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NOTIFICAÇÃO
DEFENSOR OFICIOSO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
IRREGULARIDADE
ASSISTÊNCIA OBRIGATÓRIA DO DEFENSOR
Sumário
I - As notificações ao arguido a partir do momento em que tem defensor constituído ou defensor nomeado são realizadas através do defensor, salvo no caso do artº 113º nº10 º CPP casos em que além do defensor também o arguido deve ser notificado. II – Fora do caso do artº 113º 10 CPP e do artº 64º1 CPP (exigível ou obrigatória a assistência de defensor) a notificação pessoal ao arguido não acompanhada da notificação ao defensor é válida e admissível. III – Nesses casos, não existe cominação legal para a omissão da notificação do defensor, sendo somente o arguido notificado, estamos perante uma irregularidade. IV – A notificação do arguido para que manifeste a sua concordância ou não com a suspensão provisória do processo proposta não exige a assistência obrigatória do defensor (artº 64º1 CPP). V - Ao considerar que o acto de concordância do arguido com a suspensão provisória do processo, não é acto de assistência obrigatória do defensor, tal norma (artº64º1 CPP) não ofende o artº 32º3 CRP não sendo inconstitucional.
Texto Integral
Processo n.º 750/13.1GBMTS-A.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO:
No âmbito do processo comum instaurado contra a arguida B…, tendo sido deduzida acusação, na qual é imputada à arguida a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º1 do Código Penal, foi requerida a abertura de instrução.
Por despacho de 27-05-2014, o Mmo JIC julgou reunidos os pressupostos da suspensão provisória do processo pelo período de 9 meses, mediante a injunção de pagamento à APAV da quantia de 250€, tendo determinado a notificação da arguida para manifestar pessoalmente a sua concordância.
Em 04-12-2014 o Mmo JIC proferiu decisão de suspensão provisória do processo nos termos que havia indicado no despacho antecedente.
A arguida apresentou requerimento, em 19-12-2014, no qual invocou a falta de notificação à defensora do despacho de 27-05-2014 e arguiu a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código Processo Penal.
Por despacho de 13-01-2015, que incidiu sobre o indicado requerimento, foi julgada improcedente a nulidade.
Inconformada com tal despacho, a arguida B…interpôs o presente recurso.
A motivação do recurso termina com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Salvo o devido respeito por distinto entendimento, que é muito, andou mal o tribunal recorrido ao indeferir a arguição de nulidade do despacho anteriormente proferido a folhas 85 dos presentes autos, bem assim como de todos os demais atos a este subsequentes, expressamente invocada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 113.º, n.º 10, 119.º, al. c) e 122.º, todos do C.P.P., em virtude do mesmo não ter sido notificado, como se impunha, à sua defensora oficiosa;
2. Na modesta opinião da Recorrente, o controvertido despacho de folhas 85, cuja notificação foi omitida à defensora oficiosa da arguida, que, por via disso, arguiu a nulidade ora indeferida, consubstancia, na verdade, uma decisão instrutória, posto tratar-se de um despacho que determina a suspensão provisória do processo com a cominação de injunção de caráter patrimonial, e enquanto tal, objeto de obrigatória notificação conjunta, nos termos do disposto no n.º 10 do artigo 113.º do C.P.P., à Recorrente e defensora.
3. Andou mal, assim, o douto despacho ora recorrido ao indeferir a apontada nulidade por entender que o n.º 10 do artigo 113º do C.P.P. deve ser interpretado no sentido de que as notificações podem ser feitas aos defensores ou advogados constituídos, à exceção dos casos concretamente ali discriminados, em que a notificação terá de ser feita, obrigatoriamente, aos arguidos e seus defensores (assim perfilhando o entendimento que, excecionadas as situações tipificadas no aludido artigo e número, as notificações podem ser feitas aos arguidos ou aos seus defensores/mandatários, em sua representação) e ao não integrar, na ressalva constante no aludido artigo e número, na qualidade de “decisão instrutória” o controvertido despacho de folhas 85.
4. E não se diga, como no despacho recorrido, que a falta de notificação à defensora (considerada uma mera faculdade), se mostra suprida pela notificação pessoal do mesmo à Recorrente
5. Porquanto, como se itera, o despacho cuja notificação foi omitida à defensora oficiosa da Requerente mais não é, como se itera, que uma verdadeira decisão instrutória, que determina a aplicação de medidas, entenda-se injunções, de caráter patrimonial, e, nessa medida, obrigatoriamente, como prescreve o n.º 10 do artigo 113.º do C.P.P., notificado ao arguido e seu defensor.
6. Errou, pelo sobredito, o tribunal a quo no sentido em que interpretou a aludida norma jurídica (113.º, n.º 10, C.P.P.), posto que a deveria ter interpretado no sentido pugnado pela Recorrente, o que equivale a dizer, no sentido de que a preterição da notificação à defensora oficiosa da arguida/recorrente do despacho de folhas 85, que consubstancia a decisão (instrutória) que determina a suspensão provisória do processo e as injunções, de caráter patrimonial, a esta aplicáveis (e não a mera proposta, como parece inculcar o douto despacho recorrido), constitui nulidade insanável, tal qual prevista no artigo 119.º, al. c) do C.P.P., com as consequências previstas no artigo 122.º do C.P.P.,
7. E, ao fazê-lo, violou o plasmado no artigo 32.º, n.ºs 3 e 6 da Constituição da República Portuguesa,
8. O que, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 412.º do C.P.P. constitui fundamento para o presente recurso.
9. Na verdade, a ratio da notificação conjunta dos defensores/advogados aos arguidos prende-se com a necessidade de aqueles explicitarem devidamente aos seus representados o conteúdo das medidas que os visam e que, a não se verificar, salvo raríssimas exceções, raramente são apreendidas.
10. Aliás, se dúvidas houvesse quanto a esta matéria, estariam as mesmas suficientemente dissipadas no âmbito dos presentes autos, para tanto bastando atentar que a arguida, interrogada em fase de inquérito, não assentiu na suspensão provisória do processo por não ter compreendido as finalidades e alcance do instituto a que, depois de explicitada pela defensora oficiosa, acedeu a lançar mão!
11. Não se aceita, assim, que um despacho – decisão instrutória -, no qual é imposto uma injunção de caráter patrimonial, cujo cumprimento, juntamente com o decurso do tempo, pode ter a virtualidade de arquivar o processo, seja apenas notificado à arguida e não à sua defensora,
12. Pugnando-se que tal equivale, à falta de comparência, não física, mas sim processual (e de similar ou maior importância) do defensor nos casos em que a lei o exige.
13. O defensor tem uma importância fulcral na estrutura processual penal, mostrando-se a mesma constitucionalmente tutelada.
14. Com efeito, a lei processual penal, em obediência ao ínsito no n.º 6 do artigo 32.º da Lei Fundamental, define os casos em que pode ser dispensada a presença do arguido, mormente na audiência de julgamento,
15. Mas não já, porque absolutamente essencial à realização plena do direito de defesa, do defensor!
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas, mui doutamente suprirão, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade do despacho de folhas 85 e de todos os atos a este subsequentes, como prescrito nos artigos 113.º, n.º 10, 119.º, al. c) e 122.º, todos do C.P.P..
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Na 1.ª instância o Ministério Público apresentou resposta ao recurso, onde pugnou pelo respetivo provimento.
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Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, aderindo à resposta.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO: A.Despacho recorrido:
«A fls. 95 e ss., veio a arguida B… invocar a nulidade do despacho de fls. 85 e demais atos subsequentes, nos termos e pelos fundamentos ali constantes, para onde aqui nos permitimos remeter, por brevidade.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do deferimento do requerido pela arguida, com a fundamentação ali exposta.
Cumpre apreciar.
Em nosso entender, não se verifica a apontada nulidade do despacho de fls. 85, porquanto o nº 10, do art. 113º, do C.P.P. deve ser interpretado, em nosso entender, no sentido de que as notificações podem ser feitas aos defensores ou advogados constituídos, à exceção dos casos concretamente ali descriminados, em que a notificação terá de ser feita, obrigatoriamente, aos arguidos e seus defensores. O que vale por dizer, que, excecionadas aquelas situações, as notificações podem ser feitas aos arguidos ou aos seus defensores/mandatários, em sua representação.
No caso concreto, o despacho de fls. 85 foi notificado, como o ordenou o juiz de instrução criminal que o subscreveu, apenas à arguida (vd. a expressão “pessoalmente”).
A arguida foi, então, devidamente notificada, conforme ali ordenado – vd. fls. 89 vº, nada tendo dito em oposição às injunções propostas pelo despacho de fls. 85.
Pelo exposto, não vemos que qualquer nulidade tenha sido cometida pelo tribunal.
Indefere-se, assim, ao requerido.
Notifique».
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B.Elementos e ocorrências processuais relevantes:
1. O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida B…, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal.
2. A arguida requereu a abertura de instrução, pugnando pela aplicação de suspensão provisória do processo, mediante o cumprimento de qualquer injunção que lhe venha a ser decretada, designadamente de trabalho a favor da comunidade.
3. Em 27-05-2014 foi proferido o despacho constante de fls. 85, do seguinte teor:
«Atenta a natureza e circunstâncias da infração e designadamente à moldura penal, aos antecedentes criminais da arguida e a posição dos mesmos quanto aos factos, julgo encontrarem-se reunidos os pressupostos para aplicação da suspensão provisória do processo, nos termos do artº 307º, nº 2 do CPP, pois a culpa não se mostra elevada e inexistem circunstâncias que possam determinar uma medida de segurança, julgando-se suficientes às exigências de prevenção as seguintes regras:
- suspensão do processo pelo período de 9 meses;
- contribuição com um donativo à APAV no valor de 250€, a comprovar nos autos com a junção do respetivo recibo;
Consequentemente vão os autos ao tendo MP e notifique-se a arguida para manifestar, pessoalmente, ou não a sua concordância.»
4. A arguida foi notificada do aludido despacho por contacto pessoal no dia 12-06-2014.
5.Em 04-12-2014 foi proferido o despacho do seguinte teor:
«Atento o teor da decisão já proferida por despacho de fls. 85, devidamente transitado em julgado e no âmbito do qual foi já determinada a suspensão provisória do processo e não tendo havido oposição, quer por parte do Ministério Público (fls. 87), quer por parte da arguida (fls. 85), ficarão os presentes autos suspensos por 9 meses, devendo a arguida cumprir a injunção a que ficou obrigada, nos termos ali definidos, com oportuna junção do comprovativo nos autos.
Notifique.»
6. Este despacho foi notificado à arguida e à sua defensora, por via postal, sendo a carta para notificação da primeira depositada no recetáculo no dia 10-12-2014 e a carta para a segunda expedida por oficio de 05-12-2014.
7. No dia 19-12-2014 a arguida apresentou requerimento no qual alegou que, tendo requerido a abertura da instrução, por intermédio da sua defensora, em 01-04-2014, desde essa data até à notificação do despacho de 04-12-2014 jamais a defensora foi notificada de qualquer promoção do Ministério Público ou despacho judicial, por isso, foi com surpresa que recebeu a decisão, na qual se alude a decisão anterior já transitada em julgado, no âmbito do qual foi já determinada a suspensão provisória do processo, com a menção de não ter havido oposição por parte do Ministério Público ou por parte da arguida.
Mais alegou que a defensora da arguida deveria, forçosamente, ter sido notificada do despacho de fls. 85, pois o mesmo equivaleu à prolação de sentença, onde foram determinadas injunções de garantia patrimonial, atento o disposto no artigo 113.º, n.º 10, do Código Processo Penal. E, além disso, a arguida jamais manifestou a sua concordância, não sendo lícito extrair do seu silêncio tal concordância, mas a admitir-se que possa retirar-se alguma conclusão sempre seria de sentido oposto, até porque a arguida alegara no RAI a sua miserável situação patrimonial, propondo que a injunção fosse de trabalho a favor da comunidade.
Conclui pedindo a declaração de nulidade do despacho de fls. 85 e todos os atos subsequentes, nos termos do disposto nos artigos 113.º, n.º 10, 119.º, alínea c) e 122.º do Código Processo Penal, substituindo por outro, devidamente notificado à arguida e sua defensora, para que possam pronunciar-se acerca das injunções.
8. Em 13-01-2014 foi proferido o despacho recorrido.
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C. Apreciação do recurso:
De acordo com a jurisprudência uniforme, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
No caso concreto, a única questão colocada consiste em determinar se a falta de notificação à defensora do despacho de fls. 85 integra nulidade processual insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código Processo Penal.
Decorre dos elementos supra enunciados que existe confusão quanto ao despacho que determinou a suspensão provisória do processo, o que importa preliminarmente definir.
Vejamos.
Como estabelece o artigo 281.º, n.º 1, alínea a), do Código Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 307.º, n.º 3 do mesmo código, constitui, além de outros, requisito da suspensão provisória do processo decretada pelo JIC, na fase da instrução, a concordância do arguido, sendo igualmente exigível a concordância do Ministério Público, como expressamente está previsto no último preceito referido.
No presente caso, o Mmo JIC entendeu estarem reunidos os demais pressupostos da suspensão provisória do processo, o que exarou no despacho de 27-05-2014, a fls. 85 dos autos, tendo também indicado o período e injunção considerados adequados, por isso, com vista à obtenção da necessária concordância dos sujeitos processuais, determinou a apresentação dos autos ao Ministério Público e a notificação da arguida, para se pronunciarem sobre a imposição da suspensão nas condições delineadas no mesmo despacho.
Posteriormente, foi proferido o despacho de 04-12-2014 que considerou a existência de concordância por parte do Ministério Público e da arguida e, no seguimento do anterior despacho, ordenou a suspensão provisória do processo.
A tramitação processual descrita patenteia que apenas o último despacho é equiparável à decisão instrutória, nos termos previstos no artigo 307.º, n.º 2, do Código Processo Penal.
Evidentemente que esta decisão remete para a anterior, por aí se terem julgado presentes os requisitos da suspensão, com ressalva da necessária concordância do Ministério Público e da arguida, e se terem definido as condições em que deveria operar, mas isso não significa que logo na decisão inicial tenha sido determinada a suspensão do processo, porque, aliás, era prematuro, dada a referida exigência legal de aceitação e não terem sido auscultados os sujeitos processuais em causa.
Acresce que se o despacho de despacho de 04-12-2014 pode ser considerado complementado pela anterior decisão, o inverso não é correto, ou seja, não pode admitir-se que o despacho inicial é o determinante da suspensão, uma vez obtida a necessária concordância, e que a suspensão retroaja à data do mesmo.
Portanto, esse primeiro despacho não impõe qualquer injunção à arguida, nem dita o desfecho da instrução, embora a decisão de 04-12-2014 o possa inculcar ao referir que no âmbito do despacho de fls. 85 «foi já determinada a suspensão provisória do processo», certo é antes que esse despacho somente julgou adequada essa medida e reunidos os respetivos requisitos legais.
Outrossim não pode ser considerado equiparado à decisão instrutória o aludido despacho de fls. 85, para efeitos do disposto no artigo 113.º, n.º 10, do Código Processo Penal.
Esclarecido este dissentimento que emerge da motivação do recurso e inclusive do despacho de 04-12-2014, importa assentar noutro ponto que é o facto de o recorrente não impugnar diretamente este último despacho no requerimento de 19-12-2014 e no presente recurso, ou melhor, o recorrente jamais se refere à existência de nulidade na efetivação da notificação dessa decisão[1], mas antes e apenas se reporta à notificação do despacho de 27-05-2014, constante de fls. 85.
Note-se, ainda, que embora a recorrente se refira à nulidade do despacho de fls. 85 não aponta propriamente à mesma decisão qualquer causa de nulidade, mas ao invés acusa a existência de uma falha na respetiva notificação, que classifica de nulidade.
Por conseguinte, a questão colocada neste recurso cinge-se à determinação do modo exigível para notificação do despacho que submete à concordância do Ministério Público e da arguida a possibilidade de vir a suspender provisoriamente o processo mediante uma concreta injunção nele indicada.
Ora, os preceitos legais que a situação em análise convoca levam à conclusão de que a pretensão da recorrente não encontra apoio legal.
Na realidade, o artigo 113.º do Código Processo Penal regula, no respetivo n.º 10, as notificações ao arguido, estabelecendo as circunstâncias em que devem ser realizadas em simultâneo ao arguido e ao defensor e indicando quanto às demais situações que o arguido pode ser notificado através do defensor.
Da conjugação dessa norma com as disposições dos artigos 61.º, n.º 1, alínea f), 62.º, 63.º, n.º 1, 64.º do Código Processo Penal, resulta que as notificações ao arguido devem ser concretizadas, por via de regra, através do defensor que o representa e a quem compete exercer os direitos que lhe assistem, ou seja, a partir do momento em que o arguido tem defensor nomeado ou constituído nos autos, todas as notificações dirigidas ao arguido são realizadas através do defensor. Contudo, nos casos expressamente ressalvados das decisões previstas na segunda parte do n.º 10, do artigo 113.º do Código Processo Penal, além do defensor também o arguido visado pela decisão deve ser notificado[2].
Sucede, porém, que, nas hipóteses não abrangidas no último preceito citado, a notificação pessoal ao arguido, não acompanhada da notificação ao defensor, é igualmente válida e admissível, desde que não envolva qualquer situação em que seja exigível ou obrigatória assistência de defensor.
Na realidade, o texto legal não exclui a possibilidade de o arguido ser notificado pessoalmente e desacompanhado de defensor quando não estejam em causa as situações da segunda parte do n.º 10, do artigo 113.º do Código Processo Penal, ou aquelas que integram a previsão do n.º1 do artigo 64.º do mesmo código.
Não existe cominação legal para a hipótese em que seja omitida a notificação do defensor do arguido e somente este seja notificado pessoalmente em qualquer uma das supra indicadas situações, apesar de se encontrar representado no processo pelo defensor.
Daí que apenas se possa considerar verificada irregularidade processual, sujeita ao regime previsto no artigo 123.º do Código Processo Penal.
No caso sub judice o despacho em causa, como já se assentou, não cabe na previsão da segunda parte do n.º10, do artigo 113.º, do Código Processo Penal. Por outro lado, a manifestação de concordância por parte do arguido, nos termos do artigo 281.º, n.º 1 alínea a), ex vi artigo 307.º, n.º 2 do Código Processo Penal, não exige a assistência obrigatória do defensor, nos termos do artigo 64.º n.º 1 do Código Processo Penal, interpretação que não viola o n.º 3 do artigo 32.º da Constituição, como já se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º67/2006[3], onde se declarou «Efetivamente, o que aqui pode estar em causa, o objetivo específico da assistência de defensor para o ato de concordância, é assegurar que a aceitação, pelo arguido, da suspensão do processo e das injunções ou regras de conduta, traduza um consentimento informado, isto é, que seja o produto de uma vontade esclarecida quanto à ponderação das vantagens e desvantagens ligadas às alternativas em presença. Alternativas e consequências que, na generalidade dos casos, são facilmente inteligíveis e representáveis, sem necessidade de aconselhamento técnico-jurídico, por um arguido dotado de normal capacidade intelectual e volitiva e experiência da vida.
Assim, o legislador não faz um uso materialmente inadequado da margem de conformação que lhe é outorgada no n.º 3 do artigo 32.º da Constituição ao não incluir o ato de concordância pelo arguido com a suspensão provisória do processo no elenco daqueles em que taxativamente e sem exceção tem de ser assegurada a presença de defensor (n.º 1 do artigo 64.º do Código de Processo Penal). Basta, para que o comando constitucional se considere cumprido, relativamente às situações cabíveis no tipo de ato em causa no artigo 281.º, o disposto na cláusula geral do n.º 2 do artigo 64.º do Código de Processo Penal que prescreve, além dos casos previstos no número anterior, o poder-dever de o tribunal nomear defensor ao arguido, oficiosamente ou a pedido deste, sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido por defensor». (negrito nosso)
Em face do exposto, impõe-se concluir que não foi cometida a nulidade processual insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código Processo Penal. Acresce que a existir mera irregularidade processual a mesma se encontrava sanada na data em que deu entrada o requerimento apresentado pelo arguido, atento o disposto no artigo 123.º, n.º 1, do Código Processo Penal.
O recorrente debate ainda no recurso a questão da valoração do silêncio da arguida para efeito de ser considerada a existência de concordância quanto à suspensão provisória do processo mediante a injunção indicada no despacho de fls. 85, sucede, porém, que essa matéria extravasa o objeto de apreciação do despacho recorrido.
Mais uma vez se nota que a recorrente não reagiu ao despacho de 04-12-2014, posto que não o impugnou no requerimento de 19-12-2014 e no presente recurso, que incidiu sobre o despacho de 13-01-2014, o qual apreciou aquele requerimento. Ademais, manifestamente a valoração do silêncio da arguida só podia ter sido efetuado, e só o foi, no aludido despacho de 04-12-2014.
Por conseguinte, a este tribunal ad quem jamais competiria conhecer de matéria não abrangida na decisão recorrida e ponderada em decisão autónoma, sobre a qual não incide o presente recurso.
Nestes termos, improcede o recurso.
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III – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B…, e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça.
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Porto, 17-06-2015
Maria dos Prazeres Silva
Coelho Vieira
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[1] A qual, aliás, foi concretizada na pessoa da arguida e da sua defensora.
[2] Vd. Comentário pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Henriques Gaspar ao artigo 113.º, no Código Processo Penal Comentado, e acórdãos do STJ de 12-04-2007, proc. 4680/06, e de 25-09-2008, proc. 2300/08, citados no mesmo Código, pág. 368, 372-374.
[3] Citado pelo Ministério Público no parecer, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.