DIREITO DE REMIÇÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário

I - Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para exercerem, querendo, este direito.
II - Não é aplicável ao direito de remição, por analogia, a norma que prevê a notificação dos preferentes (art. 818.º do CPC).
III - O titular do direito de remição pode, apesar disso, invocar justo impedimento ao exercício do direito no prazo legal.
IV - A alegação de que desconhecia a realização do acto não é bastante para preencher a figura do justo impedimento, podendo sê-lo a alegação de que apesar do interesse e da diligência do titular do direito no acompanhamento do processo, a informação da realização do acto lhe foi escondida ou negada pelo devedor ou pelo encarregado da venda.

Texto Integral

Recurso de Apelação
Processo n.º 4666/11.8TBMAI-AA.P1 [Comarca Porto/Inst. Central/Santo Tirso/Sec. Comércio]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
No processo de insolvência de B…, uma vez transitada em julgado a sentença que declarou a insolvência e aprovada pelos credores a passagem à fase da liquidação do activo, vieram C… e D…, após a realização das diligência de liquidação, requerer o seguinte:
“1. Os requerentes são filhos da insolvente (conforme certidões de nascimento que protestam juntar).
2. Como resulta dos autos, é conhecido por todos os sujeitos processuais que a insolvente tem dois filhos, os ora requerentes.
3. Os requerentes não foram notificados pelo douto Tribunal ou pelo Exmo. Senhor Administrador de insolvência nomeado, que o imóvel vendido, ia ser objecto de venda.
4. Imóvel esse que constitui a casa de morada de família onde residem com os pais e os avós maternos, pessoas estas de idade avançada e com graves problemas de saúde.
5. Tão pouco o foram para, querendo, exercerem o direito de remição.
6. Estabelece o artigo 913º n.º 1, alínea b), do CPC, que, fora das situações previstas para a venda por propostas em carta fechada, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
7. Por força da sua relação de parentesco, ao abrigo do artigo 912º do CPC, ex vi artigo 17º do CIRE, é ainda reconhecido aos requerentes o direito de remição sobre os bens adjudicados ou vendidos da insolvente.
8. Caso tal negócio seja anulado, terá de ser assinado o respectivo título de transmissão e, nessa eventualidade, as requerentes estão em tempo para exercer o direito de remição.
9. Pelo que, vêm os requerentes exercer o seu direito de remição requerendo-se para efectivação do seu direito quanto a tal bem, as necessárias notificações para efectivação do seu direito.
Nestes termos nos melhores de direito e ao abrigo do artigo 912º do Código de Processo Civil, requer a anulação da venda e a remição do bem vendido nos presentes autos.” (sublinhados nossos).
Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:
“(…) No que se refere ao requerimento de C… e D…, arrogando-se a qualidade de filhos da insolvente (qualidade que, em rigor, não demonstram, apesar de o terem protestado fazer), o mais que há a dizer é que não são partes intervenientes no processo, pelo que nenhuma notificação/comunicação lhes deveria ter sido efectuada.
É certo que, sendo descendentes da insolvente, lhes assistiria o direito de remir o bem vendido/ adjudicado, nos termos dos arts. 842 e ss. do Código de Processo Civil. Porém, tal direito deveria ter sido exercido até ao momento da assinatura (escritura pública) do título que documenta a transmissão do bem (art. 843 nº 1 al. b) do Código de Processo Civil). Não o tendo feito até esse momento, deixa tal direito de poder ser exercido.
Também a este respeito não se mostra cometida qualquer nulidade, pois que tendo os descendentes direito de remissão não têm que ser notificados para, querendo, exercerem tal direito. Com efeito, como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Dezembro de 2010, disponível em www.dgsi.pt, ainda que em relação ao anterior Código de Processo Civil mas que, nessa matéria, se mantém com o Novo Código de Processo Civil, “o direito de remição é o direito que a lei confere a certas pessoas da família do executado (cônjuge, descendentes e ascendentes) de haverem para si, na acção executiva, os bens adjudicados ou vendidos pelo preço da adjudicação ou da venda – cf. art. 912 do Cód. do Proc. Civil. Pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, conforme decorre do disposto no art. 913, nº 1, al. b) do Cód. do Proc. Civil. Assim, tal significa que, tendo-se efectuado a escritura pública de cessão de quinhões hereditários em 9.12.2008, o pedido de remição que se contém no requerimento apresentado em 28.5.2009 é manifestamente intempestivo. Por outro lado, deverá assinalar-se, tal como se fez no despacho recorrido, que do art. 912 do Cód. do Proc. Civil não resulta que as pessoas que sejam titulares do direito de remição devam ser notificadas para o exercer.”
Pelo exposto, … julgo improcedentes as arguições de irregularidades/nulidades suscitadas …por C… e D....”
Do assim decidido, os mencionados requerentes interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
a) Os requerentes são filhos da insolvente, como resulta dos autos.
b) Dos mesmos autos, decorre também que esse facto é conhecido por todos os sujeitos processuais.
c) Os requerentes não foram notificados pelo douto Tribunal ou pelo Exmo. Senhor Administrador de insolvência nomeado, que o imóvel apreendido, ia ser objecto de venda.
d) Imóvel esse que constitui a casa de morada de família onde residem com os pais e os avós maternos, pessoas estas de idade avançada e com graves problemas de saúde.
e) Tão pouco o foram para, querendo, exercerem o direito de remição.
f) Estabelece o artigo 913º n.º 1, alínea b), do CPC, que, fora das situações previstas para a venda por propostas em carta fechada, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
g) Por força da sua relação de parentesco, ao abrigo do artigo 912º do CPC, ex vi artigo 17º do CIRE, é ainda reconhecido aos requerentes o direito de remição sobre os bens adjudicados ou vendidos da insolvente.
h) Caso tal negócio seja anulado, terá de ser assinado o respectivo título de transmissão e, nessa eventualidade, os requerentes estão em tempo para exercer o direito de remição.
i) Pelo que, os requerentes quando tomaram conhecimento da venda, exerceram o seu direito de remição requerendo que para efectivação do seu direito teriam que ser notificados para o fazer e não foram.
j) A razão da dúvida reside no facto se aquele direito se reconhecer no processo de execução – singular – mas não, ao menos expressamente, na venda em processo de falência ou de insolvência. Como a remição é, nitidamente, um privilégio de carácter excepcional, parece só dever ser admitido nos casos em que a lei claramente o estabelece.
k) Mas a boa doutrina é a de que o direito de remição pode ser exercido em processo de insolvência.
l) E para esta conclusão podem ser dadas múltiplas e probantes razões.
m) O direito de remição pressupõe, sempre, uma venda coactiva ou forçada de bens do devedor, com a finalidade de com o produto da sua venda se dar satisfação aos credores.
n) Mas a estes é de todo indiferente a origem do dinheiro com que vão ser pagos os seus créditos: quer o dinheiro provenha dos compradores ou antes do cônjuges, descendentes ou ascendentes do devedor, para os credores é a mesma coisa.
o) Com a actuação do direito de remição, os credores não sofrem qualquer prejuízo, pois que pouco lhes importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor ou uma pessoa estranha: a única coisa que verdadeiramente lhes interessa é o preço por que os vens são vendidos e é esse preço que os remidores hão-de pagar.
p) Neste contexto, dada a razão que anima o direito de remição, este deve ser admitido quando a venda de bens tenha o carácter coactivo de que se reveste no processo de execução – e outra não é, decerto, a feição da venda em processo de falência ou de insolvência: é uma venda executiva, forçada, consequente à apreensão dos bens do devedor para a massa.
q) O processo de insolvência mais não é que uma execução colectiva ou universal (art.º 1 nº 1 do CIRE).
r) Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e excutidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda (artºs 735 nº 3 e 813 nº 1 do nCPC). Esta execução distingue-se do processo de insolvência que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1 nº 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do CIRE).
s) Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, todos os credores, podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (art.º 3 nº 1 do CIRE).
t) Na execução singular, um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (art.º 10 nºs 4 e 4 do nCPC).
u) No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.
v) O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores.
w) Mas para que possa iniciar-se a liquidação total do património do devedor é absolutamente indispensável que o tribunal emita uma sentença que o declare em estado de insolvência.
x) Quer dizer: a sentença é o único título executivo susceptível de servir de base à execução universal e colectiva em que a insolvência se resolve.
y) Todavia, proferida essa sentença, o sacrifício de todos os bens do insolvente que se segue, mais não é que a sua execução.
z) Ora, não seria lógico que podendo os familiares apontados do devedor exercer o direito de remição na execução singular não possam exercer o mesmo direito na execução universal, que é a falência ou a insolvência.
aa) De resto, sendo os bens vendidos, na insolvência, por uma das modalidades de venda executiva admitidas na execução singular, não há razão séria, para nesse caso, não se admitir o exercício, no contexto do processo de insolvência, do direito de remição, dado que tudo se passa como se venda fosse feita em processo de execução, venda que é a condição e o requisito essencial de que depende o direito de remição (art.º 164 nº 1 do CIRE).
bb) Em absoluto remate: é admissível o exercício, na venda coactiva realizada no contexto da liquidação no processo de insolvência, do direito de remição.
cc) O remidor é sujeito passivo da obrigação de IMT.
dd) Todavia, a liquidação e o pagamento desta obrigação tributária não é condição de exercício do direito de remir – mas da transmissão e da outorga do título que documente a venda, sendo de resto razoável que o remidor só cumpra uma tal obrigação depois de o direito de remição lhe ser reconhecido (artºs 4, 19 nº 1 e 49 nº 1 do CIMT).
ee) Este viaticum habilita, com suficiência, à declaração do direito do caso.
ff) É admissível o exercício no processo de insolvência do direito de remição – que prevalece sobre a preferência real do comproprietário - e a pessoa que se apresentou a remir tem a qualidade jurídico-familiar – que logo documentou - exigida pelo direito de remição (art.º 842 do nCPC).
gg) Os remidores apresentaram-se em tempo a exercer aquele direito e procedeu, logo no momento dessa apresentação, ao pagamento do preço proposto, tendo emitido o cheque correspondente a favor da massa insolvente, destinatária última desse preço e cuja administração compete ao Sr. Administrador (art.º 843 nº 1 b) e 2 do nCPC e 55 nº 1 do CIRE).
hh) A decisão impugnada, deveria, salvo o devido respeito por diverso entendimento reconhecer à remidora o direito de exercer a remição é, assim, correcta. Outra coisa não resta, pois, que julgar o recurso improcedente.
ii) A finalidade conspícua do direito de remição - que prevalece sobre o direito de preferência - é a protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens objecto de execução do âmbito da família do executado.
jj) O exercício do direito de remição causa prejuízos ao proponentes se a remição for exercida depois do acto de abertura e aceitação das propostas e do depósito, pelo proponente, da totalidade do preço da venda, pelo que, para reparar esses prejuízos, pelo que o remidor, quando actue, naquele condicionalismo, o direito de remição, deve depositar, além da totalidade do valor do preço, o acréscimo de 5% para indemnização do proponente.
kk) Se tiver sido exercido um direito de preferência e a totalidade do preço da venda depositado, não pelo proponente mas pelo preferente, como o dano decorrente do exercício da remição se produz na esfera jurídica do preferente, a norma relativa à indemnização devida pelo remidor deve ser objecto de interpretação extensiva, de modo a que, também ao preferente preterido, se reconheça o direito à reparação do dano que a remição dos bens, nas condições apontadas, lhe causou;
ll) O direito de remição deve ser admitido quando a venda de bens tenha o carácter coactivo de que se reveste no processo de execução, e, portanto, também no processo de insolvência.
Nestes termos …deverá ser concedido provimento ao recurso interposto e revogado o douto despacho proferido, e ser substituída por outro que anule a adjudicação havida concedendo aos recorrentes o exercício do direito de remição.
Não consta que tenha sido apresentada resposta a estas alegações de recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
Devidamente interpretadas e compaginadas com os dados do processo, as conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva se os titulares do direito de remição deverão ser notificados de que se vai proceder à venda dos bens ou para exercer esse direito antes de se esgotar o momento até ao qual o podem exercer.

III.
Os factos que interessam à decisão a proferir são os seguintes:
A. No dia 24 de Julho de 2014, o Administrador de Insolvência outorgou escritura pública de venda ao credor hipotecário da insolvente E…, S.A. pelo preço de €138.191,62 do imóvel apreendido para a massa insolvente composto por prédio urbano destinado à habitação com edifício de rés-do-chão e andar para habitação, garagem, arrumos e terreno a logradouro, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 647 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 252 (…).
B. Em 16 de Agosto de 2014, os ora recorrentes apresentaram em juízo o requerimento que deu origem à decisão recorrida e que aqui se dá por reproduzido.
C. Na mesma data, a insolvente apresentou também um requerimento arguindo o cometimento de nulidades no procedimento de liquidação do activo desencadeado pelo Administrador de Insolvência e requerendo que se declare “a nulidade da venda, anulando-se todo o processado anterior ao despacho que a decretou”.
D. No último § do seu requerimento requereu ainda “a notificação dos filhos e ascendentes da insolvente para, no prazo que doutamente lhes venha a ser concedido, exercerem, querendo, o direito de remição”.
E. Esse requerimento foi objecto de decisão, em conjunto com a decisão ora recorrida, tendo sido indeferida a arguição de nulidades com o fundamento de não ter sido cometida “qualquer nulidade ou mera irregularidade no processo de venda em causa”.

IV.
No percurso decisório do recurso que nos vem submetido, convém começar por sublinhar que a esmagadora maioria das conclusões das alegações de recurso nada tem a ver com a situação dos autos, mais parecendo uma compilação de afirmações retiradas dos vários Acórdãos dos Tribunais superiores publicadas na base de dados do ITIJ e cujo objecto eram questões ligadas com o exercício do direito de remição na venda coerciva.
É assim quanto às conclusões das alíneas j) a ff) e ii) a ll), nas quais os recorrentes se ocupam a abordar a questão de saber se o direito de remição previsto para a venda coerciva em processo executivo pode ser exercido na venda coerciva realizada em processo de insolvência, questão que não foi tratada na decisão recorrida e que se traduzia num eventual obstáculo ao exercício do direito de remição que não foi referido na decisão recorrida como fundamento do indeferimento do requerimento dos recorrentes, pelo que nunca poderia ser abordado neste Acórdão, excepto se esta Relação entendesse que deveria dar resposta negativa à referida questão e que poderia conhecer oficiosamente da mesma, caso em que notificaria os recorrentes para se pronunciarem sobre a mesma, facultando-lhes então e apenas nessa circunstância a possibilidade de alegaram sobre tal questão.
O referido na alínea gg) das conclusões também não parece ter qualquer ligação com a situação concreta deste processo. No seu requerimento os requerentes alegaram que “caso tal negócio (leia-se, a venda do imóvel) seja anulado, terá de ser assinado o respectivo título de transmissão e, nessa eventualidade, as requerentes estão em tempo para exercer o direito de remição” e requereram que se anulasse a venda e se fizesse a notificação dos mesmos para exercerem então o direito de remição. Daí que não se perceba que agora nas alegações de recurso refiram que se “apresentaram em tempo a exercer aquele direito e procedeu, logo no momento dessa apresentação, ao pagamento do preço proposto…)”, situação que os autos não revelam de forma alguma já que com o requerimento apenas foi junta procuração forense e protestado “juntar certidão de nascimento dos requerentes”, promessa, aliás, nunca concretizada.
Finalmente, a alínea hh) é inusitada já que face à manifestação de discordância da decisão, em que se traduz a interposição de recurso, não se compreende que o recorrente venha afirmar que “a decisão impugnada … é, assim, correcta” e que “outra coisa não resta, pois, que julgar o recurso improcedente”.
Feitas estas precisões, parece que devemos concluir que a única questão que os recorrentes suscitam consiste em saber se os mesmos deviam ter sido notificados para exercer o direito de remição e, não o tendo sido até ao momento, devem agora ser notificados para esse efeito.
O requerimento dos ora recorrentes começava por ser contraditório. O direito de remir é o direito a substituir-se ao comprador dos bens, pelo preço pelo qual este os adquiriu. Por essa razão, o exercício do direito de remição pressupõe que se tenha realizado a venda dos bens do devedor e que esta seja válida e eficaz. Se a venda for anulada não se dá a transmissão dos bens na qual o familiar do devedor possa remir. Naturalmente, a anulação da venda não obsta a que posteriormente se faça nova venda agora de forma válida e eficaz, mas nesse caso será esta nova venda a gerar o direito do familiar do devedor a remir, será em relação a ela que esse direito poderá então ex novo ser exercido. Logo é contraditório pedir em simultâneo, como fizeram os requerentes, que se anule a venda e que se lhes permita exercer o direito de remição (em quê, se a venda for anulada?). Este era o primeiro motivo em função do qual o requerimento podia e devia ser rejeitado.
O segundo motivo advinha da circunstância de os requerentes não terem sequer comprovado documentalmente que são filhos dos devedores, sendo que essa relação familiar constitui requisito insuprível da constituição do direito de remição. Na verdade, no seu requerimento os requerentes protestaram apresentar certidão dos respectivos assentos de nascimento, mas nunca juntaram tais documentos, os quais nem agora no recurso se mostram juntos, sabendo os recorrentes (até porque isso era referido na decisão recorrida) que tais documentos eram necessários para comprovar a relação familiar invocada uma vez que se trata de um facto sujeito a registo civil obrigatório. Não basta, obviamente, aos recorrentes afirmarem, como fizeram no requerimento e agora repetem sem mais nas alegações, persistindo na não junção dos documentos que sanariam o obstáculo, que é “conhecido por todos os sujeitos processuais” que eles são “filhos da insolvente”. Os factos relativos ao estado pessoal das pessoas são factos relativos a direitos indisponíveis e que se encontram sujeitos a registo obrigatório, pelo que só podem ser provados através da competente certidão do registo civil. Haveria pois que indeferir o requerimento (eventualmente, observando primeiro a exigência do artigo 845.º, n.º 3, do novo Código de Processo Civil) por não estar demonstrado o facto que permitiria reconhecer aos requerentes a titularidade do direito que pretendiam exercer ou para cuja defesa formularam o requerimento.
Finalmente, embora contraditoriamente como já referido, os requerentes formularam o pedido de anulação da venda para lhes permitir exercer o direito de remição, colocando, portanto, esta pretensão na dependência daquela (cf. ponto 8 do requerimento: “caso tal negócio seja anulado, terá de ser assinado o respectivo título de transmissão e, nessa eventualidade, as requerentes estão em tempo para exercer o direito de remição). Ora é manifesto que para além de não terem afinal interesse na anulação da venda, os requerentes não têm mesmo legitimidade para a requerer uma vez que não são partes no processo onde foram realizadas as diligências de venda dos bens, não são nem credores nem devedores, tão pouco compradores dos bens ou terceiros juridicamente afectados pelas consequências da venda. Por conseguinte, posto o direito de remição na dependência de uma pretensão que careciam de legitimidade para deduzir, impunha-se o indeferimento do requerimento com tal fundamento.
Bastavam estas razões para sem mais julgar o recurso improcedente. Mas, apesar disso, vejamos se os titulares do direito de remição (no pressuposto indemonstrado que os requerentes o são) devem ser notificados para exercer o direito de remição e, não o tendo sido, lhes deverá ser permitido exercer esse direito para além do momento fixado na lei, que era no fundo aquilo que os recorrentes deveriam pretender, com o fundamento de que a falta de notificação os impediu de exercer o direito no momento aprazado legalmente, já que reconhecem não se terem apresentado a exercer o direito no momento fixado na lei.
Os recorrentes reclamam da falta de duas notificações: a notificação de que o bem ia ser objecto de venda e a notificação para exercerem o direito de remição.
Quanto à primeira, é óbvio que a mesma não tinha de ser feita aos ora requerentes. Como já foi referido estes não são nem credores, nem devedores pelo que não têm a posição de partes principais no processo de insolvência onde a venda vai ser feita. Acresce que de acordo com os artigos 156.º e 158.º do CIRE o início das diligências para liquidação dos bens da massa falida só depende da realização da assembleia de apreciação do relatório e da inexistência de deliberações dos credores que obstem a essa liquidação. Uma vez que para a assembleia são convocados o insolvente e os credores, os mesmos não carecem de ser depois notificados pelo administrador de insolvência de que em conformidade com o decidido na assembleia vai proceder à liquidação dos bens.
Quanto à notificação para exercerem o direito de remição, a verdade é que a mesma não se encontra prevista na lei. Encontra-se prevista a notificação dos preferentes (artigo 800.º, n.º 2, e 819.º do novo Código de Processo Civil), mas não se encontra prevista a notificação dos familiares a que possa assistir o direito de remição.
Não se trata de uma solução legal recente. Já Alberto dos Reis in Processo de execução, vol. 2.º, reimpressão, pág. 483 afirmava que “ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer; têm, por isso, de estar alerta, a fim de se apresentarem no momento próprio ou dentro do prazo legal”. Também Anselmo de Castro in A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., 1977, pág. 226, assinalava que “o remidor não é notificado para o exercício do seu direito”. Segundo esclarecia Eurico Lopes-Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., págs. 613 e 614, (referência histórica que igualmente se encontra em Alberto dos Reis, loc. cit.) só no tempo das Ordenações, quando o direito de remição era atribuído ao próprio executado e à mulher, estes eram citados para exercer esse direito, tendo essa citação sido eliminada com o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832, não voltando a constar dos textos legais.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.01.2009 (Jorge Arcanjo), processo n.º 877/2002.C1, in www.dgsi.pt, a propósito da questão de saber se o titular do direito de remição deve ser previamente notificado para exercer o respectivo direito, afirma-se o seguinte: “Alguma jurisprudência parece pressupor a obrigatoriedade da notificação, com o argumento de que, apesar de não expressamente prevista (ao contrário da preferência) ela é exigida pela finalidade do instituto, visto ser indispensável que o remidor tenha conhecimento do acerto do preço da venda, dos encargos a suportar (cf. Ac. RC de 7/11/2006, Ac RG de 5/6/2008, em www.dgsi.pt). Diz-se no Ac. RL de 29/1/2008 (disponível em www.dgsi.pt) -“ Embora a lei não contemple a notificação para o exercício do direito de remição, o regime legal aponta, indubitavelmente, no sentido de possibilitar que os familiares mais próximos do executado – cônjuge, ascendentes ou descendentes – adquiram o bem a vender em execução, pelo preço já determinado; daí que toda a intervenção judicial neste âmbito se deva pautar pela necessidade de coadjuvar a eficácia do instituto, isto é, em termos de promover que o património do executado seja o menos prejudicados possível, sem contudo, colocar em causa a satisfação do interesse do exequente”. Deve acolher-se, por ser mais consistente, a tese da não obrigatoriedade da notificação, porque o legislador considerou ser suficiente o conhecimento dado pela publicidade que rodear a venda ou da informação prestada pelo executado, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda (art. 886 A nº 4 do CPC), e, por outro lado, o titular do direito de remição não é parte no processo (cf. Amâncio Ferreira, loc. cit., pág.368, Anselmo de Castro, Acção Executiva, pág. 226, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pág. 624). O legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares directos do executado e dada a finalidade do instituto (protecção da família), parte do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda, e ser suficiente esse meio de conhecimento (cf., por ex. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, pág. 150). Na verdade, destinando-se a remição a preservar o património do executado no seio da família, e uma vez que é também do próprio interesse do executado, recai sobre ele o ónus de informar os familiares directos e sobre estes o ónus de acompanhar a situação dos bens. É também para isso que a lei impõe a notificação ao executado da modalidade da venda e do preço (art. 886-A nº 4 do CPC). Neste contexto, é legítimo afirmar-se que, ao limitar temporariamente o exercício do direito de remição até ao momento da assinatura do título, a lei está a pressupor que o seu titular teve conhecimento prévio do ajuste, não através da directa notificação feita pelo tribunal ou obrigatória comunicação do encarregado da venda, mas pelo executado. Uma vez informado ou avisado pelo executado, recai sobre o remidor o ónus de comunicar ao encarregado da venda (na venda por negociação particular) que pretende exercer o direito de remição, devendo este informar o remidor da melhor oferta, da data e local para a celebração da escritura pública. Recai sobre o remidor o ónus de comunicar que pretende exercer o direito de remição no lapso de tempo que medeia entre o momento em que o executado seu familiar é informado da modalidade da venda (cf., por ex., Ac RL de 13/3/2008, em www.dgsi.pt). Mais exigente é a interpretação de Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, pág.609) para quem “o remidor tem o ónus de acompanhar a situação dos bens, de modo a poder efectivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação”.”
Pode, no entanto, suscitar-se a questão de saber até que ponto se poderiam aplicar por analogia as normas que regem sobre o exercício do direito de preferência ao exercício do direito de remição. Na verdade, refere Lopes-Cardoso, loc. cit., pág. 615, que “o direito de remição tem grandes semelhanças com a preferência, havendo mesmo quem o considere simples modalidade deste”. Parece ser o caso de Lebre de Freitas, in A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 385, para quem “a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha reta do executado um «especial» direito de preferência, denominado «direito de remição». (…) Direito de preferência pela sua natureza, o direito de remição é, no entanto, um «direito de preferência qualificado».” Em nota, este autor, cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.11.2010, proferido no recurso de revista 617/09, onde se afirma que “não se trata de um direito de preferência, mas dum benefício que caráter familiar, sendo diversa a sua natureza, base em que assenta o fim por ele visado”, objectando a esse entendimento que “sem dúvida que a sua finalidade entronca no direito de família, mas tal não bule com a estrutura e a natureza do direito, que é idêntica à dos restantes direitos de preferência (cujas finalidades, aliás, são em entre si muito divergentes)”.
Era o seguinte o entendimento de Alberto dos Reis, loc. cit., págs. 477 e 478: “O direito de remição é nitidamente um benefício de carácter familiar. Dá-se ao cônjuge do executado e aos descendentes e ascendentes deste o direito de adquirir para si os bens adjudicados ou vendidos, pelo preço da adjudicação ou da venda. Na sua actuação prática o direito de remição funciona como um direito de preferência: tanto por tanto os titulares desse direito são preferidos aos compradores ou adjudicatários. A família prefere aos estranhos. Porque admitiu a lei esta preferência a favor da família? A razão é clara. Quis-se proteger o património familiar; quis-se evitar que os bens saíssem para fora da família. Quando se afirma que o direito de remição se comporta como um direito de preferência, não se quer significar que o direito de remição se confunda com o direito de preferência (…); direito de remição e direito de referência são noções e conceitos nitidamente diferenciados. O artigo 914.º vinca a distinção, declarando que o direito de remição prevalece sobre o direito de preferência. O efeito prático do exercício do direito de remição é igual ao do exercício do direito de preferência; mas os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam. Diversidade de fundamento: ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial, direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar. No direito de preferência a razão da titularidade é o condomínio (Cód. Civil, art. …), ou o desdobramento da propriedade (Cód. Civil, art. …); no direito de remição a razão da titularidade é o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente). Diversidade de fim: enquanto o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou e favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita, o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas”.
Concordamos com Alberto dos Reis quanto à necessidade de distinguir o direito de remição do direito de preferência e de não confundir os efeitos práticos de ambos com a estrutura e natureza de um e de outro. O direito de preferência é com efeito um direito real de aquisição que possui as características e a natureza dos direitos reais. Quando o artigo 819.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil prevê a notificação dos preferentes, refere-se somente aos titulares de uma preferência legal ou de uma preferência convencional com eficácia real, ou seja, exclui os titulares de uma preferência meramente obrigacional, sem eficácia real. O n.º 2 desta norma acrescenta que a falta de notificação destes preferentes para o exercício da preferência tem mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular, isto é, não afecta a validade do acto da venda coerciva mas permite ao preferente lançar mão da acção de preferência prevista no artigo 1410.º do Código Civil. É esta especificidade que afasta o direito de remição do direito de preferência susceptível de ser exercitado na venda coerciva: por se tratar de um direito real, o direito de preferência dispõe de um mecanismo de tutela que permite ao preferente perseguir o bem e adquiri-lo para si, independentemente das transmissões do bem; já o direito de remição não goza dessa força e, como tal, não dispõe dessa tutela real. Por conseguinte, equiparar o direito de remição ao direito de preferência legal ou convencional com eficácia real seria, no fundo, violar o princípio da tipicidade dos direitos reais consagrado no artigo 1306.º do Código Civil.
Por outro lado, não parece viável procurar contornar essa dificuldade sustentando a aplicação analógica ao direito de remição apenas da norma que prevê a notificação dos preferentes (artigo 819.º). Nessa situação teria de se aceitar que o titular do direito de remição não pode ficar em melhor posição que o titular do direito de preferência e, por conseguinte, que não poderia deixar de se aplicar também o disposto no n.º 2 do artigo 819.º do novo Código de Processo Civil, segundo o qual a falta de notificação não afecta a validade do acto da venda coerciva e tem apenas as mesmas consequências da falta de notificação na venda não coerciva. Uma vez que o direito de remição não pode ser exercido relativamente a uma venda por decisão e vontade do titular dos bens, mesmo que isso vá privar a família do bem e os familiares que na venda coerciva teriam direito de remição não concordem com a venda, tal implicaria que não haveria, afinal, consequência alguma para a falta de notificação.
Em suma, sendo o direito de remição e o direito de preferência distintos quanto à natureza, finalidade e estrutura jurídica, entendemos que não estão reunidos os pressupostos para a aplicação analógica àquele das normas que regem este, em particular a norma que prevê a notificação dos preferentes para o exercício do direito de preferência. Nesse sentido também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2009, Lopes do Rego, processo n.º 321/B-1997.S1, e de 13.09.2012, Abílio Vasconcelos, processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.07.2014, Henrique Antunes, processo n.º 2741/11.8TBPBL-I.C1, e de 27.05.2015, Arlindo Oliveira, processo n.º 386/12.4TBSRE-B.C1, todos in www.dgsi.pt, o último dos quais cita em seu apoio Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010, Almedina, pág. 393, e Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol., 2003,Coimbra Editora, pág. 624.
Questão diferente que se poderia colocar seria a do relevo do momento em que o titular do direito de remição teve conhecimento do acto que fez nascer aquele direito para efeitos de determinação do momento em que o deveria exercer ou lhe deverá ser consentido que o exerça ainda.
Como sabemos, até à reforma do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o artigo 913.º do Código de Processo Civil dava relevo a esse conhecimento, permitindo que o direito fosse exercido, no caso da venda por negociação particular, até ao 10.º dia posterior à data em que o remidor teve conhecimento da venda, o que era interpretado como significando que nos casos de conhecimento superveniente da venda, apenas, o remidor dispunha desse prazo para exercer o seu direito, consentido assim que se discutisse e apurasse o momento desse conhecimento (cf. Lopes-Cardoso, loc. cit., pág. 618).
Esta norma conduziu a que fossem proferidas decisões judiciais nas quais se afirmava que se era necessário esse conhecimento então tornava-se necessário fazer a notificação do remidor para exercer o direito. No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.10.2004, (Carvalho Martins) proferido no processo n.º 1461/04-1, in www.dgsi.pt, afirma-se o seguinte: “… para que haja o conhecimento da venda a que se refere o art. 913°, alínea b), do Cód. Proc. Civil, é necessário, tratando-se de imóveis, que o remidor esteja informado não só do ajuste, como da data e local da celebração da escritura. (Ac. STJ, de 8.2.1966: BMJ, 154.°-255 e RLJ, 99.°-261, com anot. favorável de Vaz Serra). Em caso de venda por negociação particular de um prédio, é necessário que a entidade, que irá efectuá-la, comunique previamente às pessoas que possam exercer o direito de remição, a data e o cartório notarial para a realização da respectiva escritura. Não se provando que os remidores tenham tido conhecimento destes elementos, deve ser-lhe autorizado o exercício do direito de remição (Ac. RL, de 30.1.1981: Col. Jur., 1981, 1.°-213). (…) Permitia-se ainda, no caso da venda por negociação particular, o exercício do direito no prazo de 10 dias, contado da data em que o remidor dela tivesse conhecimento, o que aconselhava a que se procedesse à prévia comunicação ao respectivo titular da data e do local em que se realizaria (o ac. do STJ de 8.2.66, BMJ, 154, p. 255, que foi relatado por SANTOS CARVALHO e entendeu que o conhecimento da venda não se contentava com o conhecimento do seu ajuste, exigindo também o conhecimento da data e do local da escritura, mereceu a concordância de VAZ SERRA em RLJ, 99, ps. 263-265, e foi seguido pelo ac. do TRL de 30.1.81, CJ, 1981, 1, p. 213). Com o DL 329-A/95, eliminou-se esta última possibilidade, bem como, com o desaparecimento da venda por arrematação em hasta pública, o desfasamento de regimes anteriormente existente: na venda judicial, o direito de remição passou a poder ser sempre exercido até ser proferido o despacho de adjudicação dos bens (art. 877-3, no caso da adjudicação; art. 900-1, no caso da venda mediante propostas em carta fechada). Na venda extrajudicial, generalizou-se a regra anteriormente consagrada para a venda por negociação particular: havendo título de venda, o direito de remição havia de ser exercido até à sua assinatura (o que sempre acontece na venda por negociação particular: ver o n.º 6 da anotação ao art. 905, bem como, quanto a outras modalidades de venda, o n.º 3 da anotação ao art. e o n.º 3 da anotação ao art. 907-A); não havendo, releva o momento da entrega do bem (assim é na venda em bolsas e, consoante o respectivo regulamento, pode ser na venda em estabelecimento de leilões e em depósito público)”.
Após a reforma de 1996, ainda que o remidor só tenha conhecimento da venda após a sua realização, deixou de ser possível o exercício desse direito nos 10 dias posteriores decêndio posterior ao conhecimento superveniente. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2005, pág. 368 justifica essa opção “pelas perturbações que o exercício de tal faculdade trazia ao destino dos bens adquiridos em execução, que poderiam ser reclamados mesmo ao fim de vários anos pelo remidor, a implicar quebra de interesse por parte de possíveis compradores e o aviltamento do preço da venda” (no mesmo sentido Lopes do Rego, in Comentários do Código de Processo Civil, pág. 609, referindo-se à necessidade de tutelar os legítimos interesses do adquirente de boa fé).
Sendo assim, como também nos parece, cremos bem que a única possibilidade de o titular do direito de remição que desconhecia a venda vir a exercer extemporaneamente esse direito passará pela demonstração de que ocorreu justo impedimento à prática dos actos processuais tendentes ao exercício do mesmo.
Admite-o igualmente o Acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2009 já citado, onde se pode ler: “Sendo o direito de remição exercitado no próprio processo, através de acto processual praticado por um terceiro, discute-se se é aplicável a norma do art. 146 do CPC (justo impedimento). Adere-se ao entendimento jurisprudencial no sentido de ser permitida a invocação do justo impedimento, por parte do remidor, com base na interpretação extensiva do art. 146 do CPC (cf., por ex., Ac STJ de 30/11/94, Ac RL de 28/3/96, Ac RP de 23/11/2000, Ac RG de 8/1/2003, disponíveis em www.dgsi.pt). Com efeito, um terceiro que a lei legítima a intervir no processo pode, tal como as partes, encontrar-se numa situação de imprevisibilidade ou impossibilidade de praticar o acto, implicando a extinção do direito pelo decurso do respectivo prazo peremptório. Ainda que a letra do preceito se reporte às partes, o seu espírito abrange também os terceiros que estejam nas mesmas condições, tanto assim que sistematicamente a norma se encontra inserida nas disposições comuns dos actos processuais”.
Convém, no entanto, deixar claro que para o efeito parece não bastar a mera alegação do desconhecimento, na medida em que parece resultar da lei a obrigação do remidor de se interessar pelo processo e de o acompanhar para zelar pela conservação dos bens na família, donde se pode extrair que mais que o desconhecimento o que poderá constituir justo impedimento será a impossibilidade prática de exercer o direito por lhe ter sido escondida ou negada a informação (pelo devedor ou pelo encarregado da venda) apesar do interesse e diligência manifestados pelo familiar.
Ora lendo o requerimento dos ora recorrentes que motivou a decisão recorrida constata-se que em momento algum os requerentes alegam que desconheciam (informalmente) as diligências que estavam em curso e/ou que esse desconhecimento os impediu, perturbou ou condicionou no exercício do direito. Os requerentes limitam-se a invocar o vício formal da falta de notificação (conhecimento formal através do processo) e a pretender que o mesmo seja bastante para lhes ser admitida a prática futura do direito de remição, no que, como acabámos de demonstrar, não lhes assiste razão ou fundamento.
Por todas estas razões, o requerimento dos ora recorrentes não podia deixar de ser, como foi, indeferido, razão pela qual o recurso é também ele improcedente.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes (tabela I-B).

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Porto, 23 de Junho de 2015
Aristides Manuel Rodrigues de Almeida (Relator; Rto209)
José Amaral
Teles de Menezes