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ACIDENTE DE TRABALHO
SINISTRADO
INCAPACIDADE
JUNTA MÉDICA
LAUDO
ELEMENTO CONSTITUTIVO
DECISÃO JUDICIAL
Sumário
I - Finda a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, sem que tenha havido acordo quanto à natureza da incapacidade e grau de desvalorização de que o sinistrado esteja afectado, a parte que se não conformar com o resultado do exame médico realizado pelo perito Médico do Tribunal requererá a realização de Junta Médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho. II - A Junta Médica, finda a observação do sinistrado (que poderá ser precedida de exames complementares de diagnóstico e de realização de outras Juntas Médicas) deverá descrever as lesões de que o sinistrado é portador e fixar a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização que aquele apresenta - sem se preocupar se existe, ou não, nexo de causalidade entre o acidente e as lesões que afectam o sinistrado. III - Findo o exame por Junta Médica, e juntos os pareceres complementares que considere necessários, o Juiz decide definitivamente a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização do sinistrado, nos termos do n. 5 do artigo 142 do Código de Processo do Trabalho de 1981. IV - A questão do nexo de causalidade decidir-se-á nos termos e com observância do preceituado nos artigos 119, a), 129, n. 1, e 134 a 138 daquele Código.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Em 24-04-1990, o sinistrado (F), divorciado, servente da construção civil, natural de Figueira de Lorvão, Penacova, onde nasceu a 10-07-1941, residente na Rua (Y), em Lisboa, participou ao Tribunal do Trabalho desta cidade ter sofrido um acidente de trabalho no dia 29-03-1990, quando trabalhava sob autoridade e direcção de Tecnisan - Construções Técnicas e Saneamento,
Limitada, com sede na Rua João Silva, n. 12-A, em Lisboa, no local e durante o tempo de trabalho.
A participação, de fls. 2 dos autos, foi distribuida ao 2. Juízo - 2. Secção do dito Tribunal, onde recebeu o n. 161/90.
2. No exame médico de fls. 100, realizado em 21-06-1993, o Perito Médico do Tribunal do Trabalho considerou que o sinistrado esteve afectado de incapacidade temporária absoluta desde 30-03-1990 (dia seguinte ao do acidente) até 06-01-1991; e que é portador de incapacidade permanente parcial com a desvalorização de 0,50 a partir de 07-01-1991.
Na tentativa de conciliação, de fls. 102 a 103, realizada no mesmo dia do exame médico, a entidade patronal não reconheceu o acidente como sendo de trabalho, por desconhecer que o sinistrado tenha tido algum sinistro na data que referiu; não aceitou o resultado do exame médico, nem o nexo de causalidade entre as lesões consideradas pelo Perito Médico do Tribunal e o pretenso acidente; mas reconheceu o salário que o sinistrado indicou como auferindo ao seu serviço em 29-03-1990, pelo que não aceitou pagar àquele nem as indemnizações legais por ITA, nem a pensão por IPP, que o ora Autor reclamou.
3. Em 25-03-1994, a fls. 111 a 113 v., o sinistrado, através da digna magistrada do Ministério Público, exercendo o patrocínio oficioso, instaurou a presente acção, apresentando a respectiva petição inicial, na qual pretende que lhe seja reconhecido quanto reclama no auto de tentativa de conciliação de 21-06-1993. Pediu a condenação da entidade patronal, em conformidade.
Esta última contestou em tempo e chamou à autoria a Companhia de Seguros Mundial-Confiança, S.A., em virtude de ter a sua responsabilidade infortunística para ela devidamente transferida. A Seguradora aceitou a autoria, mas contestou a acção em todos os pontos, com excepção do salário auferido pelo sinistrado.
Requereu que o sinistrado fosse submetido a Junta Médica, para a qual elaborou os cinco quesitos de fls. 144.
4. A M. Juíza elaborou o despacho saneador, especificação e o questionário, de fls. 149 a 151, de 23-06-1994, que não foi objecto de qualquer reclamação, e ordenou o desdobramento do processo, com a organização do apenso para fixação de incapacidade, correndo, por sua vez, todas as demais questões no processo principal. Além disso, reconheceu a responsabilidade da chamada, Companhia de Seguros Mundial-Confiança, S. A., contra quem passou a correr a presente acção, e absolveu do pedido a entidade patronal, Tecnisan - Construções Técnicas e Saneamento, Limitada.
5. Aberto o apenso para fixação de incapacidade, a M. Juíza ordenou a
realização de Junta Médica de Neurologia, que se reuniu em 11-10-1994, a fls. 48 e V. do apenso. Por unanimidade, a Junta, depois de descrever as deformações apresentadas pelo sinistrado, foi de parecer que "parte destas doenças pode ser explicada por doença degenerativa; parte destas doenças são compatíveis com acidente de trabalho. Sob o ponto de vista neurológico não nos pronunciamos sobre a desvalorização", a qual "poderá ser codificada por perito ortopedista".
Realizaram-se, então, sucessivamente Juntas Médicas de Ortopedia, em 03-02-1995, a fls. 65 (que pediu a realização de vários exames de RX ao sinistrado); em 11-01-1996, a fls. 96 e 97 (esta, afirmando que o sinistrado apresenta "lesões degenerativas" que "nesta fase não nos permitem afirmar com segurança se estão relacionadas com o tipo de acidente de trabalho que o doente refere"; em 23-10-1996, a fls. 108 a 109 (referindo que "as lesões apresentadas no parágrafo 3 do verso da página 96 não nos parecem ser causadas pelo acidente de trabalho não se podendo excluir que o Quadro Clínico tenha sido agravado por este facto. Neste contexto não nos é possível atribuir qualquer incapacidade"; e em 30-10-1996, a fls. 112 a 113 (em esclarecimento à Junta Médica a que se refere o auto de fls. 108, os peritos novamente reunidos, decidem por unanimidade que as lesões descritas nas folhas 96 e v. não são passíveis de desvalorização (grau de incapacidade zero").
6. Após a apresentação, por parte da digna Delegada do Ministério Público, na sua qualidade de Patrona oficiosa do sinistrado, do de fls. 115 e 116, a requerer a anulação da última Junta Médica realizada, bem como a realização de nova Junta que se pronuncie sobre as lesões que o sinistrado apresenta e qual o grau de incapacidade que lhe compete, ou, se assim se não entender, considerar as lesões descritas no auto de exame médico singular, realizado pelo Perito Médico do Tribunal (a fls. 100 do processo principal e, por fotocópia, a fls. 33 deste apenso) com resposta, em sentido contrário, da Seguradora, a fls. 119 - a M. Juíza
proferiu o Despacho de fls. 120, considerando que, pelas razões constantes das aludidas Juntas Médicas, o sinistrado não tem qualquer desvalorização, possuindo um grau de incapacidade zero.
7. Contra este Despacho reagiu o sinistrado, interpondo o presente recurso de agravo, através da sua Patrona oficiosa. Nas suas alegações, de fls. 122 a 127, formulou as seguintes conclusões:
1 - Uma vez que a Junta reconhece que existem lesões passíveis de desvalorização os Exmos. Peritos Médicos devem fazer o seu enquadramento na T. N. I. e especificar qual o intervalo de variação, ou seja, quais as percentagens mínimas e máximas correspondentes
às lesões apresentadas.
2 - E, de seguida, atribuir o grau de desvalorização e esclarecer das razões que levaram a essa atribuição.
3. Apurar do nexo de causalidade entre as lesões apresentadas e o acidente não compete aos peritos.
4. Assim, a Junta que decida não atribuir qualquer desvalorização por não poder concluir se as lesões estão relacionadas com o acidente não pode ser atendida.
5. Por outro lado, reconhecendo os Exmos. Peritos a existência de lesões sujeitas a desvalorização é contraditória com os restantes factos e como tal não pode ser tida em consideração.
6. E não tendo a Junta, apesar da existência de lesões, determinado correctamente o grau de desvalorização competia à M. Juíza suprir tal omissão, nomeadamente por juízos de equidade.
7. Assim, a decisão recorrida, ao basear-se em Junta Médica que não pode ser tida em consideração por omissão de elementos e por contradição entre os factos e a conclusão, não está fundamentada.
8. Pelo que, ao decidir, como decidiu, a M. Juíza violou as normas constantes dos arts. 121, 129, n. 1, 142, n. 5, e 138 do Código de Processo
do Trabalho, e 668, n. 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
9. Nestes termos deve revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se a sua substituição por outra que ordene as necessárias diligências para determinação da incapacidade ou se fixe a mesma segundo juízos de equidade.
8. A Seguradora, contra-alegando, limitou-se a dar como reproduzida a douta decisão recorrida.
9. O Exmo. Representante do Ministério Público junto desta Relação teve vista nos autos e, no seu douto parecer n. 1014/97, de fls. 138 e v, considera assistir razão ao Agravante, pelo que o presente recurso merece provimento.
10. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. a) - Matéria de facto.
É a seguinte a matéria de facto provada, a atender nestes autos:
1- Em 24-04-1990, o sinistrado (F) participou ao Tribunal do Trabalho de Lisboa ter sofrido um acidente de trabalho no dia 29-03-1990, no local e durante o tempo de trabalho, quando trabalhava sob autoridade e direcção da sua entidade patronal. Tecnisan-Construções Técnicas e Saneamento,
Limitada.
2- A participação do sinistro foi distribuída ao 2. Juízo - 2ª Secção daquele
Tribunal, onde recebeu o número 161/90.
3- O sinistrado afirma ter sofrido um típico acidente de trabalho, pois que, quando trabalhava, ao pegar numa pedra (lancil), sentiu uma forte dor nas costas.
4- No exame médico, realizado no Tribunal do Trabalho, em 21-06-1993, o respectivo Perito Médico considerou que o sinistrado esteve afectado de incapacidade temporária absoluta, desde o dia seguinte ao do acidente, isto é, desde 30-03-1990, até 06-01-1991; e que é portador de incapacidade permanente parcial com a desvalorização de 0,50 a partir de 07-01-1991.
5- Na tentativa de conciliação da mesma data, a entidade patronal apenas reconheceu que, no dia em que o sinistrado afirma ter sofrido o acidente, auferia o salário mensal de 39400 escudos, pago em
14 meses ao ano, acrescido do subsídio de alimentação de 330 escudos por dia, pago em 22 dias por mês, no total de 11 meses ao ano.
6- Na dita tentativa de conciliação, a entidade patronal não reconheceu a existência do acidente que o sinistrado diz ter sofrido, nem a sua caracterização como sendo "de trabalho", nem o resultado do exame médico, nem, ainda, o nexo de causalidade entre o pretenso acidente e as lesões consideradas pelo Perito Médico do Tribunal, não tendo aceitado pagar ao sinistrado nem as legais indemnizações, baseadas em ITA, nem qualquer pensão pretensamente devida por qualquer situação de IPP.
7- Proposta a devida acção, em 25-03-1994, a entidade patronal chamou à autoria a Companhia de Seguros Mundial-Confiança, S.A., que aceitou o chamamento, uma vez que existia validamente celebrado entre ambas um contrato de seguro por acidentes de trabalho, titulado pela Apólice n. 2113947, junta aos autos - tendo contestado todos os pontos relativos ao acidente, excepto o salário que o sinistrado auferia, e respectivo subsídio de alimentação, nos montantes estipulados supra no n. 4.
8- No despacho saneador, a M. Juiza reconheceu a responsabilidade da Seguradora - contra quem passou a correr a presente acção - e absolveu a entidade patronal do pedido.
9- Ordenado o desdobramento dos autos, com instauração do apendo para fixação de incapacidade para o trabalho, foi ordenada a realização de várias Juntas Médicas:
1- Em 11-10-1994, a fls. 48 e V do apenso, Junta de Neurologia, a qual, depois de descrever as lesões de que o sinistrado é portador, foi de parecer que "parte destas doenças pode ser explicada por doença degenerativa; parte destas são compatíveis com acidente de trabalho. Sob o ponto de vista neurológico, não nos pronunciamos sobre a desvalorização", a qual "poderá ser codificada por perito Ortopedista".
2- Em 03-02-1995, a fls. 65, Junta de Ortopedia, que pediu a realização de vários exames actualizados de RX ao sinistrado.
3- Em 11-01-1996, a fls. 96 e 97, Junta de Ortopedia, a qual declarou que o sinistrado apresenta "lesões degenerativas" que "nesta fase não nos permitem afirmar com segurança se estão relacionadas com o tipo de acidente de trabalho que o doente refere".
4- Em 23-10-1996, a fls. 108 a 109, Junta de Ortopedia, a qual referiu, no seu relatório, que "as lesões apresentadas no parágrafo 3 do verso da página 96 não nos parecem ser causadas pelo acidente de trabalho não se podendo excluir que o Quadro Clínico tenha sido agravado por este facto.
Neste contexto não nos é possível atribuir qualquer incapacidade".
5- Em 30-10-1996, a fls. 112 a 113, Junta de Ortopedia, na qual, os Peritos, em esclarecimento à Junta de fls. 108 a 109, de 23-10-1996, decidem, por unanimidade, que as lesões descritas nas folhas 96 e v não são passíveis de desvalorização (grau incapacidade zero).
10- A M. Juíza, louvando-se nestas Juntas Médicas, proferiu o Despacho de fls. 120, em 13-12-1996, decidindo que o sinistrado não tem qualquer desvalorização, possuindo um grau de incapacidade zero. b)-Enquadramento jurídico.
Como se sabe, o Código de Processo do Trabalho, no n. 5 do seu artigo 142, determina que "findo o exame ou exames (por Junta Médica) e juntos os pareceres complementares que considere necessários, o juiz decide, fixando definitivamente a natureza de desvalorização do sinistrado ou doente".
Este comando inculca a ideia de que, na verdade, o juiz, quando decide, fixa definitivamente a natureza da incapacidade e o seu grau de desvalorização - sem possibilidade de recurso - tanto mais que o n. 2 do mesmo preceito afirma que "a fixação da incapacidade pode ser modificada conforme o disposto para a revisão de pensões".
A este respeito, o Exmo. Cons. Alberto Leite Ferreira, in Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, Limitada, 1989, pág. 540, escreve que: "por isso, o segundo exame é sempre presidido pelo juiz
- art. 142, n. 1 - que terá, findo ele, de proferir decisão sobre a natureza e grau de desvalorização - art. 142, ns. 1 e 5. Decisão que, sendo insusceptível de recurso, põe termo definitivo ao diferendo sobre a incapacidade, embora sem comprometer o direito à sua revisão - art. 142, n. 5".
E logo acrescenta:
"Esta conclusão resulta não apenas da própria letra da lei que manda ao juiz decidir, "fixando definitivamente a natureza e grau de desvalorização", mas ainda da consideração de que a questão sujeita a decisão é de natureza essencialmente técnica e baseada fundamentalmente em elementos de prova pericial cuja apreciação a lei confia ao tribunal".
Também sobre a mesma questão, no domínio do Código anterior (aprovado pelo DL n. 45497, de 30 de Dezembro de 1963), escrevia o sr. Inspector-Geral dos Tribunais do Trabalho, Dr. Guilherme de Vasconcelos, no seu artigo intitulado "O Processo Especial de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais", in Curso de Direito Processual do Trabalho, Lisboa, 1964, pág. 164 : "eliminando-se o recurso, visto que o Juiz decide
definitivamente sobre esta matéria evitaram-se dilações inúteis visto a prova por arbitramento ser da livre apreciação do juiz".
Todavia, se essa é a regra, no caso dos autos verifica-se um desvio nítido, porquanto no recurso não se pretende atacar a decisão de fundo da M.
Juíza, tomada com base no laudo da Junta Médica, mas, pelo contrário, chamar a atenção para a circunstância de, tal como as anteriores, esta última Junta não ter, afinal, respondido aos quesitos que a Seguradora formulara na sua contestação, e estão a fls. 144 destes a Seguradora formulara na sua contestação, e estão a fls. 144 destes autos, e de, ainda por cima, a mesma Junta ter tomado posição quanto ao problema do nexo de causalidade entre o tipo de acidente sofrido pelo Autor e as lesões por ele apresentadas, quando o não podia fazer, por se tratar de matéria que só pode ser decidida no processo principal, após produção de prova.
Por outras palavras: o recurso não tem em vista censurar os meios periciais de que o Juiz se podia servir para a decisão, nem a sua tomada de convicção, a partir dos meios técnicos disponíveis para tal, mas, antes, visa os pressupostos essenciais inerentes à formação de uma decisão
à formação de uma decisão formalmente válida e fundamentada.
Mas o Despacho recorrido, ao conhecer, como o fez, a questão da não existência de um grau de incapacidade, quando a Junta admitiu a existência lesões no sinistrado, violou o artigo 142, n. 5, do Código do Processo de Trabalho, pois dela não podia tomar conhecimento, uma vez verificar-se uma grave incongruência entre a observação da situação clínica do sinistrado e a conclusão tirada pela última Junta Médica...
Daí que dúvidas não haja de que o recurso é de admitir!
Do recurso de agravo.
Quanto à matéria em que se baseia o recurso de agravo, há que dizer, que o Autor tem inteira razão! Senão, vejamos!
I- Como se sabe, o processo de acidente de trabalho que esteja na fase contenciosa, sofre um desdobramento quando estejam em discussão mais questões do que a da simples incapacidade para o trabalho. Em tal hipótese, enquanto se manda organizar um apenso para determinação ou fixação da natureza e grau da incapacidade de que o presumido sinistrado estará afectado, no processo principal correm todas as outras questões, como a determinação da entidade responsável, a fixação do montante do salário, a caracterização do acidente como "sendo de trabalho", e o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões de que a vítima é portadora, etc.- artigos 129, 134, e 135 do Código de Processo de Trabalho.
Neste sentido são unânimes todos os juristas, como os Conselheiros Dr. Alberto Leite Ferreira, loc. cit., págs. 491, 492 e 515, e Dr. João Melo Franco, loc. cit., págs. 110 a 113, e o Procurador Geral Adjunto
Dr. Carlos Alegre, in Processo Especial de Acidentes de Trabalho, Coimbra, Liv. Almedina, 1986, págs. 130 e 151.
Deste modo, todas as questões a decidir no processo principal só aí podem ser discutidas e resolvidas, após a prova admitida por lei, maxime, a fazer em audiência de julgamento, pela forma adequada. Por seu turno, a questão da determinação da incapacidade para o trabalho só no respectivo apenso pode ser solucionada - e só pode correr no processo principal quando ela é a única questão em discussão no processo.
Ora, no apenso para determinação da incapacidade para o trabalho, a dilucidar segundo os trâmites assinalados nos artigos 141 e 142 do Código de Processo de Trabalho, o exame é sempre feito por junta médica, constituida por três peritos, sob a presidência do Juiz. Podem ter lugar várias juntas, se o sinistrado estiver afectado de lesões diversas, cujo foro seja de variadas especialidades médicas. Os peritos médicos, geralmente especializados, analisam todos os elementos nosológicos (ou seja, clínicos e radiológicos), existentes no processo, podem pedir exames especializados de vária ordem - a elaborar por outros especialistas
- e exames complementares, tais como radiografias, ecografias, TAC's, e tantos outros que lhes permitam fazer um juízo o mais perfeito e actualizado do estado do sinistrado, e, até, sugerir que este seja submetido a uma intervenção cirúrgica - tudo para poderem, com a maior certeza, fazer um juízo perfeito e concreto do estado da vítima, e, assim, poderem formar um diagnóstico correcto e dar o seu laudo com segurança.
Mas o que os peritos médicos não podem é meter a foice em seara alheia! Ou seja - embora haja muito esse costume -, os peritos médicos não se podem pronunciar sobre se determinado acidente é, ou não, de trabalho, ou se certa doença é, ou não, profissional; nem tão-pouco podem pronunciar-se sobre se há, ou não, nexo de causalidade entre determinadas lesões e o local de trabalho, ou se as lesões podem, ou não, ter sido provocadas por certo evento.
Os peritos médicos devem observar o estado da vítima, descrevê-lo e dizer se esta está, ou não, afectada de alguma incapacidade; qual a natureza dessa incapacidade e qual o grau de desvalorização, como se tudo tivesse sido provocado pelo acidente, ou pelas condições de trabalho.
Porém, saber se as condições de trabalho, ou o evento que se verificou, têm, ou não, a natureza de um acidente de trabalho, ou podem considerar-se como de doença profissional, já são questões que os ultrapassam, pois terão de ser provadas em audiência de julgamento, de acordo com as regras do ónus da prova, e apreciadas e decididas pelo Juiz. O que nada impede que os peritos médicos aí compareçam, nas condições previstas no artigo 137 do Código de Processo do Trabalho, se o Juiz assim o determinar, mas em pé de igualdade com os outros intervenientes na audiência..., ou seja, nas condições do artigo 652, n. 3, al. c), do Código de Processo Civil.
Ora, é perfeitamente visível que, nas várias Juntas Médicas, os Srs. peritos exorbitaram da sua competência técnica, ao entrar no domínio da relação da cauladidade entre o acidente sofrido pelo Autor e as lesões de que é portador, e a última Junta recusou-se tomar posição, nos termos da Lei, ao não enquadrar as lesões que o sinistrado apresenta, nos parâmetros da T.N.I. e ao não dizer, de uma vez por todas, qual a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização que ele, inegavelmente, possui - ao dizerem:
"Em esclarecimento à Junta Médica a que se refere o auto das folhas 108, os peritos novamente reunidos, decidem por unanimidade que as lesões descritas nas folhas 96 e verso não são passíveis de desvalorização (grau de incapacidade zero)".
Pois bem: Os srs. peritos médicos demitiram-se da sua obrigação de descrever as lesões de que o sinistrado-Autor é portador e de informar o Tribunal sobre qual é a natureza (temporária ou permanente) da incapacidade de que aquele está afectado, bem como qual é o grau de desvalorização de que o mesmo é portador - como se tudo fosse normal consequência do acidente!
Saber se o acidente dos autos é, ou não, "de trabalho", e se há nexo de causalidade entre as lesões de que o Autor é portador e o acidente de trabalho que ele afirma ter sofrido, bem como concluir se esse acidente teve lugar, ou não, já não é nada da competência, nem das atribuições da Junta Médica!...
Tal matéria de conhecimento é da competência única do Juiz - na sua qualidade de perito dos peritos!
II- Fácil é, assim, de concluir que, ao proferir a decisão de fls. 120 do apenso de fixação de incapacidade, a que se refere o n. 5 do artigo 142 do Código do Processo de Trabalho, mal andou a M. Juíza "a quo", pois não
tinha elementos para decidir conscientemente, visto que a Junta Médica não lhe forneceu os dados necessários para decidir e para cuja descoberta a Junta se reunira... Isto, não obstante os esforços da própria Julgadora que compareceu pessoalmente na Junta, a fim de explicar aos
Srs. Peritos que deviam explicitar qual a natureza da incapacidade do sinistrado e qual o grau de desvalorização que apresenta!
A M. Juíza tinha, porém, no n. 5 do artigo 142 do Código do Processo de Trabalho, o remédio para este caso: ordenava a realização de novos exames médicos complementares, especializados, feitos por outros especialistas que ainda não tivessem intervindo no processo - uma vez que eram absolutamente necessários, dada a inconclusividade desta última Junta Médica - e, uma vez juntos, tais exames ou pareceres, aos autos, decidia, fixando definitivamente a natureza e o grau de desvalorização do sinistrado. Mais tarde, após a realização da audiência de julgamento, no processo principal, decidiria o caso da caracterização do acidente como "de trabalho" e o problema do nexo de causalidade entre o acidente e as lesões do sinistrado, bem como o problema da própria existência do acidente de trabalho.
Mas - decidindo tal como o fez - sem quaisquer elementos validamente fornecidos pela Junta Médica, com interesse para a decisão da causa, com base nos quais pudesse elaborar uma solução justa, legalmente correcta e definitiva (logo, insusceptível de recurso), a M. Juíza violou o
disposto nos artigos 129, n. 1 e 142, n. 5, do Código de Processo do Trabalho - senão, mesmo, o artigo 3, n. 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n. 21/85, de 30 de Julho) e o artigo 668, n. 1, al. d), 2. parte, do CPC.
Conclusão - Isto significa que se concretizam as conclusões que o Autor formulou no seu recurso, pelo que o agravo deve ser provido, revogando-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que ordene a repetição da última Junta Médica, para que esta actue de acordo com os parâmetros legais, descrevendo a situação de saúde do Autor, descrevendo as lesões que ele apresenta e - ficcionando que tudo se passa (e passou!), tal como o Autor afirma, quanto às condições de verificação do acidente de trabalho - dizendo qual a natureza (temporária ou permanente) da incapacidade que o Autor apresenta, desde o dia do acidente (que o Perito do Tribunal desvalorização de que aquele está afectado (eventualmente desde 07-01-1991, e que aquele Perito considerou
ser IPP de 0.50) - sem se preocupar, ou procurar saber, se há nexo de causalidade entre a doença e o acidente de trabalho que o Autor terá sofrido no dia 29-03-1990, nem com o facto de ter havido, ou não, esse acidente).
Nota - A solução desses problemas do nexo de causalidade e da existência e caracterização do acidente sofrido pelo Autor será tomada, mais tarde pelo M. Juiz, após a produção de prova em audiência de julgamento!
Ver Cons. Alberto Leite Ferreira, obra citada, anotações aos artigos 129, 134, 135, 141 e 142 do Código do Processo de Trabalho.
11. Nestes termos, acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao presente recurso de agravo, revogando o Despacho recorrido, de fls. 120 do apenso de fixação de incapacidade
para o trabalho, o qual deverá ser substituído por outro que mande repetir a Junta Médica, a fim de esta descrever as lesões do Autor e informar o Tribunal qual é a natureza da incapacidade (temporária ou permanente) de que aquele é portador desde o dia do acidente de trabalho de 29-03-1990, nomeadamente, até 06-01-1991 (ou outra data), e a partir daí, indicando qual é o grau de desvalorização de que aquele esteve e está afectado - sem se preocupar, ou procurar saber, se há nexo de causalidade entre as lesões do sinistrado e o acidente que diz ter sofrido em 29-03-1990.
Se, mesmo assim, a M. Juízo "a quo" continuar sem meios para uma decisão correcta e completa, deverá, então, usar da faculdade outorgada pelo n. 5 do artigo 142 do Código de Processo do Trabalho.
Custas, por quem, a final, vier a ser considerada como entidade responsável.
Lisboa, 24 de Setembro de 1997
Carlos Horta
Artur Manuel Ventura de Carvalho