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CONCURSO SUPERVENIENTE DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário
Em caso de concurso de crimes de conhecimento superveniente (artº 78º CP) é competente para a realização do cúmulo jurídico o processo da última condenação.
Texto Integral
Processo 827/11.8PAPVZ
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DECISÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
O Ex.mo Magistrado do MP vem requerer a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre o Sr. Juiz de Vila do Conde – Instância Central – 2ª Secção Criminal – J8, e o Sr. Juiz de Vila do Conde – Instância Central – 2ª Secção Criminal – J2.
O arguido B…, identificado nos autos, foi condenado no processo comum singular 827/11.8PAPVZ, por factos ocorridos em 10/8/2012.
E foi condenado em outros processos por diversos outros factos.
Impõe-se efectuar o ou os cúmulos jurídicos das penas parcelares.
Ambos os juízes em conflito entendem que não são competentes para a realização do cúmulo jurídico.
Os respectivos despachos transitaram em julgado.
Notificadas as entidades em conflito, apenas um dos Senhores Juízes respondeu para reiterar o seu anterior entendimento.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite parecer no sentido de que deve ser atribuída a competência ao Tribunal da última condenação (PCC n.º 4595/12.8TAMTS).
Porque consta dos despachos em que se declina a competência a factualidade necessária à resolução do conflito negativo de competência suscitado, passamos a transcrevê-los:
1. O do Sr. Juiz da 2ª Secção Criminal – J8 Dos elementos juntos aos autos verifica-se que o arguido B… sofreu, entre outras, a condenação imposta nos presentes autos por decisão proferida em 27/5/2013 por factos praticados em 10/8/2012. Do certificado de registo criminal e certidões que antecedem respeitante a este arguido, retira-se que, entre outras, o mesmo foi anteriormente condenado por decisões transitadas em julgado, proferidas em 14/11/2012 pela extinta 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, no âmbito do PCC n.º 583/10.7PDVNG e 14/02/2013 pela extinta 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, no âmbito do PCC n.º 31/11.5PEVNG (cfr. CRC de fls. 1270 e ss). É, portanto, competente para proceder à realização do cúmulo jurídico esta unidade processual a que foi redistribuído o mencionado PCC n.º 4595/12.8TAMTS deste Tribunal de Matosinhos, por se tratar da última condenação transitada em julgado (cf. art. 471° n° 2 do CPP). Este cúmulo abrangerá unicamente as duas mencionadas penas impostas nos processos acima identificados. Com efeito, segundo resulta do art.º 77º, n.ºs 1 e 2 do CP, também aplicável ao conhecimento superveniente do concurso, por força do disposto no art.º 78, n.º 1 do mesmo diploma legal, e constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, o momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a pena única é o trânsito em julgado da primeira condenação. Os crimes cometidos posteriormente a essa decisão condenatória transitada, constituindo uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas. Na verdade como vem reiterando o Supremo Tribunal de Justiça o trânsito em julgado de uma condenação é o limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois. Depois da primeira condenação e do primeiro cúmulo, não se segue a acumulação pura e simples ou material de todos os crimes posteriormente cometidos. Após o primeiro concurso poderá ocorrer nova situação de concurso subsequente ao primeiro e consequente necessidade de realização de outro cúmulo que nada tem a ver com o primeiro. Deverão ser realizados tantos cúmulos quantas as situações de concurso. No caso em análise extrai-se do certificado criminal do arguido B… que a primeira condenação sofrida pelo mesmo a ter em conta para efeitos de cúmulo jurídico (excluída a que se verificou no proc. nº 290/09.3 GBSTS do Tribunal Judicial de Santo Tirso de 45 dias de multa, entretanto extinta pelo cumprimento) é a condenação sofrida pelo mesmo em 22/06/2011, transitada em julgado em 7/9/2011, no proc. 354/10.0GEVNG da 2a Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, estando as demais penas em que o mesmo foi condenado nos processos n.ºs 169/11.9PIVNG; 389/10.3T3AVR; 589/09.9GEVNG; 956/11.8GAVCD; 577/1 0.2PDVNG; 498/10.9PDVNG; 26/10.6GGVNG; 584/10.5GDVFR; 1384/10.8 PAVNG; 299/11.7P DP e 827/11.8PAPVZ (…????), sendo este último o competente para proceder ao referido cúmulo. Constata-se assim, que deverão ser feitos dois blocos de penas abrangendo as condenações acabadas de referir e um segundo bloco que integrará a condenação sofrida no âmbito destes autos e as sofridas nos processos n.º 583/10.7POVNG e n.º 31/11.5PEVNG. (…)
2. O Sr. Juiz da 2ª Secção Criminal – J2 Compulsados os autos, constata-se que o arguido B… sofreu as seguintes condenações: 1) No Processo n.º 290/09.3GBSTS, foi condenado por sentença de 21/09/2009, transitada em 26/10/2009, relativamente a factos praticados em 26/06/2009; 2) No Processo n.º 354/10.0GEVNG foi condenado por sentença de 22/06/2011, transitado em 07/09/2011, relativamente a factos ocorridos entre 11/08/2010 e 05/09/2010. 3) No Processo n.º 169111.9PVNG foi condenado por sentença de 07/07/2011, transitada em julgado em 23/09/2011, relativamente a factos de 07/02/2011. 4) No Processo n.º 389110.3TAVR foi condenado por sentença de 11/07/2011, transitada em julgado em 30/09/2011, relativamente a factos de 18/01/2010. 5) No Processo n.º 589/09.9GEVNG foi condenado por sentença de 27/09/2011, transitada em julgado em 21/11/2011, relativamente a factos de 10/11/2009. 6) No Processo n.º 956/11.8GAVCD foi condenado por sentença de 22/05/2012, transitada em julgado em 11/06/2012, relativamente a factos de 02/09/2011. 7) No Processo n.º 577/10.2PDVNG, foi condenado por sentença de 06/06/2012, transitada em julgado em 06/07/2012, relativamente a factos ocorridos entre 07/07/2010 e 11/08/2010. 8) No Processo n.º 498/10.9PDVNG foi condenado por sentença de 13/06/2012, transitada em julgado em 13/07/2012, relativamente a factos de 20/06/2010. 9) No Processo n.º 26/10.6 GAVNG, foi condenado por sentença de 09/10/2012, transitada em julgado em 09/11/2012, relativamente a factos de 23/08/2010. 10) No Processo n.º 58411 0.5GDFVR, foi condenado por sentença de 11/10/2012, transitada em julgado cm 31/10/2012, relativamente a factos de 27/06/2010. 11) No Processo n.º 583/10.7PDVNG, foi condenado por sentença de 14/11/2012, transitada em julgado em 17/12/2012, relativamente a factos de 11/09/2011. 12) No Processo n.º 1384/10.8PAVNG, foi condenado por sentença de 20112/2012, transitada em julgado em 01/02/2013, relativamente a factos de 04/08/2010. 13) No Processo n.º 299/11.7PDPRT, foi condenado por sentença de 22/01/2013, transitada em julgado em 21/02/2013, relativamente a factos de 15/08/2011. 14) No Processo n.º 31/11.5PEVNG, foi condenado por sentença de 14/02/2013, transitada em julgado em 18/03/2013, relativamente a factos de 28/09/2011. 15) Neste Processo n.º 827/11.8PAPVZ, foi condenado por sentença de 17/04/2013, transitada em julgado em 03/06/2013, relativamente a factos de 02/09/2011. 16) No Processo n.º 4595/12.8TAMTS, foi condenado por sentença de 27/05/2013, transitada em ju1gado em 05/07/2013, relativamente a factos de 10/08/2012. Quer na promoção do Digno Magistrado do Mº Pº de fls. 407, quer no nosso despacho de fls. 689 considerou-se serem estes últimos autos (Processo n.º 4595/12.8TAMTS) competentes para a realização de cúmulo jurídico, por ser esse o tribunal da última condenação. Tomando por referência os Processos acima indicados, verifica-se que o primeiro trânsito em julgado acontece no âmbito do Processo n.º 290/09.3GBSTS, em 26/10/2009. O que significa que os factos relativos a tal Processo integrariam um primeiro ciclo de crimes, não fora a circunstância de a pena de multa aí aplicada ter sido declarada extinta pelo cumprimento. Daí a constatação de um novo ciclo de crimes que abrange os Processos n.º 354/10.0GEVNG, 169111.9PVNG, 389/10.3TAVR, 589/09.9GEVNG, 956111.8GAVCD, 577/10.2PDYNG, 498/10.9PDVNG, 26/10.6GAVNG, 584/10.5GDFVR, 1384/10.8PAVNG, 299/11.7PDPRT e 827/11.8PAPVZ, tendo ocorrido o primeiro trânsito no primeiro processo referido. Um outro ciclo de crimes abrange os demais processos supra referidos (583/10.7PDVNG, 31/11.5PEVNG e 4595/12.8TAMTS). Resulta, pois, do que antecede, que, no caso vertente, as penas aplicadas ao arguido nos citados processos, a que é feita referência em 1) a 15), não se podem cumular num único cúmulo, pois isso daria lugar ao chamado “cúmulo por arrastamento”. Na verdade, a jurisprudência mais recente, mas já consolidada, afastou a ideia de uma só pena conjunta, através da realização do que ficou designado por “cúmulo por arrastamento”, ou seja, a acumulação de todas as penas quando existe uma “pena charneira” entre dois ou mais concursos de penas. Entendeu-se, pois, que o “cúmulo por arrastamento” contraria expressamente a lei e não se adequa ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência. É lógico, portanto, e mais favorável para o arguido, fazerem-se dois cúmulos jurídicos que apurem duas penas únicas de cumprimento sucessivo, uma com os processos descritos em 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 12), 13) e 15), e outra com os processos descritos em 11), 14) e 16). Ora, no Processo n.º 4595/12.8TAMTS foi proferido o despacho que consta de fls. 748/751 destes autos e no qual é referido que este Processo n.º 827/11.8PAPVZ é competente para proceder ao cúmulo do bloco de penas que abrange os Processos n.º 354/10.0GEVNG, 169/11.9PVNG, 389/10.3TAVR, 589/09.9GEVNG, 956/11.8GAVCD, 577/10.2PDVNG, 498/10.9VNG, 26/10.6GAVNG, 584/10.5GDFVR, 1384/10.8PAVNG, 299/11.7PDPRT e 827111.8PAPVZ. Vejamos: Em matéria de cúmulo jurídico, importa pois distinguir duas realidades distintas: uma é o momento temporal que se deve considerar para o estabelecimento de uma relação de concurso superveniente, e, ocorrendo uma situação de cúmulos sucessivos, saber as penas parcelares que hão-de integrar os respectivos cúmulos; outra, diversa, é a determinação do tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico. Quanto à primeira questão, estabelece o art.º 77°, n° 1, do Código Penal, também aplicável ao conhecimento superveniente do concurso, por força do art. 78°, n.º 1, do mesmo diploma que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única”. E o conhecimento do concurso é superveniente quando, “... depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes” (art° 78°, n.º 1). Daqui se colhe que o momento temporal decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a pena única é o trânsito em julgado de qualquer das decisões. Dito de outro modo, para haver concurso de infracções é necessário que as várias infracções tenham sido praticadas antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas, excluindo-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente. A verdade é que, com o trânsito em julgado surge, de modo definitivo, a solene advertência ao arguido, donde, o cometimento de qualquer crime após esta solene advertência, quebra o concurso, não havendo já razão para esta pena ser englobada na pena única, tratando-se antes de uma situação de sucessão criminal. E este tem sido o entendimento, sem discrepâncias, dos nossos tribunais superiores. Certo é que depois de uma primeira situação de concurso, pode bem ocorrer nova situação de concurso subsequente ao primeiro e, consequentemente, haver que realizar outro cúmulo que nada tem que ver com o primeiro, como sucede no caso em apreço. No fundo, hão-de realizar-se tantos cúmulos quantas as situações de concurso. Em relação à determinação do tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico, dir-se-á: Nesta matéria, o art° 471°, n° 1, do Código de Processo Penal, no que tange ao conhecimento superveniente do concurso, estipula que “... é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular, sendo correspondentemente aplicável o art° 14°, n.º 2, al. b)”. E o n° 2 estipula que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação”. Trata-se no n.º 1 do estabelecimento da competência material para o conhecimento superveniente do concurso, que cabe ao tribunal colectivo ou singular consoante os critérios estabelecidos no art° 14° do CPP: o tribunal singular é competente desde que a soma das aos crimes em concurso não seja superior a cinco anos. No n.º 2 estabelece-se a competência territorial, que é atribuída ao tribunal da última condenação. Quanto à fixação da competência territorial, se atentarmos que a efectivação da operação de cúmulo jurídico se traduz na realização de um “novo julgamento” (cfr. art° 472°, do CPP) faz todo o sentido que o legislador tivesse imposto essa tarefa ao foro da “última condenação”, por ser este tribunal o que tem a melhor e mais actualizada visão do conjunto dos factos e da personalidade do agente. Na verdade, o tribunal da última condenação é aquele que por último efectivamente condenou o arguido e não a condenação que por último transitou em julgado, sendo aqui o trânsito um acontecimento aleatório e imprevisível. Assim, considerando os fundamentos subjacentes à atribuição da competência territorial ao tribunal da última condenação, só a incompetência material do tribunal singular pode desviar tal regra. E assim acontecerá, sendo o tribunal singular o da última condenação, o cúmulo será elaborado pelo tribunal colectivo se o arguido tiver sido anteriormente condenado em pena que somada à do tribunal singular exceda os cinco anos de prisão. O tribunal competente para elaborar o cúmulo jurídico será então o tribunal colectivo com competência territorial na área do tribunal singular (da última condenação). Mas, no caso de o tribunal colectivo ser o “foro da última condenação”, será sempre esse o tribunal material territorialmente competente para a elaboração do competente cúmulo jurídico. Como vimos, não se discute que estamos em presença de duas situações de concurso. A questão em causa prende-se então com a fixação do tribunal competente para efectivar o cúmulo jurídico, considerando nós competente para tal efeito o Processo n.º 4595/12.8TATMS. Todavia não olvidamos que, no caso vertente, o critério da competência territorial não é susceptível, só por si, de decidir qual destes dois processos é o competente para proceder ao cúmulo jurídico, já que ambos os processos estão actualmente a correr termos na 2ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, isto é, o Processo n.º 827/11.8 na Unidade de Processos 3, atribuído ao Juiz 2, e o Processo n.º 4595/12.8TAMTS na Unidade de Processos 1, atribuído ao Juiz 8, por força da alteração legislativa entrada em vigor no passado 1 de Setembro, sendo que anteriormente estavam distribuídos, respectivamente, ao 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos elo Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim. Estamos assim no âmbito da mesma circunscrição territorial, com idêntica competência material. Deste modo, a competência de um destes processos em desfavor do outro há-de, assim, relevar de outro critério. A Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, - vide entre muitos outros o Acórdão de 24.10.2012, Processo nº 316/07.SGBSTS.S2-3ª Secção do STJ, vai no sentido de que quando o legislador impõe a tarefa do novo julgamento ao foro da “última condenação”, tem em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (e nestes não pode ser esquecido o papel que tem para determinação da medida da pena, por exemplo, a conduta posterior ...) e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa - e actual do trajecto de vida do arguido. O que é decisivo, para o efeito em análise, é, pois, a “particular capacidade” do tribunal da última condenação, a sua especial competência para a prossecução desta fase jurisdicional, pois a punição do concurso de crimes de conhecimento superveniente não constitui mera operação aritmética ou automática, antes pressupõe um julgamento, um novo julgamento. Deve, assim, entender-se que a competência material destes dois processos desta 2ª Secção criminal da Instância Central da Comarca do Porto está repartida em função do desenvolvimento do processo o que, constitui factor de determinação da competência funcional. Na regra do n.º 2 do art.º 472° do CPP, está assim pressuposta a competência funcional do tribunal da última condenação. Donde, seria sempre o Processo n.º 4595/12.8TAMTS, o competente para realizar o cúmulo por se tratar do tribunal da última condenação, tanto mais que tal cúmulo a efectuar sempre será mais favorável ao arguido, face à ocorrência de cúmulos sucessivos. Por sua vez, e citando o Acórdão do STJ de 2.06.2004 in, C.J. STJ, Tomo II, pág.221, no concurso superveniente de infracções, citando, com a devida vénia, “tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente”. Isto porque o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes, instituindo a pena conjunta, ou única, como a sanção ajustada à unidade relacional de ilícito e de culpa, numa ponderação do conjunto dos crimes e da relação da personalidade com o conjunto dos factos. Consequentemente, face às razões já acima enunciadas, o tribunal competente para a realização do cúmulo jurídico de todas as penas aplicadas nos processos referenciados de 2) a 16) é o tribunal da última condenação, ou seja, o Juiz 8 da Unidade de Processos 3, da 2ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, onde corre termos o Processo n.º 4595/12.8TAMTS. Em conformidade com o exposto, declaro este Tribunal incompetente para realização do cúmulo jurídico acima referido, o que se decide para todos os efeitos legais.
Cumpre decidir.
Da simples leitura dos despachos em crise se vê que ambos os Srs. Juízes entendem – e bem – que não há lugar ao chamado “cúmulo por arrastamento” e, por isso, relativamente ao arguido, há necessidade de proceder a dois cúmulos jurídicos.
A questão em análise está, pois, dependente da resposta à seguinte pergunta: qual o Tribunal competente para a efectivação do cúmulo superveniente em causa nos presentes autos: o Tribunal da última condenação ou o do trânsito em julgado da condenação?
Para se apurar da necessidade da efectivação do cúmulo jurídico não há dúvida que o facto relevante, o marco temporal intransponível, é o trânsito em julgado da condenação.
Escreveu, anteriormente, o Relator dos presentes autos[1]: “Dispõe o art.º 77º do C. Penal: 1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2- A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores. 4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. Adita o art.º 78º do mesmo Diploma Legal: 1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. 2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. 3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior. Como bem refere o STJ[2], “O legislador penal repudiou abertamente o sistema de acumulação material de penas, que na sua pureza, não se mostra consagrado na generalidade das legislações, para adoptar um sistema de pena conjunta, erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes, mas antes de acordo com um sistema misto pontificando a regra da acumulação”. Presente a teleologia das normas transcritas, e porque o legislador bem sabe que a justiça nem sempre é feita com a celeridade desejável, podendo passar despercebidos, à data da condenação, anteriores factos que estão com os julgados em relação de acumulação, e tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas, consagrou-se legalmente o concurso superveniente de infracções, no qual tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente[3]. Mas isto não implica que todos os factos, sejam praticados em que data forem, estejam sujeitos ao concurso superveniente de infracções. A jurisprudência do STJ, fazendo a correcta interpretação dos preceitos legais citados, vem esclarecendo os pressupostos do aludido cúmulo jurídico. Sem margem para qualquer dúvida afirma o nosso mais Alto Tribunal: “O cúmulo jurídico decorrente do conhecimento superveniente do concurso, regulado nos art.ºs 77º e 78º do C. Penal, pressupõe, por um lado, que alguém tenha praticado dois ou mais crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; e, por outro lado, que essa situação só seja conhecida depois do trânsito em julgado da condenação por qualquer um desses crimes”[4]. O que equivale por dizer que estão afastados os chamados “cúmulos por arrastamento”. Na verdade, como refere o STJ[5], “O art.º 78.º do CP impede o chamado «cúmulo por arrastamento», pois, quando se verifica que de entre os diversos crimes cometidos pelo arguido, com sentenças já transitadas em julgado, alguns estão numa situação de concurso com todos os restantes, de acordo com as regras definidas no art.º 78.º do C. Penal, mas outros não o estão, por terem sido cometidos depois de transitar a sentença por algum ou por alguns dos outros, não é permitido cumular todas as penas parcelares e aplicar uma única pena conjunta”. Por isso, considera o STJ[6] que “O momento temporal decisivo para o estabelecimento da relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido. O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite. A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência. A primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação. A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, que poderão integrar outros cúmulos”[7]. Daí que, “Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente)”[8]. É também o STJ[9] quem afirma que “Para efeito de realização de cúmulo jurídico há que identificar a primeira condenação em relação à qual o arguido tenha cometido anteriormente crimes, operando-se então um primeiro cúmulo jurídico englobando as penas dessa condenação e as aplicadas pelos crimes que lhe são anteriores. Em relação às penas dos crimes cometidos posteriormente àquela primeira condenação procede-se de modo idêntico, podendo ser todas englobadas num segundo cúmulo, se, identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores, ou, se assim não for, ter de operar-se outro ou outros cúmulos, seguindo a referida metodologia”. Porque assim é, “Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente)”[10].
Daí que se tenha concluído, como bem concluíram os Senhores Juízes em conflito que não há lugar ao “cúmulo por arrastamento”.
Questão que nem se coloca nos presentes autos.
Esta é diferente, como bem realça o Sr. Juiz subscritor do despacho de fls. 757 e segs.
E traduz-se em saber qual o tribunal territorialmente competente para a efectivação do cúmulo, resolvida que está a questão que se coloca a montante, seja, a de que há lugar a cúmulo jurídico.
Para o Senhor Juiz da 2ª Secção Criminal – J8 – é o da última condenação transitada em julgado.
Para o Senhor Juiz da 2ª Secção Criminal – J2 – é o tribunal da última condenação, independentemente do trânsito por ser aquele que “dispõe dos elementos mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (e nestes não pode ser esquecido o papel que tem para determinação da medida da pena, por exemplo, a conduta posterior...) e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa - e actual do trajecto de vida do arguido”.
Ambos convocam a favor da sua tese o disposto no art.º 471º, n.º 2 do CPP.
Dispõe o art.º 471º, sob a epígrafe “Conhecimento superveniente do concurso”: 1 - Para o efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º do Código Penal é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular. É correspondentemente aplicável a alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º 2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação.
Fazendo apenas a interpretação literal do preceito, com extrema facilidade se conclui que a competência há-de ser deferida ao tribunal da última condenação. Da última condenação e não do último trânsito em julgado, reza o preceito legal.
No entanto, a interpretação literal, como é sabido, pode conduzir a resultados não queridos pelo legislador e, por isso, a velha máxima latina latina: “in claris non fit interpretatio” tem vindo a ser substituída por outra máxima: “nulla res sine interpretation”.
Ou seja, tudo, por mais fácil simples e claro que pareça, carece de prévia investigação e interpretação.
Segundo Gregório Robles[11], o direito é um fenómeno de comunicação e serve para resolver os concretos problemas dos cidadãos.
Para Baptista Machado[12] “Cabem ao direito duas funções diferentes, tendencialmente antinómicas: Uma função estabilizadora, capaz de garantir a continuidade da vida social e os direitos e expectativas legítimas das pessoas, e uma função dinamizadora e modeladora, capaz de ajustar a ordem estabelecida à evolução social e de promover mesmo esta evolução num determinado sentido”.
Por todas as razões o direito é linguagem, é texto.
A linguagem, no campo do direito, tem de ser uma linguagem natural, sintética e rigorosa, capaz de transmitir com facilidade e fidedignidade ao interessado, o conteúdo da norma ou da decisão judicial.
Mas carece o direito de ser interpretado para ser aplicado.
O elemento base de toda a interpretação é a letra da lei, o texto da norma.
A apreensão literal do texto, base de toda a interpretação, é já interpretação, mas nenhuma interpretação fica ainda completa apenas com ela; será sempre necessário um trabalho de interligação e valoração que escapa ao domínio literal.
O elemento literal funciona, pois, como ponto de partida de toda a interpretação. Mas funciona, igualmente, como limite desta pois que, segundo se dispõe no n.º 2 do art.º 9º do C. Civil, “Não pode porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
O legislador determina, assim, que a interpretação da lei seja feita com base no elemento literal, sempre tendo em conta o pensamento legislativo.
Ou seja, remete para a chamada interpretação lógica. Que há-de ter em conta o elemento sistemático, o histórico e o teleológico.
O elemento sistemático manda que se tenham em consideração todas as disposições legais que compõem o ordenamento jurídico, e que regulem a questão em apreço. E ainda aquelas que regulem os denominados lugares paralelos.
Em nome da unidade do sistema jurídico.
O elemento histórico tem que ver com as razões da génese do preceito e da sua evolução normativa, isto é, tem a ver com as fontes da lei, os trabalhos preparatórios e alterações levadas a cabo pelo legislador.
O elemento racional ou teleológico prende-se com a razão de ser da norma, com o fim visado pelo legislador ao introduzi-la no sistema jurídico.
Para fazermos a interpretação do preceito importa ainda ter em conta que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – art.º 9º/3 do C. Civil.
Pois bem.
O cúmulo jurídico está regulado em termos substantivos nos art.ºs 77º e 78º do C. Penal.
Prescreve o n.º 1 do art.º 77º: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Reza o art.º 78º: “1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. 2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.
Já supra deixamos consignado o entendimento da melhor jurisprudência relativamente ao momento temporal decisivo para o estabelecimento da relação de concurso - o trânsito em julgado de qualquer das decisões; e bem assim relativamente ao afastamento do chamado cúmulo por arrastamento.
Para o que aos autos interessa, devemos apenas sublinhar que, se é verdade que nestes dois preceitos, para se apurar da necessidade de efectuar o cúmulo jurídico, se tem sempre como referência o trânsito em julgado das decisões, já no que toca à competência do tribunal para a realização do cúmulo, o legislador refere que é territorialmente competente o tribunal da última condenação.
Ora, o legislador sabe distinguir a condenação do seu trânsito em julgado, o que o intérprete deve presumir.
Significa isto que o elemento sistemático, na sequência do elemento literal, manda se defira a competência ao tribunal da última condenação.
Em nome da unidade do sistema jurídico.
Vai no mesmo sentido o elemento histórico.
Conquanto se desconheçam os trabalhos preparatórios e a fonte do art.º 55º do CPP de 1929, o certo é que, como nos dá conta Cavaleiro de Ferreira[16], o Assento do STJ de 14 de Dezembro de 1951, visando resolver questão que hoje não se suscita porque a CRP se opõe á existência de jurisdições de excepção, uniformizou jurisprudência no sentido de que, “transitada em julgado a condenação do réu por determinadas infracções, a competência territorial para o julgamento de que ele seja acusado regula-se pelas regras gerais da mesma competência”, remetendo, portanto, para o artigo 55º do CPP então vigente.
Já então a doutrina vinha reclamando a necessidade de cúmulo jurídico das penas autónomas aplicadas, mesmo que as decisões respectivas tenham transitado em julgado[17].
Acrescentava a mesma doutrina que o tribunal competente, em razão do território, para a efectivação do mesmo, é o da última condenação[18].
Cavaleiro de Ferreira[19], expressamente afirma: “A competência para aplicação da pena total, quando esta, por desconhecimento da existência do concurso de infracções, não tenha sido aplicada, cabe ao tribunal que julgou em último lugar uma das infracções em acumulação. Se, porém, a pena total tiver gravidade que não caiba nos limites da sua competência a aplicação da pena única, pertencerá ao tribunal colectivo da mesma comarca”.
Não era outro o entendimento de Figueiredo Dias[21]: “Temos, assim, que é o tribunal que efectua a última condenação aquele que, com intervenção do colectivo, se disso for caso, deve proceder ao cúmulo jurídico – seja na própria decisão em que toma conhecimento do concurso, seja em decisão complementar posterior, quando as sentenças contendo as penas parcelares tenham todas transitadas em julgado”
A jurisprudência apontava toda no mesmo sentido: o tribunal competente para proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares é o tribunal onde foi proferida a última condenação[23].
Já no domínio do novo CPP o STJ[24] decidiu que a competência para aplicação da pena única, no caso de conhecimento superveniente de concurso pertence ao tribunal da última condenação.
Este último aresto, categoricamente afirma que “de há muito está firmada jurisprudência no sentido de que tal incumbe ao tribunal da última condenação”.
Se os elementos de interpretação avançados ainda não fossem suficientes para concluir pela competência do tribunal da última condenação, o elemento teleológico seria decisivo.
Na verdade, o n.º 1 do art.º 77º do C. Penal, manda que na medida da pena sejam considerados, em conjunto, seja, de forma completa, os factos e a personalidade do agente.
Factos esses que deverão ser vistos, não como “um mero somatório, em visão atomística, mas numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade global do ilícito praticado”[25].
No entendimento do nosso mais Alto Tribunal[26], “Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa”.
E acrescenta: “Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização”.
Por isso, tem toda a razão o Ex.mo Presidente da 3ª Secção do STJ[27] ao decidir que “A efectivação da operação de cúmulo jurídico traduz-se efectivamente na realização de um «novo julgamento», com todas as inerentes implicações jurídicas”.
Por isso, acrescenta, “Quando o legislador – art. 472.º, n.º 2, do CPP – impõe a tarefa desse novo julgamento ao foro da «última condenação», tem em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (e nestes não pode ser esquecido o papel que tem para a determinação da medida da pena, por exemplo, a conduta posterior – art. 71.º, n.º 2, al. e), do CP) e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido, circunstância que, manifestamente, arreda qualquer interpretação restritiva daquela disposição processual”.
Daí que, escreve, “O trânsito em julgado da condenação é um evento neutro para efeitos da aferição da competência do tribunal para a realização do cúmulo jurídico de penas, até porque, ao invés do julgamento e/ou condenação, é um acontecimento jurídico aleatório e imprevisível”[28].
Ou seja, quando o legislador fala em “tribunal da última condenação” teve em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados.
Também o elemento teleológico aponta do sentido antes referido.
Não se conhece doutrina ou jurisprudência em sentido contrário.
Acrescentamos apenas que os Presidentes das Secções Criminais da Relação do Porto[29] têm, ambos, o mesmo entendimento. Razão pela qual, a benefício da celeridade processual, da imagem da justiça e dos tribunais, se deve evitar este tipo de conflito negativo de competência.
DECISÃO
Termos em que, na resolução do conflito negativo de competência, se declara competente para a realização do cúmulo jurídico o processo da última condenação, seja o processo comum colectivo 4595/12.8TAMTS, distribuído ao Sr. Juiz da 2ª Secção Criminal – J8
Cumpra, de imediato, o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal.
Dê conhecimento ao Juiz Presidente da Comarca
Sem tributação.
Porto, 30-04-2015
Francisco Marcolino
______________
[1] Recurso 554/10.3PAVLG-A.P1
[2] Ac do STJ de 27-04-2011, processo 2/03.5GBSJM.S1, in www.dgsi.pt
[3] Neste sentido o Ac. do STJ, de 02-06-2004, CJ STJ, Tomo II, pág. 221
[4] Ac do STJ de 25/03/2009, CJ, Acs do STJ, XVII, I, 234
[5] Ac do STJ de 19-05-2010, processo 1033/03.0GAVNF.P1.S1, in www.dgsi.pt e in CJ, Acs do STJ, Ano XVIII, tomo II, pg. 181
[6] Ac do STJ de 17/12/2009, processo 328/06.6GTLRA.S1, in www.dgsi.pt
[7] No mesmo sentido o Ac do STJ de 18/1/2012, in CJ, Acs do STJ, XX, I, pg. 210; o Ac do STJ de 13-01-2010, processo 1022/04.8PBOER.L1.S1, in www.dgsi.pt
[8] Ac do STJ de 7/4/2010, processo 312/09.8TCLSB.S1, in www.dgsi.pt
[9] Ac do STJ de 23/11/2011, processo 295/07.9GBILH.S2, in www.dgsi.pt
[10] Ac do STJ de 7/4/2010, processo 312/09.8TCLSB.S1, in www.dgsi.pt
[11] O Direito como Texto, editora Manole, 2005
[12] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pg. 223
[13] Sublinhado nosso
[14] Idem
[15] Idem
[16] Curso de Processo Penal”, Reimpressão da Universidade Católica, 1981, I vol., págs. 222 e segs.
[17] Vide o Parecer do PGR de 26 de Junho de 1952, BMJ 36º-48
[18] Idem.
[19] Ob. Citada, pg. 224
[20] Realce nosso
[21] Direito Processual Penal, 1ª edição, Coimbra Editora, 1974, reimpressão, pg. 351
[22] Realce nosso
[23] Por todos, os Acs do STJ de 12/11/1958, BMJ 81º - 310; de 30/1/1985, BMJ 343º - 269
[24] Ac. de 3/5/1989, BMJ 387º - 477
[25] Ac do STJ de 14/05/2009, CJ, Acs do STJ, XVII, II, 233
[26] Ac do STJ de 28/4/2010, processo 4/06.0GACCH.E1.S1, in www.dgsi.pt
[27] Decisão de 06/01/2010, processo 98/04.2GCVRM-A.S1, in www.dgsi.pt
[28] No mesmo sentido o Ac do STJ de 24/10/2012, processo 316/07.5GBSTS.S2, in www.dgsi.pt; o Ac do STJ de 10/04/2014, in CJ, Acs do STJ, XXII, tomo II, pg. 190; o Ac da RE de 18/06/2013, processo 40/10.1PESTB-A.E1, in www.dgsi.pt; o Ac da RC de 9/04/2014, processo 327/10.3PBVIS.C2, in www.dgsi.pt, entre muito outros
[29] Confrontar, do Ex.mo Presidente da 2ª Secção Criminal, a decisão proferida no processo 3/11.4PEPRT-B.P1