I - No âmbito do direito às águas particulares podem configurar-se as seguintes situações:
– Se o titular do direito à água puder captá-la num prédio e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a, sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Nesta hipótese, o titular (ou contitular) do direito de propriedade sobre as águas existentes num prédio alheio, pode dispor delas livremente, neste ou naquele prédio, para qualquer fim, até industrial e pode aliená-las. Já o dono do prédio onde se situa a nascente não pode utilizar as águas desse prédio, nem pode efectuar outra cessão (como se as águas se separassem do solo e não mais lhe pertencessem).
– Se o direito à água estiver limitado a determinado prédio ou prédios, estaremos perante um mais limitado direito de servidão de “frui”. Neste caso, o proprietário do prédio dominante (do prédio que tem o direito de usar as águas), só no interesse exclusivo desse prédio poderá usar as águas, na satisfação das necessidades ou de certas necessidades desse mesmo prédio, conforme a amplitude do título constitutivo daquela servidão. Não pode por isso cedê-las a outras pessoas. Já o dono do prédio serviente (do prédio onde a água é captada) pode usar livremente a água do seu subsolo, com a condição de não prejudicar a servidão constituída, i. é, desde que não diminua o caudal da água afecta à servidão.
II - A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, conduzir e derivar.
III - A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar e a conduzir.
IV - Mesmo que partilhássemos o entendimento de que, no âmbito das servidões voluntárias, não é necessário provar o direito à água, não se poderia julgar constituída por usucapião a servidão de presa e aqueduto, nem a acessória servidão de passagem (adminiculum), uma vez que as servidões são encargos sobre um prédio em benefício de outro ou outros e não resulta da factualidade provada qual o prédio sobre que tal encargo incide.
V – Ainda que se reconhecesse a existência de uma servidão de presa e aqueduto, que não se reconhece, os autores não teriam o direito de se opor à alteração efectuada pelo réu, uma vez que a mesma não estorvou o seu exercício, isto é, o aproveitamento da água nos prédios dos autores.
I – RELATÓRIO
J, R e as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de A e de M, representadas por R, AS, D e C, intentaram contra MS a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, na qual pedem:
a) Seja o Réu condenado a reconhecer que os 1ºs Autores, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio identificado nos artigos 1.º, da petição inicial, de acordo com os títulos exibidos;
b) Seja o Réu condenado a reconhecer terem os 1ºs Autores adquirido o direito de propriedade sobre os aludidos prédios, por via do fenómeno da usucapião, aquisição originária do direito que expressamente alegam e invocam para todos os efeitos legais;
c) Seja o Réu condenado a reconhecer que os 2ºs Autores, em regime de comunhão hereditária sem determinação de parte ou direito, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 6.º, da petição inicial, de acordo com o título exibido;
d) Seja o Réu condenado a reconhecer terem os 2ºs Autores adquirido o direito de propriedade sobre os aludidos prédios, por via do fenómeno da usucapião, aquisição originária do direito que expressamente alegam e invocam para todos os efeitos legais;
e) Seja o Réu condenado a reconhecer aos 1ºs e 2ºs Autores, na proporção da sua contitularidade, o direito de propriedade (sem prejuízo do direito dos demais consortes) sobre a parcela de terreno de 4m x 4m, onde existia o tanque em pedra de patelas, que constituía a Poça do Olheiro, conforme explanado nos artigos 21.º a 31.º da petição inicial;
f) Seja o Réu condenado a reconhecer aos 1ºs e 2ºs Autores, na sua proporção, o direito de propriedade (sem prejuízo do direito dos demais consortes) da água de nascente represada na Poça do Olheiro, para rega e lima dos prédios referidos nos artigos 1.º e 6.º da petição inicial, nos modos e usos costumeiros referidos no art.º 39.º da petição inicial;
g) Seja o Réu condenado a reconhecer aos 1ºs e 2ºs Autores, e em benefício dos seus indicados prédios, os direitos de servidão de presa e de aqueduto, bem como da acessória servidão de passagem, com assento sobre o prédio do Réu, mormente a parte de trás da poça até à nascente junto às rochas, para integral aproveitamento da água de nascente da Poça do Olheiro;
h) Seja o Réu condenados a repor no seu estado original o leito da Poça do Olheiro em patela tal como existia antes de o Réu a ter mandado atuir, para armazenamento/represa da água da nascente, para rega e lima dos prédios referidos nos artigos 1.º e 6.º da petição inicial, bem como os respectivos regos ou aquedutos, e carreiro de pé posto; i) Seja o Réu condenado a repor no seu estado original o pijeiro de saída da Poça do Olheiro, tal como existia antes de o Réu ter mandado ali construir um muro em blocos de cimento;
j) Seja o Réu condenado a repor no seu estado original os canos que atuiu com as obras, canos esses que conduziam a água da Poça do Olheiro nos giros explanados no art.º 39º até ao outro lado da estrada em alcatrão, e giros esses que posteriormente prosseguiam em rego a céu aberto até prédios dos Autores e demais consortes, tal como existia antes de o Réu ter mandado ali construir um muro em blocos de cimento;
k) Seja o Réu condenados a abster-se de quaisquer actos que impeçam ou dificultem o exercício de tais direitos;
l) Seja o Réu condenado a indemnizar os Autores por todos os prejuízos que já lhes causou e continua a causar, a liquidar em execução de sentença.
Alegam, para tanto e em síntese:
– Os 1ºs autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto, composto por “Casa de Rés do Chão e Andar, e Leiras da Tomada”, inscrito na matriz sob o art.º 404.º Urbano e 198.º Rústico, que lhes adveio por doação, estando inscrita a seu favor a aquisição do seu direito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde, a aquisição a mediante a inscrição n.º 0013/030386.
– Os 2ºs autores são donos e legítimos proprietários, em regime de comunhão hereditária, do prédio rústico designado de “Leiras das Tomadas”, situado no lugar de Portela de Cima, da União de Freguesias do Vade, inscrito na matriz sob o art.º 183, não descrito na conservatória, o qual pertencia aos falecidos A, e mulher M, em cujos direitos estes autores sucederam.
– Quer os 1ºs autores, quer os 2ºs autores, por si e antepossuidores, há mais de 10, 20, 30, 40 e mais consecutivos anos, usam e fruem os imóveis atrás descritos, colhem as utilidades e rendimentos deles, zelam, limpam, colhem os frutos, as uvas, podam, sulfatam, lavram, semeiam, regam os mesmos de lima e rega e pagam as contribuições que lhe dizem respeito, à vista de toda a gente, sem que ninguém a isso se oponha, com ciência e paciência de todos, e sem com isso julgarem lesar o direito de quem quer que seja;
– Os 1ºs e 2ºs autores, na sua quota-parte, são donos e legítimos possuidores e proprietários da nascente que é represada na “Poça do Olheiro”; - Bem como beneficiam da titularidade de servidão de aqueduto e de presa, a onerar o local por onde a mesma passa, quer em rego a céu aberto, quer em tubo, pois que, há mais de 10, 20, 30, 40 e 50 anos, os prédios acima identificados, bem como outros prédios pertença de outros consortes, são irrigados com água de lima e rega proveniente de uma nascente de água que é represada numa poça sita mais a Norte dos prédios dos autores, designada de “Poça do Olheiro”;
– Com efeito, no lugar do Olheiro, extinta freguesia de Atães, Vila Verde, agora união freguesias do Vade, existe, desde há mais de 50 anos, uma poça que represa água, designada de “Poça do Olheiro”, a qual confina com um terreno rústico do réu. Trata-se de uma poça em forma de represa, em patela de pedra, com a forma de quadrado, inserida numa parcela de terreno pertencente aos consortes, com quatro metros de cumprimento por quatro metros de largura, a confinar com o caminho público a poente, a norte com o tanque de lavar público e a sul e nascente com o terreno dos réus.
– A “Poça do Olheiro”, bem como a parcela de terreno onde se inseria, é pertença dos seus consortes, que ali em tempos represaram a água naquela poça para rega e lima dos terrenos situados a poente e sul, tendo para o efeito construído aquela poça;
– A água da “Poça do Olheiro”, para além de servir os consortes, sempre serviu para as pessoas daquela aldeia, quem quisesse, ali lavar roupa
– Quer os 1ºs autores, quer os 2ºs autores, quer os restantes consortes, por si e antepossuidores, há mais de 10, 20, 30, 40 e mais consecutivos anos, limpam e zelam pela “Poça do Olheiro” e referida parcela de terreno que a mesma constitui, limpando-a para a rega e lima, nela colocando tubos, à vista de toda a gente, sem que ninguém a isso se oponha e sem com isso julgarem lesar o direito de quem quer que seja;
– - Sempre aquela “Poça do Olheiro” foi utilizada pelos habitantes da freguesia de Atães, que ali vivem, para lavar roupa, tendo a junta de freguesia da extinta freguesia de Atães, há uns anos atrás, construído junto à represa da “Poça do Olheiro”, um tanque em cimento com um coberto em chapa;
– À “Poça do Olheiro” aflui uma água que nasce a cerca de 10m daquele local, no subsolo de uns rochedos ali existentes a nascente e, depois de brotar, é encaminhada por gravidade até à represa da “Poça do Olheiro, sendo ali represada e ancorada quer na “Poça do Olheiro”, quer no pequeno tanque em cimento que ali existe para lavar roupa.
– A água é utilizada, posteriormente, pelos consortes da “Poça do Olheiro”, quer para rega e lima dos prédios dos autores, quer para rega e lima de outros prédios rústicos ali existentes a sul e poente, em giros de água conforme usos e costumes, do seguinte modo: de Domingo à noite até Terça-feira à noite, para rega e lima do prédio dos 2ºs Autores; de Terça-Feira à noite até Quarta-Feira à noite, para rega e lima do prédio designado de “Campo das Tomadas”, pertencente ao consorte apelidado de Jaime Pereira Bastos; de Quarta-Feira à noite até Quinta-Feira à noite, para rega e lima do prédio designado de “Campo da Igreja”, pertencente ao consorte apelidado de João Peto; de Quinta-Feira à noite até ao Domingo à noite, para rega e lima do prédio dos 1ºs AA;
– Assim, depois de represada na “Poça do Olheiro”, a água sai num “pijeiro” ali existente à saída da poça em patela de pedra, onde também existe um pequeno depósito; sendo depois encaminhada num tubo até passar o leito do caminho público em alcatrão que ali existe, da portela do Vade até ao caminho para Barros, passando para o outro lado da estrada; posteriormente, a água é encaminhada por um rego a céu aberto, até aos prédios dos consortes de acordo com os usos e costumes referidos, para rega e lima daqueles terrenos, nomeadamente, para rega de milho, feijão, árvores de fruto, bem como videiras e hortaliças;
– Presentemente, os consortes aqui 1ºs Autores, o consorte João Peto e o consorte Jaime Bastos e à excepção dos 2ºs Autores – que apenas podem aproveitar por rego a céu aberto – por acordo de todos os consortes, levam também o seu giro de água através de canos de plástico até aos seus prédios;
– Na verdade, ininterruptamente e há mais de 1, 10, 15, 20 e 30 anos que os autores e demais consortes, por si e antepossuidores, vêm aproveitando a referida água represada na “Poça do Olheiro” para rega e lima dos seus prédios, usufruindo as inerentes vantagens, por meio de obras de captação levadas a cabo pelos antepossuidores dos autores e dos demais consortes e que por estes e seus sucessores são mantidas e reparadas para aquele efeito, obras que são visíveis e aparentes, nomeadamente uma presa em patela, que sempre foi zelada e que foi feita pelos antepossuidores dos autores e dos demais consortes; o que fazem à vista e com conhecimento de toda a gente, mediante regime estável da sua distribuição, entre eles estabelecida, na convicção de quem exerce um direito próprio e sem oposição de quem nisso mostrasse interesse;
– Os Autores e consortes, por forma contínua e ininterrupta, sempre conduziram através de rego em céu aberto e com acompanhamento do seu trajecto, as águas da “Poça do Olheiro”, que ali são ancoradas conforme os giros costumeiros;
– Sempre os Autores por si e ante possuidores conduziram as águas das nascentes da “Poça do Olheiro” através de rego a céu aberto, sem qualquer oposição de quem quer que fosse;
– Sucede que, em meados do ano transacto, o réu, por si ou por interposta pessoa, começou a destruir as obras que os antepossuidores dos consortes da água da “Poça do Olheiro” ali fizeram, mormente a represa em patela; assim, em meados de Maio, um tal “Vivas”, com uma retroescavadora, a mando do réu, quando ali andou a acertar um valado em terra, colocou a terra dentro da “Poça do Olheiro”;
– O Réu tapou por completo, com um muro em cimento e tijolos, o local da “Poça do Olheiro” e para se apropriar dessa poça, atuiu a mesma;
– E fez uma outra represa, mais pequena e sem saída de pijeiros ou canos a conduzir a água até aos regos a céu aberto, colocando-a na propriedade do referido “Mangueira”, sem autorização deste, dos autores ou dos demais consortes;
– Apesar de instado pelos autores e demais consortes para se abster de levar a cabo tais afrontas aos legítimos direitos destes, o réu simplesmente ignorou e prosseguiu as obras, ameaçando ainda os autores;
– O réu destruiu o percurso do leito da água dos consortes que saía do pijeiro da “Poça do Olheiro”, tapando e destruindo o acesso da água pelo cano que, em tempos, a Câmara Municipal ali deixou, quanto arranjou o caminho, para os giros da água atravessarem esse mesmo caminho;
– Os autores e demais consortes estão impedidos de represar a água da “Poça do Olheiro” e acompanhar a mesma até aos seus prédios, tendo o réu, além disso, diminuído a quantidade de água que era represada na aludida poça, tornando a água da “Poça do Olheiro” insuficiente para rega e lima dos prédios dos autores, tendo diminuído o caudal, bem como a sua quantidade;
– Com a actuação acima referida, o réu vem privando os autores de grande parte da água que, pela forma supra exposta, era captada, conduzida, represada e posteriormente derivada até aos respectivos prédios, provocando uma drástica diminuição das potencialidades produtivas desses prédios, que se desvalorizaram, pois que apenas tinham aquela água represada na “Poça do Olheiro” para fazer face às necessidades de rega e lima dos seus prédios rústicos; além de causar desgosto, revolta e frustração aos autores.
Mais alegou, em suma:
– O réu é dono e legítimo possuidor do seguinte prédio urbano, constituído por “Uma morada de casas de dois pavimentos com logradouro, sito no lugar do Monte do Olheiro da extinta freguesia de Atães – Vila Verde, em cuja matriz predial se encontrava inscrita sob o artigo 679.º, e actualmente inscrito na União de Freguesias do Vade sob o artigo ….º, descrito na Conservatória do Registo Predial da freguesia de Atães sob o n.º …;
– Nos autos de inventário judicial a que se procedeu, para partilha dos bens, por óbito de Lucinda Gonçalves de Sousa e marido João Coelho de Araújo, pais do réu, que correram termos por este Tribunal sob o nº 53/10.3TBVVD-2º Juízo, foi relacionado sob a verba n.º 7 o seguinte prédio: “Prédio rústico Mato do Olheiro, terreno de mato e lenha, situado no lugar do Monte do Olheiro, freguesia de Atães, desta comarca, a confrontar do norte com caminho do monte, nascente e sul com João Fernandes de Sousa e de poente Caminho de Barros, descrito na Conservatória sob o n.º …-Atães e inscrito na matriz sob o artigo ….º; - Este prédio foi adjudicado ao Réu em partilha que foi homologada por sentença de 30.11.2011, devidamente transitada, encontrando-se a sua aquisição registada a favor do Réu;
– Por si e antepossuidores, está o Réu na posse deste prédio há mais de 20 e 30 anos, usando-o e fruindo-o e dele retirando todas as utilidades de que é susceptível, com conhecimento e à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou interrupção temporal e na convicção de quem exerce direito próprio correspondente ao direito de propriedade;
– Dentro deste prédio do Réu, na sua parte norte-poente, a cerca de 10 metros do caminho público, existia uma poça de água, tipo chafurdo, onde os animais iam beber e onde era colhida água para gastos domésticos;
– As sobras dessa água eram aproveitadas por alguns habitantes do lugar para rega dos seus prédios, designadamente, A, pai das autoras R, D e C, M, avó do autor J, e Passal da Igreja, hoje JP, também conhecido por JP, e M;
– Em 12 de Agosto de 1969, J, pai do réu, requereu à Câmara Municipal e Vila Verde licença para construir um muro de vedação da sua propriedade denominada “Leira do Olheiro”, de mato, no Lugar do Olheiro, freguesia de Atães, junto ao caminho público, com a altura de 1,20 por 20 metros de comprimento, licenciamento que foi deferido em 28 de Agosto de 1969; De seguida o pai do réu construiu o muro na parte confinante com o caminho público, deixando uma entrada para os consortes poderem aceder à poça;
– Por volta do ano de 1983 a Câmara Municipal de Vila Verde, a pedido da junta de freguesia de Atães, procedeu ao alargamento e asfaltagem do caminho público;
– Com a realização de tais obras, a água sobrante que atravessava o caminho em rego a céu aberto passou a atravessá-lo através de um aqueduto subterrâneo, existindo um tubo de PVC a dirigir a água da “Poça do Olheiro” para a entrada do referido aqueduto;
– Por isso, há mais de 20 anos que a poça não é utilizada pelos consortes para rega, encontrando-se em estado de deterioração e abandono, sendo o réu e seus antepossuidores a cortar as silvas e demais arbustos que nasciam dentro dela;
– No prédio, o réu construiu uma moradia para sua habitação e, a fim de proceder à total vedação do seu terreno, com o objectivo de obter a necessária privacidade da sua habitação e logradouro, falou com os consortes da água e Junta de Freguesia, a informar que iria proceder á mudança da poça para a extrema do seu terreno, que deixaria acessível ao publico, no exterior do muro de vedação a construir, para esse efeito recuado no interior do seu terreno;
– Entre o ano de 2010 e 2011, transferiu para uma extrema do seu prédio, alguns metros a norte, a aludida poça, fontanário e tanque, lavadouro, que construiu de raiz mais aptos ao fim a que se destinam do que os anteriores que substituem;
– O Réu substituiu a poça aludida por uma nova e maior, em betão armado, muito mais eficiente do que a que existia, colocou dentro da poça um cano com o diâmetro de 10cm que vai directamente a uma caixa de derivação, fechada com uma tampa munida de cadeado, na qual existem três canos por onde os consortes se servem nos seus dias de rega, de modo que a água segue o mesmo curso que há 20, 30, 40 e 50 anos;
– Tal mudança e melhoria foram do agrado de todos os consortes e da Junta de Freguesia, sendo que o único a mostrar algum desagrado foi o autor A, não porque tal mudança lhe diminua o uso da água de rega, mas sim por puro acinte pessoal contra o réu;
– O actual fontanário, o tanque/lavadouro e a poça apenas distam 3 ou 4 metros da localização anterior, tendo o réu construído o muro de vedação do seu prédio por forma e em local que os consortes acedam àquelas benfeitorias sem devassarem a sua habitação e logradouro;
– Assim, o réu limitou-se a alterar o local da servidão, o que fez para o seu prédio, à sua custa e com o conhecimento e consentimento dos demais interessados, que se encontram, agora, melhor servidos com as obras que foram executadas do que anteriormente.
«Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) Declaro que os Autores, J e R, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no ponto 1 dos Factos Provados;
b) Declaro que os Autores, R, A, D e C, em regime de comunhão hereditária sem determinação de parte ou direito, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no ponto 2 dos Factos Provados;
c) Declaro que os Autores, na respectiva proporção e sem prejuízo dos demais consortes, são contitulares do direito de propriedade da água de nascente represada na “Poça do Olheiro”, para rega e lima dos prédios referidos nos pontos 1 e 2 dos Factos Provados, nos modos referidos no ponto 21 dos Factos Provados;
d) Declaro que os Autores, em benefício dos indicados prédios, são titulares dos direitos de servidão de presa e de aqueduto, bem como da acessória faculdade passagem desde a poça até à nascente, para integral aproveitamento da água de nascente da “Poça do Olheiro”;
e) Condeno o Réu a repor no seu estado original o leito da “Poça do Olheiro” em patela, tal como existia antes de a ter mandado atuir, para armazenamento/represa da água da nascente, bem como os respectivos regos ou aquedutos;
f) Condeno o Réu a repor no seu estado original os canos que conduziam a água da “Poça do Olheiro”, tal como existiam antes de ter mandado ali construir um muro em blocos de cimento;
g) Condeno o Réu a abster-se de quaisquer actos que impeçam ou dificultem o exercício dos direitos reconhecidos nas alíneas a) a d);
h) Absolvo o Réu dos restantes pedidos formulados pelos Autores.»
«I- É DOS A.A. O ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA DOS FACTOS QUE CONSTITUEM OS PRESSUPOSTOS INDISPENSÁVEIS AO RECONHECIMENTO DOS DIREITOS QUE INVOCAM E PRETENDEM VER JURIDICAMENTE RECONHECIDOS, O QUE NÃO SUCEDE;
II- RESULTA CLARO E DE CONHECIMENTO OFICIOSO QUE A FACTUALIDADE ALEGADA PELOS A.A. NA P.I. COMO CAUSA DE PEDIR, NOS ARTS 21, 29, 32 A 37, 47, 60, 75 E 80, DETERMINA QUE ESTEJÁMOS PERANTE CASO DE LISTISCONSÓRCIO NECESSÁRIO (ACTIVO/PASSIVO/NATURAL), NÃO PODENDO AQUELES OUTROS UTILIZADORES DA ÁGUA, REPRESENTADOS PELA ACTUAL JUNTA DE FREGUESIA, A QUEM AQUI SÃO RECONHECIDOS DIREITOS INCOMPATÍVEIS COM AQUELES DE QUE SE ARROGAM, ESTAREM AUSENTES DOS PRESENTES AUTOS, DETERMINANDO ISSO AGORA A ABSOLVIÇÃO DO R. DA INSTÂNCIA;
III- A PROVA DOS FACTOS DOS QUAIS SE DEDUZ A CONSTITUIÇÃO, POR USUCAPIÃO, PROPRIEDADE E SERVIDÃO PREDIAL, COMPETE Á PARTE QUE ALEGA A TITULARIDADE DESSES DIREITOS REAIS DE GOZO;
IV- NÃO ALEGAM OS A.A. FACTUALIDADE ADEQUADA A SER-LHES RECONHECIDO, COMO FOI, QUALQUER DIREITO DE PROPRIEDADE OU SERVIDÃO PREDIAL;
V- NÃO PROVARAM OS A.A. O ALEGADO DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE PRÉDIO ONDE SE INSERE POÇA, SÓ POR SI IMPEDITIVO DA PROCEDÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE SERVIDÃO SOBRE MESMO;
VI- NÃO PROVARAM OS A.A. POSSE SOBRE NASCENTE, ÁGUA E SISTEMA DE CONDUÇÃO DA MESMA ATÉ AO TANQUE PÚBLICO, NOS 20 ANOS ANTERIORES Á PROPOSITURA DA ACÇÃO, ANTES SE APUROU POSSE EXCLUSIVA DE 3ºS NESSE PERÍODO TEMPORAL;
VII- OS FACTOS OBSTACULARIZANTES DO RECONHECIMENTO DOS DIREITOS A QUE OS A.A. SE ARROGUEM DEVEM SER CONHECIDOS OFICIOSAMENTE PELO TRIBUNAL A QUO, DESIGNADAMENTE AS CARACTERÍSTICAS CONFIGURADORAS DE DOMINIALIDADE PÚBLICA EXERCIDAS PELA POPULAÇÃO DE ATÃES E RESPECTIVA JUNTA DE FREGUESIA, ELEMENTOS DE POSSE EXERCIDA PELA JUNTA DE FREGUESIA, NOS ÚLTIMOS 22 ANOS, SOBRE NASCENTE, ÁGUA, CANOS SUBTERRÂNEOS DE CONDUÇÃO ENTRE NASCENTE E POÇA E TANQUE PÚBLICO, APURADAS NOS AUTOS;
VIII- DA PROVA TESTEMUNHAL SUMARIADA NA SENTENÇA, DESIGNADAMENTE DA TESTEMUNHA JOSÉ MANUEL RIBEIRO COSTA, PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DE ATÃES, BEM COMO DOS ESPECIFICADOS EXCERTOS DA PROVA GRAVADA DADA A REAPRECIAÇÃO, NÃO PODE DEIXAR DE SE RECONHECER Á JUNTA DE FREGUESIA DE ATÃES, PELO MENOS DESDE 1994, A POSSE DOS ÚLTIMOS 22 ANOS, SOBRE NASCENTE, A ÁGUA DA NASCENTE E MEIO DE CONDUÇÃO SUBTERRÂNEA DA MESMA ATÉ AO TANQUE PÚBLICO DE LAVAR, INCOMPATÍVEL SÓ POR SÍ COM A AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO DA PROPRIEDADE DESSA ÁGUA, NASCENTE, SISTEMA DE CONDUÇÃO PELOS A.A.;
IX- DEVEM OS PONTOS 9, 19 E 20 DOS FACTOS PROVADOS, INCORRETAMENTE JULGADOS, SEREM ALTERADOS NO SENTIDO DE REFLETIREM QUE A ÁGUA DA NASCENTE É CANALIZADA PELA JUNTA DE FREGUESIA DE ATÃES PARA O TANQUE PÚBLICO DE LAVAR, ALUDIDO NO PONTO 18 DOS FACTOS PROVADOS, E QUE SÓ A QUE DELE SOBRA, QUANDO SOBRE, CHEGA Á POÇA. ISSO RESULTA DO TEOR DA PROVA TESTEMUNHAL SUMARIADA, BEM COMO DO TEOR DA ESPECIFICADA PROVA GRAVADA DADA A REAPRECIAÇÃO QUE, POR CREDIBILIDADE DOS DEPOENTES, A ISSO IMPÕE;
X- DA SUBSUNÇÃO DOS NORMATIVOS LEGAIS APLICÁVEIS ÁS CARACTERISTICAS E MODO DE UTILIZAÇÃO DA NASCENTE, ÁGUA E SISTEMA DE CONDUÇÃO ATÉ TANQUE PÚBLICO, APURADAS E A APURAR NOS AUTOS NOS TERMOS PUGNADOS, DEVE RESULTAR PROVADO SER A ÁGUA DA NASCENTE EM CAUSA PERTENÇA DO DOMÍNIO PÚBLICO, E O APROVEITAMENTO QUE OS A.A. FAZEM DAS SOBRAS DELA SER A TÍTULO PRECÁRIO, art. 32º, 1º parágrafo do Decreto nº 5787-III, de 10/05/1919 SENDO AS MESMAS INSUSCEPTÍVEIS DE AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO, SEM PREJUÍZO DA FALTA DO REQUISITO POSSE A ISSO ADEQUADA, OU PELO MENOS SER ELEVADA A PROBABILIDADE DE ASSIM SER, O QUE CONJUGADO COM A FALTA DE ALEGAÇÃO E PROVA PELOS A.A. DE POSSE, IMPEDE QUE OPERE A AQUISIÇÃO DA ÁGUA, NASCENTE E SISTEMA DE CONDUÇÃO DA ÁGUA PELOS A.A., MUITO MENOS A AQUISIÇÃO EX NUOVO DO DIREITO DE PASSAGEM DA POÇA ATÉ Á NASCENTE PARA LIMPEZA, SOB TÍTULO DA USUCAPIÃO;
XI- NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DOS ART.S 615 Nº 1 AL. C) DO CPCIVIL, MOSTRA-SE NULA A SENTENÇA EM VIRTUDE DE RESULTAR DO TEOR DO DECIDIDO NAS SUAS ALINEAS C) A F) EXISTIR EVIDENTE ERRO DE APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE NORMAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, CONCEITO LEGAL DE DIREITO DE GOZO-PROPRIEDADE DAS ÁGUAS E PRESSUPOSTOS LEGAIS INDISPENSÁVEIS AO RECONHECIMENTO DE SERVIDÃO PREDIAL, QUE TORNAM DECISÃO ININTELIGIVEL; NÃO SE ENTENDENDO PELA NULIDADE,
XII- DE MÉRITO, SEMPRE ENCERRA O TEOR DO DECIDIDO SOB AL. C) MANIFESTO ERRO JUDICIÁRIO DE DIREITO, POIS O TRIBUNAL A QUO CONFUNDE NOS TERMOS ALEGADOS, DIREITO DE PROPRIEDADE DE ÁGUA COM DIREITO DE SERVIDÃO DE ÁGUA, CONFORME RESULTA DO TEOR DA MESMA, EM QUE CONTRADITORIAMENTE SE RECONHECE DIREITO DE PROPRIEDADE PESSOALMENTE AOS A.A. MAS SE LIMITA O USO DA MESMA Á REGA E LIMA DOS SEUS PRÉDIOS, DEVENDO SER REVOGADA;
XIII- DE MÉRITO, SEMPRE ENCERRA O DECIDIDO SOB A ALÍNEA D) MANIFESTO ERRO JUDICIÁRIO DE DIREITO, NÃO PODENDO O TRIBUNAL RECONHECER/DECLARAR EXISTÊNCIA DE QUALQUER SERVIDÃO PREDIAL SEM PREENCHER O REQUSITO BASILAR DE ESPECIFICAÇÃO DO PRÉDIO ONERADO, QUANDO NO PERCURSO EXPLICATIVO DO DECIDIDO, REFERE AUSÊNCIA DE CONHECIMENTO OU ALEGAÇÃO DE QUAL O PRÉDIO ONERADO, DETERMINADO SUA REVOGAÇÃO, EM VIOLAÇÃO DOS ART.S 1305, 1344 E 1543 DO CCIVIL, QUE IMPÕEM A EXISTÊNCIA DE PRÉDIO ALHEIO ONERADO COMO PRESSUPOSTO DE EXISTÊNCIA E A SUA DETERMINAÇÃO PELO TRIBUNAL ATÉ PARA AFERIR DA LEGALIDADE DA IMPOSIÇÃO DE ÓNUS POR USUCAPIÃO; §CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, POR VIOLADOR DO DISPOSTO NO ART. 1564 DO CCIVIL, SEMPRE DEVE REVOGAR-SE O TEOR DO NESSA DECIDIDO NA PARTE EM QUE RECONHECE AOS A.A. DIREITO ACESSÓRIO DE ACESSO DA POÇA ATÉ Á NASCENTE, POR UM LADO POR INEXISTIR PROVA CONFORMADORA DE TÍTULO DE TÃO GRANDE EXTENSÃO DE EVENTUAL DIREITO DE SERVIDÃO OU ALEGAÇÃO DE POSSE NESSE SENTIDO PELOS A.A., POR OUTRO POR CORRER A ÁGUA EM TUBOS SUBTERRÂNEOS E CONFORME JUÍZOS DE NORMALIDADE, SÓ A TÍTULO EXCEPCIONAL E NÃO RECORRENTE PARA NORMAL EXERCÍCIO DE QUALQUER APROVEITAMENTO DE ÁGUA SERIA PRECISO INSPECCIONAR TUBOS SUBTERRÂNEOS;
XIV- TEM-SE POR JURISPRUDENCIALMENTE CRISTALIZADO QUE SOBRE ÁGUA QUE SE APURE NASCIDA EM PRÉDIO ALHEIO PODEM CONSTITUIR-SE DOIS TIPOS DE DIREITOS AUTÓNOMOS E DISTINTOS: O DIREITO DE PROPRIEDADE, SEMPRE QUE DEPOIS DE DESINTEGRADA A PROPRIEDADE DA ÁGUA DA PROPRIEDADE SUPERFICIÁRIA, O SEU PROPRIETÁRIO POSSA USÁ-LA, FRUI-LA E DISPOR DELA LIVREMENTE, E O DIREITO DE SERVIDÃO, QUANDO, CONTINUANDO A ÁGUA A PERTENCER AO DONO DO SOLO, SE CONCEDE A TERCEIRO A POSSIBILIDADE DE APROVEITÁ-LA, EM FUNÇÃO DAS NECESSIDADES DE UM PRÉDIO DIFERENTE, RESULTANDO O TEOR DO DECIDIDO SOB AL. C) ININTELIGIVEL POR MANIFESTA CONFUSÃO ENTRE ESSES DOIS DIREITOS; XV- DO BOM JUÍZO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, QUANDO MUITO PODERIAM OS A.A. ADQUIRIR O DIREITO DE SERVIDÃO SOBRE A ÁGUA, NO ENTANTO, REAPRECIADA A MATÉRIA DE FACTO E PROVA GRAVADA NOS TERMOS INDICADOS, OBJECTIVADOS E ESPECIFICADOS, NO SENTIDO DE AFERIR CARACTERISTICAS DE DOMINIALIDADE PÚBLICA DO USO, CONDUÇÃO E EXPLORAÇÃO DA ÁGUA PELA JUNTA DE FREGUESIA, VERIFICA-SE QUE NEM ESSE DIREITO DE SERVIDÃO DE ÁGUA, NÃO ALEGADO OU PETICIONADO, PODERIA SER PELOS A.A. ADQUIRIDO POR USUCAPIÃO, POIS DAÍ NÃO PODE DEIXAR DE ENTENDER-SE SEREM AQUELES MEROS UTILIZADORES PRECÁRIOS DA MESMA, SENDO AQUELA INUSUCAPIVEL;
XVI- REVOGADO O DECIDIDO NAS AL. C) E D), DEVEM SER REVOGADAS AS CONDENAÇÕES CONSTANTES DAS ALÍNEAS E) A G) POR INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL QUE AS SUPORTE;
XVII- NENHUMA PROVA SE FEZ DA ILICITUDE DA DESCRITA CONDUTA DO R.;
XVIII- DEVE SER VALORADO NOS TERMOS ESPECIFICADOS POR REFERÊNCIA AO TEOR DO CONFESSADO, A PROVA PLENA POR CONFISSÃO DAS PARTES-ART. 358 Nº 1 DO CCIVIL;
XIX- POR NÃO SE PODER TER POR PROVADO NOS AUTOS QUAISQUERES DOS DIREITOS QUE OS A.A. SE ARROGAM SOBRE POÇA, MORMENTE O DE PROPRIEDADE, IMPROCEDIDO, NÃO PODE SER RECONHECIDO AOS A.A. QUALQUER DIREITO LEGAL PASSÍVEL DE SER AQUI POR ELES EXIGIDO E, POR MAIORIA DE RAZÃO O R. CONDENADO A RESPEITÁ-LO;
XX- FEZ O TRIBUNAL A QUO ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS LEGAIS CONSTANTES DO ART.S 1543, 342 Nº 1 E 487 Nº1 DO CCIVIL Á FACTUALIDADE ALEGADA E TIDA POR PROVADA, INSUFICIENTE PARA SUPORTAR O TEOR DO DECIDIDO;
XXI- SOB TÍTULO DE USUCAPIÃO SÓ PODE DECLARAR-SE JUDICIALMENTE CONSTITUÍDA/RECONHECIDA POR REFERÊNCIA A POSSE ALEGADA CONTRA O PRÉDIO/PROPRIETÁRIO DO PRÉDIO A ONERAR, O QUE NÃO SE VERIFICA;
XXII- SÓ PODE ALGUÉM SER CONDENADO A FACULTAR ALGO A OUTREM, EM FACE DE CONCRETO DIREITO LEGAL (OU MELHOR DIREITO) QUE ESSE ALEGUE E PROVE ASSITIR-LHE SOBRE ESSE ALGO;
XXIII- A VERIFICADA CARÊNCIA DE FACTOS INDISPENSÁVEIS AO RECONHECIMENTO DOS DIREITOS INVOCADOS CONDUZ, NECESSÁRIAMENTE, Á IMPROCEDÊNCIA DA PRESENTE ACÇÃO, COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DO R. DOS PEDIDOS;
XXIV- AINDA QUE ASSIM NÃO DEVESSE SER, REAPRECIADA A PROVA GRAVADA NOS TERMOS INDICADOS E ESPECIFICADOS, DEVE DARSE POR PROVADA A FACTUALIDADE CONSTANTE DOS ART.S 35, 36 A 38 E 48 DA CONTESTAÇÃO, POR O TEOR DELES A ISSO IMPOR, ATENTA A CREDIBILIDADE ATRIBUÍDA;
XXV- DO CONFRONTO DO AUTO DE INSPECÇÃO AO LOCAL, COM PROVA TESTEMUNHAL DADA A REAPRECIAÇÃO E DEVIDA VALORAÇÃO DA PROVA PLENA-CONFISSÃO DOS A.A. REDUZIDA A ESCRITO EM ACTA, DEVEM HAVER-SE POR PREENCHIDOS OS PRESSUPOSTOS DO FUNCIONAMENTO DO INSTITUTO MAIOR DO ABUSO DE DIREITO, EM DESFAVOR DOS A.A., REVOGANDO-SE AS CONDENAÇÕES CONSTANTES DAS ALÍNEAS C) A G); XXVI- PRESSUPOSTO FOSSE PUDEREM SER AOS A.A. RECONHECIDOS DIREITOS OU MERO PODERES LEGAIS, RESULTA DA FACTUALIDADE APURADA, PROVADA E A TER POR PROVADA NOS TERMOS PUGNADOS, OCORRER EXCESSO DO SEU EXERCICIO, POR TAL UTILIZAÇÃO PELOS A.A. ULTRAPASSAR A PROSSECUÇÃO DO INTERESSE QUE DECORRE DO FIM OU DO CONTEXTO EM QUE AQUELE DEVE SER EXERCIDO, DEVE DECORRER DA DEVIDA VALORAÇÃO DA PROVA PLENA POR CONFISSÃO DAS PARTES, TEOR DO AUTO DE INSPECÇÃO AO LOCAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL SOBRE ELE INCIDENTE ENTRE OUTROS PELOS OUTROS UTILIZADORES DA ÁGUA, SE NÃO SE ALIARAM AOS A.A., ESTAREM OS MESMO NA POSSE DE MELHORES CONDIÇÕES DE ÁGUA QUE ANTES TINHAM, NÃO PODENDO OBTER COM A PRESENTE DEMANDA MELHORES CONDIÇÕES DO QUE AQUELES QUE ACTUALMENTE POSSUEM – RETOMA DA POÇA ANTIGA, NO PROVADO ESTADO DE DEGRADAÇÃO, SITA A 3 METROS DA ACTUAL;
NESTES TERMOS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM A ABSOLVIÇÃO DO ORA RECORRENTE, NOS TERMOS ALEGADOS E CONCLUÍDOS.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
A) Factos considerados provados na sentença recorrida:
1- Os Autores, J e mulher, R têm inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio misto composto por casa de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 100m2, e por Leiras da Tomada, de mato, com 6.500m2, situado no lugar de Portela de Cima, freguesia de Atães, concelho de Vila verde, a confrontar de norte com Herdeiros de João Lobo, de nascente com Comissão Fabriqueira, de Sul com Luís Cerqueira Barbosa e poente com Caminho de Barros, inscrito na matriz sob o art.º ….º Urbano e….º Rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n.º ….
2- Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da união das freguesias do Vade, do Concelho de Vila Verde, sob o art.º …, um prédio rústico designado de “Leiras das Tomadas”, situado no lugar de Portela de Cima, a confrontar do norte com Maria de Araújo, de Sul com o Caminho do Monte, de nascente com o Caminho que vai a Barros e do poente com a Comissão Fabriqueira da Portela.
3- Quer os primeiros Autores, quer os segundos Autores, por si e antecessores, há mais de 10, 20, 30 e 40 anos, usam e fruem, respectivamente, os imóveis descritos em 1 e 2.
4- Colhem as utilidades e rendimentos deles.
5- Zelam, limpam, colhem os frutos, as uvas, podam, sulfatam, lavram, semeiam, regam os mesmos de lima e rega.
6- E tudo isto fazem à vista de toda a gente.
7- Sem que ninguém a isso se oponha.
8- Com ciência e paciência de todos, e sem com isso julgarem lesar o direito de quem quer que seja.
9- Desde há mais de 10, 20, 30, 40 e 50 anos, os prédios identificados em 1 e 2, bem como outros prédios, são irrigados com água de lima e rega proveniente de uma nascente de água que é represada numa poça conhecida como “Poça do Olheiro”.
10- Essa poça existe desde há mais de 50 anos no lugar do Olheiro, extinta freguesia de Atães, Vila Verde.
11- Trata-se de uma poça em forma de quadrado, inserida numa parcela de terreno com quatro metros de cumprimento por quatro metros de largura, que confina com o caminho público a poente, a norte com um tanque de lavar roupa e a sul e nascente com terreno.
12- A água da “Poça do Olheiro”, para além do referido em 9, sempre serviu para as pessoas da freguesia de Atães, que assim quisessem, ali lavar roupa.
13- Quer os primeiros Autores, quer os segundos Autores, quer os proprietários dos restantes prédios, por si e antecessores, desde há mais de 10, 20, 30, 40 e mais consecutivos anos e até há cerca de 8 anos, limpavam, zelavam, mantinham e reparavam a “Poça do Olheiro”.
14- E tudo isto faziam à vista de toda a gente.
15- Sem que ninguém a isso se opusesse.
16- E sem que com isso julgassem lesar o direito de quem quer que fosse.
17- E sempre aquela “Poça do Olheiro” foi utilizada pelos habitantes da freguesia de Atães, que ali vivem, para lavar roupa.
18- Tendo a junta de freguesia da extinta freguesia de Atães, há cerca de 20 anos atrás, construído, junto à represa da “Poça do Olheiro”, um tanque em cimento com um coberto em chapa.
19- À “Poça do Olheiro” aflui uma água que nasce a cerca de 10m a Nascente daquele local.
20- Essa água brota do subsolo, sendo encaminhada por gravidade até à represa da poça e do tanque.
21- Essa água é repartida pelos Autores e por outros prédios rústicos, há mais de 20 anos, em giros, sendo utilizada de Domingo à noite até Terça-feira à noite para rega e lima do prédio referido em 2, de Quinta-Feira à noite até ao Domingo à noite para rega e lima do prédio referido em 1 e nos restantes dias para rega e lima dos demais prédios.
22- À saída da poça existia um depósito.
23- Depois de represada na “Poça do Olheiro”, a água de nascente é encaminhada num tubo até passar para o outro lado do caminho público em alcatrão que ali existe.
24- Antes desse caminho público ser alcatroado, a referida água, depois de represada na “Poça do Olheiro”, atravessava esse caminho em rego a céu aberto.
25- Depois de passar no tubo por debaixo desse caminho, a água era encaminhada por um rego a céu aberto até aos vários prédios, nos termos referidos em 21.
26- Onde é aproveitada para rega de milho, feijão, árvores de fruto, videiras e hortaliças.
27- Há cerca de 20 anos atrás, os aqui 1ºs Autores e os demais consortes, com excepção dos 2ºs Autores, por acordo de todos, passaram a levar o seu giro de água até aos seus prédios através de canos de plástico.
28- Os 1ºs e 2ºs Autores vêm aproveitando a referida água represada na “Poça do Olheiro” à vista e com conhecimento de toda a gente.
29- Na convicção de quem exerce um direito próprio.
30- E sem oposição de ninguém.
31- Os Autores, por forma contínua e ininterrupta, sempre conduziram as águas da “Poça do Olheiro” nos termos referidos em 21 a 27.
32- Sem qualquer oposição de quem quer que fosse.
33- Em meados de 2013, o Réu, por si ou por interposta pessoa, começou a destruir a “Poça do Olheiro”.
34- A mando do Réu marido, A colocou terra dentro da “Poça do Olheiro”.
35- O Réu, para aproveitar o terreno onde se insere a “Poça do Olheiro”, fez um tanque mais a Norte.
36- O Réu tapou por completo, com um muro em cimento e tijolos, o local da “Poça do Olheiro”.
37- O Réu atuiu com terra a “Poça do Olheiro”.
38- E fez uma outra poça, bem como um fontenário e um tanque ou lavadouro, que construiu de raiz, alguns metros mais a Norte.
39- O Réu desviou o percurso da água que saía da “Poça do Olheiro”.
40- Os Autores estão impedidos de represar a água na “Poça do Olheiro”.
41- Depois do referido em 36, os Autores só conseguem vigiar, reparar, acompanhar e fiscalizar o trajecto da água desde a nascente até à represa referida em 38 se passarem pelo interior desta.
42- O que lhes causando desgosto, revolta e frustração.
43- O Réu tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do seguinte prédio urbano: “Uma morada de casas de dois pavimentos com logradouro, a confrontar de norte com caminho e Virgílio de Castro, nascente Maria Madalena de Sousa Araújo e Manuel de Sousa Araújo, sul com João Fernandes de Sousa e poente com Rua dos Salgueiros, com a área total de terreno de 1320m2, área de implantação de 108m2, área bruta de construção 213m2, sendo a área bruta dependente de 113m2 e a área privativa de 100m2, sito no lugar do Monte do olheiro da extinta freguesia de Atães – Vila Verde, em cuja matriz predial se encontrava inscrita sob o artigo ….º, e actualmente inscrito na União de Freguesias do Vade sob o artigo 10.º, descrito na Conservatória do Registo Predial da freguesia de Atães sob o n.º ….
44- Nos autos de inventário judicial a que se procedeu, para partilha dos bens, por óbito de L e marido J, pais do Réu, que correram termos por este Tribunal sob o nº 53/10.3TBVVD-2º Juízo, foi relacionado sob a verba n.º 7 o seguinte prédio: “Prédio rústico Mato do Olheiro, terreno de mato e lenha, situado no lugar do Monte do Olheiro, freguesia de Atães, desta comarca, a confrontar do norte com caminho do monte, nascente e sul com J e de poente Caminho de Barros, descrito na Conservatória sob o n.º …-Atães e inscrito na matriz sob o artigo 208.º.
45- Por sentença datada de 30.11.2011 e transitada em julgado, o prédio referido em 44 foi adjudicado ao Réu.
46- Por si e antecessores está o Réu em poder deste prédio há mais de 20 e 30 anos, usando-o e fruindo-o e dele retirando todas as utilidades de que é susceptível.
47- Com conhecimento e à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou interrupção temporal e na convicção de quem exerce direito próprio correspondente ao direito de propriedade.
48- Na nascente referida em 19, os animais iam beber e era colhida água para gastos domésticos.
49- Em 12 de Agosto de 1969, João Coelho de Araújo, pai do Réu, requereu à Câmara Municipal e Vila Verde licença para construir um muro de vedação da sua propriedade denominada “Leira do Olheiro”, de mato, no Lugar do Olheiro, freguesia de Atães, junto ao caminho público, com a altura de 1,20 por 20 metros de comprimento.
50- Licenciamento que foi deferido em 28 de Agosto de 1969.
51- Cerca do ano de 1983, a Câmara Municipal de Vila Verde procedeu ao alargamento e asfaltagem do caminho público.
52- Desde há cerca de 8 anos, a poça referida em 9 não é utilizada para rega.
53- No prédio referido em 44, o Réu construiu uma moradia para sua habitação.
54- A poça referida em 38 tem três paredes em betão armado.
55- O Réu colocou dentro dessa poça um cano com o diâmetro de 10cm, que vai directamente a uma caixa de derivação fechada com uma tampa munida de cadeado, na qual existem três canos por onde os primeiros Autores e outros prédios se servem nos respectivos dias de rega.
56- Os actuais fontenário, tanque/lavadouro e poça apenas distam cerca de 3 ou 4 metros da localização anterior.
57- Tendo o Réu construído o muro de vedação do seu prédio por forma e em local que os consortes acedam àquelas construções sem devassarem a sua habitação e logradouro.
58- O prédio referido em 2 não é cultivado há cerca de 8 anos, estando ocupado por mato.
B) Factos não provados.
Artigo 2.º da Petição Inicial.
Artigos 7.º e 8.º da Petição Inicial.
Artigo 15.º da Petição Inicial.
Artigo 23.º da Petição Inicial.
Artigo 24.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 10 dos Factos Provados.
Artigo 27.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
Artigo 28.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 9 dos Factos Provados.
Artigo 30.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 13 dos Factos Provados.
Artigos 34.º e 35.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 19 e 20 da Petição Inicial.
Artigo 39.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 21 dos Factos Provados.
Artigo 40.º da Petição Inicial.
Artigo 41.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 22 dos Factos Provados.
Artigo 46.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 27 dos Factos Provados.
Artigo 51.º da Petição Inicial, na parte em que se diz “levadas a cabo pelos antepossuidores dos AA”.
Artigo 52.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 17 dos Factos Provados. Artigos 56.º a 58.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 23 a 27 dos Factos Provados.
Artigo 59.º da Petição Inicial.
Artigo 63.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 33 dos Factos Provados.
Artigo 64.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 34 dos Factos Provados.
Artigo 65.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 33 a 35 dos Factos Provados.
Artigo 66.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 36 dos Factos Provados.
Artigo 67.º da Petição Inicial.
Artigo 69.º da Petição Inicial.
Artigo 72.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 38 dos Factos Provados.
Artigo 73.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 37 e 38 dos Factos Provados.
Artigos 76.º a 78.º da Petição Inicial.
Artigo 79.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 33 a 38 dos Factos Provados.
Artigos 80.º e 81.º da Petição Inicial.
Artigos 82.º e 83.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 39 dos Factos Provados.
Artigo 86.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 39 dos Factos Provados. Artigo 88.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 33, 34, 37 e 39 dos Factos Provados.
Artigo 89.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 40 e 41 dos Factos Provados.
Artigo 90.º da Petição Inicial, na parte em que se diz “sem autorização dos AA e demais consortes”.
Artigo 92.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 33 a 38 dos Factos Provados.
Artigos 93.º a 99.º da Petição Inicial.
Artigo 101.º da Petição Inicial.
Artigos 103.º a 106.º da Petição Inicial.
Artigo 108.º da Petição Inicial.
Artigo 110.º da Petição Inicial.
Artigo 111.º da Petição Inicial, na parte em que se diz “sem autorização dos AA e demais consortes”.
Artigo 112.º da Petição Inicial.
Artigo 113.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 41 dos Factos Provados.
Artigos 115.º e 116.º da Petição Inicial.
Artigo 18.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 48 dos Factos Provados.
Artigos 19.º a 21.º da Contestação, salvo na parte que resulta dos pontos 9 e 21 dos Factos Provados.
Artigo 22.º da Contestação.
Artigos 25.º e 26.º da Contestação.
Artigo 29.º da Contestação. Artigo 30.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 52 dos Factos Provados.
Artigo 31.º da Contestação.
Artigo 33.º da Contestação.
Artigo 34.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 38 dos Factos Provados.
Artigo 35.º da Contestação, salvo na parte que resulta dos pontos 38 e 54 dos Factos Provados.
Artigos 37.º a 39.º da Contestação.
Artigo 42.º da Contestação.
Artigo 45.º da Contestação.
Artigos 47.º e 48.º da Contestação.
Artigo 49.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 58 dos Factos Provados.
IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
A) Preterição de litisconsórcio necessário
Em primeiro lugar o apelante insurge-se contra o decidido no despacho saneador, no sentido de não ocorrer preterição de litisconsórcio necessário.
A legitimidade afere-se em função da relação controvertida tal como é configurada pelo autor. Se a lei ou o negócio exigirem a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
Face ao alegado nos artºs 21º a 28º, 30º, 31º, 38º, 39º, 40º a 46º da Petição Inicial e aos pedidos formulados, os autores invocam o direito a utilizarem uma determinada água, captada num determinado local, conduzida para outro e ali represada, donde posteriormente é derivada e encaminhada para os respectivos prédios e de terceiros, segundo um costume de divisão antigo. Invocam assim um direito comum à utilização de determinada água. Por força do disposto no art.º 1404º do CC as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles. Ora, atento o disposto no art.º 1405º do CC, qualquer consorte nas águas (contitular do direito a aproveitar aquelas águas) pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.
Assim sendo e tal como decidido na 1ª instância, os autores têm legitimidade para, desacompanhados dos demais consortes, ou contitulares do direito àquela água, demandarem o réu.
Refere ainda o apelante que tal ilegitimidade resultaria da não demanda de outros utilizadores da água, representados pela actual junta de freguesia, estarem ausentes dos presentes autos.
Efectivamente tais utilizadores são “contraditoriamente” mencionados nos artºs 29º, 32º e 33º da P.I. A questão, salvo melhor opinião, não se coloca em termos de legitimidade (não têm que ser demandados), mas de uma eventual contradição entre alguns factos alegados na petição inicial e os próprios pedidos, da qual, em face do que resultar provado, a seu tempo se curará.
B) Nulidade da sentença
Na conclusão XI o apelante alega que a sentença enferma da nulidade prevista na al. c) do nº1 do art.º 615 do CPC. Contudo, tal como o apelante concede, estaremos perante um eventual erro na aplicação do direito que será apreciado oportunamente.
C) Impugnação da decisão da matéria de facto
O nº 1 do art.º 640º do CPC impõe ao recorrente que pretende impugnar a decisão de facto, que especifique, sob pena de rejeição do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E o seu nº 2
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
Como refere Lopes do Rego in “Comentário ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e 466, o ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se do seguinte modo:
“a) Na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o ponto ou pontos da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
b) No ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto.”
No presente caso, embora de forma algo confusa, misturando a impugnação da decisão de facto com a apreciação das questões de direito, resulta das conclusões que o apelante impugna tal decisão no tocante aos pontos 9, 19 e 20 dos factos provados, que reputa de incorrectamente julgados, pretendendo a sua alteração “no sentido de reflectirem que a água da nascente é canalizada pela Junta de freguesia de Atães para o tanque público de lavar, aludido no ponto 18 dos factos provados, e que só a que dele sobra, quando sobre, chega á poça. Em defesa dessa sua pretensão convoca, por remissão para as alegações, os depoimentos das testemunhas JM, AG, JO, MR e RV.
Os factos em questão são os seguintes:
«9- Desde há mais de 10, 20, 30, 40 e 50 anos, os prédios identificados em 1 e 2, bem como outros prédios, são irrigados com água de lima e rega proveniente de uma nascente de água que é represada numa poça conhecida como “Poça do Olheiro”.
19- À “Poça do Olheiro” aflui uma água que nasce a cerca de 10m a Nascente daquele local.
20- Essa água brota do subsolo, sendo encaminhada por gravidade até à represa da poça e do tanque.»
Ora os referidos depoimentos não contrariam o que se considerou provado, pois, canalizada ou não é por força da gravidade que a água é encaminhada da nascente até à poça, sendo que desde que a Junta de Freguesia construiu o tanque, também para este, como resulta do que se deu por provado em 20ª, cuja redacção reflecte e bem, as dúvidas, que não lograram ser esclarecidas pela prova testemunhal produzida e que não se limitou às testemunhas em cujos depoimentos o apelante estriba a sua impugnação. Com efeito e como se refere na motivação da decisão de facto: “Dos referidos depoimentos resultou alguma divergência no que tange à localização do tanque de lavagem de roupa – se dentro se ao lado da poça – e ao modo como a água entrava nessas construções – se primeiro no tanque, se primeiro na poça –, sendo certo que, dado o atuimento da poça pelo Réu, não foi possível apurar tal matéria com maior segurança, não sendo, por outro lado, suficientemente nítida a fotografia junta a fls. 33”.
Contudo, independentemente das dúvidas que teve o Mmº juiz “a quo” sobre se a água caía primeiro na poça ou primeiro no tanque, pode pelo menos dar-se como provado que o trajecto da água desde a nascente até à poça, desde há cerca de 20 anos, se faz através de tubo plástico, subterrâneo, colocado pela Junta de freguesia de Atães (testemunha JR) – nesse sentido praticamente há unanimidade entre as testemunhas e referem-no expressamente as testemunhas JM, AG, JO, MR e RV.
Assim, a redacção deste facto passa a ser a seguinte:
20- Essa água brota do subsolo, sendo encaminhada por gravidade, através de tubo plástico subterrâneo, colocado pela Junta de Freguesia, até à represa da poça e do tanque.»
Extraímos ainda das conclusões do apelante, recorrendo às alegações quanto ao cumprimento do ónus que lhe é imposto pelo nº 2 do art.º 640º do CPC, que pretende ver incluída nos Factos Provados a factualidade por si alegada nos artºs. 35, com excepção de “20 anos”, 36º a 38º, inclusive, e 48º da contestação.
No tocante à matéria do art.º 35.º da contestação, efectivamente consta da decisão da matéria de facto que a mesma não se provou salvo na parte que resulta dos pontos 38 e 54 dos factos provados.
No respeitante à 1ª parte da matéria alegada nesse artigo, resulta efectivamente provado que a Poça do Olheiro não era utilizada desde há cerca de 8 anos. Como tal já consta do facto provado sob o nº 52º, não há necessidade de qualquer aditamento excepto esclarecer que a mesma não se provou excepto na parte que resulta dos pontos 38, 52 e 54 dos factos provados.
A 2ª parte provou-se pela forma que consta do facto nº38º, não resultando dos depoimentos que o apelante menciona, quer o estado de degradação evidente, quer que a “nova poça” seja maior ou mais eficiente. Exemplificativamente, a testemunha JO, utilizador da água, no depoimento gravado a 04-01-2016 e reproduzido pelo apelante refere: “Logicamente para mim é igual, é igual como antigamente”. Jaime Bastos de Oliveira, que foi utilizador da água, mas que admite que já não a usava, antes e depois da nova poça, refere no depoimento gravado a 07-07-2016 15:26:30 (minutos 00:09:36): “Esta é capaz de ser maior um bocadito porque é mais sobre o comprido, o que é capaz é de receber menos água porque a terra é mole e a água desaparece” e mais adiante “Não, no uso da água não haverá diferença, se houver diferença é na tal poça”. Dos demais depoimentos e das declarações de parte de JC, também não se retira que todos lhe atribuam uma maior eficiência à poça actual construída pelo réu, mas sim idêntica.
A matéria do art.º 36º da contestação não consta do elenco dos factos não provados e o apelante não argui qualquer omissão de matéria relevante para a decisão da causa na decisão de facto. E não consta porque tal matéria, juntamente com a do art.º 37º da contestação, está substancialmente dada como provada no nº 55 dos factos provados.
A matéria do art.º 38º da contestação está efectivamente provada, em face dos depoimentos das ditas testemunhas e declarações de parte do 1º autor, conjugada com o que também se provou sob os nºs 55, 56 e 57, pois o mencionado nos factos 39º a 41 reporta-se à Poça do Olheiro, e não à poça que a substituiu. Deve assim ser aditada logo a seguir ao facto nº 55, passando a ser o facto 55º B com a seguinte redacção:
55ºB -“De modo que a água segue o mesmo curso que há 20, 30, 40 e 50 anos”
A matéria do art.º 48º da contestação é, em nosso entender desnecessária porquanto não se provou a matéria dos artºs 93º a 99º, 103º a 106º, 108º, 115º e 116º da petição inicial.
Pelo exposto, na procedência parcial das conclusões do apelante, procede-se às seguintes alteração e aditamento ao elenco dos factos provados:
20- Essa água brota do subsolo, sendo encaminhada por gravidade, através de tubo plástico subterrâneo, colocado pela Junta de Freguesia até à represa da poça e do tanque.»
55ºB -“De modo que a água segue o mesmo curso que há 20, 30, 40 e 50 anos”
B) APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
Sustenta o apelante entre o mais, que os factos alegados e provados não conduzem a que seja reconhecido aos autores, como foi, qualquer direito de propriedade às águas ou servidão de águas.
Apreciando
No âmbito do direito às águas particulares podem configurar-se as seguintes situações:
– Se o titular do direito à água puder captá-la num prédio e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a, sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Nesta hipótese, o titular (ou contitular) do direito de propriedade sobre as águas existentes num prédio alheio, pode dispor delas livremente, neste ou naquele prédio, para qualquer fim, até industrial, pode aliená-las separadamente, etc. Já o dono do prédio onde se situa a nascente não pode utilizar as águas desse prédio, não pode efectuar outra cessão etc. (como se as águas se separassem do solo e não mais lhe pertencessem).
– Se o direito à água estiver limitado a determinado prédio ou prédios, estaremos perante um mais limitado direito de servidão. Neste caso, o proprietário do prédio dominante (do prédio que tem o direito de usar as águas), só no interesse exclusivo desse prédio poderá usar as águas, na satisfação das necessidades ou de certas necessidades desse mesmo prédio, conforme a amplitude do título constitutivo daquela servidão. Não pode por isso cedê-las a outras pessoas. Já o dono do prédio serviente (do prédio onde a água é captada) pode usar livremente a água do seu subsolo, com a condição de não prejudicar a servidão constituída, i. é, desde que não diminua o caudal da água afecta à servidão. (1)
No caso em apreço os autores pedem se lhes reconheça, na respectiva proporção, o direito de propriedade sobre a água da nascente represada na poça do Olheiro – (Alínea F) do pedido).
O direito de propriedade pressupõe o gozo pleno (para qualquer fim, em qualquer local) da água da nascente, com exclusão de terceiros.
Para que os autores e restantes consortes tivessem o direito de propriedade sobre a água da nascente era necessário que tivessem provado a utilização dessas águas, para qualquer fim, com exclusão de outrem (art.º 1305º do CC: O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem).
Ora provou-se que os autores, tal como alegaram, a utilizavam apenas para lima e rega de determinados prédios, que alegaram pertencer-lhes, bem como, que tal água era utilizada pelo público em geral, para lavar roupa.
Não alegaram quaisquer obras de captação da água, mas apenas o seu represamento a cerca de 10m do lugar onde seriam captadas.
É indispensável a existência de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde existe a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio (art.º 1390º nº 2 do CC).
Assim, os autores apenas alegam factos relativos a um limitado direito à água, o direito de fruir a água, captada noutro local, para rega e lima dos respectivos prédios e dos prédios dos demais consortes, segundo costume ancestral de divisão das águas, isto é, para servir as necessidades normais de rega e lima dos prédios dominantes.
Conclui-se que alegaram, quando muito, a existência de uma servidão de águas a favor dos respectivos prédios e demais consortes.
Esta servidão tem características próprias: Trata-se de uma servidão de “frui” e não de “uti” e implica, in casu, a contitularidade no direito de captar água num determinado prédio, de nele ou noutro represar essa água [servidão de presa (2)], daí fazer derivar a água (em determinados dias ou consoante os usos), conduzindo-a, por meio de rego aberto ou de tubo através de prédios de terceiros [servidão de aqueduto (3)], por um trajecto devidamente descrito, até aos prédios dos autores.
Assim, em 1º lugar, decidido já que os autores não têm o direito de propriedade sobre a água da tal nascente, cumpre decidir se têm direito à água (servidão de água). Tendo esse direito, se têm o direito de a represar e conduzir sobre prédios de terceiros e se a conduta do réu violou esses direitos.
Nos artºs 1385º e segs. do C. Civil estabelece-se que apenas são privadas as águas que nascerem em prédios particulares; as que neles caírem, enquanto não transpuserem os limites do prédio onde caíram ou para onde o dono as conduziu; as águas subterrâneas existentes em prédios particulares; as águas dos lagos e lagoas existentes nos prédios particulares, quando não sejam alimentados por corrente pública.
As demais águas são públicas, mas podem entrar no domínio particular através de concessão perpétua para rega ou melhoramento agrícola ou para esse fim exploradas mediante licença.
No caso em apreço os autores não alegam que as águas são captadas num prédio particular, que, se fosse o caso, deveriam identificar.
Na respectiva petição inicial, centrados na “Poça do Olheiro”, mencionam apenas uma nascente, que desconhecemos se situa num prédio particular ou não.
O mesmo sucede com a poça, até se podendo inferir que as águas são públicas face ao que alegaram e também ao que se provou:
11- Trata-se de uma poça em forma de quadrado, inserida numa parcela de terreno com quatro metros de cumprimento por quatro metros de largura, que confina com o caminho público a poente, a norte com um tanque de lavar roupa e a sul e nascente com terreno.
12- A água da “Poça do Olheiro”, para além do referido em 9, sempre serviu para as pessoas da freguesia de Atães, que assim quisessem, ali lavar roupa.
48- Na nascente referida em 19, os animais iam beber e era colhida água para gastos domésticos
Dos factos provados emerge apenas, tal como alegado, que a nascente se situa a 10m da poça.
Nenhum dos factos provados nos adianta que a nascente ou mesmo a poça se situem em prédio particular.
Tão pouco alegaram quaisquer obras de captação da água, mas apenas o seu represamento a cerca de 10m do lugar onde seriam captadas, sendo certo que embora tivessem alegado que tais obras (a presa) haviam sido efectuadas pelos seus antepossuidores não o lograram provar (art.º 51º da P.I. e elenco dos factos não provados na sentença). Assim como alegaram que o terreno onde a poça se situava, bem como esta, lhes pertencia, e não o provaram (art.º 28º da P.I., que consta do elenco dos factos não provados na sentença).
É indispensável a existência de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde existe a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio por quem invoca o direito à água (art.º 1390º nº 2 do CC).
Acresce que, não se tendo provado que se trate de água existente em prédios particulares ou proveniente dos lagos e lagoas existentes nos prédios particulares, como todas as demais são públicas, em princípio a água da nascente é pública.
Contudo a lei continua a considerar como particulares as águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21.3.1868, por preocupação, doação régia ou concessão – São ainda particulares as águas originariamente públicas que entraram no domínio privado até 21.3.1868, por preocupação, doação régia ou concessão; as águas públicas concedidas perpetuamente para regas ou melhoramentos agrícolas; as águas subterrâneas existentes nos terrenos públicos exploradas mediante licença e destinadas a regas ou melhoramentos agrícolas [art.º1386º, nº 1, als. d), e) e f) do CC].
Por preocupação entende-se o direito concedido aos particulares que ocupassem águas originariamente públicas por meio de obras apropriadas, designadamente presas nas correntes não navegáveis nem flutuáveis, aquedutos, canais ou levadas de irrigação de prédios.
A «preocupação» deixou de ser título de apropriação de águas públicas com a entrada em vigor do Código Civil de 1867. Porém, continua a manter-se o direito a essas águas quando adquirido por esse modo em data anterior á entrada em vigor desse código. Com efeito, todos os direitos adquiridos a quaisquer águas públicas, assim integradas no domínio privado por preocupação até 21 de Março de 1868 foram ressalvados e respeitados pelo Código de Seabra (art.º 438ª), mais tarde pela Lei de Águas de 1919 (art.º 17º) e ainda depois por esta alínea d) do art.º 1386º do Cod. Civil de 1966.
Ora, no caso em apreço, os autores não alegaram sequer que as águas eram originariamente públicas, muito menos que em data anterior a 21.3.1868 as tivessem adquirido por preocupação, doação régia ou concessão.
A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, conduzir e derivar.
A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar na poça e a conduzir pelo aqueduto (rego, cano ou tubo).
Neste sentido se pronunciaram, entre muitos, os seguintes arestos:
– O Acórdão desta Relação de Guimarães de 13-10-2016 (proc.1297/09.6TBVVD.G1).
– Os Acórdãos do TRP 11-04-78 (Proc. 0012475) e de 22-09-97 (Proc. 9651490).
– Os Acórdãos do STJ de 29-05-73 (Proc.064504), de 18.6.1984 (Proc.072494), de 8.5.2003 (Proc.03B55) e de 28.10.2014 (750/03.0TCGMR.G1.S1).
Bem como a doutrina, de que salientamos Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, 1989, vol. II, pags. 370 esegs. (Cap. IX, §3 nº 635/6).
Concluímos assim que a acção terá de improceder porquanto os autores não lograram provar o invocado direito à água.
Mesmo que partilhássemos o entendimento de que, no âmbito das servidões voluntárias, não é necessário provar o direito à água, não poderíamos julgar constituída por usucapião a servidão de presa e aqueduto, nem a acessória servidão de passagem [al. G) do pedido], uma vez que as servidões são encargos sobre um prédio em benefício de outro ou outros e não resulta da factualidade provada qual o prédio sobre que tal encargo incide (ver factos nºs 10, 11, 23, 24, e 25).
Aliás nem se compreende como pediram o reconhecimento de uma servidão de presa, quando simultaneamente, sob a al. E) pediram o reconhecimento “aos 1ºs e 2ºs Autores, na proporção da sua contitularidade, do direito de propriedade (sem prejuízo do direito dos demais consortes) sobre a parcela de terreno de 4m x 4m, onde existia o tanque em pedra de patelas, que constituía a Poça do Olheiro, conforme explanado nos artigos 21.º a 31.º da petição inicial”. Sendo consabido que “neminires sua servit”.
Ainda que, contrariamente ao alegado pelos próprios autores e à míngua de factos que o consintam, se reconhecesse que a poça se situa em prédio do réu e que sobre este prédio incidia uma servidão de presa e aqueduto a favor dos prédios dos autores, sempre teríamos de concluir que a obra por este realizada em nada contendeu com a utilização da água nos prédios dos autores, pois que não se provou a matéria alegada nos artºs 94º, 95º, 96º, 97º e 98º da P.I. entre outros alegados pelos autores.
Ora a substituição da forma de represamento ou de condução da água por meios mais modernos, como foi o caso, é em princípio admissível. Se a substituição agravar a servidão, só com o consentimento do dono do prédio serviente tal é possível. Mas quando é o próprio dono do prédio serviente que, à sua custa, faz obra, que se traduz num meio mais moderno de conduzir a água e sem qualquer perda do seu caudal, a oposição do dono do prédio dominante traduz claro abuso de direito.
Assim, mesmo que se reconhecesse a existência de uma servidão de presa e aqueduto, que não se reconhece, os autores não teriam o direito de se opor à alteração efectuada pelo réu, uma vez que a mesma não estorvou o seu exercício, isto é, o aproveitamento da água nos prédios dos autores.
Efectivamente, dos factos provados, nomeadamente sob os nºs 52 a 58, conclui-se que o atuimento da “Poça do Olheiro”, há cerca de 3 anos (facto nº 33) e demais actos então praticados em nada colidiram com o exercício da pretensa servidão, pois desde há cerca de 8 anos que tal poça não era utilizada para rega (facto nº 52).
Desde o atuimento da “Poça do Olheiro” é utilizada a poça referida em 38, construída pelo réu, em betão armado (facto nº 54), onde este colocou um cano com o diâmetro de 10cm, que vai directamente a uma caixa de derivação fechada com uma tampa munida de cadeado, na qual existem três canos por onde os primeiros autores e outros prédios se servem nos respectivos dias de rega (facto nº 55).
Os actuais fontenário, tanque/lavadouro e poça apenas distam cerca de 3 ou 4 metros da localização anterior, Tendo o réu construído o muro de vedação do seu prédio por forma e em local, que os consortes acedam àquelas construções sem devassarem a sua habitação e logradouro (factos nºs 56 e 57), sem ser necessária qualquer servidão de passagem (adminiculumservitutis) relativamente à servidão de presa e de aqueduto.
DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a sentença e absolvendo o réu dos pedidos.
Custas em ambas as instâncias pelos apelados.
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