RECLAMAÇÃO PENAL
CONTRA-ORDENAÇÃO
SENTENÇA
DEPÓSITO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

Texto Integral

Reclamante:AA…(arguido);
Recorrido: Ministério Público;

*****
I - Relatório

AA…reclamar do despacho da Srª. Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo–Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima – Juíz 1, datado de 15.03.2017, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, por intempestividade, cujo teor é o seguinte:
«A decisão proferida nestes autos foi depositada em 15/02/2017. Por requerimento remetido via postal registada em 07/03/2017 vem o recorrente dela interpor recurso. Ora, o recurso, in casu, é restrito à matéria de direito (cfr. artigo 75.º, n.º 1, do RGCOC). O prazo para recorrer é de 10 dias (cfr. artigo 74.º, n.º 1 do RGCOC). Tal prazo completou-se em 25/02/2017, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, a saber 27/02/2017. Por conseguinte, por manifestamente extemporâneo, não se admite o recurso interposto a fls. 137 e seguintes. Notifique.»

Segundo oreclamante o recurso deveria tersido admitido, apresentando, para tanto e resumidamente,os seguintes fundamentos:
I. Por um lado, tendo o recurso sido instaurado em 07-03-2017 foi o mesmo tempestivo porque estava ainda em curso o prazo de recurso de acordo com os art°s 411.° do CPP e 74.° do RGCO.
II. Por outro lado, o Arguido não esteve presente na leitura da sentença e a decisão foi proferida então na ausência deste.
III. No entendimento do ora Recorrente o prazo de recurso para efeitos do disposto no art.° 740, n°s 1 e 4 do RGCO é o prazo previsto no art.° 411.°, n.° 1, do CPP, ou seja, de 30 dias.
IV. Não encontramos qualquer razão ou fundamento para que o prazo em recurso de sentença em processo de recurso de contra-ordenação no RGCO seja mais curto que o prazo previsto no CPP.
V. Note-se que para os processos de contra-ordenação impugnados ao abrigo da Lei n.° 107/2009, de 14 de Setembro referente a contra-ordenações laborais e da Segurança Social o prazo previsto no art.° 50.° o recurso é interposto no prazo de 20 dias, o que de resto acompanhava a anterior versão e prazo previsto no art.° 411.° do CPP.
VI. No entendimento do Recorrente os prazos devem ser interpretados como iguais por terem a mesma tramitação do recurso em processo penal, ou seja, com o prazo de 30 dias, sendo essa a interpretação mais adequada as finalidades contidas nos art.°s 74.° do RGCO e 411.° do CPP, aplicando-se o regime da lei mais favorável à defesa do Arguido, também no seguimento do princípio da igualdade previsto no art.° 20.° da CRP.
VII. O Ac. Tribunal Constitucional n° 437/06 veio prever que «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.
VIII. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda á lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções, todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional.
IX. Em face da jurisprudência obrigatória fixada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 27/2006, o n.°1 do art.° 74.° doRGCO terá de ser interpretado no sentido de que o prazo de interposição do recurso da sentença, em processo contra-ordenacional, é o previsto no Código de Processo Penal ou seja o de 30 dias (artºs 411.° e ss. do CPP, na redação vigente).
X. Estabelecer o prazo de dez dias, quer para o recurso quer para a respetiva resposta, como faz o STJ no Acórdão Uniformizador n.° 1/2009, quando a Lei estatui expressamente o de vinte 20 dias para o recorrido responder ao recurso, consubstancia uma interpretação/aplicação corretiva, postergada pelo art.° 8.°, n.° 2 do Código Civil.
XI. O que não acontece no caso concreto, na interpretação dada pelo Tribunal de 1ª Instância, e considerando o disposto no CPP (Código de Processo Penal, no RGCO (Regime Geral das Confra-Ordenações) e do Regime Processual das Contra ordenações Laborais e da Segurança Social, tratando-se de forma diferente o que é igual, prejudicando a defesa do Arguido e a Justiça e tutela jurisdicional efectiva. )
XII. Face aos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, corolários do princípio do estado de direito (art.° 2.° da CRP) o prazo aplicável à interposição do recurso, em processo de confraordenação, deve ser o mais favorável ao arguido, ou seja o de 30 dias previsto no art.° 411.° do CPP, contrariamente ao decidido pela sobredita sentença de 1a instância.
XIII. Assim, violando tais princípios e normas legais o douto despacho que antecede da 1a instância que não admitiu o recurso, bem como o da igualdade e do direito de defesa e do direito ao recurso, devendo ser revogado e admitido o recurso, sob pena de manifesta ilegalidade ou inconstitucionalidade.
XIV. De resto não é compreensível a interpretação dada pelo douto despacho de não admissão do recurso pois, por um lado, pretende aplicar literalmente o regime previsto no art.° 74.° do RGCO quanto ao prazo de 10 dias,
XV. Porém, por outro lado, menosprezou o douto despacho que o prazo apenas começaria a correr após a notificação ao Arguido face à ausência deste.
XVI. Pois claro está que os elementos literais interpretados não se coadunam com o critério de igualdade, outrossim aplicando apenas partes da Lei, em prejuízo e desigualdade de tratamento para a defesa do Arguido.
XVII. Salvo o decido respeito, não é exactamente essa a posição do Recorrente, seguindo o elemento literal da norma prevista no art.° 74.°, n.° 1, a douta sentença, na ausênciado Arguido também lhe tinha que ser notificada, conforme até se extrai da parte final quando se refere: “Notifique, sendo o arguido de que deverá proceder à entrega da sua carta e/ou licenças de condução, no prazo de 15 dias úteis, após o trânsito em julgado da presente decisão, na secretaria deste Tribunal, nos termos do disposto no artigo 182.’, n.° 2, alínea a) do Código da Estrada, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência, de acordo com o disposto no artigo 160.’, n.° 3, do mesmo diploma legal, sem prejuízo de ser determinada a respetiva apreensão através de autoridade policial (n.° 4 do mesmo artigo 160.’ do Código da Estrada).”
XVIII. Portanto, caso se entenda literal a aplicação do n.° 1 do art.° 74.° do RGCO deveria ter ocorrido a notificação da douta sentença a Arguido em virtude da sua ausência em sede de leitura de sentença e de resto, nesse sentido, dispõe os art.°s 46.° e 47.° do RGCO que as notificações devem ser dirigidas ao Arguido e comunicada ao seu mandatário, quando este exista.
XIX. Caso contrário, de facto não se estará aobter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, na interpretação dada pelo Tribunal de ia Instância, e considerando o disposto no CPP (Código de Processo Penal, no RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações) e do Regime Processual das Contra-ordenações Laborais e da Segurança Social, tratando-se de forma diferente o que é igual, prejudicando a defesa do Arguido e a Justiça e tutela jurisdicional efectiva.
XX. Não podemos de forma alguma interpretar o n.° 1 do art.° 74º do RGCO no sentido que só pode ser aplicável o prazo de 10 dias e, ao invés, ignorar o sentido da norma que obriga à notificação da decisão ao Arguido.
XXI. Portanto, tendo o Arguido estado ausente na leitura da douta sentença, prevendo o n.° 1do art.° 74º do RGCO que a decisão que tenha sido proferida sem a presença daquele tem de lhe ser notificada, sob pena de nulidade manifesta, conforme se requer seja relevado face ao douto despacho que não admitiu o recurso.
XXII. De resto, face aos fundamentos supra referidos, por um lado, a devida aplicação do prazo uniforme previsto no art.° 411.° do CPP, em conjugação com o art° 74º, nºs 1 e 4 do RGCO e, por outro lado, a ausência do arguido e a omissão de notificação daquele, o despacho que não admitiu o recurso por extemporâneo terá de ser revogado e substituído por outro que julgue a tempestividade do recurso.
XXIII. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda á lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções, todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional.
XXIV. Em face da jurisprudência obrigatória fixada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 27/2006, o n.° 1 do art.° 74.° do RGCO terá de ser interpretado no sentido de que o prazo de interposição do recurso da sentença, em processo contra-ordenacional, é o previsto no Código de Processo Penal ou seja o de 30 dias (art.°s 411.° e ss. do CPP, na redação vigente).
XXV. Estabelecer o prazo de dez dias, quer para o recurso quer para a respetiva resposta, como faz o STJ no Acórdão Uniformizador n.° 1/2009, quando a Lei estatui expressamente o de vinte 20 dias para o recorrido responder ao recurso, consubstancia uma interpretação/aplicação corretiva, postergada pelo art.° 8.°, n.° 2 do Código Civil. Face aos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, corolários do princípio do estado de direito (art.° 2.° da CRP) o prazo aplicável à interposição do recurso, em processo de contraordenação, deve ser o mais favorável ao arguido, ou seja o de 30 dias previsto no art.° 411.° do CPP, contrariamente ao decidido pela sobredita sentença de 1a instância. Assim, violando tais princípios e normas legais o douto despacho que antecede da 1a instância que não admitiu o recurso, bem como o da igualdade e do direito de defesa e do direito ao recurso,
XXVI. Pelo que, a interpretação das mencionadas normas previstas nos n°s 1 e 4 do art.° 74.° do RGCO em conjugação com o art.° 411.° do CPP, perfilhada pelo Tribunal reclamado, no sentido de que o prazo aplicado ao recurso é apenas de 10 dias contados desde a data da leitura da douta sentença na ausência do Arguido,
XXVII. Está inquinada de inconstitucionalidade material, por violação do direito ao contraditório, da igualdade de armas, do acesso ao direito e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, todos plasmados nos artigos 13.° e 20.° da CRP.
XXVIII. Inconstitucionalidade quese invoca para todos os efeitos legais, ao abrigo do disposto no artigo 280 °da CRP

Decidindo:
As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do Relatório I supra e ainda o seguinte:
- O teor da ata de audiência de julgamento de 15.02.2017, na qual se procedeu à leitura da sentença, objecto de impugnação, tendo o arguido/recorrente faltado e encontrando-se representado pelo seu ilustre mandatário.
- O teor da declaração de depósito da mesma sentença, datada de 15.02.2017.

*
Os fundamentos da presente reclamação alicerçam-se em três pressupostos: tempestividade do recurso da decisão judicial que confirmou a decisão administrativa de inibição de conduzir aplicada ao arguido, nulidade por falta de notificação da sentença ao arguido e inconstitucionalidade material por violação dos artºs 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Salvo o devido respeito, entende-se que não assiste razão ao reclamante.

Começa o reclamante por esgrimir que o recurso é tempestivo porque o prazo de interposição do mesmo é de 30 dias, por força do disposto no artº 411º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), e não de 10 dias, nos termos do artº 74º, nºs 1 e 4, do RGCO (regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 356/89, de 17-10, pelo DL n.º 244/95, de 14-09, pelo DL n.º 323/2001, de 17-12 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12, (aqui aplicável por remissão do artº 186.º do Código de Estrada),
De acordo com o disposto no art. 74.º, n.º 1, do RGCO (regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 356/89, de 17-10, pelo DL n.º 244/95, de 14-09, pelo DL n.º 323/2001, de 17-12 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12, (aqui aplicável por remissão do artº 186.º do Código de Estrada), o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias «a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.»
Estriba-se então o reclamante na jurisprudência emanada do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 27/2006, de 10.01.2006, para concluir que o prazo de interposição do recurso por si interposto (relativo a contra-ordenação estradal) é de 30 dias.
Só que não colhe tal argumentação.
Tal como se decidiu em 23/10/2008, em Reclamação dirigida ao Sr. Presidente do TRG, processo nº 2261/08-1, in dgsi.pt, e que se subscreve, transcrevendo, “É verdade que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 27/2006, de 10.01.2006, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do artigo 74º do DL nº 433/82, na redacção que lhe foi dada pelo DL 244/95, conjugada com o art. 411º do CPP, quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no nº 4 do art. 20º da Constituição.
Acontece que essa declaração de inconstitucionalidade teve como pressuposto a interpretação dada pelos Tribunais de instância ao artigo 74º, nº 1 do DL 433/82, no sentido de que o prazo para recorrer era o de 10 dias, ali previsto, e que o prazo para a resposta era de 20 dias, por aplicação subsidiária do art. 411º do CPP.
Ora, como esclareceu o mesmo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 573/2006, de 18.10.2006 (sem votos de vencido), «(…) no Acórdão n.º 27/2006, declarou-se a inconstitucio­nalidade, com força obrigatória geral, da norma questionada “quando dela decorre que, em pro­cesso contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição” (realce acrescentado), partindo da interpretação – seguida pelas decisões sobre que recaíram os juízos de inconstitucionalidade a cuja generalização procedeu, interpretação essa cuja cor­recção, em sede de direito ordinário, não competia ao Tribunal Constitucional apreciar – de que o prazo para a resposta era de 15 dias, superior ao prazo de 10 dias para a motivação do recurso da decisão da impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória de infrac­ção contra-ordenacional»”.
E também como aí se fundamenta, “diferentemente, no presente caso, o despacho reclamado não adoptou essa interpretação, ou seja, a decisão que o arguido pretendeu impugnar, pela via do recurso para esta Relação, não adoptou, expressa ou implicitamente, a interpretação considerada incons­titucional pelo Acórdão n.º 27/2006, pelo que naufraga a tese do reclamante, quanto à pretensão de beneficiar dum prazo mais longo (de 30 dias) para interpor e motivar o seu recurso”.
Sendo-lhe aplicável o prazo de 10 dias previsto no citado nº 1 do art. 74º do DL nº 433/82, enquanto lei especial que regula o instituto de ilícito de mera ordenação social, como o presente, nomeadamente em sede de regime de recursos e quanto ao prazo de interposição.
A aplicação subsidiária dos preceitos reguladores do processo criminal apenas ocorre quando não resulte o contrário daqueloutro diploma - o RGCO - artº 41º deste diploma.
Porém, existe neste norma específica para o regime de recursos, quanto ao prazo da sua interposição, fixando-se o prazo de 10 dias para tal.
Logo, é este o prazo de recurso aplicável.

Contrapõe ainda o reclamante que o recurso interposto é tempestivo porque o arguido deveria ter sido notificado da sentença, em virtude da sua ausência aquando da leitura da sentença, por força do preceituado no mesmo artº 74º, nº 1, do RGCO, até por razões de coerência na interpretação e aplicação de tal preceito.
Também aqui não se perfilha tal entendimento.
No caso em análise, como resulta do conteúdo da acta de audiência de julgamento de 15.02.2017- cuja autenticidade e veracidade o reclamante não põe em causa – procedeu-se à leitura da sentença, encontrando-se o arguido representado por mandatário judicial – o distinto causídico que subscreve a reclamação – o qual tomou conhecimento nesse acto do conteúdo da sentença.
Também decorre dos autos que nesse mesmo dia, 15.02.2017, se efectuou o depósito da sentença, conforme Declaração de Depósito respectiva, cuja autenticidade e veracidade também não foi posta em crise.
Ora, o estatuído no artº 71º, nº 4, do RGCO, prescrevendo embora que o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias «a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», não permite sufragar a pretensão do reclamante.
Ao invés do que sucede no processo penal, no processo de contra-ordenação o arguido pode estar em juízo desacompanhado de advogado ou defensor e, salvo se a sua presença foi considerada necessária ao esclarecimento dos factos, não é obrigado a comparecer na audiência nem, sequer, a nela se fazer representar por advogado (artºs. 67.º e 68.º do RGCO).
Se optar por se fazer representar, tudo se passa como se ali estivesse presente.
Conforme entendimento seguido no Acórdão do TRC, de 10.03.2004, proc. n.º 3147/03, in dgsi.pt, em relação ao disposto no citado artº 74.º, n.º 1, “A presença a que se faz referência neste normativo interpreta-se no sentido não de presença física, mas de presença processual. Ou seja, regularmente convocado o arguido para a audiência e não estando presente fisicamente, isso não impede que se considere que esteve presente (processualmente) e, como tal, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir de da data do depósito na secretaria que não da data notificação da sentença efectuada por via postal.
A notificação a que se refere a última parte do nº 1 do art. 74º do D.L. 433/82 de 27/10 apenas releva para a hipótese de a decisão ser mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido. (vide o Acórdão do TRP de 24.04.02 no recurso nº 0240225)”.
Neste mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do TRL de 22.10.2015, proc. 491/15.5T9PDL.L1-9 e do TRG de 06.10.2004, proferido no Proc. n.º 1874/03-2 e ainda o TRL, em decisão sumária de 21.09.2011, Proc. n.º 2486/10.6TBOER.L1-5, todos in www.dgsi.pt.
Consulte-se ainda o Acórdão do TC n.º 77/2005 que analisou uma situação em que o mandatário do arguido, constituído para o representar em julgamento, fora notificado do despacho que marcou data para a sessão da audiência em que teria lugar a leitura da decisão do recurso de impugnação judicial e a ela estivera ausente, e em que o arguido, notificado da audiência de julgamento, tinha requerido a dispensa da sua presença nessa audiência, onde se decidiu que:
«Nestas circunstâncias, tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de, ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, reflectir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contra-ordenação, é o absentismo simultâneo do arguido – que viu a sua presença logo no julgamento dispensada – e do seu mandatário constituído, que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de, notificado do dia da leitura da decisão, ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do acto judicial de leitura da decisão, e, em processo de contra-ordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse acto faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído».
Em suma, este aresto do TC considerou que, sendo notificado o mandatário do dia designado para a leitura de sentença, o prazo para recorrer conta-se a partir da data da leitura em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário.
Ora, sublinhe-se, no caso sub judice, o arguido esteve representado por mandatário, tendo este estado presente na audiência de julgamento e acto de leitura da sentença de 15.02.2017, data também em que se procedeu ao depósito da mesma.
Logo, in casu, na esteira desse mesmo aresto do TC não pode deixar de se considerar que, encontrando-se o arguido presente processualmente, ou seja, representado por advogado nesse acto de leitura da sentença em processo contra-ordenacional, o prazo de recurso conta-se desde a data da leitura da sentença, não tendo este de ser notificado pessoalmente do seu conteúdo.
Neste sentido, a assinalada decisão sumária do TRL, de 21.09.2011, Proc. 2486/10.6TBOER.L1-5, onde se decidiu que “O art.74, nº1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse acto”.
Ou ainda o supracitado Acórdão deste TRG de 06.10.2004, proc.1874/03-2, no qual se sumariou que:
“IV - Dos artºs 46º, 47º e 68º, nº 1 do RGCO conclui-se que em processo de contra-ordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado e, neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor.
V - Tendo o arguido estado representado por advogado na audiência de julgamento, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença, nos termos da primeira proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, desde logo, porque a notificação da sentença fica feita, no próprio acto, na pessoa do advogado, nos termos dos art.ºs 46.º, n.º 2 e 47.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10”.
VI - Em suma, impõe-se a afirmação de que a segunda proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado no acto em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo”.
Razões pelas quais não se descortina a verificação da apontada nulidade de falta de notificação da sentença ao arguido.

Por último, arvora o reclamante que a interpretação das mencionadas normas previstas nos nºs1 e 4 do art.° 74.° do RGCO em conjugação com o art.° 411.° do CPP, perfilhada pelo tribunal reclamado, no sentido de que o prazo aplicado ao recurso é apenas de 10 dias, contados desde a data da leitura da douta sentença na ausência do arguido, padece de inconstitucionalidade material, por violação do direito ao contraditório, da igualdade de armas, do acesso ao direito e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, contemplados nos artigos 13.° e 20.° da CRP.
Não se acompanha tal argumentário.
Como acima ficou dito, o ilícito de mera ordenação social tem um regime próprio e específico, desde logo na sua vertente processual, mormente em sede de recurso e prazo deste, fixando o prazo de 10 dias para a sua interposição.
Não se vislumbra que o encurtamento de tal prazo no processo contra-ordenacional (em relação ao processo penal), enquanto processo menos solene e em que os valores em jogo são de menor repercussão ética e material possa traduzir a propalada violação do direito ao contraditório, da igualdade de armas, do acesso ao direito e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
A interpretação e aplicação do citado normativo inserto no artº 74º, nº 1, do RGCO, no despacho reclamado não constitui qualquer compressão ou restrição dos direitos de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, nem dos direitos de recurso e de defesa do arguido e, como tal, violação dos apontados artºs 18º e 20º da CRP, na medida em que nele se considerou que sempre o arguido dispôs e dispunha do prazo de 10 dias para exercer efectivamente o seu direito ao recurso constitucionalmente protegido – artº 32º, nº 1, da CRP.
Tão pouco o despacho reclamado, na interpretação e aplicação do apontado artº 74º, nº 1, do RGCO, no sentido de atribuir o prazo de 10 dias para a interposição do recurso pelo reclamante, cerceia ou belisca o exercício do contraditório ou a igualdade de armas em relação ao recorrente.
Tal prazo não deixou de lhe possibilitar a impugnação da decisão e em pé de igualdade com a contraparte, sendo que “a previsão desse prazo de 10 dias para efeito de interposição e motivação do recurso não envolve uma diminuição arbitrária e excessiva do direito de defesa do arguido, revelando-se o mesmo suficiente para que aquele direito possa ser eficazmente exercido” (Acórdão do TC nº 487/2009, DR de 05.11.2009, 2ª Série, nº 215.
Questão distinta - e acima explicitada - era a de haver prazos divergentes para o recorrente e recorrido em sede de recurso.

Não se descortina, pois, que o despacho reclamado tenha violado os aludidos preceitos constitucionais contidos nos artºs 18º e 20º da CRP.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em três UC’s.

Guimarães, 27.04.2017



O Vice-Presidente do Tribunal da Relação deGuimarães,

António Júlio Costa Sobrinho