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ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
TRESPASSÁRIO
ARRENDATÁRIO
Sumário
I - O senhorio não pode reivindicar o prédio ao trespassário sem antes resolver o contrato de arrendamento contra o arrendatário cedente (em acção de despejo que também pode ser dirigida contra o trespassário, em litisconsórcio ou coligação passivos com o arrendatário). II - O trespasse efectuado numa execução não tem de ser comunicado ao senhorio, pelo que, neste caso, não há fundamento para a resolução do contrato.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
B… intentou uma acção contra C…, pedindo a condenação deste a (i) reconhecê-lo como proprietário de um imóvel e a restituir-lhe imediatamente a posse do mesmo, livre de pessoas e bens, e (ii) numa indemnização igual ou superior a 150€ mensais, desde Março de 2007 até final da acção, cujo valor total será a determinar em execução de sentença. Alega para o efeito que é proprietário desse prédio e que o mesmo estava arrendado a uma sociedade que nele tinha um estabelecimento comercial; esse estabelecimento foi penhorado e vendido ao réu no âmbito de uma execução fiscal instaurada contra aquela sociedade, o que só lhe foi (a ele, senhorio) comunicado passado o prazo legal de 15 dias para o efeito; sendo essa venda ineficaz em relação a si, por falta da comunicação atempada da mesma, o réu não tem título para a ocupação do prédio, ocupação essa que o impede de receber os frutos civis que a mesma poderia produzir, no mínimo de 150€ mensais; sugere que isto já foi decidido numa outra acção, proposta por si contra o réu, por este tribunal da relação do Porto, que teria absolvido o réu da instância por o considerar parte ilegítima por falta daquele comunicação. O réu contestou, dizendo, na parte que ainda interessa, que: tem título para a ocupação do imóvel, produzido naquela execução fiscal para a qual o autor foi sendo devidamente notificado para aquilo que o tinha de ser; na acção decidida pelo TRP não decorre qualquer caso julgado contra si, já que foi absolvido da instância por ilegitimidade processual não se tendo dado como provada a invocada falta de comunicação e muito menos que o réu estivesse obrigado a fazer essa comunicação, porque, aliás, não o está.
Depois foi proferido saneador sentença julgando a acção improcedente. O autor recorre desta decisão – para que seja revogada - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O adquirente de “direito ao trespasse a arrendamento”, efectuado por compra em processo de execução fiscal e, como tal, de ter sido coactivamente imposta e realizada independentemente da vontade do anterior arrendatário, tem que comunicar essa aquisição ao senhorio no prazo de 15 dias e nos termos do art. 1049, ultima parte, do Código Civil sob pena de, se não o fizer, essa aquisição ser ineficaz relativamente àquele.
2. O facto de não existir inquilino cedente, como retro se refere, não significa que o adquirente esteja desobrigado daquela comunicação tal como, aparentemente, estaria desobrigado caso aquele existisse.
3. A única diferença legal, em caso de falta de comunicação da cessão será que, apesar de em ambas existir ineficácia do contrato de cessão relativamente ao senhorio, em caso de existir cedente inquilino a acção será a de resolução do contrato enquanto na variante como a dos autos, a acção será a de reivindicação de propriedade.
4. O facto de se adquirir o direito ao trespasse e arrendamento em processo de execução não determina que o adquirente, que será pretensamente inquilino a partir dessa aquisição, não tenha obrigação de comunicação dessa aquisição; até o facto de aí não existir o cedente, que a lei obriga a tal comunicação e que em caso de incumprimento poderá ver suprido esse seu incumprimento pela comunicação no mesmo prazo pelo cessionário, é suficiente para que se entenda que em tais casos o dever de comunicação incumbe ao cessionário por ao senhorio cabe[r] de forma absoluta o conhecimento do seu inquilino (pense-se na necessidade desse conhecimento para os mais diversos efeitos – contratos de fornecimentos de águas, luz, gás, comunicação de rendas ao fisco, emissão de recibos, actualização de rendas, prazos para denuncia dos contratos, etc. etc. etc.). O réu contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: se o réu devia ter sido condenado a restituir o prédio por não ter título de ocupação do mesmo oponível ao autor por falta de comunicação do trespasse.
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Foram dados como provados os seguintes factos, na parte que importa:
1. O prédio urbano sito à Rua …, n.º ., em …, está inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 3093 e encontrava-se descrito na 2ª CRP do Porto como parte do prédio descrito sob o número 3738, a fls. 170 do Livro B-114.
2/3. Mediante escritura pública outorgada a 05/03/1979, D… vendeu ao autor, que o comprou, o prédio identificado em 1, reservando para si o usufruto vitalício sobre o prédio vendido.
4. Mediante escritura pública outorgada a 16/03/1981 o usufrutuário deu de arrendamento o prédio identificado em 1 à E…, Lda, pelo prazo de um ano renovável nos termos da lei.
5. O usufrutuário faleceu em 21/06/1982.
6/7. No âmbito da execução fiscal n.º ……………., contra aquela sociedade, foi efectuada a penhora do "direito de trespasse e arrendamento" a que se alude em 4 e nela o direito penhorado viria a ser vendido por negociação particular ao réu.
8. Em 04/10/2007, foi emitido o título de adjudicação pela respectiva Repartição de Finanças a favor do réu.
9. A RF notificou o autor da emissão do título de adjudicação, mediante carta registada com aviso de recepção, recepcionada em 12/12/2007 no escritório do mandatário do autor. Conjunto de factos que é aflorado na decisão recorrida, embora só na parte da fundamentação de direito, e que está provado por certidão do ac. do TRP de 28/10/2010 proferido na acção 5049/08.5BMTS.P1 que correu termos pelo 4º juízo cível de Matosinhos:
10. Antes desta, o autor intentou uma acção contra a arrendatária E…, Ldª, e o réu, em que invocou que nenhum dos réus pagou rendas desde a data do falecimento do usufrutuário e que o direito ao arrendamento e trespasse do estabelecimento instalado no arrendado foi vendido ao réu, tendo essa venda sido comunicada extemporaneamente.
11. Nessa acção, a sentença declarou resolvido o contrato de arrendamento existente entre o autor e o réu por violação do disposto no art. 1083/3 do CC [falta de pagamento das rendas] e, em consequência, condenou este réu a entregar o arrendado ao autor, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas referentes a Outubro de 2007 e segs, bem como as vincendas até despejo e condenou a ré sociedade a pagar ao autor as rendas vencidas desde Março de 2006 até Set2007.
12. O réu (e apenas ele) interpôs recurso desta sentença e o TRP julgou-o procedente, revogando parcialmente a sentença e em consequência julgou o réu parte ilegítima e absolveu-o da instância, mantendo o decidido quanto à ré; para tanto, depois de considerar que uma das questões a resolver era a de saber se, por ter invocado a ineficácia da transmissão do estabelecimento comercial instalado no arrendado da ré para o réu apelante, não pode o autor pedir a resolução do contrato de arrendamento em relação a este, nem o consequente despejo e pagamento das rendas, considerou que “o senhorio que invoca como fundamento de resolução do contrato de arrendamento o disposto na citada al. e) do n.º 2 do art. 1083 do CC não reconhece o trespassário como seu arrendatário, pois que, se o reconhecesse não existiria ab initio tal fundamento face ao disposto no art. 1049 do CC. O trespasse que não foi comunicado ao senhorio é ineficaz em relação àquele, pelo que não existem quaisquer relações jurídicas entre o senhorio e o trespassário (neste sentido, ver os acs. desta relação de 23/7/1976 e 28/9/1995, www.dgsi.pt). Resulta do exposto que, tal como o autor configura a relação jurídica na petição inicial, o réu não é titular da mesma, e, por isso, é parte ilegítima (art. 26 do CPC).”
* O ac. do TRP de 28/10/2010
Este acórdão não diz o que o autor lhe imputa, nem sequer sugere a solução avançada pelo autor. O acórdão limita-se a seguir o entendimento jurisprudencial e doutrinário corrente de que, quando não se cumpre (ou melhor, quando o arrendatário não cumpre) a obrigação de comunicar o trespasse do estabelecimento, o senhorio tem o direito de resolver o contrato de arrendamento (que é, naturalmente, o contrato de arrendamento que tem com o arrendatário, não com o trespassário, porque, por falta dessa comunicação, o trespasse é, para ele, ineficaz), numa acção de despejo que intente contra este (e não contra o trespassário). Dito de outro modo, o que o ac. do TRP está a dizer é que, assim, se o senhorio baseia o pedido de despejo na falta de comunicação, como foi o caso, a acção não pode ser intentada contra o trespassário, como se este fosse o actual arrendatário; fazendo-o, está a trazer a juízo uma relação material controvertida em que o réu (trespassário) não é parte (porque quem é parte é o arrendatário que fez o trepasse, ineficaz por falta de comunicação).
(para além de um dos acórdãos citados pelo ac. do TRP, o de 23/07/1976 - que tem a referência 0011754 na base de dados da DGSI onde está apenas publicado o respectivo sumário, e estará publicado na íntegra na CJ 1976, pág. 611, que diz que: “I - Enquanto o trespasse se não torna eficaz em relação ao senhorio por o mesmo lhe não ter sido comunicado, não existem quaisquer relações jurídicas entre aquele e o beneficiário do trespasse. II - São pois partes legítimas na acção de despejo do local arrendado os primitivos arrendatários trespassantes ainda que demandados desacompanhados do beneficiário do trespasse. III - E não tendo os arrendatários impugnado os factos alegados pelo senhorio e não podendo opor-lhes o trespasse, a acção terá de proceder.”; vejam-se ainda os acórdãos que serão referidos abaixo)
Assim sendo, o TRP apenas conheceu de uma questão formal – da falta de legitimidade processual do réu – perante a relação material configurada pelo autor na petição inicial, não conhecendo do mérito e, por isso, não produzindo qualquer caso julgado substancial, fora do processo (arts. 671 e 672 do CPC antes da reforma de 2013), e muito menos disse ao autor que a acção que devia propor era uma acção de reivindicação contra o réu trespassário.
* As normas
As normas que suportam aquilo que está dito acima são as seguintes (sempre apenas na parte que interessam aos autos):
Segundo o art. 1112/1a) do CC, é permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio no caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial. Acrescenta o n.º 3 que a transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio (≈ art. 1118 do CC na redacção original ≈ art. 115 do RAU).
É obrigação do locatário, a de comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, quando permitida ou autorizada (art. 1038g do CC).
A cedência é ineficaz em relação ao senhorio se essa comunicação não lhe for feita (Antunes Varela, CC anotado, vol. II, Coimbra Editora, 4ª edição, 1997, pág. 604; e M. Henrique Mesquita, RLJ 128, ano 1995, pág. 64, apenas com remessa para o disposto no art. 1038g do CC; e Maria Olinda Garcia, Arrendamentos para comércio e fins equiparados, Coimbra Editora, 2006, pág. 109, mas fazendo apelo ao disposto no art. 424/2 do CC, aplicável à cessão da posição do locatário por força do art. 1059/2 do CC).
Segundo o art. 1083/2e) do CC, é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio, a cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio (≈ 1093/1f na versão original do CC; ≈ art. 64/1f do RAU).
O art. 1084/1 do CC estabelece que a resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo (norma esta que é imperativa: art. 1080 do CC). Por força do art. 14/1 do Novo RAU (anexo à Lei 6/2006) a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo (≈ art. 971 do CPC em redacção antiga ≈ art. 55/1 do RAU).
O art. 1049 do CC estabelece que o locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g) do art. 1038, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.
Obtida sentença que decreta o despejo, o senhorio executa-a através da execução para entrega de coisa imóvel arrendada, que será suspensa se o detentor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na acção declarativa, exibir título de cessão da posição contratual, emanado do executado, e documento comprovativo de haver sido requerida no prazo de 15 dias a respectiva notificação ao exequente, ou de o exequente ter especialmente autorizado a cessão, ou de o exequente ter [re]conhecido o cessionário como tal, com data anterior ao início da execução (arts. 703/1a), 862 e 863 do CPC depois da reforma de 2013 ≈ arts. 930-A e 930-B do CPC antes da reforma de 2013 = arts. 59 e 60 do RAU ≈ arts 985 e 986 do CPC antes do RAU; note-se que o art. 863 do CPC depois da reforma de 2013 fala em ‘conhecido’ mas trata-se de evidente lapso de escrita da lei processual, adjectiva, que não pode ter alterado, desta forma, o que a lei substantiva exige, ou seja, ‘reconhecido’).
* Conclusões a extrair das normas acabadas de citar
Destas normas decorre claramente que, se o arrendatário fizer um trespasse sem cumprir depois a obrigação de o comunicar ao senhorio, a lei quer que se siga uma acção de despejo em que se resolva o contrato de arrendamento com base na violação daquela obrigação, ao que o trespassário pode obstar fazendo ele a comunicação do trespasse no mesmo prazo que é dado ao arrendatário.
Dito de outro modo: a comunicação do trespasse, pelo arrendatário, é uma obrigação do arrendatário e a falta dela é fundamento da resolução do contrato de arrendamento (em acção de despejo intentada pelo senhorio contra o arrendatário cedente). A comunicação do trespasse pelo trespassário é uma causa de inexistência do direito à resolução do contrato de arrendamento; é por isso um ónus que ele tem de observar se quiser fazer com que o direito à resolução não exista.
É esta a leitura que toda a doutrina e jurisprudência faz das normas em causa, não se conhecendo uma única opinião em sentido diverso, designadamente qualquer uma que admita a possibilidade de o senhorio intentar unicamente uma acção de reivindicação contra o trespassário, sem antes intentar a acção de resolução contra o arrendatário (situação diferente é a de se admitir a reivindicação contra o trespassário depois de resolvido o contrato contra o arrendatário cedente, se houver nisso interesse tendo em conta os termos já referidos da execução para entrega de coisa imóvel arrendada).
(neste sentido, veja-se Januário Gomes, Arrendamentos comerciais, 2ª edição, Almedina, 1991, págs. 157 e segs, especialmente págs. 169/170, e Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, 1980, págs. 175 e segs, especialmente págs. 182/183; Gravato Morais, Novo regime de Arrendamento comercial, Almedina, 2006, págs. 148 a 153; Maria Olinda Garcia, Arrendamentos para comércio e fins equiparados, Coimbra Editora, 2006, 108 a 112; Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 2011, 5ª edição, Almedina, págs. 658 a 661, 754 a 764, 1118 a 1121 e 1155 a 1160; Miguel Teixeira de Sousa, Tópicos sobre a acção de despejo, Cadernos O direito, 7, 2013, pág. 114; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Almedina, 1995, págs. 102 a 105, 292, 433/435; Menezes Leitão, Dtº das Obrigações, vol. III, 3ª edição, Almedina, 2005, págs. 336/337 e 349/350 e Arrendamento Urbano, Almedina, 2006, págs. 88 a 90 e 147 a 148 e 150; Pais de Sousa, Anotações ao RAU, Rei dos Livros, 1990?, págs. 150 a 152 e 225, e Extinção do arrendamento urbano, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 270 a 275 e 388 a 394; David Magalhães, A resolução do contrato de arrendamento urbano, Coimbra Editora, 2009, págs. 284, 288 a 290, 313/315; Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2ª edição, Almedina, 2006, págs. 349; Coutinho de Abreu, Curso de direito comercial, vol. I, Almedina, 1998, págs. 268 a 271; M. Henrique Mesquita, anotação ao ac. do STJ de 29/09/1992, na RLJ, ano 125, págs. 280/288 e págs. 316/320, principalmente na nota 1 da pág. 284, em que admite a coligação passiva entre arrendatária e a trespassária, na acção de despejo, para obviar aos posteriores embargos pela trespassária; E. Santos Júnior, Sobre o trespasse e a cessão da exploração do estabelecimento comercial, As operações comerciais, Almedina, 1988, pág. 425; ac. do TRC de 04/12/1974, BMJ. 242/363 citado Aragão Seia; ac. do TRC de 03/01/1975, BMJ.244/322, citado por Januário Gomes; ac. do TRP de 14/07/1981, CJ, tomo IV, págs. 182-185, citado por Januário Gomes; ac. do TRC de 16/04/1991, CJ, tomo II, págs. 85/87; ac. do TRL de 10/01/1989, CJ, tomo I, pág. 109/111, citado por Januário Gomes; ac. do TRL de 20/12/1990, CJ, tomo V, págs.146/149 – o trespassário foi colocado ao lado do arrendatário cedente na acção de despejo; ac. do TRE de 29/04/1993, CJ, tomo II, págs. 278/279: a acção de despejo foi intentada contra o arrendatário para resolução do contrato de arrendamento por falta de comunicação do trespasse e depois foi executada não tendo sido permitido ao trespassário embargar o despejo por não ter dito que ele tivesse feito a comunicação; ac. do TRC de 29/02/2000, publicado na RLJ 133, pág. 276 e segs, anotado desfavoravelmente por Calvão da Silva, na mesma RLJ, pág. 280 a 288, mas por considerar que a comunicação tinha sido feita; a acção de despejo tinha sido intentada contra a arrendatária cedente e a trespassária; ac. do TRL de 01/07/2003, CJ, tomo IV, págs. 73/78, com a particularidade da arrendatária ter sido incorporada na trespassária; ac. do STJ de 14/03/2006, revista n.º 217/06, com sumário publicado no sítio do STJ: […] III - A inobservância da obrigação do locatário efectuar a tempestiva e detalhada comunicação do trespasse ao locador não pode deixar de acarretar a inerente consequência legal, atendendo também a que se não mostra provado que o locador tenha reconhecido a ré trespassária como tal, e (ou) que esta própria tenha tomado a iniciativa de comunicar o trespasse ao locador, dentro do prazo de 15 dias (art. 1049 do CC). IV - Como os 1.ºs réus cederam à 2.ª ré a posição contratual de arrendatários do locado dos autos, por forma ineficaz relativamente aos autores, mostra-se preenchido o condicionalismo do art. 64/1f) do RAU, que permite aos senhorios peticionar a resolução do contrato de arrendamento e o despejo.
Ainda mais claro que tudo isto, veja-se o ac. do STJ de 05/04/1984, publicado no BMJ 336, págs. 382 a 386: I. Arrendado um imóvel a vários médicos para instalação de uma policlínica, se nesta passam a exercer também funções outros médicos por cedência havida como ilicitamente efectuada pelos arrendatários, o senhorio só pode obter a desocupação do prédio desses outros médicos, desde que mova acção de despejo em que solicite a resolução do contrato com fundamento no preceituado no art. 1093/1f) do CC. II. Se, não requerendo a resolução do contrato, o dono e senhorio mover acção de reivindicação contra os arrendatários e os demais que ilicitamente exercem funções na policlínica, mas solicitar a desocupação do prédio só por estes últimos, a petição inicial e inepta por incompatibilidade entre o pedido e a causa de pedir (art. 193/2b do CPC), em virtude de a subsistência do contrato de arrendamento obstar a restituição do prédio.
Este ac. foi comentado por Antunes Varela, na RLJ 121, pág. 371 e segs, e RLJ 122, pág. 49 e segs, que, entre o mais, diz (págs. 58/59):
“Mesmo que os actos de cessão (parcial) do direito ao arrendamento ou de trespasse (parcial) do consultório do Dr. C tenham sido ilícitos - ponto que não é isento de dúvidas […] -, como afirma o autor, uma coisa é certa. É que a simples arguição e mesmo a prova da ilicitude desses actos não bastam para tornar ilegítima a detenção dos ocupantes e determinar a sua saída compulsiva do imóvel.
A ilicitude da cessão ou do trespasse pode justificar a resolução do contrato de arrendamento com o locatário C e, como consequência da extinção deste contrato, provocar a caducidade dos contratos realizados entre este e os cessionários do direito de arrendamento ou beneficiários do trespasse.
Mas não pode, de modo nenhum, enquanto persistir a relação de locação com C servir de fundamento à acção de reivindicação do dono do imóvel (E) contra os cessionários, ou sublocatários, como se eles nenhum título de detenção possuíssem.
Se o dono do imóvel considerava ilícitos os actos de cessão ou de trespasse parcial praticados pelo locatário C, pois era contra este (principal responsável pela ilicitude, visto ser ele quem nesse caso teria violado o contrato de locação) que devia reagir, através da acção de despejo, executando em seguida o respectivo mandado, nos termos do art. 986/1 do CPC, contra quem quer que estivesse no imóvel. […]
[…] o pedido de declaração de ilegalidade ou de insubsistência da posse dos quatro últimos réus estava condenado a naufragar […] porque a sua detenção é legitima, enquanto o locatário C, que lha concedeu, não for convencido da ilicitude da cessão ou do trespasse que realizou, através do meio processual adequado, que é a acção de despejo.
[…] o pedido de ocupação do imóvel formulado contra sublocatários ou cessionários do direito locatário, com base na ilicitude da transmissão (cfr. art. 1093/1f do CC), sem prévio ou concomitante pedido de resolução da locação, está manifestamente condenado a improceder […] por evidente inviabilidade da pretensão formulada (art. 474/1c), in fine, do CPC e art. 1093/1f do CC).”).
A lei não pretende criar uma situação em que o trespassário seja obrigado a restituir o locado (através de uma acção de reivindicação), mantendo o arrendatário o arrendamento. Provavelmente porque a violação da obrigação foi praticada pelo arrendatário e depois porque este, se o arrendamento não fosse feito cessar, sempre poderia voltar a trespassar (mesmo ao anterior trespassário) o estabelecimento instalado no locado (com referência a esta hipótese, veja-se o ac. do TRG de 22/11/2011, 3587/09.9TBGMR.G1).
* O tipo de acção intentada pelo autor e consequências
Ora, contra o que antecede, o que o autor fez foi intentar uma acção de reivindicação, invocando o seu direito de propriedade sobre o prédio e a detenção do mesmo pelo réu (art. 1311 do CC), deduzindo logo uma defesa antecipada à excepção que previa que o réu viesse a deduzir, ou seja, impugnando desde logo a existência de título de ocupação por parte do réu.
Quer isto dizer que o autor lançou mão de uma acção de reivindicação quando devia ter lançado mão de uma acção de despejo; assim, não accionou a resolução do contrato de arrendamento, o que, como se viu, tinha que fazer para depois poder obter a restituição do locado pelo trespassário.
Não podendo, nesta acção, obter a resolução do contrato de arrendamento (mesmo que nos autos ficasse provada alguma causa de resolução do contrato de arrendamento, a resolução deste não poderia ser decretada neste processo, visto que, não sendo uma acção de despejo, nele não foi pedida a resolução do contrato – com outros termos veja-se, no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, A acção de despejo, 2ª edição, Lex 1995, págs. 24/25, e o ac. do STJ de 18/12/1984, BMJ. 342, págs. 387/390), a acção estava, naturalmente, destinada ao insucesso.
Neste sentido, ainda, veja-se Lebre de Freitas, A acção declarativa comum…, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 48, nota 28, quando diz, referindo-se ao ac. do STJ de 05/04/1984 citado acima: “Tão-pouco essa contradição [entre o pedido e a causa de pedir] se verifica no caso, contrariamente decidido pelo STJ, em que seja proposta acção de reivindicação contra médicos que, sem contrato de arrendamento ou sublocação lícita, exercem a medicina em consultório que o autor reconhece estar arrendado a outrem […]: a subsistência do arrendamento impedia o autor, proprietário do prédio, de pedir a entrega, que só poderia surgir na sequência da resolução do contrato em acção de despejo movida contra o arrendatário; mas tal não tornava inepta a petição inicial, constituindo, sim, causa de improcedência da acção de reivindicação.”
* Da falta de comunicação do trespasse
Seja como for, dado o modo como o autor propôs a acção, acabou por ser o próprio autor a alegar a existência do contrato de arrendamento e a transmissão da posição contratual do arrendatário para o réu, que apenas seria ineficaz perante si dada a falta de comunicação do trespasse.
Como tal, o réu pôde-se limitar a pôr em causa a necessidade dessa comunicação e a acção ficou reduzida a esta questão.
Ora, tendo a acção este objecto reduzido e podendo esta questão ser decidida no sentido seguido pela sentença com a improcedência da acção por razões substanciais em vez de razões que poderão parecer algo formais, passa-se a conhecer da questão (por aplicação do disposto no art. 278/3 do CPC).
* Da falta de comunicação do trespasse pelo trespassário
A sentença recorrida diz que quem tinha que comunicar o trespasse era o arrendatário e não o trespassário, ou seja o trespassário não teria a obrigação da comunicação do trespasse; invocou para tanto o ac. do STJ de 25/11/2008, 08A3399 da base de dados da dgsi (o qual, por sua vez, tinha invocado no mesmo sentido a anotação de Henriques Mesquita ao acórdão da Relação de Lisboa de 25/10/94, na RLJ, ano 128, pág. 61: nos termos do art. 1038g do CC, quem deve notificar ao senhorio a cedência do gozo da coisa locada é o arrendatário cedente).
É certo que este acórdão diz isto e também foi isso que se defendeu supra, mas o facto de o trespassário não ter a obrigação da comunicação, não afasta a existência do ónus dessa comunicação. Pelo que a fundamentação da decisão não passa por aqui.
De resto, o citado ac. do STJ foi proferido numa acção intentada por um trespassário contra um trespassante, para obter dele o preço pago pelo trespasse ineficaz por falta da comunicação (pelo trespassante) do trespasse ao senhorio. Ou seja, o senhorio tinha conseguido o despejo (numa acção proposta contra trespassante e trespassário para resolução do arrendamento celebrado com o trespassante), devido à violação da obrigação de comunicação com o consequente direito à resolução do contrato. O que demonstra a existência, em regra, do ónus de comunicação do trespasse pelo trespassário.
*
Da inexistência da obrigação de comunicação do trespasse
Mas a sentença recorrida tem uma fundamentação subsidiária: a venda do direito ao trespasse e arrendamento, atentas as condições em que foi efectuada, não se enquadra nos meios de transmissão previstos no art. 1038f do CC, pelo que o réu, também por esse motivo, não estava obrigado a proceder à comunicação aí prevista.
Aqui sim, a sentença tem razão.
A obrigação da comunicação do trespasse não existe nos casos de trespasse efectuados no âmbito de processos executivos, porque ela não está prevista na lei processual, quer em relação ao agente de execução quer em relação ao novo arrendatário e não é exigível ao executado por a cedência não resultar de um acto voluntário seu, antes lhe sendo judicialmente imposta.
(neste sentido, Maria Olinda Garcia, obra citada, págs. 130 a 132, especialmente pág. 132, onde termina: “concluir-se-á, então, que a ausência de comunicação ao senhorio nesta específica hipótese de transmissão do direito ao arrendamento não constituirá fundamento de resolução do contrato nos termos da al. e) do n.º. 2 do art. 1083 do CC”; no mesmo sentido, veja-se o ac. do TRL de 10/01/1989, CJ, tomo II, págs. 109 a 111, citado pelo réu e por Januário Gomes, com sumário na DGSI sob o nº. 0013271: I - A transmissão forçada de estabelecimento comercial, através de venda judicial em processo executivo, opera um verdadeiro trespasse. […] III - No caso de transmissão do estabelecimento comercial, através de venda judicial, nada obriga a que o Tribunal ou o executado façam a comunicação ao senhorio do trespasse efectuado [acrescentando em texto, linhas 41/42 da 1ª coluna da pág. 111, que a trespassária também não estava obrigada a fazer a comunicação])
Solução que nada tem de estranho, já que o senhorio é notificado da penhora do estabelecimento comercial (arts. 782/1 e 773/1 do CPC e arts. 224 do CPPT) e é também notificado para exercer o direito de preferência na venda que seja feita na execução (arts. 800/2, 819/1 e 823 do CPC e art. 249/7 e 253/3 do CPPT).
Ora, se o trespasse, nestes casos, não tem de ser comunicado, não há violação da obrigação de comunicação e por isso não há fundamento da resolução do contrato, resolução que, já se viu acima, teria de ocorrer para permitir ao senhorio pedir a restituição do prédio ao trespassário (ou em execução do despejo que fosse decretado contra a arrendatária, ou em reivindicação posterior à extinção do contrato).
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo autor.
Porto, 21/05/2015
Pedro Martins
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida