PRAZO
PRAZO DE DEFESA
CONTAGEM DOS PRAZOS
ARGUIDO
RÉU PRESO
FÉRIAS JUDICIAIS
Sumário

O prazo para praticar um acto relativo a arguido detido ou preso corre em férias, salvo para a defesa, pois esta pode escolher, livremente que o seu acto possa ser praticado em férias ou no prazo normal estabelecido para arguido em liberdade.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n. 55/96, que corre termos na oitava Vara Criminal de Lisboa, segunda Secção, o arguido (L), até então em liberdade provisória, foi condenado em pena de prisão e, no acto da leitura da decisão condenatória, que ocorreu na audiência de 12 de Março de 1997, o arguido recorreu do respectivo acórdão. O Mmo. Juiz admitiu imediatemente o recurso, mas ordenou a prisão preventiva do arguido.
No dia 2 de Abril de 1997, o Mmo. Juiz julgou deserto por falta de motivação o recurso interposto da decisão condenatória, mas, no mesmo dia, o arguido apresentou essa motivação.
Foi desse despacho de 2 de Abril de 1997 (que julgou deserto o recurso por falta de motivação) que recorreu o referido arguido e, da sua fundamentação, concluiu que (transcrição):
1 - O despacho recorrido viola expressamente o disposto no n. 2 do art. 104 do CPP, "maxime" a sua parte final.
2 - Nos termos da referida disposição do CPP, o prazo para apresentação das motivações de recurso terminou no dia 3 de Abril e não no dia 1 de Abril de 1997.
3 - Em consequência, as motivações de recurso apresentadas no dia 2 de Abril de 1997, na Secção Central da oitava Vara Criminal de Lisboa, foram tempestivas, pelo que o recurso interposto em 12/03/95, da decisão final condenatório não se encontra deserto.
4 - A não ser assim, o aditamento introduzido na parte final do n. 2 do art. 104 do CPP pelo Dec.-Lei n. 315/95, de 28 de Novembro não teria qualquer efeito útil e constituiria uma verdadeira armadilha para a defesa.
5 - E seria inconstitucional o entendimento contido no despacho recorrido.
6 - O referido aditamento introduzido pelo Dec.-Lei n.
315/95, de 28 de Novembro permite que os prazos aí referidos, excepcionalmente não corram nas férias se, em vez de beneficiar a defesa, possa redundar em prejuízo da mesma como é manifestamente o presente caso.
7 - Mesmo que fosse correcto o entendimento contido no despacho recorrido, o que não se aceita, o certo é que ao recorrente deveria aplicar-se o disposto no n. 5 do art. 107 do CPP e no art. 145 do CPC, e considerar-se apresentada em tempo as suas motivações de recurso.
Termos em que, o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência ser revogado o despacho sob recurso, uma vez que ele viola expressamente o disposto no n. 2 do art. 104 e no n. 5 do art. 107 do CPP, de modo a que o recurso julgado deserto siga os seus termos e concomitantemente seja igualmente apreciado o recurso interposto no dia 2 de Abril da decisão do Tribunal "a quo" de decretar a prisão preventiva do recorrente, também objecto de despacho de rejeição com fundamento na deserção do recurso da decisão final condenatório.
A Exma. Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso, sutentando o seu não provimento, pois, tal como decidido pelo Exmo. Presidente do STJ, em
17 de Maio de 1996, na Reclamação n. 43/96, "terá de ser a defesa a invocar, perante o caso concreto, até à apresentação do requerimento de interposição do recurso, o específico prejuízo que lhe possa advir do decurso em férias de determinado prazo processual e uma tal invocação terá que ser submetida ao princípio do contraditório.
De outro modo, estaria aberta a porta para a variabilidade dos prazos processuais entre os diversos sujeitos processuais de um mesmo processo. E não apenas para a apontada variabilidade, mas também para a absoluta imprevisibilidade do decurso dos prazos judiciais antes do início de cada período de férias judiciais. Caberá, assim, à defesa convencer o tribunal, antecipadamente, do concreto prejuízo emergente do decurso em férias de um dado prazo, sob pena de para a prática do mesmo acto decorrerem distintos prazos - consequência certamente não pretendida pelo legislador quando da sobredita alteração da parte final do n. 2 do art. 104 do CPP, pela incerteza que daí seguramente adviria".
O Mmo. Juiz "a quo" manteve o despacho recorrido nos precisos termos.
Nesta Relação, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, em douto parecer, defendeu a procedência do recurso, visto que "o prazo beneficia aquele a quem é concedido" e "tem de se entender, pois que os processos com arguidos presos só andam mais de pressa para benefício do próprio arguido e para melhor acautelar a sua defesa e nunca tal celeridade poderá funcionar em seu prejuízo. Aliás, mal se compreenderia que o arguido ora recorrente e preso tivesse menos prazo para apresentar a motivação do que se estivesse solto".
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O art. 104, n. 2, do CPP, na redacção primitiva, dispunha que corriam em férias os prazos relativos a processos nos quais devessem praticar-se os actos referidos no n. 2 do artigo anterior (entre os quais estavam os respeitantes a arguidos detidos ou presos).
Contudo, a redacção de tal n. 2 do art. 104 foi modificada pelo Dec.-Lei n. 317/95, de 28 de Novembro, passando a dispor-se que "correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos no n. 2 do artigo anterior, excepto quando tal possa redundar em prejuízo da defesa".
Ora, foi por força da interpretação desta modificação legislativa que se veio a suscitar o problema dos autos, pois o Mmo. Juiz "a quo", sem justificar expressamente a sua posição, considerou que determinado recurso, interposto por arguido preso, ficara deserto por falta de motivação. Ao fazê-lo, seguramente, contara o prazo de apresentação da motivação como se o mesmo tivesse decorrido em férias, pois era certo que, no caso contrário, a motivação fora entregue em prazo. O acerto dessa decisão foi sustentado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público na primeira instância, o qual disse que, para o arguido preso, o prazo só não decorreria em férias se o mesmo alegasse que tal acarretaria prejuízo para a defesa, devendo, contudo, essa alegação ser feita previamente, para poder ser sujeita ao contraditório.
Em sentido oposto, o ora recorrente e o Exmo.
Magistrado do Ministério Público nesta Relação sustentaram que o prazo está estabelecido a favor de quem dele beneficia, o arguido preso, e que, portanto, este escolhe livremente, face à sua conveniência, se o prazo corre ou não em férias.
Temos para nós como seguro que a alteração legislativa introduzida no art. 104, n. 2, do CPP, se fez unicamente para benefício do arguido detido ou preso, pois era óbvio que pela lei anterior, ao se impor que o prazo para a prática de actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos corria sempre em férias, estava-se, objectivamente, a encurtar o prazo de defesa desses arguidos. Ora, era injusto e desproporcional que o arguido detido ou preso, já de si situado numa posição de desfavor em relação aos arguidos em liberdade, ainda devesse sofrer maiores prejuízos processuais, decorrentes, exactamente, dessa situação de privação de liberdade.
Temos de ver que o objectivo prosseguido pela lei, ao fazer correr em férias os prazos relativos a arguidos detidos ou presos, é o de obter uma maior celeridade processual, mas esse objectivo visa favorecer tais arguidos com a resolução rápida dos seus processos. Por isso, é perverso que a celeridade do processo, definida em benefício da defesa, acabe por redundar num prejuízo ainda maior para esta, ao se lhe impor uma diminuição objectiva do prazo do direito de defesa.
Temos de ter em atenção que o art. 32 n. 1 da
C. R. Portuguesa dispõe que "o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa". Ora, como escrevem Vital Moreira e Gomes Canotilho, em anotação a este artigo (in "Constituição da República Portuguesa Anotada", terceira edição, pág. 204): "O direito ao processo célere é corolário da presunção de inocência a qual tem a ver com a obrigatoriedade de julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa... Note-se, porém, que o princípio da acelaração do processo tem de ser compatível com as garantias de defesa, o que implica a proibição do sacrifício dos direitos inerentes ao estatuto processual do arguido a pretexto da necessidade de uma justiça célere e eficaz".
Assim, é lógico e razoável que a aceleração do processo, estabelecida em função da existência de arguido detido ou preso, só funcione quando a defesa entender que a mesma não prejudica, antes benefícia, o seu estatuto processual.
Nesta linha de raciocínio, se da interpretação do art. 104 n. 2 do CPP resultasse que o arguido detido ou preso deveria mover um impulso processual qualquer para obter as vantagens nele definidas - e, a nosso ver, tal impulso não tem de existir - então seria o de requerer que o prazo corresse em férias e não o contrário, pois só na primeira hipótese não ficaria em igualdade de circusntâncias em relação aos arguidos colocados em liberdade.
Por isso, salvo o grande respeito que temos pela opinião do Excelentíssimo Senhor Presidente do STJ sobre o caso em apreço (veja-se a decisão da Reclamação n. 43/96, em 17 de Maio de 1996, referida na resposta do MP ao presente recurso e transcrita no relatório deste Acórdão), ao se forçar o arguido detido ou preso a requerer antecipadamente que o prazo para a prática do seu acto processual não corresse em férias, seria o mesmo que estar a colocá-lo numa situação de dupla desvantagem em relação aos arguidos em liberdade, pois, não só o seu prazo seria, por regra, mais curto em alturas das férias judiciais, como, para obter um prazo idêntico ao daqueles, teriam de perder mais tempo com um novo requerimento, sujeito ao contraditório e de resultado imprevisível. Poderia suceder mesmo que, não sendo deferido o requerimento da defesa para que o prazo não corresse em férias, a decisão de indeferimento viesse a ser proferida depois de esgotado o prazo que correra entretanto em férias, deixando a defesa sem meis legais de praticar o acto.
Ora, a nosso ver, o que o art. 104 n. 2 do CPP pretende, é deixar claro que o prazo para praticar um acto relativo a arguido detido ou preso corre em férias, salvo para a defesa (e só para ela, sem interferência alheia), pois a mesma pode escolher que o seu acto possa ser praticado em férias ou no prazo normal estabelecido para arguido não detido ou preso. Daí que aquela norma contenha uma regra - "correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos no n. 2 do artigo anterior..." - e uma excepção - "excepto quando tal possa redundar em prejuízo da defesa", sendo que tal excepção resulta directamente da lei e não de despacho.
Não há, com esta solução, qualquer incerteza para o processo ou para os outros sujeitos processuais, pois estes têm de praticar o acto sempre em férias, se tal for o caso, mas o prazo da defesa é o que correria se o arguido não estivesse detido ou preso (ou seja, sem contar os dias de férias), podendo, se o desejar e como é normal, antecipar a prática do acto.
Por exemplo, no caso dos recursos relativos a arguido detido ou preso, os outros sujeitos processuais têm de interpor o recurso em férias (se tal for o caso), ou responder ao recurso em férias (idem), mas a defesa pode escolher fazê-lo, não contando no prazo dela os dias de férias judiciais.
Esta situação de desigualdade entre as "partes" envolvidas no processo penal encontra a sua justificação no facto de uma delas estar à partida, na hipótese configurada, em posição de desfavor (a que está privada da liberdade) e, por isso, há que equilibrar os pratos da balança, conferindo-lhe alguma vantagem na defesa dos seus interesses.
Note-se, contudo, que se a lei estabelecer para os outros sujeitos processuais algum prazo cujo dia "a quo" for o termo do prazo do arguido detido ou preso (e não estamos a ver nenhuma hipótese no Código de Processo Penal), então temos de admitir que a defesa tenha de comunicar antecipadamente a esses sujeitos processuais que deseja praticar o acto em férias, sob pena do prazo só começar a correr para eles como se o arguido não estivesse detido ou preso.
No caso dos autos, no recurso interposto por arguido preso em simples declaração na acta, o prazo de dez dias para apresentar motivação (art. 411 n. 3 do CPP) conta-se sem levar em conta os dias de férias judiciais que entretanto hajam decorrido, sem prejuízo do arguido apresentar tal motivação antecipadamente, durante o decurso dessas férias. A resposta dos outros sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso será dada no prazo de dez dias, contado da notificação da motivação (arts.
413 n. 1 e 411 n. 4), levando-se em conta em tal prazo os dias de férias judiciais que eventualmente nele calhem.
Por isso, tendo o arguido interposto recurso por simples declaração na acta da audiência de 12 de Março de 1997, a apresentação da motivação em 2 de Abril de 1997 está em tempo, apesar do arguido estar preso e de não ter requerido que o prazo não corresse nas férias judiciais da Páscoa, pois o disposto no art. 104, n. 2, do CPP autorizava-o a beneficiar do prazo em igualdade de circunstâncias com arguido solto.
Termos em que o recurso merece provimento.
Acordam, assim, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que considere tempestiva a apresentação da motivação relativa ao recurso interposto do acórdão condenatório.
Não há lugar a tributação.
Notifique.
Lisboa, 28 de Maio de 1997
DR. Santos Carvalho