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PROCESSO DISCIPLINAR
CAPTAÇÃO DE IMAGENS
INVALIDADE DA PROVA
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
COACÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - É legítimo o uso de imagens captadas por sistema de videovigilância, se captadas por câmaras de observação genérica, quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida a autorização de tal sistema. II - A utilização ilegal de tais meios no processo disciplinar não invalida o mesmo, apenas tornando inválida tal prova, devendo aceitar-se a restante prova produzida, a qual poderá por si ser suficiente para justificar a aplicação da sanção disciplinar. III - Não se verifica oposição entre os fundamentos e a decisão quando se considera que, com base nos factos apurados, ocorreu ou não o ilícito disciplinar que foi imputado ao trabalhador no processo disciplinar, sendo tal matéria relativa a eventual erro de julgamento e não à referida oposição. IV - É admissível a confissão extrajudicial em sede de processo disciplinar de factos que possam integrar ilícito criminal, podendo a mesma ter força probatória plena, em sede de resposta à nota de culpa. V - Pertence ao trabalhador o ónus de prova de que a confissão prestada em sede de processo disciplina foi obtida mediante coacção. VI - Viola o dever de lealdade, justificativo de despedimento com justa causa, o trabalhador que retira das instalações da empresa bens, sem autorização desta, contra instruções expressas da entidade patronal.
Texto Integral
Processo nº 402/14.5TTVNG.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, residente na Rua …, nº …., R/ch Dto Frente, …, Vila Nova de Gaia, patrocinada por mandatário judicial, litigando com apoio judiciário na modalidade da dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, veio intentar contra C…, S.A., com sede na Rua …, ., Lisboa, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
Foi designada e realizada a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo destas.
A ré apresentou articulado motivador, nos termos previstos no artigo 98º-J, do CPT, pedindo que se declare o despedimento da autora regular e lícito.
Alega, em síntese, que o despedimento da autora foi decidido em processo disciplinar contra ela instaurado em virtude de ter retirado bens da loja da ré onde trabalhava.
A autora veio contestar e reconvir, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento e a ré condenada a reintegrar a autora no seu posto de trabalho ou pagar-lhe uma indemnização por antiguidade de 45 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade, sendo este montante, calculado até ao 1-7-2014, de € 23.186,25.
Invoca a invalidade do processo disciplinar, em virtude de A decisão proferida no âmbito do processo disciplinar assentou, no essencial, no visionamento das imagens gravadas através do sistema de videovigilância, e impugna a matéria alegada no processo disciplinar.
A ré respondeu, pugnando pela validade do processo disciplinar e reafirmando a existência de fundamento para o despedimento e a sua consequente licitude.
Foi elaborado despacho saneador, dispensando-se a prolação de base instrutória.
A autora veio ampliar o pedido nos seguintes termos: a Ré (também) deve ser condenada no pagamento de todas as retribuições que a Autora deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
Foi admitida a ampliação.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nele produzida, tendo igualmente sido admitido o visionamento de imagens gravadas por sistema de videovigilância instalado na loja da ré.
Deste despacho interpôs a autora recurso, concluindo:
A. O presente recurso vem interposto do despacho de fls..., que autorizou/validou o visionamento de imagens de videovigilância no local de trabalho da Trabalhadora, como meio de prova a utilizar em processo disciplinar;
B. Do artigo 20º do CT resulta que a instalação dos meios de vigilância à distância só pode visar a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, não podendo nunca ter a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
C. Se a lei não permite – até proíbe – que se instale uma câmara para controlar o desempenho de um trabalhador, também não pode permitir que se instale uma câmara para proteger pessoas e bens e, depois, se utilizem, as imagens recolhidas para controlar o desempenho do trabalhador...;
D. Seria “deixar entrar pela janela aquilo que a lei não permite que entre pela porta...”;
E. Os artigos 26º/1 e 32º/8 da Constituição da República Portuguesa (CRP) são claros quanto à reserva da intimidade da vida privada e a nulidade de todas as provas obtidas mediante a abusiva intromissão na vida privada.
F. Na situação dos autos, algumas das câmaras em causa estavam instaladas em armazéns, onde os clientes não tinham acesso, pelo que só tinham como verdadeira finalidade controlar o desempenho dos trabalhadores;
G. Ao ter autorizado o visionamento das imagens, o despacho recorrido violou art. 20º do CT, bem como os artigos 26º/1 e 32º/8 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A ré alegou, concluindo:
1. Contrariamente ao defendido pela Recorrente, a utilização de imagens em processo disciplinar é permitida.
2. Em sentido de que as gravações captadas por videovigilância não podem ser utilizadas como meio de prova quer em procedimento disciplinar, quer no processo judicial, pronunciou-se alguma jurisprudência, designadamente nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 2008, processo 08S643, documento nº SJ2008051406434, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Novembro de 2008, processo 7125/2008-4, do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de Maio de 2011, processo 379/10.6TTBCL-A.P1, disponíveis em www.dgsi.pt. Contudo, em todas as situações analisadas naqueles Acórdãos, não existia autorização prévia da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a colocação das câmaras de vigilância.
3. Em sentido de que as gravações captadas por videovigilância são susceptíveis de utilização, pronunciaram-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Novembro de 2011, processo 17/10.7TTBRR.L1-4, de 6 de Junho de 2012, processo 18/09.8TTALM.L1-4, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 2010, processo 467/06.3TTCBR.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
4. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 2010, entendeu-se que: “a utilização dos meios de vigilância será sempre ilícita (ainda que com aviso prévio da sua instalação feito ao trabalhador), desde que tenha a finalidade de controlar o desempenho profissional do ou dos trabalhadores. Apenas será, então, lícita a sua utilização quando a tal finalidade se não destine e, outrossim, se destine à protecção e segurança de pessoas e bens ou quando as exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, sendo, neste caso, imprescindível que a entidade empregadora cumpra o dever de informar o trabalhador.”.
5. No caso dos autos, tal meio de prova não se destinava a controlar o desempenho profissional da Recorrente, antes tendo uma finalidade genérica: a protecção de pessoas e bens.
6. A Recorrente foi oportunamente informada pela Recorrida à cerca da existência de um sistema de videovigilância no local de trabalho, com o qual sempre se conformou.
7. O ilícito imputado à Recorrente configura simultaneamente um ilícito de natureza laboral, e um ilícito de natureza penal.
8. Ora, se relativamente ao apuramento do ilícito penal seria lícita a utilização das imagens captadas por videovigilância, tal como resulta da própria autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, não se vê que não possam as imagens ser utilizadas para efeitos disciplinares laborais.
9. Assim, conclui-se que o visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, autorizadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, não serviu para controlar o desempenho profissional da Recorrente, sendo assim lícito o seu visionamento como meio de prova no âmbito quer do procedimento disciplinar, quer do processo judicial.
10. Termos em que o douto despacho deverá ser mantido integralmente.
Foi admitido o recurso como apelação, com efeito meramente devolutivo, acrescentando-se no despacho: Tal recurso deveria subir em separado e de imediato (…) Contudo, e na esteira do que a Trabalhadora mencionou no seu requerimento de interposição de recurso, este Tribunal vai de imediato proferir sentença, pelo que se afigura mais adequado que esta apelação suba apenas a final, em simultâneo com aquela que eventualmente venha a ser interposta da mencionada decisão, para ser apreciada previamente a esta. Assim sendo, determino que a subida do recurso agora admitido fique suspensa até que venha a ser proferido despacho de admissão do eventual recurso de apelação que vier a ser interposto da sentença.
Elaborado despacho com fixação da matéria de facto provada, foi proferida sentença, na qual se decidiu a final: declaro lícito e com justa causa o despedimento de que foi alvo a Trabalhadora; e, em consequência julgo improcedente a presente acção, absolvendo a Empregadora dos pedidos deduzidos pela Trabalhadora.
Fixou-se o valor da acção em € 2.000,00.
De novo inconformada veio a autora invocar a nulidade da sentença, por entender existir oposição entre a decisão e os fundamentos, e interpôs recurso de apelação, concluindo:
A. Da nulidade:
I. O tribunal recorrido considerou existir justa causa no despedimento da trabalhadora, porquanto esta “furtou, no dia 19 de Janeiro de 2014, uma série de produtos destinados a venda no estabelecimento”, só que não deu como provado esse facto (não consta dos factos provados);
II. Se o tribunal recorrido não deu como provado que a trabalhadora furtou os objectos, não podia considerar lícito o despedimento com base num furto que não deu como provado.
III. Ao ter reconhecido a justa causa no despedimento, com base num furto que não deu como provado, incorreu a decisão na nulidade prevista no referido art. 615º/1/c do CPC, que aqui, e desde já, se invoca.
B. (ainda) A Inadmissibilidade das imagens de videovigilância:
IV. A Recorrente já interpôs recurso da decisão proferida a fls... que autorizou/validou o visionamento de imagens de videovigilância recolhidas no local de trabalho da Trabalhadora, como meio de prova a utilizar em processo disciplinar;
V. Caso venha a ser declarada nula a prova obtida através das câmaras de videovigilância, toda a restante prova tem de “ruir como um castelo de cartas”, porquanto sem essa prova não havia prova por confissão, documental ou testemunhal...;
VI. Do depoimento da testemunha D… resulta que, sem imagens, não haveria “lixo” e sem os invólucros encontrados no lixo não haveria confissão, nem prova testemunhal. (...) Mandatário da Autora: Sem ter recorrido às imagens não teria ido ao lixo? Testemunha D…: Não. Mandatário da Autora: Não teria encontrado os invólucros? Testemunha D…: Não. [24:24 da audiência de julgamento do dia 27.11.2014] (...)
VII. Aliás, essa conclusão já se extrai de fls. 5 do processo disciplinar, em que o gerente de loja afirma: “como não fiquei convencido, procedi, com o Vigilante, à visualização das imagens gravadas.”
VIII. O tribunal “a quo”, ao ter valorado o depoimento das testemunhas D…, E…, F…, G… e H…, bem como dos documentos, incluindo os subscritos pela Autora (resposta a nota de culpa), violou, o art. 20º do CT, assim como os artigos 26º/1 e 32º/8 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
C. Errado julgamento da matéria de facto:
IX. O tribunal, mal no nosso entendimento, considerou que a confissão escrita (resposta a nota culpa) tem força probatória plena (358º/2 do CC).
X. O art. 358º/2 do CC não tem aplicação, salvo melhor entendimento, quando a matéria confessória seja susceptível de constituir um crime, porquanto essa confissão não pode ser valorada em processo criminal.
XI. Não pode ser atribuída força de confissão plena a uma declaração constante de um documento, para efeitos cíveis, quando tal declaração não produz qualquer efeito para processos de natureza criminal.
XII. A trabalhadora, como resulta transcrito na própria sentença, em depoimento de parte, afirmou que “apenas reagiu à nota de culpa nos termos que constam da referida resposta, em virtude de lhe ter sido expressamente prometido pelo gerente da loja de que, assim fazendo, ela não seria despedida pela Empregadora”.
XIII. O art. 32º/8 da CRP diz que “são nulas todas as provas obtidas mediante ... coacção...”, pelo que a alegada confissão extrajudicial, também por essa razão, não podia servir como prova em processo de natureza criminal.
XIV. O art. 358º/2/3 do CC tem de ser interpretado no sentido que a confissão extrajudicial, quando se referir a matéria penalmente relevante, não tem qualquer força probatória, sob pena de violação do art. 25º/1 e 32º/8 da CRP.
XV. Por ter valorado a confissão, errou o tribunal ao dar como provados os factos descritos nos pontos f, q, r, s, t, u, v, w, x, y, z, aa, bb, cc, dd, ee, ff, gg, hh, ii, jj, kk, ll, mm, nn, oo, pp, qq e rr.
XVI. Estão erradamente dados como provados os factos descritos nos pontos cc), dd), ii), jj), kk), ll), porquanto:
(i) Não resulta dos autos qualquer prova que demonstre estes factos, isto é, que a trabalhadora colocou as embalagens no saco do lixo e que transportou este para a sala do lixo.
(ii) Disseram as testemunhas: Mandatário da Autora: Os produtos desapareceram do local onde estavam durante a sua hora de almoço? Testemunha G…: Sim. Mandatário da Autora: Obviamente não sabe quem lá foi buscá-los? Testemunha G…: Não. [5:50 do depoimento prestado em 27.11.2014] Testemunha D…: Fui ao lixo por volta das 18h30 [24:40 do depoimento prestado em 27.11.2014] Mandatário da Autora: Quantas pessoas foram ao lixo depois delas saírem? Testemunha D…: Variadíssimas [25:50 do depoimento prestado em 27.11.2014] Mandatário da Autora: Havia vários sacos no lixo? Testemunha D…: Muitos, muitos... [26:20 do depoimento prestado em 27.11.2014] Mandatário da Autora: O saco do lixo era um saco fechado? Testemunha D…: Não, não.. [26:50 do depoimento prestado em 27.11.2014]
Destes depoimentos resulta que ninguém viu colocar as embalagens no saco do lixo, este na sala destinada ao seu armazenamento e, principalmente, que durante quase 4 (quatro) horas várias pessoas foram à sala do lixo e que qualquer uma dessas pessoas podia transportar as embalagens ou, até, inseri-las dentro do saco, já depois deste colocado na sala do lixo.
XVII. Estão erradamente dados como provados os factos descritos nos pontos mm) e pp), porquanto:
(i) A testemunha F… afirmou que falou com a trabalhadora no dia 20.01.2014, pelas 07:00 e que ela foi de imediato pagar o preço do produto: MM. Juiz: Quanto tempo depois de falar com o gerente é que a D. B… foi pagar, foi imediato? Testemunha F…: Sim, foi. [28:40 do depoimento prestado em 27.11.2014]
(ii) Apesar disso, foi dado como provado que o pagamento foi efectuado às 12:13 (pp).
(iii) Os pontos mm e pp são inconciliáveis: como é que a trabalhadora foi pagar de imediato se apenas fez o pagamento às 12:13?
D. Da inexistência de justa causa:
XVIII. Sendo alterada a matéria de facto, como se espera, facilmente se conclui que inexiste justa causa de despedimento.
XIX. Ainda que assim não fosse, sempre diríamos que o tribunal recorrido violou o art. 351º do código do trabalho, ao considerar com justa a causa o despedimento da trabalhadora.
XX. A antiguidade da trabalhadora (19 anos), o seu bom comportamento anterior (ausência de infracções), o valor diminuto dos bens (€ 5,78) e o seu imediato pagamento devem funcionar como atenuantes do comportamento.
XXI. Com estas atenuantes, não é verdade que o comportamento culposo da trabalhadora tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
XXII. Por não ser imediata e praticamente impossível manter o contrato de trabalho é que a própria Empregadora só suspendeu a trabalhadora cerca de 40 dias depois da ocorrência dos factos;
XXIII. O tribunal “a quo”, ao decidir pela verificação da justa causa, violou os artigos 351º do código do trabalho e o art. 53º da constituição da república portuguesa.
XXIV. A sentença recorrida deve ser revogada e, em sua substituição, ser proferida decisão que declare a ilicitude do despedimento e condene a empregadora em todos os pedidos formulados pela trabalhadora.
A ré alegou concluindo:
1. Entende a Recorrente que da matéria de facto dada como provada, não resulta de forma clara, objectiva e inequívoca que furtou produtos, o que acarretará nulidade, por alegadamente os fundamento da sentença estarem em oposição com a decisão.
2. Furtar, de acordo com o “Dicionário da Língua Portuguesa”, Porto Editora, Lda., 5ª edição, corresponde a “apoderar-se de uma coisa alheia contra a vontade do dono ou sem que ele o saiba; roubar; subtrair fraudulentamente; apresentar como seu o que é de outrem; falsificar; desviar;”.
3. Na realidade, vários são os artigos da matéria de facto alegada pelas partes em que na sentença foi dado – e bem – como provado que a trabalhadora furtou produtos, como sucede com o artigo 66º do articulado de justificação do despedimento, com o artigo 67º do articulado de justificação do despedimento e com o artigo 68º do articulado de justificação do despedimento, artigos esses que vieram a constituir respectivamente os seguintes factos provados da fundamentação da sentença: nn, oo e pp.
4. Assim, deu como provado o Tribunal a quo, e bem, que a ora Recorrente confessou que havia furtado.
5. Ou seja, confessar que se empreendeu determinado comportamento é exactamente o mesmo que ter feito aquele comportamento.
6. Não deixa de se notar que a própria Recorrente, na arguição da alegada nulidade, admite que “se faça referência em alguns pontos” que a trabalhadora furtou produtos, confissão que se admite, para não mais ser retirada.
7. Afigura-se não merecer a douta sentença recorrida qualquer censura em face da prova produzida em audiência de julgamento, audiência esta que foi gravada.
8. A tese da Recorrente de que caso venha a ser declarada nula a prova obtida através das imagens de videovigilância autorizadas pela CNPD, toda a demais prova não pode ser considerada válida, incluindo a confissão, não pode prevalecer.
9. O regime da confissão não é igual no Direito Civil, nem no Direito do Trabalho, quando comparativamente ao regime previsto no Direito Penal. A confissão para efeitos criminais é admitida apenas em casos extremamente reduzidos, atenta a possibilidade de privação da liberdade do Arguido naquele processo, cfr. artigo 344º do Código de Processo Penal.
10. A confissão efectuada pela ora Recorrente, ainda que não valha como confissão para efeitos de punição criminal, vale como confissão de factos muito graves, que integram ilícitos disciplinares.
11. A Recorrente admitiu ter-se apropriado de produtos da Recorrida perante os seus colegas de trabalho, e mais tarde, confessou os factos na resposta à nota de culpa. No Tribunal a quo, a Recorrente declarou que a resposta à nota de culpa, apesar de não ter sido subscrita pelo então mandatário da ora Recorrente, foi por este preparada! Ou seja, de entre todos os que podiam avaliar as consequências da confissão e aconselhar a Recorrente, ninguém melhor do que um advogado, pelo que a Recorrente sabia os efeitos de confessar.
12. Mais tarde, já em juízo, a Recorrente sustentou uma nova tese: a de que havia sido coagida a confessar que havia furtado, sem que algum momento apresentasse qualquer prova ou indício que o suportasse. A aceitar-se, estaremos perante uma nova tese que fará certamente escola no Direito Civil e no Direito do Trabalho: confessar para ver o que ocorre, e desmentir mais tarde a própria confissão, para dela retirar benefícios.
13. A tese da Recorrente contraria a sua anterior conduta e configura um caso de abuso de direito previsto e proibido pelo artigo 334º do Código Civil na modalidade de venire contra factum proprium.
14. A tese da Recorrente não tem qualquer suporte na realidade, o que é comprovável até pela postura que assumiu perante o Tribunal a quo sempre que foi chamada a prestar declarações, ou em acareação, rindo-se ou dizendo que nada sabia, não conseguindo em momento algum transmitir um caminho lógico, que fosse plausível de ter ocorrido.
15. Ao contrário do que pretende a Recorrente, inexiste na Lei qualquer determinação que imponha que o disposto no nº 2 do artigo 358º é inaplicável quando a matéria confessória seja susceptível de constituir crime. Insurge-se a Recorrente aduzindo que tal permite a coexistência de “duas decisões judiciais opostas no sistema judicial, ou seja, ser dado como provado no processo laboral que a trabalhadora furtou e no processo criminal não furtou.”, o que é precisamente o que não raro sucede, face aos requisitos mais limitativos do processo criminal.
16. Não relevar a confissão extrajudicial é retirar à sociedade as mais relevantes das caraterísticas do Direito: a segurança jurídica e a sua previsibilidade. Dizer aos operadores que, alguém que admita o seu comportamento, de forma livre e espontânea, de nada vale, é entre outros efeitos, aumentar a litigância judicial de modo desnecessário, e contribuir para o descrédito da justiça.
17. As testemunhas ouvidas pelo Tribunal a quo foram perentórias em descrever o comportamento ilícito da trabalhadora, que foi vista com produtos da Recorrida na mão, produtos esses que desapareceram da loja e, até a Recorrente os pagar, não haviam sido pagos, pelo que não poderia ter decidido de modo diverso.
18. Com os comportamentos provados em audiência de julgamento, a Recorrente revelou grande deslealdade para com a Recorrida e traiu, irremediavelmente, a confiança que esta nela depositava e essencial à manutenção do vínculo laboral.
19. Resultou evidente quer da prova recolhida no procedimento disciplinar, quer da prova efectuada nas várias audiências de julgamento, que ficaram verificados os requisitos legalmente impostos para que se colocasse termo à relação laboral existente.
20. Com o furto que a própria Recorrente lhe confessou, a Recorrida não podia, como não pode hoje, confiar na honestidade e idoneidade da própria Recorrente, não confiando que a Recorrente não volte a adoptar, no futuro, condutas idênticas.
21. À Recorrida é impossível contratar um outro trabalhador que exclusivamente acompanhasse diariamente a Recorrente, procurando assim certificar-se que a mesma não se apropriaria de qualquer outro produto do estabelecimento comercial.
22. Caso a tese da ora Recorrente vingasse, estaria aberta a porta para que todos os trabalhadores lograssem apropriar-se de qualquer objecto da entidade patronal, desde que de valor económico não muito significativo, sem que as consequências por semelhante acto de deslealdade não trouxe-se consequência aos seus contratos de trabalho. Se assim fosse, todos os negócios de venda de bens deveriam imediatamente encerrar, ou pelo menos fazer subir vertiginosamente o preço dos bens, com prejuízo para todos os consumidores, como forma de procurar acomodar o furto generalizado de bens que adviria.
23. A Jurisprudência é pacífica e constante, ao admitir que o furto, independentemente do valor económico da coisa furtada, constitui justa causa de despedimento, cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-04-1991, processo 002899, documento SJ199104240028994, sumários em www.dgsi.pt, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2000, processo 99S256, documento SJ200002020002564, sumários em www.dgsi.pt, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-01-2003, processo 02S2769, documento SJ200301150027694, sumários em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-10-2010, processo 537/08.3TTFUN.L1-4, sumários em www.dgsi.pt, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-12-2013, processo 1445/08.3TTPRT.P2.S1, sumários em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Maio de 2013, processo 860/12.2TTLRS.L1-4, sumários em www.dgsi.pt, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-12-2013, processo 265/06.4TTVNG.L1.S1, sumários em www.dgsi.pt.
24. Termos em que a douta sentença proferida deverá ser mantida integralmente.
O Ministério Público teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer a que as partes não responderam.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas:
A. Recurso interlocutório: A Inadmissibilidade do visionamento das imagens de videovigilância, como meio de prova;
B. Recurso principal:
I. Nulidade da sentença;
II. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
III. Inexistência de justa causa para o despedimento.
II. Factos provados:
a) A Trabalhadora foi admitida ao serviço a Empregadora no dia 01 de Outubro de 1995. (artigo 25º da contestação)
b) Em Janeiro de 2014 a Trabalhadora exercia as funções inerentes à categoria profissional de “operadora principal”, no estabelecimento de venda de produtos a retalho pertencente à Empregadora, sito em …, Vila Nova de Gaia. (artigos 20º e 21º do articulado de motivação do despedimento).
c) A Trabalhadora auferia então o vencimento base mensal de 801,00€. (artigo 18º da contestação)
d) Na sequência de despacho proferido em 23 de Janeiro de 2014 pela sua Direcção dos Recursos Humanos, em 30 de Janeiro de 2014 a Empregadora instaurou à Trabalhadora um procedimento disciplinar. (artigo 3º do articulado de motivação do despedimento)
e) No dia 28 de Fevereiro de 2014, a Empregadora entregou à Trabalhadora a nota de culpa; bem como a comunicação, por escrito, da intenção de proceder ao seu despedimento e de a suspender preventivamente, sem perda de retribuição. (artigos 4º e 12º do articulado de motivação do despedimento)
f) A Trabalhadora apresentou resposta à nota de culpa, datada de 11 de Março de 2014, na qual, entre outras coisas, exarou o seguinte teor: “(...) 1 – É verdade o que se diz na Nota de Culpa, salvo quanto aos pontos 41 e 57, já que a arguida não levou nenhum dos produtos em causa, os quais deitou fora, motivo pelo qual não foram encontrados aquando da revista ao seu saco pessoal. 2 – Sendo os factos indiscutíveis, ainda assim a arguida entende que este processo não deve terminar com o seu despedimento com justa causa. 3 – A arguida confessou, integralmente e sem reservas, todos os factos ao gerente, quando foi questionada. 4 – (...) foi a arguida que tomou a iniciativa de de imediato proceder ao pagamento do preço dos produtos em questão, pelo que não houve qualquer prejuízo para a Empresa. 5 – Ainda hoje a arguida não consegue perceber porque tomou aquela atitude, que não se coaduna, de todo, com a sua personalidade e maneira de estar na vida. 6 – Foi uma atitude impensada, que muito lamenta e de que desde logo se arrependeu, não tendo sequer tentado levar os produtos para fora da loja. (...) 10 – A arguida (...) sentiu-se envergonhada e vexada devido ao seu próprio comportamento, sentimentos que ainda hoje não a abandonaram. 11 – A arguida está profundamente arrependida e nunca mais tentará retirar sem pagar seja o que for ou mesmo comprar produtos sem cumprir as regras instituídas pela Empresa (...) 12 – (...) a arguida não desmente os factos de que vem acusada mas pretende que a decisão a tomar leve em consideração todos os elementos atenuantes da sua culpa. 13 – A arguida (...) tomou a iniciativa de pagar o preço de todos os bens em falta, mesmo que que não foram retirados por si (...) 19 – Perante o exposto, entende a arguida que o presente processo deve terminar com a aplicação de uma sanção que permita a manutenção da relação laboral e não a sanção mais gravosa de despedimento com justa causa. (...)”. (artigos 5º a 9º do articulado de motivação do despedimento) e que não requereu a realização de
g) Na resposta à nota de culpa, a Trabalhadora não requereu qualquer diligência probatória. (artigos 5º a 9º do articulado de motivação do despedimento)
h) Em 10 de Abril de 2014, na sequência de proposta de decisão proferida pelos instrutores por ela nomeados, a Empregadora proferiu decisão final de despedimento com justa causa; que foi recebida pela Trabalhadora no dia 14 de Abril de 2014. (artigos 13º a 15º do articulado de motivação do despedimento)
i) A aquisição de produtos nas lojas da Empregadora processa-se através do respectivo registo nas caixas registadoras e do pagamento do preço dos produtos, não sendo permitidas vendas a crédito ou qualquer forma de pagamento diferido do preço devido pelos artigos (artigos 24º e 25º do articulado de motivação do despedimento)
j) O registo dos produtos tem que ser feito na presença dos mesmos (produtos), para que os operadores de caixa os confiram e verifiquem o pagamento do respectivo preço que tem que ocorrer no momento da aquisição. (artigo 26º do articulado de motivação do despedimento)
k) Os colaboradores da Empregadora não podem dispor em proveito próprio ou alheio, levar consigo ou consumir produtos da loja, sem que antes os tenham apresentado a registo e pagamento numa caixa registadora. (artigo 27º do articulado de motivação do despedimento)
l) Para melhor garantir a segurança das suas lojas, a Empregadora detalhou o procedimento de compras por parte dos seus colaboradores, estabelecendo uma série de regras e procedimentos de cumprimento obrigatório e cumulativo com as que atrás se invocaram, por parte de todos os seus colaboradores. (artigo 28º do articulado de motivação do despedimento)
m) No que diz respeito às compras para consumo externo (fora da loja), a Empregadora estabeleceu, designadamente, as seguintes normas:
- Nenhum elemento em serviço na loja pode fazer compras durante as horas normais de trabalho;
- A nenhum colaborador é autorizada a utilização de vales de vasilhame ou de qualquer outra proveniência sem que estejam autorizados;
- Depois de proceder ao pagamento das compras o colaborador deve abandonar de imediato a loja, mostrando, previamente, o conteúdo do saco com as compras ao segurança que estiver de serviço na frente de loja; ou, na falta deste, a um elemento da gerência de loja. (artigo 29º do articulado de motivação do despedimento)
n) No que diz respeito às compras para consumo interno (dentro da loja), a Empregadora estabeleceu, designadamente as seguintes normas:
- Os produtos destinados a consumo no refeitório da loja não podem circular dentro das instalações sem que o respectivo talão de aquisição tenha sido conferido e assinado pela gerência de loja ou por um dos seguranças de serviço, devendo o talão assinado acompanhar o produto até que este seja consumido;
- A assinatura do talão de aquisição deve, na medida do possível, mencionar o rótulo do produto, bem como a data e hora do registo;
- O consumo dos produtos adquiridos é restrito ao refeitório, sendo este o único local onde é permitida a existência de qualquer produto;
- Todos os produtos alimentares, de higiene pessoal ou outros que sejam comuns aos vendidos na loja e tenham sido adquiridos noutro local só podem entrar com o colaborador na loja se foram previamente selados e rubricados pela gerência de loja antes da entrada do colaborador ao serviço. (artigo 30º do articulado de motivação do despedimento)
o) A Empregadora estabeleceu ainda a seguinte norma, que é comum à aquisição de produtos para consumo interno e externo:
- O colaborador só pode fazer compras na loja se não envergar o seu uniforme de trabalho ou se o mesmo estiver totalmente oculto por outro vestuário. (artigo 31º do articulado de motivação do despedimento)
p) As normas supra mencionadas eram do conhecimento da Trabalhadora, bem como da globalidade dos colaboradores da Empregadora. (artigos 32º e 33º do articulado de motivação do despedimento)
q) No dia 19 de Janeiro de 2014, pelas 13:00 horas, a Trabalhadora encontrava-se na companhia da sua colega de trabalho, H…. (artigo 34º do articulado de motivação do despedimento)
r) No dia e hora mencionados em q), a Trabalhadora e a H… deslocaram-se pela loja, junto de várias prateleiras, das quais retiraram os seguintes produtos:
- duas embalagens de panos para limpeza automóvel, da marca “Kent”, com o valor unitário de 2,49€;
- duas embalagens de “Ambipur” para automóvel, com o valor unitário de 3,29€;
- uma embalagem de rímel “Maybeline”, com o preço unitário de 9,49€. (artigos 35º e 36º do articulado de motivação do despedimento)
s) A Trabalhadora e a H… transportaram os referidos produtos nas mãos, seguindo em direcção ao atelier de fruta. (artigo 37º do articulado de motivação do despedimento)
t) Poucos minutos após as 13:00 horas, quando as Trabalhadoras faziam o trajecto em direcção ao atelier de fruta, passaram junto do segurança da loja, D…. (artigo 38º do articulado de motivação do despedimento)
u) O mencionado segurança, vendo que a Trabalhadora e a sua colega levavam artigos da loja na mão, estranhou a situação e ficou atento ao comportamento destas. (artigo 39º do articulado de motivação do despedimento)
v) Quando a Trabalhadora e a sua colega se aperceberam que o referido segurança estava a reparar no seu comportamento, a Trabalhadora exclamou, num tom de voz alto e dito de maneira a que fosse escutado por aquele: “Espero que a cliente venha buscar isto!”. (artigos 40º e 41º do articulado de motivação do despedimento)
w) De seguida, a Trabalhadora e a sua colega encaminharam-se para o atelier da fruta, onde colocaram os produtos mencionados em r). (artigos 42º e 43º do articulado de motivação do despedimento)
x) O segurança referido em t) deslocou-se então ao escritório da loja, onde se encontrava a chefe de caixas, G…, a qual, naquele momento, exercia funções de responsável pela loja, uma vez que a equipa de gerência estava ausente para almoço. (artigo 44º do articulado de motivação do despedimento)
y) O segurança contou à chefe de caixas o que tinha presenciado; após o que se deslocaram ambos ao atelier de fruta, a fim de, em conjunto, verificarem se os artigos que a Trabalhadora e a H… levavam nas mãos lá estavam guardados. (artigo 45º do articulado de motivação do despedimento)
z) Chegados ao atelier de fruta, eles constataram que os artigos estavam pousados numa prateleira. (artigo 46º do articulado de motivação do despedimento)
aa) Cerca das 14:00 horas, o vigilante D… contou tudo o que tinha sucedido ao gerente de loja, entretanto regressado da sua pausa de almoço. (artigo 47º do articulado de motivação do despedimento)
bb) O gerente de loja decidiu então realizar uma revista mais rigorosa do que o habitual aos sacos da Trabalhadora e da colaboradora H…, no momento da saída destas. (artigo 48º do articulado de motivação do despedimento)
cc) Pelas 14:55 horas, a Trabalhadora deslocou-se ao interior do atelier de fruta e inseriu num saco de lixo translúcido as embalagens dos artigos que ela e a sua colega H… lá tinham guardado. (artigos 49º e 50º do articulado de motivação do despedimento)
dd) A Trabalhadora transportou o referido saco até à sala do lixo da loja, onde o colocou pelas 14:56 horas. (artigo 51º do articulado de motivação do despedimento)
ee) Um pouco antes das 17:00 horas, o gerente de loja deslocou-se com o segurança D… ao atelier de fruta, a fim de verificar se os artigos ainda lá se encontravam, tendo constatado que não. (artigos 52º e 53º do articulado de motivação do despedimento)
ff) Pelas 17:00 horas, o gerente e o vigilante realizaram a revista aos sacos pessoais da Trabalhadora e da sua colega H…, não tendo ali sido detectados os artigos mencionados em r). (artigos 54º e 55º do articulado de motivação do despedimento)
gg) Depois das 17:00 horas, o gerente questionou em primeiro lugar a Trabalhadora sobre o motivo pelo qual tinha ido guardar artigos da loja ao atelier da fruta, tendo aquela respondido que os artigos se destinavam a uma cliente. (artigos 56º e 57º do articulado de motivação do despedimento)
hh) O gerente questionou depois a colaboradora H…, tendo esta igualmente respondido que os artigos se destinavam a uma cliente. (artigos 58º e 59º do articulado de motivação do despedimento)
ii) O gerente ordenou então ao segurança D… e à fiscal de caixas G… que os mesmos se deslocassem à sala do lixo, a fim de recuperarem o saco de plástico translúcido que a Trabalhadora tinha transportado do atelier de fruta para a sala do lixo. (artigo 60º do articulado de motivação do despedimento)
jj) No cumprimento da ordem recebida, os referidos D… e G… deslocaram-se à sala do lixo e conseguiram localizar o saco que lá tinha sido depositado pela Trabalhadora, pois este tinha visível, no seu interior, um cartão de cor lilás que o tornava diferenciável dos demais. (artigos 61º e 62º do articulado de motivação do despedimento)
kk) O segurança D… abriu então o saco de plástico e nele encontrou as embalagens (invólucros) dos produtos mencionados em r). (artigo 63º do articulado de motivação do despedimento)
ll) O segurança D… selou o saco plástico e levou-o para o escritório para entregar ao gerente. (artigo 64º do articulado de motivação do despedimento)
mm) No dia 20 de Janeiro de 2014, pelas 07:00 horas, o gerente expôs as embalagens (invólucros) dos artigos em cima da mesa do escritório e chamou a Trabalhadora. (artigo 65º do articulado de motivação do despedimento)
nn) Mal viu os referidos invólucros dos artigos, a Trabalhadora começou a chorar e a dizer que não sabia o que lhe tinha dado para ter tido aquela atitude e ter levado os artigos sem pagar. (artigo 66º do articulado de motivação do despedimento)
oo) O gerente perguntou à Trabalhadora se esta tinha levado a totalidade dos artigos, tendo esta respondido que apenas tinha levado um pano para limpeza automóvel e um “ambipur” e que os restantes artigos tinham sido levados pela sua colega, H…. (artigo 67º do articulado de motivação do despedimento)
pp) A Trabalhadora tomou a iniciativa de proceder ao pagamento do preço dos produtos que confessou ter levado sem pagar, o que fez pelas 12:13 horas desse dia 20 de Janeiro de 2014. (artigo 68º do articulado de motivação do despedimento)
qq) No dia 21 de Janeiro de 2014, o gerente chamou ao escritório a colaboradora H…, à qual exibiu os invólucros dos artigos que tinham sido encontrados no saco do lixo, após o que a questionou sobre o que se tinha passado. (artigos 69º e 70º do articulado de motivação do despedimento)
rr) A colaboradora H… afirmou que teve conhecimento de que a Trabalhadora se tinha apropriado dos produtos em causa, mas negou sempre ter ela própria ficado com algum dos produtos ou ter tirado algum proveito pessoal dos mesmos. (artigo 72º do articulado de motivação do despedimento)
ss) A Empregadora dispunha de autorização concedida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados para captar imagens no seu estabelecimento através de um sistema de videovigilância. (artigo 12º da resposta à contestação)
tt) A Trabalhadora tinha conhecimento da existência de um sistema de videovigilância no estabelecimento onde trabalhava. (facto apurado no decurso da audiência de julgamento)
uu) A existência do sistema de videovigilância encontrava-se publicitada no estabelecimento através da afixação de cartazes. (facto apurado no decurso da audiência de julgamento)
III. O Direito A. Recurso da decisão interlocutória
Alega a recorrente: Há que distinguir entre a recolha das imagens e a sua subsequente utilização, sendo certo que da licitude da sua recolha (caso esteja autorizada pela CNPD) não decorre que seja lícita a sua utilização, para efeitos disciplinares, pelo empregador contra o trabalhador. Se a lei proíbe o menos (captação de imagens para controlar o desempenho do trabalhador), também proíbe o mais (utilização de imagens em processo disciplinar); Na situação dos autos, algumas das câmaras em causa estavam instaladas em armazéns, onde os clientes não tinham acesso, pelo que só tinham como verdadeira finalidade controlar o desempenho dos trabalhadores.
Responde a recorrida que ao contrário do pretendido pela Recorrente, a utilização de imagens em processo disciplinar é permitida, não sendo por isso toda a prova obtida em consequência da visualização ilícita.
No mesmo sentido se pronunciou o Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal.
Depois de abundante análise da jurisprudência e doutrina sobre a questão, concluiu-se no despacho impugnado:
(...) a proibição plasmada no nº 1 artigo 20º do Código do Trabalho tem de ser interpretada no sentido de pretender impedir que o empregador possa proceder ao controlo da actividade profissional dos seus trabalhadores através do recurso a sistemas de vigilância à distância, designadamente, a sistemas de videovigilância.
Isto é, não é permitido ao empregador utilizar tal método de recolha de imagens ou de dados para controlar, por exemplo, a assiduidade, a produtividade ou a operacionalidade dos seus trabalhadores. Ou até mais concretamente, e como foi decidido na Deliberação no 32/96,da CNPD, página 235, citada por Paula Quintas e Hélder Quintas, in “Código do Trabalho Anotado e Comentado”, 2009, página 125, “não será legítima a recolha de dados com a finalidade de controlar o tempo que os trabalhadores gastam na casa de banho”.
Com efeito, a admissibilidade de tal prática consubstanciaria indubitavelmente uma violação da dignidade humana e do direito à imagem dos trabalhadores, constitucionalmente consagrado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. Em consequência, o empregador não pode também despedir (ou aplicar qualquer outra sanção disciplinar) a um trabalhador seu, com base em factos ilícitos disciplinares exclusivamente averiguados e apurados através de tal sistema.
Contudo, como resulta claramente do disposto no nº 2 do artigo 20º do Código do Trabalho, o legislador admite excepções à regra prevista no nº 1, permitindo a existência de meios de vigilância à distância nos locais de trabalho, entre outros casos, quando esteja em causa a protecção e a segurança de pessoas e bens.
Aliás, está provado nestes autos que a Empregadora dispõe de autorização expressa para instalar tal sistema, concedida pela CNPD, destinada exclusivamente a essa protecção de pessoas e bens.
Logo, dúvidas não há que tal sistema é absolutamente apto para servir como meio de prova, em processo criminal, de qualquer crime de furto que seja praticado no estabelecimento onde está instalado, por qualquer pessoa que seja alheia à empresa, designadamente clientes, fornecedores ou meros transeuntes que por lá circulem sem consumir.
Assim sendo, inexiste qualquer justificação para que não o possa ser igualmente para os casos em que um trabalhador do estabelecimento pratique esse mesmo crime de furto.
Aliás, tal proibição de forma alguma resulta do disposto no nº 1 do artigo 20º do Código do Trabalho, uma vez que este apenas produz efeitos à relação laboral “tout court” – mal seria que um trabalhador praticasse um crime grave contra pessoas ou bens no interior do estabelecimento e dentro do seu horário de trabalho e não pudesse vir a ser criminalmente condenado por isso, com base nas imagens recolhidas através de sistema de videovigilância devidamente autorizado.
Ora, é aqui que, com todo o respeito e muitíssima consideração, não posso concordar com a tese da inadmissibilidade da utilização de tais imagens no âmbito de um procedimento disciplinar.
Com efeito, entendo que não faz sentido que o trabalhador possa ser criminalmente punido por crime praticado no local e tempo de trabalho com base no recurso às imagens de sistema de videovigilância; mas estas não possam já simultaneamente ser utilizadas para que o mesmo seja disciplinarmente punido pelos mesmos factos.
Este entendimento pode acarretar consequências absolutamente injustas e indesejadas.
Senão, vejamos este exemplo teórico.
Um empregador que dispõe de sistema de videovigilância no seu estabelecimento apercebe-se de que estão diariamente a ser furtados produtos. Em consequência, recorre ao sistema de videovigilância e apercebe-se de que o furto é praticado por um seu funcionário. Ora, nada o impede de imediatamente apresentar queixa junto do órgão de polícia criminal competente, com a consequente instauração do respectivo processo de inquérito contra o trabalhador. Contudo, ele fica impedido de agir disciplinarmente contra esse mesmo trabalhador, sendo obrigado a manter a relação laboral com este, mesmo depois de perder irremediavelmente toda e qualquer confiança que nele pudesse depositar.
E nem se argumente que ele poderia aguardar pela sentença condenatória que viesse a ser proferida no âmbito do processo criminal para depois instaurar o procedimento disciplinar ao trabalhador com base nos factos que ali fossem dados como provados – é que até ao trânsito em julgado de tal sentença decorreria necessariamente um dilatado período de tempo que, sem bem que pudesse não acarretar a prescrição do direito de exercer o procedimento disciplinar (por força do disposto na parte final do nº 1 do artigo 329º do Código do Trabalho) constituiria uma injustificada violência para o empregador e para os demais funcionários deste.
Face a tudo o que acabo de enunciar, entendo que as imagens recolhidas por sistema de videovigilância autorizado e devidamente publicitado podem ser usadas pelo empregador como meio de prova em sede de procedimento disciplinar, nos casos em que este tenha por objecto factos praticados pelo trabalhador que constituem crimes contra pessoas ou bens.
Como tal, irei deferir a pretensão da Empregadora, procedendo ao visionamento das imagens gravadas.
Como resulta da sentença sob recurso, não é pacífica a questão.
Nos termos do art. 20º, nº 1, do Código do Trabalho, o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
Porém, acrescenta-se no nº 2 do mesmo artigo que a utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
Ou seja, o que se pretende é limitar e regular, mas não impedir, a utilização de meios de vigilância electrónica, proibindo-se aqueles que tenham por finalidadecontrolar o desempenho profissional do trabalhador, ou seja, os que “podem alcançar o que se faz, quando e durante quanto tempo”.[1]
No caso em apreço provou-se que:
ss) A Empregadora dispunha de autorização concedida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados para captar imagens no seu estabelecimento através de um sistema de videovigilância. (artigo 12º da resposta à contestação)
tt) A Trabalhadora tinha conhecimento da existência de um sistema de videovigilância no estabelecimento onde trabalhava. (facto apurado no decurso da audiência de julgamento)
uu) A existência do sistema de videovigilância encontrava-se publicitada no estabelecimento através da afixação de cartazes. (facto apurado no decurso da audiência de julgamento)
Não resulta dos autos que as câmaras instaladas na loja onde a recorrente trabalhava tivessem por finalidade controlar o desempenho dos trabalhadores, sendo comummente aceite esse tipo de vigilância nos estabelecimentos de venda de produtos alimentares, supermercados, a fim de dissuadir e detectar situações de furto por pessoas que os frequentem, dada a inviabilidade de outro tipo de fiscalização dos mesmos, como era o caso.[2]
É certo, conforme se analisou na decisão sob recurso, que a questão que aqui está em causa, consistente em determinar se é possível usar como meio de prova as imagens captadas pelas aludidas câmaras, que embora não tenham essa finalidade possam ter registo alguma conduta ilícita do trabalhador, quer no processo disciplinar, quer no processo judicial, não se apresenta pacífica.
Assim, para alguns não se podem usar as imagens, argumentando-se que a autorização para o recurso à videovigilância admitida para a prossecução de um certo, concreto e determinado fim, apenas poderá ser usada para esse mesmo fim.[3]
Já para outros o uso de tais imagens, se captadas por câmaras de observação genérica, é legítimo, aduzindo-se que a limitação constante do nº 1 do artigo 20º do Código do Trabalho, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender.[4]
Numa terceira via, entende-se que, “em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo. Parece, assim, que o princípio da finalidade não deve amparar a impunidade dos que nele se refugiam para cometer ilícitos, nem lesar o direito do empregador a proteger-se do prejuízo ou da responsabilidade que poderá derivar das acções lícitas dos seus trabalhadores como seria o caso, inter alia, de agressões, roubos e furtos. (…) porém, que a utilização desses dados, além de constituírem ilícitos penais que consubstanciam infracções disciplinares graves, a imagem não pode constituir a única prova.”[5]
Tal interpretação não é inconstitucional, desde que os fins visados sejam os constantes do nº 2 do art. 20º do Código do Trabalho, sendo admissível em tal circunstância a restrição dos direitos de personalidade com protecção constitucional.[6]
Ou seja, conforme referido no acórdão do STJ de 13-11-2013,[7] “a eficácia dos direitos fundamentais é comprimível pela operatividade de outros interesses dignos de proteção, do empregador ou de terceiros, que, em concreto, se mostrem merecedores de adequada tutela, em regra concernentes à proteção e segurança de pessoas e bens ou a particulares exigências inerentes à natureza da atividade desenvolvida pelo trabalhador, constituindo afloramento de um princípio geral os parâmetros a este propósito consagrados no art. 20º, nº 2, CT.”
Ora, no caso, as imagens não são a única prova apresentada pela entidade patronal, pelo que as mesmas são admissíveis.
Daí que se entenda pela improcedência do recurso interlocutório.
B. Recurso principal 1. Nulidade da sentença
Alega a recorrente que Da decisão resulta que o tribunal recorrido considerou existir justa causa no despedimento da trabalhadora, porquanto esta “furtou, no dia 19 de Janeiro de 2014, uma série de produtos destinados a venda no estabelecimento”. Acontece que, da matéria de facto dada como provada – embora a isso se faça referência em alguns pontos – não resulta de forma clara, objectiva e inequívoca que a trabalhadora furtou produtos. Em nenhum ponto dos factos provados foi dado como provado que a trabalhadora furtou bens.
Nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No dizer de Lebre de Freitas, “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.[8]
Se o que se pretende com a fundamentação é justificar a decisão, não se pode considerar justificada a decisão se está em contradição com os fundamentos que a apoiam.[9]
Haverá contradição se, por exemplo, na fundamentação o juiz considera que o contrato é nulo, mas depois condena o réu a cumprir o contrato.[10]
Ora, não se verifica a apontada oposição. Na sentença, o que ocorreu foi considerar que, com base nos factos apurados, ocorreu o ilícito disciplinar que foi imputado à recorrente no processo disciplinar. Se os factos apurados permitem ou não tal conclusão, conforme bem salienta o Magistrado do Ministério Público no seu parecer, citando Lebre de Freitas, tem já a ver com erro de julgamento e não com a pretendida oposição.
Aliás, a matéria em causa – que a recorrente “furtou” –, constitui mera conclusão jurídica, eventualmente a extrair de outros factos que deverão constar da matéria de facto apurada, não constituindo em si mesmo facto a levar à fundamentação de facto da sentença.
Assim, não se verifica a apontada nulidade da sentença.
2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto 2.1. Ainda a inadmissibilidade das imagens de videovigilância
Alega a recorrente que O tribunal recorrido, ao longo de toda a sentença (fundamentação) tenta desvalorizar a prova obtida através da videovigilância. Concluindo que esse meio de prova em nada (ou quase) contribuiu para a convicção do julgador. Melhor dizendo, mesmo que seja declarada nula essa prova, tal não terá consequências para a decisão final, porquanto a convicção do julgador baseou-se noutros meios de prova (…)A verdade é que, sem a videovigilância, não havia prova testemunhal.
Consta da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto: Abro aqui um parêntesis para consignar que, não obstante o tribunal ter decidido visualizar as imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância da Empregadora, estas acabaram por não assumir praticamente qualquer relevância probatória, uma vez que as mesmas nada permitem concluir quanto à esmagadora maioria dos factos imputados à Trabalhadora. Assim, as únicas imagens realmente esclarecedoras são as que se referem ao ocorrido cerca das 13:00 horas, quando a Trabalhadora e a sua colega circulavam pelo corredor dos produtos automóveis e de lá saíram ambas com produtos nas mãos.
Estamos aqui no âmbito da validade probatória do visionamento das imagens de videovigilância.
Ora, a utilização ilegal de tais meios no processo disciplinar não invalida o mesmo, apenas tornando inválida tal prova, devendo aceitar-se a restante prova produzida, a qual poderá por si ser suficiente para justificar a aplicação da sanção disciplinar.[11]
No caso em análise, como se vê, não foi usada para fundamentar a decisão nos presentes autos qualquer imagem captada pelos meios de vigilância electrónica.
É certo que, conforme refere a recorrente, a testemunha D…, vigilante da loja que detectou a actividade em causa, respondeu “não” quando o mandatário da recorrente lhe perguntou Sem ter recorrido às imagens não teria ido ao lixo? Não teria encontrado os invólucros?
Porém, a mesma testemunha referiu no minuto 11.45 e 12.25, que foi ao lixo porque viu a recorrente sair da zona da peixaria, onde trabalhava, ir buscar um saco de lixo à área da fruta e levar o mesmo para o lixo. Ou seja, ainda que a testemunha tenha confirmado a situação através do sistema de videovigilância, não foi esta visualização das imagens que determinou a verificação do lixo, até porque não resulta minimamente dos autos que essa parte da loja estivesse sob vigilância.
Assim, importa apenas verificar se, sem esse meio de prova, se podem considerar como provados os factos em questão.
2.2. Validade da confissão extrajudicial
Alega a recorrente queO tribunal fundamentou a matéria de facto, no essencial, na confissão extrajudicial que a trabalhadora terá feito em dois momentos: a. verbalmente ao gerente da loja; b. por escrito na resposta à nota de culpa;Considerou o tribunal, mal no nosso entendimento, que a confissão escrita (resposta nota culpa) tem força probatória plena (358º/2 do CC).A confissão que a trabalhadora terá realizado tem relevância criminal.O art. 358º/2 não tem aplicação, salvo melhor entendimento, quando a matéria confessória seja susceptível de constituir um crime.
Consta da decisão relativa à matéria de facto:
(…) para a formação da convicção do tribunal sobre esta matéria [artigos 34º a 68º do articulado de motivação do despedimento] foi absolutamente decisiva e essencial a confissão extrajudicial da própria Trabalhadora, expressa em dois momentos diferentes e através de duas vias distintas.
Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 352º do Código Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária; sendo que, por força do artigo 355º nº 1 do mesmo diploma, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial.
Nesta conformidade, e em primeiro lugar, o tribunal teve em consideração a confissão efectuada pela Trabalhadora no âmbito do procedimento disciplinar, mais concretamente aquando da apresentação da sua resposta à nota de culpa.
Com efeito, em tal resposta, com uma pequena e insignificante excepção de pormenor (relativa aos factos vertidos nos artigos 41º e 57º da nota de culpa), a Trabalhadora admitiu expressamente a prática da esmagadora maioria dos factos que lhe foram imputados pela Empregadora na nota de culpa (que são exactamente os mesmos que aqui se nos apresentam agora).
Isto é, a Autora admitiu ali expressamente que pegou nos produtos em causa e os guardou no atelier da fruta; e que mais tarde ali se deslocou novamente, tendo retirado os produtos dos respectivos invólucros e colocado estes últimos num saco que levou para o depósito do lixo.
Além disso, a Trabalhadora afirmou ainda repetidamente que se mostrava arrependida e envergonhada de tal comportamento.
Ora, o artigo 358º nº 2 do Código Civil dispõe que a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.
O sublinhado serve para reforçar a ideia de que a declaração confessória emitida pela Trabalhadora na resposta à nota de culpa, efectuada directamente à Empregadora através de documento particular, tem força probatória plena.
Pretende a recorrente que não tem aqui aplicação o disposto no art. 358º, nº 2, do Código Civil, porquanto A confissão que a trabalhadora terá realizado tem relevância criminal.
As cautelas expressas no art. 344º do CPP visam apenas as situações de autoincriminação penal, não impedindo a relevância das declarações confessórias em processo civil.
Conforme salienta o Magistrado do Ministério Público, se é possível ao arguido em processo penal confessar os factos, não se vislumbra porque motivo a mesma não possa ser considerada em processo disciplinar.
Aliás, abunda a jurisprudência em que se reconhece o valor de prova plena às confissões feitas pelos arguidos em processo disciplinar, relativamente a factos que podem constituir ilícitos penais.[12]
Mais alega a recorrente que A trabalhadora, como resulta transcrito na própria sentença, em depoimento de parte, afirmou que “apenas reagiu à nota de culpa nos termos que constam da referida resposta, em virtude de lhe ter sido expressamente prometido pelo gerente da loja de que, assim fazendo, ela não seria despedida pela Empregadora”. (...) O tribunal errou ao valorar a confissão verbal “alegadamente” realizada ao gerente da loja, quando na verdade este é funcionário da Empregadora, estando em clara situação de subordinação jurídica e dependência económica com a mesma. Como seria de esperar, entre corroborar a versão da sua entidade empregadora ou da antiga colega de trabalho, a testemunha confirmou a versão da sua entidade empregadora...
A este propósito consta da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto:
Tenha-se em consideração que em nenhum momento da sua contestação a Trabalhadora colocou em causa a validade de tal declaração confessória, o que poderia e deveria ter feito ao abrigo do disposto no artigo 359º do Código Civil, designadamente invocando a nulidade da mesma (por exemplo, por coacção, dolo ou erro).
Ao invés, ela limitou-se – de forma genérica, vaga e conclusiva – a mencionar, no artigo 13º da contestação, que tal declaração foi emitida no pressuposto do seu conteúdo originar o arquivamento do procedimento disciplinar ou aplicação de uma sanção disciplinar leve.
Ora, esta alegação é absolutamente irrelevante e inócua para os fins previstos no artigo 359º do Código Civil, uma vez que da mesma não é possível concluir pela existência de algum vício relevante na formação da vontade.
Não obstante, aquando da prestação do seu depoimento de parte oficiosamente determinado pelo Tribunal, a Trabalhadora veio apresentar uma nova e mais completa versão dos factos, afirmando que apenas reagiu à nota de culpa nos termos que constam da referida resposta, em virtude de lhe ter sido expressamente prometido pelo gerente da loja de que, assim o fazendo, ela não seria despedida pela Empregadora.
Face a este novo enquadramento da questão (e pese embora a inexistência de factos alegados nesse sentido no articulado próprio para tal fim), o Tribunal teve o cuidado de proceder a uma acareação entre a Trabalhadora e o referido gerente (a já supra identificada testemunha F…) procurando descobrir indícios da existência daquela alegada promessa ou garantia.
Porém, este último negou veementemente que alguma vez tenha efectuado à Trabalhadora qualquer sugestão ou conselho relativamente ao teor da defesa que esta deveria apresentar; bem como que lhe tenha garantido que a mesma não seria despedida.
Ora, para além da forma segura e peremptória como esta testemunha prestou o seu depoimento, importa ainda acrescentar que as suas afirmações fazem todo o sentido, uma vez que é um facto notório e absolutamente inquestionável que, numa empresa com a dimensão (nacional) da aqui Empregadora, um gerente de loja não tem obviamente qualquer poder decisório no âmbito de um procedimento disciplinar que seja instaurado a um trabalhador.
A acrescer a tudo isto, a Trabalhadora mencionou ainda que a resposta à nota de culpa foi elaborada, em conformidade com aquelas instruções, por um advogado ao qual ela se dirigiu (embora em nenhum momento do seu depoimento tenha tido o cuidado de o identificar) e ao qual descreveu todo este circunstancialismo. Ora, este pormenor tem a virtualidade de ainda tornar mais inverosímil a versão apresentada pela Trabalhadora, uma vez que não é crível que um advogado aceitasse, sem mais, elaborar uma resposta à nota de culpa com um teor totalmente confessório (e, portanto, susceptível de comprometer a posição da sua cliente), apenas com base numa alegada “promessa” que havia sido efectuada pelo gerente da loja.
Ou seja, tudo ponderado, inexistem nos autos quaisquer elementos que permitam beliscar minimamente a validade da declaração confessória efectuada pela Trabalhadora na resposta à nota de culpa.
Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração (art. 255º, nº 1, do Código Civil).
São requisitos para que se verifique a coação: a ameaça deve ser a causa determinante do acto, deve ser grave, injusta, actual ou iminente, que traga justo receio de grave prejuízo e que o prejuízo recaia sobre a pessoa, seus bens, a pessoa de sua família ou aos bens desta. Na falta de qualquer um destes requisitos não é caracterizada a coação, pois eles precisam ser concomitantes.
O vício do negócio, no caso da coacção moral não é propriamente a coacção, mas antes o medo. A decisão negocial que é determinada ou extorquida por medo está viciada por falta de liberdade suficiente. A coacção moral distingue-se, assim, com facilidade, da chamada coacção física, a coacção absoluta, porque no caso da coacção moral existe vontade negocial, embora viciada pelo medo, enquanto na coacção absoluta, simplesmente não há vontade negocial.[13]
No caso da coacção pode distinguir-se com justeza entre causalidade e essencialidade. É necessário que a ameaça tenha sido causal, para provocar o medo; e é necessário que o medo tenha sido essencial para levar o agente a contratar. Se este teria contratado de qualquer maneira, houvesse ou não medo, houve causalidade, mas não essencialidade da ameaça. Se houve medo, mas resultante de outra causa, e não da ameaça, pode ter sido essencial, mas a ameaça não foi causal.[14]
Como se pode constatar não se demonstrou que a recorrente tenha sofrido qualquer ameaça, que lhe tenha provocado medo, o qual tenha sido causal da declaração que redigiu e assinou.
O ónus de prova dos requisitos em causa teria, obviamente, que ser provado pela recorrente (art. 342º, nº 2, do Código Civil), o que não ocorreu. Ainda que se desconsiderasse o depoimento da testemunha, como pretende a recorrente, sendo certo que, ouvido o mesmo, se sufraga a convicção do juiz a quo, não logrou a recorrente fazer prova do que aqui alega.
Assim, não se verificou qualquer violação dos arts. 25º, nº 1, ou 32º, nº 8, da Constituição.
Não merece, pois, censura a decisão quanto a esta questão.
2.3. Alíneas cc), dd), ii), jj), kk), ll) da matéria de facto provada
Alega a recorrente: Não resulta dos autos qualquer prova que demonstre estes factos, isto é, que a trabalhadora colocou as embalagens no saco do lixo e que transportou este para a sala do lixo. (…) Destes depoimentos resulta que ninguém viu colocar as embalagens no saco do lixo, este na sala destinada ao seu armazenamento e, principalmente, que durante quase 4 (quatro) horas várias pessoas foram à sala do lixo e que qualquer uma dessas pessoas podia transportar as embalagens ou, até, inseri-las dentro do saco, já depois deste colocado na sala do lixo. Mais, sem que existam imagens desse período, a testemunha D… afirma que só foi ao lixo uma hora e meia depois da trabalhadora sair da loja... Qualquer outro funcionário podia ter levado as embalagens nesse período. Pelas razões aqui apontadas, não podiam estes factos ter sido declarados como provados.
Consta da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto:
Passemos agora para a matéria fulcral desta acção, que é a que consta dos artigos 34º a 68º do articulado de motivação do despedimento, toda ela relacionada com os factualidade imputada pela Empregadora à Trabalhadora, ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2014, e que esteve na origem da decisão de despedir esta última.[15]
Ora, para a formação da convicção do tribunal sobre esta matéria foi absolutamente decisiva e essencial a confissão extrajudicial da própria Trabalhadora, expressa em dois momentos diferentes e através de duas vias distintas.
(...)
Ainda neste âmbito confessório, e em segundo lugar, teve o tribunal em consideração a confissão verbal dos factos, efectuada pela Trabalhadora no dia 20 de Janeiro de 2014, perante o seu gerente de loja.
Com efeito, e tal como referiu a testemunha F…, no dia seguinte àquele em que a Trabalhadora pegou nos produtos, ele chamou-a ao seu gabinete e mostrou-lhe os respectivos invólucros vazios, na sequência do que aquela de imediato admitiu ter-se apropriado de dois dos referidos produtos e, por sua própria iniciativa, decidiu pagar o preço dos mesmos.
Esta versão dos factos foi depois admitida pela própria Trabalhadora, quer na resposta à nota de culpa (em que a confissão foi integral e sem reservas); quer ainda em sede de depoimento de parte prestado no decurso da audiência de julgamento (embora aqui a Trabalhadora tenha apresentado, pela primeira vez, uma justificação para todo esse seu comportamento, que apreciaremos mais à frente).
Ora, nesta parte importa começar por não olvidar o disposto no artigo 358º nº 3 do Código Civil, nos termos do qual “a confissão extrajudicial não constante de documento não pode ser provada por testemunhas nos casos em que não é admitida prova testemunhal; quando esta seja admitida, a força probatória da confissão é livremente apreciada pelo tribunal”.
No caso presente, não estamos perante nenhum dos casos de inadmissibilidade de prova testemunhal, previstos no artigo 393º do Código Civil, pelo que compete ao tribunal apreciar livremente a força probatória desta confissão extrajudicial verbal da Trabalhadora.
E, face a todo o enquadramento que temos vindo a descrever, desde já adianto que a mesma me parece absolutamente relevante e significativa.
É certo que, em sede de depoimento de parte, a Trabalhadora afirmou que apenas efectuou tal declaração para não prejudicar a sua colega H…, uma vez que esta tinha menos anos de serviço e, portanto, seria mais facilmente alvo de um despedimento do que ela própria. Em consequência, o gerente de loja aconselhou-a a assumir os factos e a pagar o preço dos produtos, como forma de garantir que não seria despedida.
Ora, e desde logo, sabemos já que este aconselhamento do gerente não foi minimamente confirmado no âmbito das diligências instrutórias oficiosamente levadas a cabo pelo Tribunal.
Contudo, existe aqui um outro elemento muito relevante, que não pode deixar de ser ponderado e apreciado criticamente. Com efeito, se a Trabalhadora aceitou pagar o preço dos produtos apenas para proteger a sua colega H…, então era natural e perfeitamente compreensível que ela pedisse a esta última que, pelo menos, lhe restituísse a quantia que teve de desembolsar.
Porém, a Trabalhadora reconheceu perante o Tribunal que nunca pediu tal dinheiro à colega, sendo certo que não deu qualquer explicação minimamente pertinente para tal omissão.
Ora, não é crível que um trabalhador que nada fez de errado se “sacrifique” desta forma para “salvar” um colega: assumindo um furto praticado por este, mesmo sabendo que poderá sofrer consequências disciplinares graves; e pagando o preço dos produtos furtados, ainda por cima assumindo o prejuízo daí resultante.
Daí que também aquelas declarações verbais efectuadas pela Trabalhadora no dia 20 de Janeiro perante o gerente de loja tenham de ser consideradas como uma confissão perfeitamente válida e relevante.
A acrescer a estas duas confissões extrajudiciais existem ainda todas uma série de outros elementos de prova complementares que assumiram grande relevância para o Tribunal.
Desde logo, o depoimento da testemunha D…, à data vigilante do estabelecimento, o qual confirmou integralmente os factos constantes dos artigos 38º a 41º; 45º a 48º; 52º a 55º e 60º a 64º do articulado de motivação do despedimento.
Já a testemunha F… corroborou totalmente o que consta dos artigos 47º; 48º; 52º a 60º e 64º a 68º do articulado de motivação do despedimento.
Por sua vez, a testemunha G… confirmou a factualidade vertida nos artigos 44º a 46º e 60º a 64º daquele mesmo articulado.
Muito importante foi também o depoimento da testemunha H…, colega da Trabalhadora que esteve também envolvida no episódio aqui em apreciação.
É certo que a fidedignidade desta testemunha poderia, à partida, suscitar algumas reservas ao tribunal, uma vez que a mesma tem também um processo em tudo idêntico a este a correr termos, no qual defende uma posição totalmente conflituante com a aqui Trabalhadora.
Sucede, contudo, que a versão por ela apresentada e descrita no decurso da sua inquirição revelou uma característica essencial que faltou sempre à Trabalhadora ao longo de todo o processo: coerência.
Com efeito, desde o primeiro momento em que foi confrontada pelo gerente de loja, que ela negou sempre veementemente a acusação de ter praticado o furto em conluio com a Trabalhadora, razão pela qual desde logo se recusou a pagar o preço de quaisquer dos produtos em falta. Depois, ao longo de todo o procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, ela continuou sempre a negar a prática dos factos, posição que manteve intocável, na qualidade de testemunha, no decurso da audiência de julgamento deste processo. Ora, neste âmbito, ela explicou que a Trabalhadora lhe pediu para ir com ela ver lubrificantes para automóveis, porque precisava de comprar um. Chegadas ao respectivo departamento, a Trabalhadora não fazia a mínima ideia de qual o tipo de óleo que deveria comprar, pelo que desistiu de proceder à compra. Não obstante, disse à testemunha que precisava de uma série de acessórios para automóveis, designadamente panos de limpeza e ambientadores. Pediu então à testemunha que a ajudasse a levar alguns desses produtos até ao atelier da fruta, onde os iria guardar até à hora de saída. A testemunha apenas começou a estranhar o comportamento da Trabalhadora quando esta, ao aperceber-se da presença do vigilante D…, disse inopinadamente em voz alta que esperava que a cliente viesse buscar aqueles produtos. Tal comportamento suscitou grande estranheza à testemunha, a qual confrontou então a Trabalhadora com o mesmo, tendo esta respondido que agiu dessa forma porque não queria que o vigilante soubesse que ela ia guardar produtos para ela própria, uma vez que tal prática não era permitida. A testemunha aceitou a explicação dada, até porque, apesar de contrária às regras, aquela era uma prática habitual no estabelecimento.
Contudo, a meio da tarde apercebeu-se que a Trabalhadora se deslocou ao atelier da fruta, pelo que decidiu ir lá ter com ela. Constatou então que a Trabalhadora se estava a apropriar dos produtos que havia guardado horas antes, bem como de um rímel que trazia no bolso da bata. A testemunha confrontou a Trabalhadora com a sua conduta, a qual lhe respondeu que não se preocupasse porque ninguém ia dar por nada. A testemunha ficou chocada, mas decidiu não contar nada a ninguém pois não queria ser a causadora de que a Trabalhadora pudesse viera ser despedida. Daí que, quando pela primeira vez confrontada pelo gerente, ao final dessa tarde, tenha afirmado a este que os produtos em causa eram para uma cliente.
Mais tarde, já em casa, recebeu um telefonema da Trabalhadora, a qual lhe perguntou o que é que ela tinha dito ao gerente, após o que lhe referiu que conseguiu tirar os produtos da carteira e coloca-los na sua roupa, aproveitando uma ocasião em que o gerente e o vigilante se ausentaram do escritório por alguns momentos.
Ora, independentemente de quaisquer juízos de valor que se possam fazer sobre a veracidade ou fidedignidade desta versão dos factos, a verdade é que a mesma apresenta um fio condutor, uma sequência descritiva lógica, que a permite, pelo menos, analisar criticamente.
Já a Trabalhadora, ao invés, das duas vezes em que teve a oportunidade de o fazer (depoimento de parte e acareação) não conseguiu apresentar ao Tribunal uma versão minimamente consistente ou estruturada dos factos, denotando sempre uma enorme dificuldade de articulação de ideias e optando constantemente por afirmações conclusivas e opinativas, que em nada ajudaram a esclarecer a verdade.
Além disso, nas poucas vezes em que se reportou a factos concretos, ela entrou em total contradição com outros elementos de prova que para o tribunal são insofismáveis. Foi o que sucedeu, por exemplo, quando negou que alguma vez tenha dito em voz alta que os produtos eram para uma cliente, facto que, como já referimos, foi amplamente confirmado (e dissecado) quer pela H…, quer pelo vigilante D….
Além disso, ela negou também que alguma vez tenha pegado em algum produto das prateleiras, explicando que quando a H… a abordou, já os trazia com ela nas mãos.
Ora, esta afirmação é absolutamente falsa, como se pode constatar através da visualização das imagens de videovigilância juntas aos autos, das quais resulta claramente que a Trabalhadora se encontrava nas prateleiras a recolher produtos na companhia da sua colega.
Procedeu-se à audição de toda a prova testemunhal produzida em audiência e nenhuma censura merece a decisão.
Encontrando-se devidamente reproduzida a parte essencial dos depoimentos e correctamente analisada a mesma.
A recorrente limitou-se a referências pontuais dos depoimentos, sendo as suas conclusões afastadas pela análise global dos meios de prova, da qual resulta evidente a prova da matéria em causa.
O facto de ninguém ter visto a recorrente a colocar o saco no lixo, não impede que tal se considere provado como consequência lógica do depoimento das testemunhas H..., colega da recorrente que a acompanhou quando esta retirou os produtos dos expositores e os colocou na área das frutas e mais tarde a viu recolher os mesmo, tendo dito que só nessa altura a recorrente juntou um rímel que trazia no bolso, e D…, que, como já se referiu, viu a recorrente retirar um saco de lixo do mesmo local.
Isto para além da demais e exaustiva prova que consta da fundamentação.
2.4. Alíneas mm) e pp) da matéria de facto provada
Alega a recorrente: Os pontos mm e pp são inconciliáveis: como é que a trabalhadora foi pagar de imediato se apenas fez o pagamento às 12:13?
É certo que a testemunha D…, e não F… como refere a recorrente referiu que a recorrente procedeu ao pagamento dos produtos, logo após esta ter assumido os factos perante o gerente da loja, F….
Por seu lado, este referiu que reuniu com a recorrente no seu gabinete por volta das 7.00 horas, antes de abrir a loja.
Ora, para além da irrelevância de uma eventual discrepância de horas, certo é que ficou por determinar quanto tempo o gerente ficou a conversar com a recorrente e a colega desta que a acompanhara no dia anterior, H…, sendo porém previsível que não tenha sido uma conversa rápida.
Assim, não se atende à impugnação em causa, pelo que se mantém a matéria de facto conforme fixada em primeira instância.
3. Inexistência de justa causa para o despedimento
Alega a recorrente: Considerando que: - a trabalhadora foi admitia ao serviço da Empregadora há 19 anos; - nunca a trabalhadora, ao longo desses 19 anos, tinha praticado qualquer infracção disciplinar; - os bens em causa eram de diminuto valor [€ 5,78 (2,49 + 3,29)]; - a trabalhadora pagou de imediato e voluntariamente os bens o despedimento é uma sanção disciplinar exagerada. A antiguidade da trabalhadora (19 anos), o seu bom comportamento anterior, o valor diminuto dos bens e o seu imediato pagamento devem funcionar como atenuantes do comportamento. Com estas atenuantes, não é verdade que o comportamento culposo da trabalhadora tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Até porque a própria Empregadora só suspendeu a trabalhadora cerca de 40 dias depois dos factos (19.01.2014 /28.02.2014).
Nos termos do art. 338º do Código do Trabalho, é proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
O art. 351º do mesmo Código define justa causa de despedimento como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, especificando no seu nº 2, al. a), que constitui, nomeadamente, justa causa de despedimento a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores.
Finalmente esclarece o nº 3 do mesmo preceito que na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Por seu lado, estatui o art. 330º do Código do trabalho que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
Podemos, pois concluir que a noção legal de justa causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bónus pater familias, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.[16]
A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objectivo,[17] numa perspectiva de inexigibilidade da sua manutenção, que resulta de um comportamento que afecta, de modo irreparável, a relação de confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjectiva, criando, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador.
Conforme salienta Monteiro Fernandes, não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo. Assim, a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória.[18]
A determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes (intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes), se conclua pela premência da desvinculação.[19]
O que releva é se, em consequência da conduta do autor, fica definitivamente prejudicada a relação de confiança e lealdade essenciais à manutenção da relação de trabalho.
Considerou-se na sentença sob recurso: no caso em análise estamos perante o caso de um furto praticado pela Trabalhadora. Neste âmbito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo há muito a entender, de forma pacífica e unânime, que o furto de bens pertencentes ao empregador configura uma violação grave do dever de fidelidade, independentemente do valor subtraído, que justifica a aplicação da sanção de despedimento, na medida em que acarreta irremediavelmente a perda da confiança do empregador no trabalhador.
Concluindo: Assim sendo, e sob esta perspectiva, é de concluir que a conduta da Trabalhadora, ao furtar os produtos expostos para venda no estabelecimento da Empregadora, é apta a provocar nesta última a perda irremediável da confiança naquela, assim tornando insustentável e inexigível a manutenção do vínculo laboral com a mesma. Face ao exposto, apenas resta concluir pela existência, em concreto, de justa causa para o despedimento da Trabalhadora.
Não merecem censura as considerações tecidas na sentença, as quais igualmente mereceram a concordância do Ministério Público.
Contrariamente ao que pretende a recorrente, o que está em causa não é a prática pela mesma de um furto, mas sim a violação dos seus deveres como trabalhadora, resultando claro dos autos que agiu em violação dos deveres que resultavam das orientações que conhecia e dos regulamentos da empresa.
Consequentemente, violou os deveres de fidelidade e lealdade/probidade, tanto mais que a violação de tais deveres consubstanciam igualmente a violação do dever de obediência à entidade empregadora, uma vez que existiam legítimas e expressas instruções para a aquisição de bens comercializados na loja, por parte dos trabalhadores.
Para Monteiro Fernandes, em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de execução leal tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa.[20]
Lembra Júlio Gomes que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.[21]
A violação de tais deveres assume gravidade suficiente para justificar a sanção de despedimento com justa causa, uma vez que comprometeu irremediavelmente a relação de confiança indispensável para a manutenção da relação contratual.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Porto, 19-10-2015
Rui Penha - relator
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
____________
[1] Regina Redinha, Os Direitos de Personalidade no Código do Trabalho: Actualidade e Oportunidade da sua Inclusão, em A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 166.
[2] Miguel Basto, Da (I)Legalidade da Utilização de Meios de Vigilância Electrónica (Para Controlo do Desempenho Profissional do Trabalhador), pág. 11, acessível em www.verbojuridico.com.
[3] Miguel Basto, cit., pág. 15, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-5-2006, processo 872/2006-4, relatora Isabel Tapadinhas, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-5-2011, processo 379/10.6TTBCL-A.P1, relatora Paula Leal de Carvalho, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Conforme David de Oliveira Festas, O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no Código do Trabalho, nota 121, ROA, ano 64, vol. I/II, Nov, 2004, citado pelo Magistrado do Ministério Público, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 9-11-2010, processo 292/09.0TTSTB.E1, relator Gonçalves Rocha, e de 7-12-2012, processo 292/09.0TTSTB, relatora Paula do Paço, do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2011, processo 17/10.7TTBRR.L1-4, relatora Paula Sá Fernandes, de 6-6-2012, processo 18/09.8TTALM.L1-4, relatora Maria João Romba, e de 8-10-2014, processo 149/14.2TTCSC.L1-4, relator Jerónimo Freitas, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-12-2014, processo 231/14.6TTVNG.P1, relator António José Ramos (aqui adjunto), acessível em www.dgsi.pt/jtrp, citando Teresa Alexandra Coelho Moreira, Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra: Almedina,2011, págs. 288 e 296, e A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador”, Coimbra: Almedina, 2010, pág.. 577.
[6] Veja-se, por todos, o acórdão do STJ de 8-2-2006, processo 05S3139, relator Fernandes Cadilha, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Acórdão do STJ de 13-11-2013, processo 73/12.3TTVNF.P1.S1, relator Mário Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[8] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pág. 704.
[9] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 3ª edição, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pág. 140.
[10] Veja-se igualmente Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, págs. 689-690.
[11] Acórdão do STJ de 14-5-2008, processo 08S643, relator Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-6-2008, processo 0840017, relatora Albertina Pereira, acessível em www.dgsi.pt/jtrp. Veja-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22-4-2012, processo 73/12.3TTVNF.P1, relator António José Ramos, e de 22-9-2014, processo 324/13.7TTVLG.P1, relatora Maria José Costa Pinto, igualmente acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp.
[12] A título meramente exemplificativo veja-se o acórdão do STJ de 30-9-2009, processo 09S0623, relator Sousa Grandão, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[13] Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, vol. II, Coimbra: Almedina, 2002, pág. 28.
[14] Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, vol. II, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pág. 148.
[15] A matéria em questão consta dos artigos 49º a 51º e 60º a 64º do articulado motivador.
[16] Acórdão do STJ de 27-6-2007, processo 07S1050, relator Sousa Grandão, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[17] Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, pág. 250, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, págs. 947 e 952, e João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 371.
[18] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 557 e 575.
[19] Acórdão do STJ de 25-1-2012, processo 268/04.3TTLSB.L1.S1, 4ª Secção, relator Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[20] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 231-234.
[21] Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pág. 951,