ARROLAMENTO
DEPÓSITO BANCÁRIO
HERANÇA
Sumário

I - O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens litigiosos e tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardando a sua conservação.
II - Fazendo parte dos bens da herança indivisa, depósitos bancários, os herdeiros, cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto dos bens e não, relativamente aos depósitos bancários, a uma parte certa e determinada.

Texto Integral

PROCESSO Nº124/14.7T8AMT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto – Secção Cível:

B…, residente na rua …, …, …, Amarante requereu contra C…, D… e mulher e E… e marido “o arrolamento da totalidade do saldo existente na conta bancária D.O nº .-…….-…-… e das aplicações a ela associadas, incluindo da conta rendimento nº …….-…-…, sedeadas na Balcão do Banco F…, sito na Rua, em Amarante, uma vez que estas resultam da transferência do saldo da conta D.O. nº .-…….-…-.. em 29.08.2013, no mesmo balcão, este proveniente da mobilização de aplicações a prazo, que eram propriedade do casal da falecida e do 1º requerido.”

Por sentença de 4.02.2015, proferida a fls.81 a 85 foi decidido:
“Pelo exposto, julga-se procedente o presente procedimento cautelar, e determina-se o arrolamento do saldo da conta de depósito com o n.º …………., do F…, cumprindo-se o disposto no art.ºs 406.º, n.ºs 1 e 5 e 780.º do Código de Processo Civil.
Valor: €45.116,47 - art.º 304.º, n.º 3, al. f) do CPC.
Custas pela requerente, a atender no processo principal (art.º 539.º, n.º 1 do CPC, e art.º 7.º, n.º 4 do RCP).
Registe.
Notifique o requerente.
Após o arrolamento, proceda à notificação dos requeridos, nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 365.º, n.º 3, 293.º, n.º 2, e 366.º, n.ºs 1 e 6, todos do CPC.”

Notificado desta decisão veio o requerido C… deduzir oposição ao arrolamento apenas e na medida da sua extensão, mantendo-se o arrolamento de apenas metade do saldo da conta bancária identificada nos autos, alegando que o dinheiro existente na mesma é fruto das economias do casal constituído pelo requerido e pela falecida G…, sendo certo que apenas metade pertencerá à herança da falecida.
Por outro lado, o requerido tem 82 anos de idade e graves problemas de saúde o que co-envolve avultadas despesas que o mesmo não consegue custear com os € 605 euros que aufere de pensão de reforma.
Terminou, peticionando a redução do arrolamento a apenas metade da conta.

Inquiridas as testemunhas arroladas foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Julgo a oposição inteiramente procedente por provada e, em consequência determino que o arrolamento se mantenha apenas quanto a metade do saldo da conta n.º …………. do F….”

Inconformado veio o requerente B… interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
«1- Determinado o arrolamento do saldo de uma conta bancária que faz parte de uma herança indivisa, não deve ser ordenada a sua redução a metade, em sede de oposição, com o fundamento de que o opoente/requerido, cônjuge viúvo da autora da herança, com quem foi casado no regime de comunhão geral, tem direito a metade desse saldo.
2- Também não deve fundamentar a decisão a alegação de que a pensão de reforma do opoente não é suficiente para satisfazer as suas necessidades de subsistência.
3- No caso dos autos, o apelante entende que os pontos da matéria de facto constantes das alíneas N) e O) da decisão devem ser tidos como não provados, porque sobre tal matéria não foi feita prova suficiente.
4- Alegando o requerido/opoente, no seu articulado que: “tem dificuldades de locomoção e outros problemas de saúde” (nº 7); “O que acarreta despesas avultadas” nº 8; “Para além das despesas correntes com alimentação, vestuário e outras”, nº 9, cabia-lhe o ónus de, ainda que indiciariamente, carrear elementos concretos para a sua prova.
5- A prova testemunhal e por declarações de parte produzida em audiência, desacompanhada de outros elementos, nada diz sobre a relação entre os rendimentos do opoente e as suas necessidades.
6- Alegando que dispõe de uma reforma de 605 euros mensais, não juntou qualquer documento comprovativo emitido pela Segurança Social, nem quanto ao indicado valor mensal, nem quanto ao valor anual;
7- E do duplicado de Apoio Judiciário junto ao requerimento de oposição, consta que o seu rendimento líquido anual é de 10.200,00 euros, a impor a apresentação de Declaração de IRS.
8- Quanto aos encargos apenas alegou vagamente despesas com alimentação, fraldas, medicamentos, sem qualquer especificação de montantes ainda que médios ou aproximados, podendo ter junto recibos de farmácia, comprovativos de pagamento de eventuais taxas moderadoras ou de consultas, recibos de electricidade.
9- Nem a testemunha H…, cujo depoimento se encontra gravado no sistema digital em uso no Tribunal, desde minutos 00:13:05 até 00:24:00, nem a requerida E…, cujas declarações estão gravadas desde 00:24:24 até 00:38:23, concretizaram verbas mensais regulares de qualquer consumo.
10- À instância da signatária, entre os minutos 00:11 e 00:23, sobre as condições da habitação, a testemunha H…, respondeu que a casa não tem água quente, nem aquecimento e que, no Inverno, ligam um aquecedor quando o colocam (o requerido) na cadeira.
11- O que foi corroborado pelas declarações da requerida E….
12- Ainda à instância da signatária, quer a testemunha H…, quer esta requerida, perguntadas sobre se tinha havido alterações na vida do requerido, desde a morte de sua falecida mulher responderam que não; que “apenas está mais acamado” referiu a testemunha.
13- Analisado o extracto da conta à ordem, nº …….-…-…, que era titulada pelo oponente e sua falecida mulher, junto pelo banco F…, abrangendo o período temporal desde 31 de Outubro de 2006 a 29 de Agosto de 2013, verifica-se que em 2013 apenas ocorreu um levantamento de 284 euros, em 03.05.2014, aquando do lançamento nesta conta dos juros de depósitos a prazo;
14 - E nos anos que antecedem também só há levantamentos nas datas em que ocorre o lançamento de tais juros – Maio e Novembro.
15- Em 2013 e nos anos anteriores, o casal do oponente satisfez as suas necessidades sem recorrer à mobilização das suas economias.
16- Não tendo ocorrido grandes alterações na situação pessoal do oponente desde então, não estão preenchidas as invocadas necessidades que fundamentaram o decidido.
17- Impondo-se as pretendidas alterações na matéria de facto dada como provada.
18 - Mas ainda que assim fosse, o saldo existente à data do óbito, sendo bem comum do casal da falecida e do opoente, integra pela sua totalidade a herança indivisa, não tendo o opoente direito a dispor de metade da quantia arrolada, como se estivéssemos perante o regime de compropriedade.
19 - A quota ideal a que o herdeiro, ou meeiro, tem direito, só se materializa no momento da partilha, pela atribuição de um direito real sobre bens determinados.
20 - Assim o tem entendido a doutrina e a jurisprudência, nomeadamente:
a) O acórdão do TRL de 27.05.2010, proferido no âmbito do Proc. 1197/02.0 PHLRS, onde se consignou que enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados” nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um”; até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
b) Ou o Acórdão do STJ de 30.01.2013: I- Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina da especialidade, apontam decisivamente no sentido de que só se pode dividir os bens da herança de que se seja proprietário, ou seja, que tenham sido atribuídos aos herdeiros em partilha previamente realizada.
II - A ratio de tal solução é muito simples: é que, até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.
III - É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é a herança e que preencherão aquelas quotas.
Por isso, assim se ponderou no aresto deste Supremo Tribunal, de 04-02-1997 supra citado: «A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará».
c) E do Tribunal da Relação do Porto, o Acórdão de 07.07.2005, do Desembargador Fonseca Ramos: Na herança indivisa, por se tratar de um património autónoma segundo uns, ou de universalidade, segundo outros, inexiste qualquer situação de compropriedade.
21- Também não é caso de se aplicar o regime previsto no Código Civil em sede de obrigações solidárias, já que tal regime tem aplicação apenas nas relações internas entre o Banco e os titulares da conta, independentemente de se saber a quem pertence o saldo.
22- Tendo decidido reduzir o arrolamento em metade do saldo da conta bancária identificada, a sentença fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2024, 2074 e 2119 do Código Civil.
SEM PRESCINDIR
23- Mesmo que se tenha como provado que as necessidades do requerido/oponente não ficam totalmente satisfeitas com os seus rendimentos disponíveis - e haveria de se saber quais são de facto - nem por isso se justifica a redução do arrolamento, nos termos em que foi decidido.
24 - Se assim for o oponente deve lançar mão de outros meios processuais para obter a satisfação das suas necessidades básicas, tendo em vista o disposto nos artigos 2018 e 2092 do Código Civil.
25- Sempre tendo em conta que não foi afastado nenhum dos fundamentos invocados e provados inicialmente e que justificaram o arrolamento.»

Contra alegou o recorrido C… concluindo:
«1. No que tange à impugnação da matéria de facto, entende o recorrido que o recorrente não cumpre os ônus previstos no art. 640.º, n.º 1 e 2 do C. P.C.
2. Limitando-se, de forma genérica, a pôr em causa a matéria de facto considerada provada, sem no entanto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e que, em seu entender, impunham decisão diversa da matéria da facto. Tal omissão implica a imediata rejeição do recurso nessa parte (cfr. art. 640.º, n.º 2 do C.P.C.).
3. Sem prescindir, ainda que se considere que o recorrente impugna validamente a matéria de facto, a reapreciação da prova conduzirá à confirmação da matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo.
4. Resultando dos depoimentos prestados, quer o modesto valor da reforma auferida pelo recorrido, quer a sua situação de doença e debilidade física.
5. Sendo certo que não estava o oponente impedido de fazer prova dos factos alegados por meio de prova testemunhal e declarações de parte, pois que nenhum preceito legal obrigava que in casu fosse necessariamente produzida prova documental.
6. Deverá, pois, manter-se inalterada a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo.
7. Do mesmo modo que deverá manter-se inalterada a decisão de direito.
8. Sem pôr em causa a bondade do raciocínio expendido nas doutas alegações, quanto ao regime jurídico da comunhão conjugal ou hereditária e da compropriedade, bem como o teor e acerto dos doutos acórdãos aí citados, importa não perder de vista o objeto dos presentes autos e o escopo visado pelo recorrido ao apresentar a sua oposição ao arrolamento.
9. Compulsada a oposição apresentada pelo recorrido, e ressalvada alguma eventual falta de rigor técnico de que desde já nos penitenciamos, constata-se que o mesmo pretendia obviar ao “congelamento” da totalidade do saldo da conta bancária arrolada, de modo a não se ver impedido de movimentar a parte correspondente à sua meação, para fazer face às suas despesas correntes.
10. Sendo certo que assente que está o valor do saldo da conta bancária à data do óbito da inventariada, procedendo-se ao arrolamento de metade desse valor, estará salvaguardado o direito dos herdeiros sobre a justa partilha dos bens da herança.
11. Pelo que, manter o arrolamento da totalidade do saldo da conta bancária, nos termos inicialmente ordenados, seria desvirtuar a ratio legis do arrolamento e permitir que o mesmo fosse usado para outros fins que não aqueles que o legislador pretendeu salvaguardar (v.g., preservação do património do cônjuge sobrevivo).
12. Por outro lado, importa ter em consideração a própria natureza do arrolamento e a forma de o efetivar, pois que, o arrolamento consiste na mera descrição, avaliação e depósito dos bens e não na respetiva apreensão e impossibilidade da sua utilização.
13. Tem sido este, de resto, o entendimento da jurisprudência, espelhado em diversos acórdãos. A título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão da
Relação de Lisboa, de 12-11-2014, Proc. 273/14.1TBSCR-B.L1-8, disponível em www.dgsi.pt onde se refere que “O arrolamento de depósitos bancários não invalida a sua possível movimentação pelo seu titular, já que este arrolamento especial não pretende impedir a normal utilização dos bens arrolados”.
14. No mesmo sentido, em situações análogas à presente, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-10-2006, proferido no P. 368/06-3; acórdão da Relação de Guimarães de 19-06-2014, proferido no P. 1281/12.2TBEPS-B.G1 e acórdão da Relação do Porto de 21-01-2008, P. 0754997, todos disponíveis em www.dgsi.pt
15. Assim, e na hipótese de se entender que o arrolamento deveria incidir sobre o saldo da conta, na sua totalidade, sempre poderia o tribunal autorizar o recorrido a movimentar metade do respetivo saldo.
16. E embora esse pedido, nesses concretos moldes, não tenha sido expressamente formulado na oposição oportunamente apresentada, assente que está o objetivo do recorrido, poderia o tribunal decidir nesses termos, uma vez que como é consabido, não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e está investido do dever de gestão processual (cfr. arts. 5.º e 6.º do C. P. C.).»

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
“Factos indiciariamente provado da decisão de Arrolamento e que não foram postos em causa nesta oposição:
A)Em 24 de agosto de 2013 faleceu G…, no estado de casada com o 1.º requerido, C….
B) O requerente, B…, e os 2.º e 3.º requeridos, D… e E…, são filhos daquela falecida e do 1.º requerido, C….
C) À data do óbito de G…, esta e o seu marido, o 1.º requerido, C…, eram titulares das seguintes contas bancárias no banco F…, balcão de Amarante:
a. Conta de depósitos à ordem n.º ……./…/…, que apresentava à data de 24/08/2013, o saldo de €64,00;
b. Conta de Poupança reformado n.º ……./…/…, que apresentava à data de 24/08/2013, o saldo de €45.116,47.
D) Em 29 de agosto de 2013, o saldo referido em C)b. foi mobilizado para a conta de depósito à ordem referido em C)a.
E) Na mesma data, o referido montante foi mobilizado para a conta n.º .-……../…/…, aberta nesta data com o referido saldo.
F) Na mesma data, aquele valor foi mobilizado pata a conta n.º .-…….-…-…, aberta também nesta data com o referido saldo.
G) A conta bancária referida em F) é uma conta Poupança Rendimento, titulada pelos requeridos C…, D… e E…, exigindo-se a assinatura conjunta dos 2.º e 3.º titulares para a movimentação.
H) Em 3 de Janeiro de 2014 foi depositada na conta referida em E) a quantia de €1257,66.
I) Após esta data, esta conta D.O. revela os seguintes movimentos a débito, efectuados após mobilização de quantias do Depósito a Prazo e que são as seguintes:
a. Em 26 de maio de 2014, o levantamento da quantia de €2.740,00, após mobilização da quantia de 1488,00 do depósito a prazo;
b. Em 25 de agosto de 2014, data de vencimento deste depósito, o mesmo foi mobilizado para a conta à ordem e constituído o depósito a prazo nº ………......, pela quantia de €41.000,00, tendo sido levantada a quantia €3.120,00;
c. Em 24 de Novembro de 2014, ocorreu nova mobilização do depósito a prazo, pela quantia de €2.800,00, tendo sido levantada a quantia de €2.796,36.
J) Assim, desde a data de constituição das contas tituladas pelos requeridos, com dinheiro proveniente da conta mencionada em C), e até 24 de Novembro de 2014, foi já levantada a quantia total de €8.656,36.
K) Em 1 de Abril de 2010, a falecida G…, e o seu marido, o 1.º requerido, C…, doaram o prédio urbano de que eram proprietários, comporto por casa de habitação, com a área coberta de 61 m2 e logradouro de 900 m2, inscrito na matriz sob o artigo 194, da freguesia de Telões, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3397/20100430, proveniente da descrição n.º em livro n.º 44452, ao 2.º requerido, para integrar a comunhão conjugal deste, reservando o usufruto até à morte do último.
Factos da Oposição
L) O dinheiro existente nas contas referidas em C é fruto das economias do
casal constituído pelo requerido e pela falecida G….
M) O requerido tem 85 anos de idade.
N) Tem dificuldades de locomoção e é uma pessoa doente.
O) Aufere uma pensão de reforma de € 605 euros mensais.”


O DIREITO.
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, e 639º, ambos do Novo Código Processo Civil “ex vi” artºs. 5º, e 7º, da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho.
Assim, as questões que se colocam são:
- reapreciação da matéria de facto e consequentemente a alteração da mesma.
- erro de julgamento de direito.

Analisando a primeira questão -reapreciação da matéria de facto e eventual alteração da mesma, dispõe o artigo o art. 640º do Cód. Proc. Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto” que:
“1- Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al. b) do número anterior observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
De acordo com o preceito legal transcrito impõe-se que quando seja pedida a alteração da matéria de facto no recurso, o recorrente indique com rigor e precisão os concretos factos que pretende ver alterados e de que forma, indicando concretamente os meios provatórios (documentos e depoimentos de testemunhas e estes, quando gravados, as passagens que interessam e o local onde as mesmas se encontram). Ou seja, onera o recorrente com o dever de especificar os factos e os meios probatórios que, em concreto, questiona bem como o sentido decisório que devem ter as questões de facto impugnadas.
O legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Conforme se escreve no ac. desta Relação de 28.04.2014, proc. nº 2134/11.7TBPVZ.P1 “Sob pena de se desvirtuar a letra da norma, que vincula o intérprete nos termos do artigo 9.º do C. Civil, e a sua ratio, considerando a evolução legislativa no sentido da alteração do regime do recurso da matéria de facto, (D. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, D. Lei 183/200 de 10 de Agosto e o D. Lei 303/2007 de 24 de Agosto) e Lei 41/2013 de 26/06, este regime, ainda que convertendo em maior facilidade o ónus de todos os intervenientes, impõe a sua observação estrita, compatível com a sanção prescrita em função da enunciada omissão -a rejeição do recurso, no que a esta impugnação respeita.
Por outro lado, também o legislador no seguimento da orientação dos anteriores diplomas, que estatuíam sobre esta matéria, continua a não prever o prévio aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando o apelante não respeita o ónus que a lei impõe.
Desta forma, o efeito de rejeição não é precedido de despacho de aperfeiçoamento, o que se explica pelo facto da possibilidade de impugnação da decisão de facto resultar de uma alteração reclamada no domínio do processo civil e estar em causa a impugnação de decisão de matéria de facto que resultou de um julgamento em relação ao qual o tribunal “ad quem” não teve intervenção e por isso, só a parte interessada estará em condições de poder impugnar essa decisão.”
António Abrantes Geraldes refere – em comentário ao artigo 640º do NCPC – que (…) “O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos” (…) e acrescentado ainda que (…) “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (…) – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129.
No caso, o Recorrente discorda da matéria de facto vertida nas alíneas N) e O) dos factos dados como provados, indicando os meios de prova (prova documental – extractos bancários) e o depoimento da testemunha H… e declarações da requerida E… prestados em audiência de julgamento, que foram gravados e indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e indica a resposta que no seu entender devia ser dada – não provados.
Assim, o Recorrente deu cumprimento ao disposto no art.640º do Cód Proc. Civil, pelo que, cumpre reapreciar a matéria de facto em causa.
No entender do recorrente deve “ser revogada/alterada a decisão sobre a matéria de facto contante da sentença recorrida, dando-se não provada a matéria de facto constante das alíneas N) e O).
Consta da referidas alíneas o seguinte:
“O) Tem dificuldades de locomoção e é uma pessoa doente.
N) Aufere uma pensão de reforma de € 605 euros mensais.”
O Tribunal a quo fundamentou a matéria de facto dada como assente da seguinte forma:
“(…)- H…, neta do requerido que explicou que o dinheiro era dos seus avós, que o avô tem 85 anos de idade e está acamado, foi operado ao estômago e não anda sem ajuda, toma medicação diária, usa fraldas e tem um problema na próstata pelo que a sua reforma não cobre as suas despesas de alimentação e saúde, tanto mais que no Inverno as contas de electricidade são avultadas devido às despesas de aquecimento de uma pessoa que está todo o dia parada. Assim é a sua mãe e o seu tido que repõem a diferença entre a reforma e o rol de despesas.
- Declarações de parte da requerida I…, nora do requerido, que reportou que o dinheiro da conta era do casal, que o requerido tem 85 anos de idade, está retido no leito, carece de alimentação especial à base de sopas passadas e iogurtes, usa fraldas, foi operado ao estômago e toma medicamentos variados para a tensão arterial, colesterol, intestinos, é seguido em diversas consultas no Hospital de Penafiel o que co-envolve gastos com gasolina e portagens. 70 euros mensais não chegam para gastos, só com as fraldas que usa.”
Procedemos a audição integral dos depoimentos da testemunha H… e da requerida E…, que efectivamente disseram o referido na decisão recorrida. Depuseram com isenção, não deixando qualquer dúvida sobre a situação do requerido e a reforma por este auferido.
Analisamos os documentos referidos pelo recorrente – extractos bancários – os quais conjugados com os depoimentos supra referidos, não nos permitem de forma alguma, abalar a convicção do Tribunal a quo no sentido de ser dada como não provada a matéria de facto em causa.
Refira-se que que estamos perante uma providência cautelar em que a certeza dos factos não tem de ser absoluta, basta que seja essa a convicção do julgador.
Pelo que, nesta parte improcedem as conclusões da alegação de recurso.

Verificar-se-á o erro de julgamento de direito?
O tribunal a quo procedeu à redução do arrolamento decretado – do saldo da conta de depósitos com o nº…………., do F… – por ter entendido que o requerido, na oposição ao arrolamento decretado, conseguiu provar, pelo menos perfunctoriamente, que metade do dinheiro das contas da herança é seu e não integra a herança, dele carecendo para a sua sobrevivência em termos condignos.
E, entende o recorrente que, não tem aplicação à comunhão conjugal, nem à comunhão hereditária, o regime de compropriedade. O saldo existente à data do óbito, sendo bem comum do casal, integra a totalidade a herança indivisa. E, mesmo que se tenha provado que as necessidades do oponente não ficam totalmente satisfeitas com os seus rendimentos, o oponente teria de outros meios ao seu dispor, não se justificando a redução do arrolamento.
Quid júris?
O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens litigiosos e tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardando a sua conservação (art.406º do CPC). Segundo Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, vol.II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra 1981, pág. 105 «se uma pessoa pretende tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forme definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (...) do arrolamento»
O arrolamento consiste assim numa operação descritiva e arrolativa de bens pertencentes, no caso, à herança, existentes em determinado momento, concretamente na ocasião do auto de arrolamento (art, 406º do CPC, não tendo por finalidade uma apreensão efectiva dos bens, com a consequente retirada do domínio efectivo dos respectivos titulares.
O arrolamento das contas bancárias consiste na descrição e avaliação das contas e saldos das mesmas, sendo determinado e fixado o montante existente nas contas bancárias à data do arrolamento.
O arrolamento dos bens da herança, designadamente de depósitos bancários, não inviabiliza a sua possível movimentação pelo seu titular. Com o arrolamento não se pretende impedir a normal utilização dos bens arrolados, mas apenas obviar o seu extravio ou dissipação, que se atinge com a descrição, avaliação e depósito dos bens.
Como refere Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 123, diz que: “há dois interesses em conflito: o do requerente, no de se proceder à apreensão judicial dos bens; o do possuidor ou detentor, no sentido de se manter o statu quo. Se o interesse do primeiro merece protecção, não a merece menos o interesse do segundo. É dizer que, se é justo o decretamento do arrolamento necessário, é igualmente justo que não se autorize uma apreensão de bens sem base séria. Arrolar bens quando não haja receio de extravio ou dissipação é impor ao possuidor uma violência injustificada.”
Com o arrolamento não se pode pretender prejudicar o gozo e utilização normal que os bens possibilitam, daí que o depositário seja sempre o seu possuidor ou detentor. Só em casos excepcionais, havendo manifesto inconveniente, é que os bens são retirados da disponibilidade do seu possuidor. (art.408º do CPC)
No caso de depósitos bancários, os possuidores ou detentores dos bens, serão o titular/titulares da conta ou contas a arrolar (art.408º do CPC), ficando este ou estes como depositário, sendo o responsável e sobre quem recai os deveres impostos pelos artigos 1187º do CC e 760º, nº1 e 761do CPC.
Assim deve o titular das contas bancárias ser nomeado depositário.
Ora tratando-se de depósitos bancários pertencentes à herança indivisa, os herdeiros, cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto.
Como se escreve no Ac. RP de 29.01.2015, proc.164/03.1TABGC-C.G1.P1, publicado em www.djsi.pt “Tal direito decorre da posição jurídica de herdeiro em que ingressa e cuja qualidade assume pela aceitação e habilitação. Tem um conteúdo que se analisa em vários outros (como o de alienar o seu quinhão, peticionar bens da herança ou exigir partilha). Não é um direito real, pois não incide sobre as coisas do património, sobre os bens em conjunto dele integrantes, sobre qualquer um ou parte de algum especificado. Só deixa de ser assim, só se quantifica, determina e materializa quando, com o preenchimento do seu quinhão pelos bens concretos que lhe forem realmente atribuídos, em função das operações de partilha e das regras legais aplicáveis, cada herdeiro ingressa na titularidade do direito sobre aqueles e sucede na do de cujus (artº 2119º).
Como se diz no Acórdão do STJ, de 26-01-1999 “A comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (…), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.
Os herdeiros são titulares, apenas, de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas.
Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles».
Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário.
Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-somente, do direito «a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que esta fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (…).
Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança.
Com efeito, a partilha «extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (artº 2119º).
O que significa que com a partilha cada um dos herdeiros passa a ser considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, como resulta expressamente do apontado normativo.”
Sem embargo, o quinhão hereditário é, enquanto tal e independentemente dos bens que especificadamente venham a preenchê-lo ou dos encargos respectivos, susceptível, após aceitação pelo chamado e antes da partilha, de alienação como um direito (artºs 2124º a 2130º).
Com efeito, embora cada um dos vários herdeiros “não tenha um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles, detém todavia um direito de quinhão hereditário, ou seja, à respectiva quota-parte ideal da herança global em si mesma. Direitos estes de que tais herdeiros têm a propriedade”, podendo desta dispor nos termos do artº 1305º e mesmo onerá-la.”
Ora, constituindo o depósito bancário (dinheiro) um bem da herança, o requerente/recorrido não tem direito a metade desse dinheiro mas somente, pelo menos, a metade do quinhão hereditário dos bens que constituem a herança. Não tem direito a metade daquele dinheiro em concreto e sim a metade de todos os bens indiscriminados.
Pelo que visando o arrolamento descrever os bens existentes no momento em que foi requerido, o depósito bancário em questão devia, como foi inicialmente, ser objecto total de arrolamento.

Nestes termos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida;
- manter o arrolamento decretado na totalidade do depósito bancário em questão;
- Custas pelo recorrido.

Porto, 2015.10.19
Isabel São Pedro Soeiro
Maria José Simões
Abílio Costa