PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A MAIOR
REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I – Cessando o poder paternal com a maioridade, a obrigação dos pais contribuírem para o sustento do filho, atingida a maioridade, até que complete a sua formação profissional – art. 1880º do C. Civil – radica, antes de tudo, num dever moral e ético de assistência, em vista da completa formação profissional do filho maior.
II – A esta luz, não se vislumbra qualquer abuso do direito na pretensão de redução da prestação de alimentos por parte do progenitor que a tal se havia obrigado perante a filha, quando positivamente se apura que esta, tendo 29 anos de idade e a licenciatura concluída, também já completou a sua formação profissional.

Texto Integral

Proc. nº 202/04.0TMMTS-A.P1
Tribunal de origem: Instância Central de Matosinhos – 3ª Secção de Fª Men. (J2) – do T.J. da Comarca do Porto
Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Samões
2º Adjunto: Des. Vieira e Cunha

*
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
*
1 – RELATÓRIO
B…, residente na Rua…, Gondomar, requereu a alteração da prestação do montante da prestação devida a sua filha maior, C…, residente na Rua…, Matosinhos, por forma a que a mesma, sendo do valor mensal de € 800,00, passe a ter o valor mensal de € 150,00.
Para tal alega que, desde a data da fixação do montante relativo a alimentos devidos à sua filha, a sua situação patrimonial alterou-se, com a redução do seu vencimento em quase 50%.
Juntou documentos de fls. 9 a 13 e seguintes.
*
A requerida foi citada – fls. 15 – tendo vindo opor-se, a fls. 17 e seguintes, pronunciando-se pela improcedência do pedido.
Juntou documentos de fls. 23 a 40.
*
Realizou-se tentativa de conciliação (fls. 46) não tendo sido possível obter acordo.
Notificados para alegarem vieram requerente e requerida fazê-lo, a fls. 55 e seguintes e 47 e seguintes, respetivamente.
Realizou-se audiência de julgamento, com observância de todos os formalismos legais.
Veio na sequência a ser proferida sentença, a qual começou pela referenciação dos “factos provados”, seguida da “Motivação” atinente, prosseguindo com o enquadramento de “Direito”, sendo no sentido da parcial procedência do pedido, nomeadamente por se ter atentado que a Requerida já era maior de idade e já tinha decorrido o tempo de formação (subsequente à licenciatura), donde que a excecionalidade da obrigação do seu progenitor se deveria circunscrever às necessidades básicas da sua filha, pelo que, ponderando ainda que o Requerente demonstrara a alegada redução acentuada dos seus rendimentos, se concluiu no sentido da alteração da prestação de alimentos, fixando-os em € 200,00 mensais.
*
Inconformada com tal decisão, recorreu a Requerida, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
« a) Ao propor uma redução do valor dos alimentos a prestar pelo requerente, ora recorrido numa percentagem de 75%, a douta sentença exorbitou face aos factos alegados pelo requerente e assentes nestes autos, todos eles no sentido de uma percentagem de redução de cerca de 50%, em violação cumulativa ao disposto nas als. c) e e) do nº1 do art. 615º do C.P.C.;
b) A decisão em causa, perfaz o conceito de abuso de direito (art. 334º do CC) dada a dimensão absurda da redução do valor dos alimentos, face ao elevado nível de rendimentos do obrigado requerente, mesmo tendo em conta as mais recentes declarações fiscais, juntas aos autos;
c) Decidindo como decidiu, o douto aresto violou as normas legais a que se faz referência nas presentes conclusões.
NESTES TERMOS e nos mais de direito, deve ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação, consagrando-se a nulidade e vícios apontados á douta sentença ora em crise, que deverá ser revogada e substituída por outra que, sem prescindir da manutenção do valor vigente de alimentos acordados, quando muito consigne eventual redução, valor nunca inferior a € 500,00, assim se obtendo
JUSTIÇA»
*
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
*
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2 - QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, as questões a decidir são:
- nulidade da decisão, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e por condenação em quantidade superior ao pedido (art. 615º, nº1, als. c) e e) do n.C.P.Civil)?;
- desacerto da decisão que concluiu pela alteração da prestação de alimentos, mormente por constituir um abuso do direito (art. 334º do C.Civil)?
*
3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo (factos que se consideraram provados na 1ª instância):
1. Em 31 de Agosto de 1985 nasceu a requerida, a qual tem a paternidade e maternidade registadas em nome do aqui requerente e de D…;
2. Por acordo homologado em 29 de Julho de 2009, no âmbito do processo de alimentos a filhos maiores 3883/2009, da Conservatória do Registo Civil de Gondomar, ficou o aqui requerente obrigado ao pagamento da quantia mensal de 800,00 €, a título de alimentos devidos à filha; (fls. 10 a 12)
3. No ano de 2011 o requerente declarou o rendimento global de 135.393, 55 €; (fls. 102 e 107)
4. No ano de 2012, o requerente declarou o rendimento global de 118.724,82; (fls. 122 e 127)
5. No ano de 2013 o requerente declarou o rendimento global de 112.468,00 €; (fls. 62 a 67)
6. O requerente trabalha, em regime de exclusividade, no Hospital de E…; (fls. 13 e 77)
7. No ano 2010 o requerente auferiu um vencimento mensal médio de 12.360, 80 € ilíquidos, e 7.414, 62 € líquidos; (fls. 60)
8. No ano 2011 o requerente auferiu um vencimento mensal médio de 11.328, 96 € ilíquidos, e 6.896, 66 € líquidos; (fls. 60)
9. No ano 2012 o requerente auferiu um vencimento mensal médio de 9.965, 26 € ilíquidos, e 6.042, 77 € líquidos; (fls. 60)
10. No ano 2013 o requerente auferiu um vencimento mensal médio de 9.449, 55 € ilíquidos, e 4.713, 67 € líquidos; (fls. 60)
11. No ano 2014 o requerente auferiu um vencimento mensal médio de 8.423, 03 € ilíquidos, e 4.111, 66 € líquidos; (fls. 60)
12. O requerente iniciou, há cerca de 5 anos, a construção de uma moradia no concelho de Esposende, estando em causa uma obra orçada em cerca de 1.000.000,00 €;
13. O requerente apresenta ainda dívidas por conta da construção em causa, nomeadamente no que se refere ao arquitecto autor do projecto – actualmente no valor de 3.000,00 € – bem como à empresa responsável pelos trabalhos de climatização de tal moradia que, em Junho de 2014, ascendia ao valor de 10.456, 23 €; (fls. 78)
14. Suporta ainda o pagamento mensal da quantia de cerca de 1.500,00 €, relacionada com o crédito concedido por instituição bancária, para construção da referida moradia;
15. Obteve ainda o empréstimo da quantia de 60.000,00 €, por parte dos pais da sua companheira, e ainda da quantia de 30.000,00 €, por parte da sua companheira, para fazer face aos custos com a construção de tal moradia;
16. O requerente suporta já o IMI relativo a tal imóvel, com o valor patrimonial de 208.780,00 €; (fls. 38)
17. A requerida concluiu a licenciatura em arquitectura há cerca de 6 anos;
18. Vive com a mãe;
19. Não obteve ainda trabalho;
20. Concluiu, em 2014, curso de integração empresarial de quadros de nível VI de qualificação, ministrado pela ATEC; (fls. 23)
21. Frequentou, em 2013, curso de técnico superior de segurança e higiene no trabalho, tendo suportado o custo do mesmo; (fls. 24 a 34)
22. Em 2011 completou curso profissional de gestão imobiliária e certificação de peritos avaliadores de imóveis; (fls. 35)
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da decisão.
Começando então pela arguição de que tal ocorre por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, diremos o seguinte:
A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.
É que segundo a referida alínea c) do citado art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.
Acontece que se constata que a Requerida ora Recorrente se “enreda” nos próprios termos em que sustenta esta causa de nulidade: o que ela mais concretamente aduz é que ocorreu uma oposição entre os factos alegados (e assentes) e a decisão, isto é, que o Requerente alegou – e se veio a comprovar – ter os seus rendimentos reduzidos em cerca de metade (50%), mas não obstante concluiu-se na sentença por uma redução da prestação de alimentos na ordem dos 75%.
Ora se assim é, o sustentado pela Requerida ora Recorrente para este efeito, desconsidera, desde logo, que o Requerente também alegou para fundamentar a sua pretensão – para além de uma redução de rendimentos naquela ordem de grandeza! – que tinha encargos muito acrescidos na atualidade, a saber, decorrentes da construção de uma moradia para constituir a sua habitação.
Sendo do conjunto e simultaneidade dessas duas ordens de circunstâncias que derivava a sua dificuldade/impossibilidade em continuar a suportar a prestação de alimentos à Requerida sua filha.
Dito de outra forma: só fazendo uma interpretação redutora da linha de fundamentação seguida na sentença se pode sustentar que foi cometido este vício.
Não obstante o vindo de dizer, o que foi citado em termos de fundamentação jurídica pelo tribunal a quo, poderá significar um alegado erro de julgamento (de direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural da sentença, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade da mesma.
Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pela Requerida/recorrente como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que infra se decidirá na apreciação do também alegado fundamento recursório do “erro na aplicação do direito”.

E que dizer do argumento da nulidade da decisão por condenação em quantidade superior ao pedido?
Segundo a referida alínea e) do citado art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Esta causa de nulidade está estreitamente ligada ao art. 609º, nº1 do mesmo n.C.P.Civil, não podendo o Juiz pronunciar-se sobre mais do que pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, designadamente tendo em vista salvaguardar que se não condene em objeto qualitativamente diferente, na sua essência, do objeto do pedido tal como formulado no processo.
Bem se compreende assim que o objeto da sentença tem que coincidir com o objeto do processo, isto é, não pode o Juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.[1]
Acontece que, perante esta explicitação do conceito e sentido desta causa de nulidade, não vislumbramos de todo – a não ser por manifesto lapso ou deficiente compreensão dos conceitos legais – como é que se pode invocar e sustentar que a “sentença” poderá ter incorrido neste referenciado vício, na medida em que a mesma conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas, sendo certo que se encontrava formulado um pedido de alteração da prestação de alimentos, reduzindo-os de € 800,00 mensais para € 150,00 mensais, e a sentença se quedou pela redução para os € 200,00 mensais
Termos em que improcede também claramente esta via de argumentação aduzida pela Requerida/recorrente como fundamento para a procedência do recurso, sem necessidade de maiores considerações.
*
4.2 – Desacerto da decisão que concluiu pela alteração da prestação de alimentos, mormente por constituir um abuso do direito (art. 334º do C.Civil).
Será assim?
Recorde-se que a questão em apreciação nos autos e que na sentença se cuidou de decidir se prendia com a alegada existência de alterações na vida do Requerente que justificavam a alteração do valor da prestação de alimentos em favor da sua filha maior, a aqui Requerida.
E é por assim ser que, salvo o devido respeito, só se compreende a invocação do argumento recursivo do “abuso do direito” como fruto de desconhecimento ou menor compreensão do recorte dogmático desse instituto jurídico.
Sendo certo que o vindo de dizer na análise da questão precedente, em grande medida cremos que já fez adivinhar esta resposta.
Senão vejamos.
Dispõe o art. 334º do C.Civil:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
O instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante.
Para que se possa considerar abusivo o exercício do direito, importa demonstrar factos, através dos quais se possa considerar que, ao exercê-lo se excede, manifestamente, clamorosamente, o seu fim social ou económico, ou que a pretensão viola sérias expectativas incutidas na contraparte, assim traindo o investimento na confiança, o que exprime violação da regra da boa-fé.
Temos também presente que o art. 334º do C.Civil, acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito atue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito.
A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a atuação do abusante, objetivamente, contrarie aqueles valores.
Como ensina ANTUNES VARELA, “Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder.”[2]
Ora, consabidamente, preside à configuração dogmática do instituto jurídico das despesas com os filhos maiores (ou emancipados), o entendimento de que se mantém a obrigação dos progenitores assegurarem as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação do seu filho maior pelo período necessário a que o mesmo complete a sua formação profissional, na medida em que tal se revele razoável.
Na verdade, segundo o disposto no art. 1880º do C.Civil, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
À luz deste normativo, a maioridade não extingue a obrigação de alimentos, nomeadamente quando o credor de alimentos não completou ainda o seu processo formativo, devendo essa obrigação manter-se pelo tempo razoavelmente necessário para aquele completar o mesmo.
Isto é, o que está na base deste normativo é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impõem que os pais, não obstante a maioridade do filho, devam em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a acorrer a tais despesas.
Acontece que, conforme douto entendimento, “O critério de atribuição tem muito a ver não tanto – ou não só – com a alegação e prova de um comportamento gravemente censurável do credor de alimentos, a título de dolo ou mera culpa (na não ultimação da formação profissional), mas sobretudo com o abuso do direito em peticionar alimentos. Assim, o critério do art. 1880º não está tanto na (in)existência de culpa grave do filho, mas na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam os conceitos de razoabilidade e de (in)exigibilidade nele presentes.”[3]
Nesta mesma linha de entendimento, sustentou-se que
“I - O que está na base do normativo do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação.
II – A obrigação excepcional ali prevista tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato exigir dos pais o custeio das despesas com o sustento e educação do filho maior.”[4]
Na verdade, como doutamente se explanou neste último aresto, “A lei estabelece como requisitos a necessidade do filho maior, por não ter meios económicos para sustentar as despesas com o custeio da sua formação profissional após a maioridade e a razoabilidade de exigir aos pais esse dever de contribuição.
Neste requisito da razoabilidade, obviamente, que deve entrar como factor de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito.
A eventual culpa grave do filho deve ser apreciada dentro duma perspectiva de razoabilidade da exigência de alimentos [“O critério está, segundo alguma doutrina, na imputação da não ultimação da formação profissional à culpa grave do filho. Creio, no entanto, que, pelo alto, o critério passará pela cláusula geral do abuso de direito e não tanto — ou não só — pela alegação e prova de um comportamento gravemente censurável ao credor de alimentos, seja a título de dolo, seja a título de mera culpa. Cláusula geral, esta, que se traduz no abuso do direito de peticionar alimentos (se, por exemplo, atendendo à natureza e ao padrão de dificuldade da formação escolar universitária ou politécnica, o filho demora três anos para obter aprovação em apenas duas ou três disciplinas, não sendo um trabalhador-estudante). Mas com o limite deste último grau do contra legem, o critério do art. 1880° do Código Civil não está tanto na in(existência) de culpa grave do filho, quanto, outrossim, na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam o conceitos de razoabilidade e (in)exigibilidade nele presentes” – Remédio Marques, obra citada, págs.261/262], atendendo à sua situação e à dos pais.»
Do que resulta, em nosso entender, que falar-se em abuso do direito no caso vertente, só se for para o imputar à Requerente ora recorrente, a qual tendo 29 anos de idade, concluída a licenciatura e a sua formação profissional[5], pretende, ainda assim, continuar a usufruir dos alimentos do seu progenitor neste quadro normativo
Temos presente que “A obrigação de alimentos devidos ao menor não se extingue inelutavelmente com a maioridade. Aliás a recíproca obrigação geral de alimentos, que se devem ascendentes e descendentes, só termina à data da morte, pois se destina à conservação da vida (…).
Dado que os pais são responsáveis (…) pelo crescimento e desenvolvimento dos filhos, velando pela sua educação (artigo 1878º/1 do CC), bem se compreende que esta obrigação não deva extinguir – se, de modo abrupto, quando os filhos completam os 18 anos – para mais quando se deu o abaixamento da idade em que se atinge a maioridade e se alargou o período de escolaridade.
Ao invés, deve prolongar-se para além do termo da menoridade, por forma a que o filho complete a sua formação profissional e desde que seja razoável exigir dos pais a continuação dessas despesas (artigo 1880º, idem)”.[6]
Sucede que intercede aqui outra ordem de considerações.
É que do art. 1879º do C.Civil resulta que se o filho, mesmo menor, estiver em condições de prover, pelo produto do seu trabalho, ao seu sustento (segurança, saúde e educação) os pais ficam desobrigados desse dever, na medida em que o menor possa arcar com tais despesas.
A propósito deste normativo ensinam alguns dos nossos mais ilustres doutrinadores o seguinte:
«Determinando expressamente que os pais ficam desobrigados (de alguns dos deveres que integram o poder paternal) na medida em que os filhos estejam em condições de poder prescindir do auxílio e assistência dos pais a lei quer manifestamente significar que a desobrigação dos pais pode ser apenas gradual ou parcial, como sucederá quando os filhos, através do produto do seu trabalho ou dos seus rendimentos de capital, possam contribuir para os encargos a que a disposição se refere, mas não possam prescindir dela por inteiro».[7]
Ora, se assim sucede, ainda durante a menoridade dos filhos, admitindo a lei que coexistindo as obrigações próprias do poder paternal de par com o contributo do filho menor, do ponto em puder “ajudar” a prover ao seu sustento, tal significa, manifestamente, que a prestação de alimentos tem carácter de excecionalidade quando o filho atinge a maioridade legal, sendo então necessário que prove os requisitos que a lei define no art. 1880º do Código Civil.
Com efeito, este normativo ao impor aos pais as obrigações referidas no art. 1879º do C.Civil exige que o filho prove que:
a) - não completou a sua formação profissional;
b) - que os pais disponham de condições para o sustentar pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
Sendo certo que, como igualmente ensinam os supra citados doutrinadores, a obrigação imposta pelo art. 1880º do C.Civil tem carácter excecional.[8]
De referir que tal excecionalidade resulta do facto de, atingindo o menor a maioridade legal, cessar o poder paternal sendo a obrigação prevista no art. 1880º do C. Civil de diversa índole – já não inserida no poder paternal, mas num dever moral e ético de assistência, em vista da completa formação profissional do filho maior.
A esta luz, cremos ter já evidenciado que, no caso vertente, não se vislumbra “razoabilidade” na exigência por parte da Requerida ao Requerente.
Com efeito – e muito decisivamente – já nem sequer está em vista ou em causa a sua “formação profissional”…
Neste conspecto, e perante a alegada e comprovada alteração das suas condições económicas, como se pode então afirmar que o direito por parte do progenitor Requerente está a ser exercido (como acentuava M. de Andrade), “em termos clamorosamente ofensivos da justiça?
Ou que haja um “venire contra factum proprium”?
Decididamente não o vislumbramos
Por outro lado, no demais, a sentença mostra-se bem fundamentada e decidiu com perfeito equilíbrio e acerto face aos dados de facto apurados e melhor entendimento jurídico neste particular.
Senão vejamos, pelo confronto do que conclusivamente foi aduzido na sentença recorrida:
«Aqui chegados parece-nos relevante assentar nas seguintes ideias:
a) estando em causa uma alteração ao valor da prestação de alimentos obtido por acordo das partes, teria o requerente de demonstrar a diminuição dos seus rendimentos após aquela data. Ora, atentos os factos dados como assentes, parece-nos clara que logrou demonstrar essa diminuição, principalmente desse o ano de 2012
b) o critério essencial a levar em conta, na determinação da manutenção da obrigação do requerente, passa pela razoabilidade em lhe exigir a contribuição para as despesas da filha, e pelo tempo normalmente requerido para que a formação académica se complete. Neste caso sabemos que a requerida já concluiu a sua formação sendo que, por dificuldade em obter emprego, se mantém com necessidades de apoio de terceiros.
Assim, e no caso dos autos, parece-nos evidente que a obrigação do requerente para com a sua filha não seria de manter, uma vez decorrido o tempo de formação.
Contudo o requerente nem coloca em causa a continuação da sua obrigação sendo que, de qualquer forma, parece-nos ser de considerar que a obrigação dos progenitores pode, em alguns casos, manter-se para além do período de formação, atenta a maior dificuldade existente na obtenção de emprego, nomeadamente o chamado primeiro emprego.
Contudo, e porque se trata de algo verdadeiramente excepcional dentro do regime, já por si, excepcional, previsto no artigo 1880º, parece-nos que deveremos levar em conta apenas e só as necessidades básicas da requerida.
Por outro lado, e uma vez que ficou demonstrada a diminuição acentuada dos rendimentos do requerente, parece-nos que deve ser substancialmente reduzida a prestação a cargo do requerente.
Ora, atendendo à idade da requerida e as suas naturais necessidades, ao estilo de vida que se foi habituando a ter, ao facto de residir com a progenitora, e aos rendimentos do requerente, parece-nos ser de fixar a prestação mensal devida no montante de 200,00 €.»
De referir, por último, que nem a recente Lei nº 122/2015 de 1 de Setembro[9], com as alterações introduzidas neste domínio, altera o enquadramento vindo de fazer.
Consabidamente, os progenitores são responsáveis pelo pagamento de alimentos aos filhos mesmo após os 18 anos, desde que estes ainda não tenham completado a sua formação profissional e pelo tempo normalmente necessário para o fazer, desde que seja razoável exigir ao progenitor aquela obrigação (cfr. art. 1874º, nº 2, 1878º, nº 1, e 1880º do C.Civil).
O nº 2 aditado ao art. 1905º do C.Civil dispensa o filho maior de alegar e provar tais pressupostos até que complete 25 anos de idade, competindo ao progenitor não convivente, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática.
Isto é, cabe agora ao progenitor obrigado o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar.
Sucede que o caso vertente se reporta a uma situação em que tal novo regime não tem qualquer aplicação ou reflexo, pois que se está perante um caso de prestação de alimentos acordados pelo progenitor com a filha quando esta já era maior de idade, e sendo interposta a presente ação quando a mesma já tinha 29 anos de idade…
E de sempre ter resultado positivamente provado que a mesma já completou a sua formação profissional…
Pelo exposto, soçobra inapelavelmente a pretensão recursiva da Requerida ora Recorrente.
*
5 - SÍNTESE CONCLUSIVA
I – Cessando o poder paternal com a maioridade, a obrigação dos pais contribuírem para o sustento do filho, atingida a maioridade, até que complete a sua formação profissional – art. 1880º do C. Civil – radica, antes de tudo, num dever moral e ético de assistência, em vista da completa formação profissional do filho maior.
II – A esta luz, não se vislumbra qualquer abuso do direito na pretensão de redução da prestação de alimentos por parte do progenitor que a tal se havia obrigado perante a filha, quando positivamente se apura que esta, tendo 29 anos de idade e a licenciatura concluída, também já completou a sua formação profissional.
*
6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela Requerida/recorrente.
*
Porto, 28 de Outubro de 2015
Luís Cravo
Fernando Samões
Vieira e Cunha
________________
[1] Assim LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, a pags. 682, perfilhando entendimento totalmente transponível para o atual n.C.P.Civil, dado não ter havido qualquer alteração normativa nem dogmática neste particular.
[2] In “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, a págs. 536.
[3] Cf. acórdão do T. Relação do Porto de 26.02.2009, no proc. nº 0837762, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[4] Citámos agora o acórdão do T. Relação do Porto de 04.04.2005, no proc. nº 0551191, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[5] Neste último particular, atente-se que resulta claramente dos factos provados que ela concluiu o último curso de formação no ano de 2014, sendo a sentença proferida no mês de Fevereiro de 2015 (cf. art. 611º do n.C.P.Civil)!
[6] Assim REMÉDIO MARQUES, in “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores)”, FDUC, Centro de Direito da Família, 2.ª ed., revista, Coimbra Editora, 2007, a págs. 291 e segs.
[7] Trata-se de PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, vol. V, a págs. 337.
[8] Na obra citada, a págs. 339.
[9] Tendo em consideração que quer o regime processual, quer os aspetos substantivos criados por esta dita Lei n.º 122/2015 entraram em vigor no dia 1.10.2015.