho de 2013 (facto J[18]), a ter-se o trabalho tornado um sacrifício para si (facto K) e a ter visto a sua situação de saúde agravada, com uma recaída em Maio/2013 e a necessidade de aumentar a medicação anti-depressiva, sendo aconselhado a interromper a actividade laboral, o que também se reflectiu na sua relação com a família e amigos (facto XII).
Apesar de haver várias causas para a ocorrência daqueles danos, é indiscutível que o comportamento laboral da R. se mostra compreendido na “situação laboral” que o A. vivia no seu “seio” e o certo é que a lei prevê a obrigação de indemnização em situações de causalidade cumulativa (concausalidade), ou seja, de o facto ilícito produzir o dano conjuntamente com outros factos, ainda que imputáveis a outrem ou ao próprio lesado, como resulta vg. do disposto nos artigos 497.º e 566.º, n.º 2 do Código Civil.
Além disso, a indefinição da medida da contribuição dos actos ilícitos da recorrente para a verificação dos danos não obsta à atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais na medida em que o respectivo ressarcimento «compensatório» haverá de ser determinado de harmonia com o que comanda o nº 3 do artigo 496.º, que remete para uma fixação equitativa, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil (a saber, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”).
Quanto aos danos apurados, assumem os mesmos gravidade suficiente para se tornarem merecedores da tutela instituída no artigo 496º, nº1 do Código Civil, o que a recorrente não questiona sequer na apelação.
Na fixação equitativa da sua reparação há a considerar, desde logo, que os danos apurados não resultam, em exclusivo, do comportamento ilícito da recorrente, mas de toda a situação laboral apurada e que o autor estava já num estado psicológico frágil e a ser medicado de uma depressão grave quando assumiu as suas novas funções em Junho de 2012 (facto II).
Além disso, há que ponderar, face ao juízo efectuado na instância a quo, que entendemos não se revestirem de ilicitude alguns dos actos que a 1.ª instância considerou ilícitos – como ocorre com o não aumento da retribuição ou o não pagamento de trabalho suplementar –, bem como entendemos que alguns dos actos ilícitos individualmente considerados se revestiam de gravidade menor do que a pressuposta na sentença – como ocorre com o tempo em que o A. esteve indevidamente classificado ou com a atribuição ocasional de tarefas adicionais –, o que se reflecte igualmente no grau de culpa da recorrente.
Assim, procedendo a um juízo de equidade que pondere todas as circunstâncias em presença, e em face dos critérios estabelecidos no n.º 3 do art.º 496 do Código Civil, a quantia de € 2.500,00 mostra-se justa e adequada a ressarcir os danos morais sofridos pelo recorrido em consequência dos actos ilícitos da recorrente descritos na matéria de facto.
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5.4. Do direito de crédito por trabalho suplementar
Alega a recorrente que basta analisar a fundamentação da sentença para se concluir que em sede de julgamento não ficou provado que o Autor prestasse mais duas horas de trabalho por dia, pois se tal facto tivesse sido provado de forma inequívoca, o Tribunal na sua fundamentação não teria que se socorrer à previsão do n.º 5 do artigo 231 do Código do Trabalho, a qual cria uma penalização para a entidade empregadora quando a mesma não possui registo do trabalho suplementar.
Alega, ainda, que o autor não tem direito a receber qualquer pagamento a título de trabalho suplementar, uma vez que só é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador, nos termos do número 2 do artigo 268 do Código do Trabalho.
Como resulta do já dito a propósito da justa causa de resolução, a factualidade apurada não permite se conclua que o A. ora recorrido prestou trabalho que possa qualificar-se como trabalho suplementar à luz dos artigos 226.º e 268.º do Código do Trabalho.
Ora, de acordo com o preceituado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, incumbe ao trabalhador que formula um pedido de pagamento de trabalho suplementar o ónus de alegar e provar factos de que possa concluir-se que o trabalho em causa reveste a natureza de trabalho suplementar e como tal deve ser pago pelo empregador.
Assim, o reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a alegação e prova de dois factos constitutivos deste direito retributivo: (i) a prestação efectiva de trabalho suplementar, ou seja, de trabalho prestado fora do horário de trabalho; (ii) a determinação prévia e expressa de tal trabalho pelo empregador ou, pelo menos, a efectivação desse trabalho de modo a não ser previsível a oposição do empregador, o que carece de ser alegado e provado[19].
No caso em análise desconhece-se, de todo, “a mais” de quê foi prestado o trabalho que se apurou no ponto VI da matéria de facto, sendo certo que inexiste também base factual para a invocação feita na sentença do disposto no artigo 231.º, n.º 5 do Código do Trabalho de 2009. Com efeito, como refere Luís Miguel Monteiro este preceito estabelece uma presunção ilidível: “sempre que o trabalhador demonstre que trabalhou fora do horário e quais os dias em que o fez, presume-se que o terá feito durante duas horas. Receberá então o acréscimo remuneratório correspondente ao dia da semana em que o trabalho terá sido prestado”[20]. E, por isso, o seu funcionamento, além da demonstração de que o empregador incumpriu as regras de registo previstas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 231.º, depende da prova destes factos base da presunção por parte do trabalhador.
Em suma, não estando provado que o A. tenha prestado trabalho fora do horário de trabalho entre Junho de 2012 e Julho de 2013, mostra-se excluída a possibilidade de reconhecer a existência do direito de crédito respectivo, por não demonstrado o excesso de trabalho relativamente ao horário de trabalho ou, sequer, ao período normal de trabalho estabelecido na lei, independentemente da análise da verificação dos demais pressupostos do reconhecimento de tal direito, vg. no que diz respeito ao conhecimento e não oposição por parte do empregador da prática do indemonstrado trabalho suplementar ou à sua determinação expressa e prévia.
Não pode deixar de se sublinhar que mal se compreende que, tendo o A. entrado de baixa médica em 13 de Junho de 2013, baixa que foi prorrogada por duas vezes (facto J), tenha sido proferida em 1.ª instância condenação no pagamento de retribuição especial por trabalho suplementar atendendo ao período de Junho/2012 a Julho/2013, como se o A. estivesse sempre a trabalhar.
É o que se extrai com clareza do seguinte excerto:
«(…) atento o período em causa – Junho/2012 a Julho/2013 – tal pagamento será todavia feito, a primeira hora com um acréscimo de 25%, e a segunda de 50%, tal como resulta do art. 268º do CT, revisto pela Lei 23/2012 de 25/06, que entrou em vigor no dia 25/06/2012.
Deste modo, a primeira hora será no valor de 9,21 e a segunda no valor de 11,05, num total, pelas duas horas extra/diárias, de 20,26 euros, que nos dá então o valor de 5.348,64 euros (numa média de, tal como peticionado, 10/horas semanais, 44/mensais – 2x22 dias – x 20,26 x 12 meses).»
A sentença sob censura não pode manter-se, também neste aspecto em que condena a recorrente no pagamento de duas horas diárias de trabalho suplementar no período de um ano completo, contabilizando 22 dias com tal prestação suplementar por mês, pelo que deve também ser revogada a condenação a tal título nela contida.
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5.5. As custas do recurso interposto da sentença final deverão ser suportadas pela recorrente e pelo recorrido na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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6. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
6.1. rejeitar a impugnação da decisão de facto;
6.2. conceder parcial provimento à apelação e alterar a sentença da 1.ª instância de modo a condenar a ré a pagar ao autor:
6.2.1. a quantia de € 15.348,00 a título de indemnização pela antiguidade;
6.2.2. a quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais;
6.2.3. a quantia de € 662,37 a título de crédito de horas para formação, condenação que não foi questionada;
No mais, vai a ré absolvida do pedido.
Custas a cargo da recorrente e recorrido na proporção do decaimento.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 27 de Abril de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
___________
[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[1] Em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013.
[3] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.02.23, Processo n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1 e, mais recentemente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 e de 04 de Março de 2015, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt.
[4] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 608.
[5] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 2014, p. 135.
[6] Vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2002.06.06, Processo n.º 1874/02-5.ª Secção, de 2003.10.30, Processo n.º 3281/03-5.ª Secção, de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção e de 2009.09.23, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141.
[7] Recurso n.º 2929/03-4.ª Secção, também sumariado em www.stj.pt.
[8] Revista n.º 3894/01-4.ª Secção.Vide ainda o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.11.08, Recurso n.º 2571/06 - 4.ª Secção e o Acórdão da Relação do Porto de 9 de Setembro de 2013 (Processo n.º 69/11.2TTVRL.P1) relatado pela ora relatora.
[9] In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 444.
[10] Vide Joana Vasconcelos, in “Código do Trabalho Anotado”, com Pedro Romano Martinez e outros autores, 8ª edição, 2009, p. 1023. Embora o Código do Trabalho de 2009 (como o de 2003) não contenha norma absolutamente idêntica ao art. 34.º, n.º 3 da LCCT (que se reporta aos factos atendíveis para justificar judicialmente a rescisão), vem no n.º 3 do seu art. 398.º a prescrever que na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º.
[11] In Diário da República, 1.ª série — N.º 1 — 3 de Janeiro de 2011. O A. alega esta aplicabilidade no artigo 103.º da petição inicial e vem explicitar as razões da mesma no requerimento de fls. 235-236.
[12] Vide Jorge Leite, in Direito do Trabalho e da Segurança Social, Lições ao 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 1982, p. 278 e Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p. 71.
[13] Vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 207 e ss.
[14] À face do Código do Trabalho o direito de reclassificação em categoria mais elevada deixou de poder ser invocado por força do exercício de funções afins da função nuclear do trabalhador (ainda que integradas em categoria mais elevada) porque tais funções, por imperativo legal, integram o âmbito da actividade contratada, a não ser que o trabalhador passe a desempenhar tais funções afins da sua actividade nuclear, de um modo exclusivo ou absolutamente preponderante (i. é, sem o requisito da acessoriedade) e permanente (o que afasta também o ius variandi), e apenas no caso de tais funções corresponderem a uma categoria superior.
[15] Pense-se na introdução do sistema citius e no acréscimo de trabalho que tal implicou no dia a dia dos tribunais, bem como nos problemas vários que tiveram que se enfrentar, com o inerente dispêndio de tempo.
[16] Segundo o artigo 3.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos TOC, são atribuições desta a) Atribuir o título profissional de técnico oficial de contas, bem como conceder a respectiva cédula profissional; b) Defender a dignidade e o prestígio da profissão, zelar pelo respeito dos princípios éticos e deontológicos e defender os interesses, direitos e prerrogativas dos seus membros; c) Promover e contribuir para o aperfeiçoamento e formação profissional dos seus membros, designadamente através da organização de acções e programas de formação profissional, cursos e colóquios; d) Definir normas e regulamentos técnicos de actuação profissional, tendo em consideração as normas emanadas da Comissão de Normalização Contabilística e de outros organismos com competências na matéria; e) Representar os técnicos oficiais de contas perante quaisquer entidades públicas ou privadas; f) Organizar e manter actualizado o cadastro dos técnicos oficias de contas; g) Certificar, sempre que lhe seja solicitado, que os técnicos oficiais de contas se encontram no pleno exercício das suas funções, nos termos do presente Estatuto; h) Organizar e regulamentar os estágios profissionais; i) Promover e regulamentar os exames dos candidatos a técnicos oficiais de contas; j) Promover a publicação de um boletim ou revista, com objectivos de prestar informação actualizada nas áreas técnica, científica e cultural; l) Colaborar com quaisquer entidades, nacionais ou estrangeiras, no fomento e realização de estudos, investigação e trabalhos que visem o aperfeiçoamento de assuntos de natureza contabilística e fiscal; m) Propor às entidades legalmente competentes medidas relativas à defesa da função dos técnicos oficiais de contas e dos seus interesses profissionais e morais e pronunciar-se sobre legislação relativa aos mesmos; Exercer jurisdição disciplinar sobre os técnicos oficiais de contas; n) Exercer jurisdição disciplinar sobre os técnicos oficiais de contas; o) Estabelecer princípios e normas de ética e deontologia profissional; p) Definir, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, após prévia consulta à Direcção-Geral dos Impostos, os meios de prova da qualidade de técnico oficial de contas; q) Promover e apoiar a criação de sistemas complementares de segurança social para os técnicos oficiais de contas; r Implementar, organizar e executar sistemas de verificação da qualidade dos serviços prestados por técnicos oficiais de contas; s) Conceber, organizar e executar, para os seus membros, sistemas de formação obrigatória; t) Criar colégios de especialidade, organizar o seu funcionamento e regulamentar o acesso aos mesmos pelos membros da Ordem; u) Exercer as demais funções que resultem do presente Estatuto ou de outras disposições legais.
[17] “Direito do Trabalho”, I, Coimbra, 2007, p. 1044.
[18] Note-se que este facto foi alegado no artigo 52.º da petição inicial e, a despeito de impugnado na presente apelação, foi aceite especificadamente pela R. no artigo 4.º da sua contestação, para efeitos dos artigos 38.º e 567.º, n.º 2 do Código de Processo Civil em vigor à data da apresentação da contestação.
[19] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.12.19, Recurso n.º 1931/07 - 4.ª Secção, de 2008.09.16, Recurso n.º 1032/08- 4.ª Secção, e de 2010.06.30, Recurso n.º 108/07.1TTBRR.S1 - 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
[20] In “Código do Trabalho Anotado”, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 580-581.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Só é de conhecer da caducidade do direito de resolução do contrato com justa causa, se a excepção tiver sido invocada pela parte que dela queira aproveitar-se no momento próprio (contestação).
II – Embora a lei não o explicite, mostra-se subjacente ao conceito geral de justa causa de resolução, a ideia de "inexigibilidade" que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada no domínio da faculdade de ruptura unilateral da entidade patronal.
III – Integra justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador o comportamento do empregador que retarda por seis meses a correcta classificação profissional do trabalhador contabilista, embora pagando-lhe salário superior ao devido pela tabela do instrumento de regulamentação colectiva, que não procede durante um ano à revisão da situação salarial do trabalhador quando lhe atribuiu as funções de TOC, apesar de ter prometido que o faria “mais tarde” e de ter havido um aumento da carga de trabalho e responsabilidade e pedidos de outras tarefas, e que não permite ao trabalhador frequentar em tempo de trabalho formação profissional que este era obrigado a fazer junto da Ordem que tutela a profissão dos Técnicos Oficiais de Contas e lhes ministra em exclusivo formação obrigatória.

Maria José Costa Pinto