OBJECTO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
CUSTAS DE PARTE
RECLAMAÇÃO DA NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DAS CUSTAS DE PARTE
REAPRECIAÇÃO DA NOTA DESCRIMINATIVA DAS CUSTAS DE PARTE
EMBARGOS DE EXECUTADO
Sumário

I- Destinando-se os recursos a sindicar as decisões impugnadas, a intervenção do tribunal “ad quem” está circunscrita às questões que dela foram objecto, estando-lhe, assim, vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso, uma vez que, nas questões novas, a parte submete a um tribunal de recurso questão que ao tribunal recorrido não cumpria conhecer, porque não lhe foi colocada.
II- Não se afigura legal e processualmente admissível que os embargos de executado possam servir para reapreciar os termos da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, quando não se deduziu, em tempo, a competente reclamação.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: Banco AA, S.A

Recorrido: BB e CC

Tribunal Judicial da comarca de Braga – Instância Central, Juízo de Execução de Guimarães, J1.

BB e CC intentaram acção executiva comum, para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra a sociedade Banco AA, S.A., para desta haver o pagamento da quantia de € 7.539,16, acrescida de juros de mora vincendos.

Para tal, fundaram a execução na nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada no processo nº 622/11.0TBFAF-A, do 3º Juízo do extinto Tribunal Judicial de Fafe.

Por apenso a esses autos, a executada veio deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, que a nota se encontra mal elaborada, tendo existido sucessivas conversações e diligências entre as partes para rectificação do seu teor, a qual ocorreu em 13-12-2012, e, por conseguinte, tendo numa altura em que já havia caducado o direito a tal montante.

Pugnou que os montantes não são devidos e encontram-se mal calculados, pelas várias razões que discriminou.

Os exequentes apresentaram contestação, pugnando pela improcedência dos embargos, tanto mais que a nota não foi objecto de reclamação.

Concluíram alegando que a obrigação é certa, líquida e exigível, sendo extemporânea qualquer contestação à mesma.

Por se considerar reunir o processo todos os elementos necessários para ser proferida decisão, foi proferido despacho saneador no qual se decidiu nos seguintes termos:

Julgo improcedentes os presentes embargos de executado intentados pela sociedade Banco AA, S.A., contra BB e CC.

Inconformado com tal decisão, apela o Embargado, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

1- Salvo o devido respeito a decisão em recurso não tem em consideração matéria factual relevante alegada pelo embargante em sede de contestação e confessada pelos embargados.

2- Os factos alegados nos arts 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º 12º, 13º e 19º dos embargos foram aceites pelos embargados no art. 5º da contestação apresentada.

3- Os factos supra expostos deveriam ter sido julgados como provados, não obstante não constarem de documento junto aos autos.

4- A exigência de prova documental prevista na al. g) do art. 729º do CPC não afasta a possibilidade da prova por confissão, nos termos do disposto no nº 2 do art. 364º do CC.

5- Razão pela qual devem ser aditados á matéria de facto provada os seguintes factos:

d) A nota discriminativa de custas de parte e posterior rectificação foi remetida directamente ao banco exequente;

e) Por e-mail de 22.10.2012, o Ilustre Mandatário dos executados/oponentes remeteu ao Dr. DD cópia da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que havia remetido directamente ao banco exequente.

f) Após análise da referida nota, por e-mail de 22.10.2012, o Dr. DD alegou junto do Ilustre Mandatário dos executados/oponentes que a mencionada nota de custas de parte não se mostrava correctamente elaborada pois havia sido considerado o montante de 2.203,20 Euros com o descritivo “Preparo Recurso”, sendo que o valor que efectivamente havia sido pago pelos executados/oponentes a título de taxa de justiça devida pelo recurso foi de apenas 734,40 Euros.

g) Em resposta, por e-mail de 23.10.2012, o Ilustre Mandatário dos executados/oponentes comunicou que efectivamente existia um lapso na indicação do valor referente à taxa de justiça devida pelo recurso, aceitando rectificar a nota de custas de parte para o valor de 1.927,80 Euros.

6- A nota discriminativa das custas de parte não foi regularmente notificada ao recorrente, nem foi junta aos autos no prazo legal.

7- Nos termos do art 247º do CPC as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

8- A notificação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte e respectiva rectificação foi remetida para a sede do ora recorrente não tendo sido notificada ao mandatário constituído – cfr fls 144-150 dos autos de oposição à execução.

9- Os exequentes remeteram a dita nota ao Tribunal a 22-10-2012- cfr al. b) dos factos provados; muito depois de decorrido o prazo de 5 dias após o trânsito em julgado e mais de um mês depois da respectiva notificação ao banco executado.

10- Tal irregularidade teve influência determinante no exame da causa uma vez que impediu ao banco executado a dedução atempada de reclamação.

11- O título executivo, sem ser incontestável, é, no entanto, um instrumento jurídico que revela com a necessária segurança prática a existência actual de uma obrigação em que o devedor é o executado e o credor o exequente.

12- No caso dos autos essa certeza é conseguida através da sentença condenatória em custas, transitada em julgado, e da nota discriminativa e justificativa não impugnada pela parte contrária ou, então, se impugnada, com a matéria da impugnação decidida pelo tribunal.

13- Tendo-se concluído que a parte devedora das custas não foi regularmente notificada da nota discriminativa e justificativa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 25.º do RCP, então isso equivale a dizer que não se formou o título executivo; que não há no presente caso, título executivo.

14- A falta de título executivo implica a extinção da execução.

15- Sendo certo que o tribunal pode conhecer oficiosamente da insuficiência do título executivo, nos termos do artº 743º do CPC, nomeadamente por falta de interpelação do devedor para cumprir a obrigação.

16- Ao não faze-lo a sentença recorrida violou o disposto nos arts artº 25º do Regulamento das Custas Processuais e os art 247º e artº 743º do CPC.

17-No que respeita á rectificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte após a notificação das contas de custas a insuficiência do título é ainda mais evidente!

18-Resulta do valor dado á execução a nota discriminativa que verdadeiramente serve de título á execução é a rectificada, na sequência da notificação efectuada pela Tribunal nos termos do art. 31º do Regulamento das Custas Processuais, que altera o valor da inicialmente apresentado para mais do dobro.

19- Não tendo a nota de custas de parte reformulada sido remetida no prazo legalmente estabelecido no art. 25º n.º 1 do RCP, deu-se a caducidade do direito a haver custas de parte.

20- E ainda que se entenda que o prazo previsto no art. 25º do Regulamento das Custas Processuais não tem aplicação no caso em que a parte que não for condenada a final tenha de efectuar o pagamento do remanescente das custas devidas tal prazo terá de ser tidos em conta para aferição do prazo dentro do qual o interessado poderá reformular a nota discriminativa e justificativa a presentada á contra –parte.

21- Pelo que salvo melhor entendimento tal prazo será de 5 dias após a notificação da conta final.

22- Entre a notificação da conta e a notificação da reformulação da nota decorreram 23 dias!

23- É manifesto que o direito de exigir o reembolso das custas de parte já se havia extinguido aquando do envio da nota reformulada, o que equivale a dizer que não se formou o título executivo.

24- Os embargados/recorridos peticionam na presente execução uma quantia que sabem não lhes ser devida, actuando em manifesto abuso de direito sob a forma de venire contra factum próprio.

25- Os embargados/recorridos abusam do seu direito, violando a boa fé, ao tentar, agora, prevalecer-se da alegada não reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte para cobrar do banco executado/recorrente quantias que sabem não ser devidas.

26-O que é importante, para o caso desta modalidade de abuso de direito, é saber quando é que um comportamento é relevante, isto é, gera a confiança no outro, de molde a que acredite que não terá um comportamento contrário. E, em face desta crença, organiza a sua vida económico-social, esperando que o outro não altere o seu comportamento.

27- Conforme resulta da matéria provada os recorridos reconheceram um lapso na indicação do valor referente à taxa de justiça devida pelo recurso, aceitando rectificar a nota de custas de parte para o valor de 1.927,80 Euros.

28- E foi na sequência de tal reconhecimento que o banco recorrente não reclamou da nota discriminativa e justificativa de custas de parte!

29- Entender-se o contrário seria uma flagrante e clamorosa ofensa ao sentimento de segurança jurídica que deve prevalecer perante condutas reprováveis, como a do exequentes/embargados, notoriamente atentatórias dos limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, tal como previstos no art. 334.º do Código Civil (veja-se, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2012, proc. n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.11.2011, proc. n.º 103/08.3TMDA-A.C1, , ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

30- A sentença proferida viola da disposição constante do artigo 334.º do Código Civil, devendo, por isso, ser substituída por outra que declare que estamos perante uma situação de manifesto abuso do direito, já que é flagrante que a conduta dos exequentes se traduz num inadmissível “venire contra factum proprium”.

*

O Apelado apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da falta de notificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte.

- Analisar da falta de notificação tempestiva da reformulação da nota discriminativa das custas e da eventual extinção do direito de exigir o reembolso das custas, por inexistência de título executivo.

- Analisar da existência de abuso de direito ma modalidade de “venire contra factum proprium”.

*

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- Por documento e confissão resultaram provados os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

a) BB e CC intentaram acção executiva comum, para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra a sociedade Banco AA, S.A., para desta haver o pagamento da quantia de € 7.539,16, acrescida de juros de mora vincendos.

b) BB e CC fundaram a execução na nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada no processo nº 622/11.0TBFAF-A, do 3º Juízo do extinto Tribunal Judicial de Fafe aos 22-10-2012, e dada a conhecer parte via postal recepcionada aos 14-09-2012 – cfr. fls. 144-150 dos autos de oposição à execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

c) No requerimento executivo, BB e CC expuseram:

“1º:- Na sequência da decisão proferida nos autos de oposição à execução comum que sob o nº 1622/11.0TBFAF-A, correu termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, foi elaborada a respectiva nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nos termos do disposto no artigo 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais e do artigo 447-D do antigo Código Processo Civil.

2º:- Nota discriminativa e justificativa que foi remetida ao Tribunal e ao executado, conforme se colhe dos documentos que se juntam e que aqui se dão por integralmente reproduzidos (Doc. 1 a 11).

3º:- Por força da notificação efectuada pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais, a nota discriminativa e justificativa foi reformulada e novamente foi remetida ao Tribunal e ao executado, conforme se colhe dos documentos que se juntam e que aqui se dão por integralmente reproduzidos (Doc. 12 a 20).

4º:- As aludidas notas discriminativas e justificativas não sofreram reclamação.

5º:- Conforme se colhe da nota discriminativa e reformulada os exequentes são credores do executado, a título de custas de parte, do montante de 9.180,00 € (nove mil cento e oitenta euros).

6º:- Sucede, no entanto, que o executado liquidou, em 18 de Fevereiro de 2013, parcialmente parte daquele valor, ou seja, a quantia de 1.927,80 €.

7º:- Pelo que, neste momento, o executado deve aos exequentes a quantia de 7.252,20 € (9180,00 € - 1927,80 €).

8º:- A que acrescem os juros vencidos sobre a quantia de 9.180,00 €, à taxa legal de 4%, desde a data indicada na carta de interpelação para pagamento até 18 de Fevereiro de 2013 e os juros vencidos sobre a quantia de 7.252,20 €, desde 19 de Fevereiro de 2013, até efectivo e integral pagamento. – cfr. requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito:

“(…)

Fixados os factos com relevo, cabe decidir da procedência dos presentes embargos de executado.

Como escreve Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva Depois da Reforma”, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 188, “(...) a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia. Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal (...)”.

Os fundamentos dos embargos de executado, mediante oposição à execução, fundada em título executivo que constitua sentença judicial, são os que se encontram enunciados nos artºs 729ºdo C. P. Civil.

Assim, estabelece o artº 729º:

“Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;

b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;

c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;

d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;

e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;

g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;

h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;

i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.” Prescreve o artº 25º do Regulamento das Custas Processuais:

“1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.

2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:

a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução;

b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça;

c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;

d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;

e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.”

Por seu turno, estabelece o artº 26º que: “1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.

2 - As custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.”

Encontrando-se certificado que, nos autos declarativos, a nota discriminativa e justificativa foi notificada à parte e que esta não foi objecto de qualquer oposição, falece toda a exposição realizada pela embargante, sendo a obrigação exequenda certa, líquida e exigível. Acresce que nenhum dos factos relatados à posterior da decisão foram provados por documento, como determina a lei.

Ora, não se afigura legal e processualmente admissível que os embargos de executado possam servir para reapreciar os termos da nota discriminativa e justificativa quando não se deduziu, em tempo, a competente reclamação. Se não se actuou aí, sibi imputat.

Destarte e sem mais delongas, concluímos pela improcedência dos presentes embargos de executado”.

(…)

Fundamentação de direito.

Analisado o requerimento de interposição do recurso, entendem os Recorridos, que as conclusões aí aduzidas não podem valer como conclusões, uma vez que são uma reprodução das alegações e da matéria vertida no requerimento de oposição, não tendo, por consequência, o Recorrente cumprido o ónus que lhe é imposto pelo artigo 639, do C.P.C., razão pela qual, em seu entender, não deve ser conhecido o objecto do recurso.

Como é consabido, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação.

Na verdade, de harmonia com o que se dispõe no art. 639, nºs 1 e 3), do C. P. Civil (vigente à data da interposição), “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, o que é o mesmo que dizer, que as conclusões extraídas da motivação do recurso consistem numa síntese dos fundamentos em que se baseia a discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida.

Essas conclusões têm, assim, por objectivo, delimitar o objecto do recurso, fixando com exactidão quais as questões a decidir, e ainda tornar mais fácil, célere e segura a apreciação do recurso, devendo, por consequência, ser elaboradas sob a forma de proposições claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso.

Como refere A. dos Reis(1),“Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais (...), não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como pode dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação (...).

(...). No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados, e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta”(…).

”A palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. È claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no decurso da alegação: hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta”, resultando, por isso, “claro que, para serem legítimos e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.”

E - continua o mesmo autor - “(…) a exigência de conclusões, o estabelecido no artigo 690º - art. 685-A, do C.P.C. revisto pelo D.L. 303/07, de 24/08 -, só se cumpre quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizam com precisão, concisão os fundamentos do recurso. Por outras palavras: não valem como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas”(2).

Destarte, as conclusões devem ser, por conseguinte, um resumo explícito e claro dos fundamentos do recurso, indicando, com precisão, as razões por que se pede o seu provimento.

Ora, à luz de tudo quanto se acaba de expender, como inelutável resulta a conclusão de que as conclusões formuladas pelo Recorrente, reproduzem, em grande parte, as alegações produzidas e a matéria vertida no requerimento de oposição.

Como sabido, tem sido entendimento jurisprudencial maioritário o que vai no sentido de que “para apurar do cumprimento satisfatório dos ónus impostos à parte pela lei de processo no art. 690º do CPC - no caso, o ónus de concisão - deve utilizar-se um critério funcionalmente adequado, que tenha em consideração, não apenas a extensão material da peça apresentada na sequência do convite, mas também a complexidade da causa e a idoneidade das conclusões para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que ao tribunal superior cumpre solucionar.”(3)

Ora, analisado o recurso interposto e supra referido, constata-se que, pese embora as conclusões apresentadas serem, como se disse, em grande parte, a reprodução da motivação, e de eventualmente muito pouco ou quase nada acrescentarem de relevante com relação à argumentação aduzida na oposição à execução, dúvidas se não podem suscitar, no entanto, de que foram efectuadas de molde a constituírem uma adequada sintetização da motivação do recurso, tal como impõe o disposto no art. 639, do C. P. Civil, ou seja, de molde expressarem de um modo suficientemente claro os fundamentos em que se baseia a discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida.

Cumpre agora proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelo Apelante, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.

Os poderes do Tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deverá restringir-se aos casos de flagrante desadequação entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, não podendo confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova“,(4) sendo entendimento dominante na jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no princípio da livre apreciação da prova (artº 655º do CPC), só pode ser modificada pelo Tribunal de recurso quando fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum.(5)

Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)”.(6)

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório.

Ora, como resulta do supra exposto, o Apelante impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que essa decisão não teve em consideração a matéria factual alegada pelo embargante em sede de contestação e confessada pelos embargados, constante dos factos alegados nos arts 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º 12º, 13º e 19º, dos embargos, que foram aceites pelos embargados no art. 5º da contestação apresentada.

E assim sendo, tais factos deveriam ter sido julgados como provados, não obstante não constarem de documento junto aos autos, pois que, a exigência de prova documental prevista na al. g) do art. 729º do CPC não afasta a possibilidade da prova por confissão, nos termos do disposto no nº 2 do art. 364º do CC.

Com estes fundamentos conclui deverem ser aditados á matéria de facto provada os seguintes factos:

d) A nota discriminativa de custas de parte e posterior rectificação foi remetida directamente ao banco exequente;

e) Por e-mail de 22.10.2012, o Ilustre Mandatário dos executados/oponentes remeteu ao Dr. DD cópia da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que havia remetido directamente ao banco exequente.

f) Após análise da referida nota, por e-mail de 22.10.2012, o Dr. DD alegou junto do Ilustre Mandatário dos executados/oponentes que a mencionada nota de custas de parte não se mostrava correctamente elaborada pois havia sido considerado o montante de 2.203,20 Euros com o descritivo “Preparo Recurso”, sendo que o valor que efectivamente havia sido pago pelos executados/oponentes a título de taxa de justiça devida pelo recurso foi de apenas 734,40 Euros.

g) Em resposta, por e-mail de 23.10.2012, o Ilustre Mandatário dos executados/oponentes comunicou que efectivamente existia um lapso na indicação do valor referente à taxa de justiça devida pelo recurso, aceitando rectificar a nota de custas de parte para o valor de 1.927,80 Euros.

Ora, analisados aos articulados deduzidos constata-se que, efectivamente, a materialidade em referência alegada pelo Embargante foi expressamente aceite pelos embargados na contestação apresentada.

Assim, e pese embora, como realçam os Recorridos, não tenha o Recorrente procedido à expressa valoração dessa materialidade, ou seja, ao esclarecimento de qual a relevância de tais factos poderão assumir para a decisão a proferir, se inseridos na factualidade assente, do enquadramento jurídico que faz do que considera serem as questões a resolver no processo resulta clara a relevância que lhe atribui e que, como é óbvio, não vinculando o tribunal, nãp pode deixar de ser tida em consideração.

E assim sendo, na procedência da impugnação da matéria de facto, considera-se verificada a materialidade em referência, por confissão, ampliando-se, assim, a matéria de facto demonstrada.

Como se refere na decisão recorrida o que, efectivamente, se questiona nos presentes embargos é a questão de saber se, encontrando-se certificado que, nos autos declarativos, a nota discriminativa e justificativa foi notificada à parte e que esta não foi objecto de qualquer oposição, sendo a obrigação exequenda certa, líquida e exigível, se afigurará legal e processualmente admissível que os embargos de executado possam servir para reapreciar os termos da nota discriminativa e justificativa quando não se deduziu, em tempo, a competente reclamação, aí se entendendo que não.

Ora, como fundamento da sua pretensão recursória veio o Recorrente alegar mais uma vez, em síntese, que a nota se encontra mal elaborada, tendo existido sucessivas conversações e diligências entre as partes para rectificação do seu teor, a qual ocorreu em 13-12-2012, e, por conseguinte, tudo numa altura em que já havia caducado o direito a tal montante, pugnando que os montantes não são devidos e encontram-se mal calculados, pelas várias razões que, também mais uma vez, discriminou.

Com efeito, a fundamentar o recurso que interpôs alegou o Recorrente, em síntese, o seguinte:

- Que os exequentes remeteram a dita nota ao Tribunal a 22-10-2012- cfr al. b) dos factos provados, muito depois de decorrido o prazo de 5 dias após o trânsito em julgado e mais de um mês depois da respectiva notificação ao banco executado e que tal irregularidade teve influência determinante no exame da causa uma vez que impediu ao banco executado a dedução atempada de reclamação.

- Tendo-se concluído que a parte devedora das custas não foi regularmente notificada da nota discriminativa e justificativa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 25.º do RCP, então isso equivale a dizer que não se formou o título executivo e a falta de título executivo implica a extinção da execução.

- O tribunal pode conhecer oficiosamente da insuficiência do título executivo, nos termos do artº 743º do CPC, nomeadamente por falta de interpelação do devedor para cumprir a obrigação e ao não faze-lo a sentença recorrida violou o disposto no artº 25º do Regulamento das Custas Processuais e os art 247º e artº 743º do CPC.

- Resulta do valor dado á execução a nota discriminativa que verdadeiramente serve de título á execução é a rectificada, na sequência da notificação efectuada pela Tribunal nos termos do art. 31º do Regulamento das Custas Processuais, que altera o valor da inicialmente apresentado para mais do dobro e não tendo a nota de custas de parte reformulada sido remetida no prazo legalmente estabelecido no art. 25º n.º 1 do RCP, deu-se a caducidade do direito a haver custas de parte.

- E ainda que se entenda que o prazo previsto no art. 25º do Regulamento das Custas Processuais não tem aplicação no caso em que a parte que não for condenada a final tenha de efectuar o pagamento do remanescente das custas devidas tal prazo terá de ser tidos em conta para aferição do prazo dentro do qual o interessado poderá reformular a nota discriminativa e justificativa a presentada á contra – parte, pelo que tal prazo será de 5 dias após a notificação da conta final.

- Entre a notificação da conta e a notificação da reformulação da nota decorreram 23 dias, sendo manifesto que o direito de exigir o reembolso das custas de parte já se havia extinguido aquando do envio da nota reformulada, o que equivale a dizer que não se formou o título executivo.

- Os embargados/recorridos peticionam na presente execução uma quantia que sabem não lhes ser devida, actuando em manifesto abuso de direito sob a forma de venire contra factum próprio.

- A sentença proferida viola da disposição constante do artigo 334.º do Código Civil, devendo, por isso, ser substituída por outra que declare que estamos perante uma situação de manifesto abuso do direito, já que é flagrante que a conduta dos exequentes se traduz num inadmissível “venire contra factum proprium”.

Ora, em face destes fundamentos com linear evidência se impõe a conclusão de que:

- Por um lado, há fundamentos aduzidos no recurso que, não sendo do conhecimento oficioso, não o foram na oposição à execução e que por isso mesmo não foram, nem poderiam ter sido, conhecidos na decisão recorrida, como o é a falta de notificação regular da nota discriminativa e justificativa e a sua relevância para efeitos de ter impedido ao banco executado a dedução atempada de reclamação.

- E por outro, os demais fundamentos reportam-se à apreciação dos termos da nota discriminativa e justificativa que, como é evidente, teriam de ser deduzidos através da competente reclamação.

No que concerne aos primeiros dos aludidos fundamentos, temos que, o princípio do dispositivo, que se afirma por contraposição ao princípio do inquisitório ou da oficialidade, reconduz-se ou concretiza-se, designadamente, por fazer impender sobre as partes o ónus do impulso inicial do processo -princípio do pedido.

E, conforme se estabelece no art. 5º, do C.P.C., o tribunal só deve usar os factos articulados pelas partes, plasmando-se, neste normativo, os termos da consagração deste princípio no que à matéria de facto concerne, nos seguintes termos:

- Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.

- O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos factos instrumentais que resultarem da instrução da causa, e dos factos notório e daqueles que o tribunal tenham conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

- Serão ainda considerados na decisão os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

Assim sendo, e por decorrência, cumprirá desde logo realçar que, se por um lado, a decisão a proferir em 1ª instância apenas se pode pronunciar sobre a factualidade que tiver sido alegada pelas partes, e incidir sobre as questões concretas por elas suscitadas, por outro, também a decisão do recurso somente poderá abordar questões sobre as quais tenha incidido a decisão recorrida, isto, como é óbvio, sem embargo das questões de conhecimento oficioso.

Com efeito, e como é consabido, os recursos ordinários mais não visam do que permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas.

O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinadas questões, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela, razão pela qual, enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas(7).

Os recursos constituem, assim, mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios(8).

E apenas podem ser excepcionadas desta regra aquelas situações em que essas questões novas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.

Uma tal regra encontra a sua justificação no princípio da preclusão, quer por desprezar a finalidade dos recursos (art. 627º, nº 1 do C.P.C.), quer para não impedir a supressão de graus de jurisdição.

E, assim sendo, podemos então concluir que os recursos se destinam a sindicar as decisões impugnadas, estando, assim, a intervenção do tribunal “ad quem” circunscrita às questões que dela foram objecto, ou dito de outra forma, está-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso(9), uma vez que, nas questões novas, a parte submete a um tribunal de recurso questão que ao tribunal recorrido não cumpria conhecer, porque não lhe fora colocada.

Ora, como se referiu, analisado conteúdo do articulado de oposição, à evidência se constata que nele não foram invocados os aludidos fundamentos, sendo, certamente, essa a razão por que a decisão proferida é completamente omissa no que concerne ao tratamento dessas questões, que por ela não foram abordadas.

As alegações de recurso mostram-se, por isso, ampliadas relativamente aos fundamentos alegados na oposição, pois que, vem apenas agora a Recorrente, nas alegações de recurso, ex novo, conferir relevância à materialidade em que se não sustentou para fundamentar a oposição, designadamente, a relevância da falta de notificação regular da nota discriminativa.

Não tendo sido invocada pelo Recorrente na sua oposição ou em qualquer outro momento processualmente adequado, como evidente resulta que uma tal questão, também não foi, nem poderia ter sido, apreciada pela decisão recorrida.

Assim sendo, a aludida questão suscitada pelo recorrente no presente recurso, não constitui uma questão de oficioso conhecimento, e, por outro, representando uma “questão nova”, está, como é óbvio, este tribunal impedido de se pronunciar sobre ela.

E assim sendo, salvo o muito e devido respeito, muito pouco haverá a acrescentar ao que a propósito consta da fundamentação da decisão recorrida, pela simples razão de que a argumentação aduzida na pretensão recursória não efectua uma abordagem das questões suscitadas passível de, de um modo consistente, colocar em crise o enquadramento jurídico que foi efectuado nessa mesma decisão.

Com efeito, como, e em nosso entender, correctamente, se expende na decisão recorrida, considerando, por um lado, que, efectivamente, se não afigura “legal e processualmente admissível que os embargos de executado possam servir para reapreciar os termos da nota discriminativa e justificativa quando não se deduziu, em tempo, a competente reclamação”, e, por outro, que encontrando-se certificado que, nos autos declarativos, a nota discriminativa e justificativa foi notificada à parte e que esta não foi objecto de qualquer oposição, sendo a obrigação exequenda certa, líquida e exigível, improcedem os demais fundamentos da presente apelação, remanescendo apenas o invocado abuso do direito, que é do conhecimento oficioso.

E a este propósito alega a Recorrente que peticionando os embargados/recorridos na presente execução uma quantia que sabem não lhes ser devida, actuaram em manifesto abuso de direito sob a forma de “venire contra factum proprium”, sendo que, e por decorrência, a sentença proferida viola da disposição constante do artigo 334.º do Código Civil, devendo, por isso, ser substituída por outra que declare que estamos perante uma situação de manifesto abuso do direito.

Estando, no abuso de direito, em jogo, um princípio de ordem e interesse público, não depende da invocação das partes saber se, quem exercita o direito que se arroga, age motivado e sob condicionantes que tornem o seu exercício ilegítimo(10), e, como defendia Manuel de Andrade, ainda antes do actual C.C., verifica-se a existência de abuso de direito quando este era exercido “em termos clamorosamente ofensivos da justiça“, mostrando-se “ gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade“.(11)

No actual C.C. o Artº. 334º prescreve “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito“, sendo que, adoptou-se nesse preceito do C.C. a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites“.(12)

Como sustenta Orlando de Carvalho, o que importa averiguar é se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites de autodeterminação, poder esse que existe, tão somente, para se prosseguirem interesses e não para se negarem interesses, sejam eles próprios ou alheios, e o abuso de direito “é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de usar dele “(13), havendo abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu “quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem“.(14)

Ora, o “venire contra factum proprium” é considerado como uma das manifestações do abuso de direito com sede legal no artigo 334º.

Na definição de Werner Weber, citado por Menezes Cordeiro “lo­cução “venire contra factum proprium” traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente assumido pelo exercente(15), en­quanto, por seu turno, Baptista Machado refere que o instituto da proibição do “venire contra factum proprium” caracteriza-se pela combinação de dois elementos:

- Por um lado ser conforme à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibili­dade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação, acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente.

- Por outro lado, ser possível alcançar esse resul­tado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vín­culo, mas pelo simples desencadear de um efeito inibitório ou inabilitante, o qual care­ce de fundamento bem mais ténue do que aquele que exigiria a constituição de uma obrigação.(16)

O princípio do “venire contra factum proprium”, como aplicação do princípio da confiança do tráfico jurídico, faz com que não deva ser desiludida a outra parte quando esta confia em declarações ou no comportamento do titular do direi­to, pois, como afirma Menezes Cordeiro, “no essencial, a concretização da con­fiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê, (...) a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos im­portantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada - um determinado inves­timento de con­fiança - de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequên­cias”.(17)

Além disso, “normalmente, não se exige culpa por parte do res­ponsável pela criação da situação de confiança. Mas exige-se que ele estivesse em con­dições de poder agir doutra maneira, designadamente, que tivesse podido conhecer e impedir a aparência criada, usando o cuidado normal, que devesse e pudesse conhecer que, ao adoptar a conduta que cria a confiança, se priva para o futuro de parte da sua liberdade de decisão pessoal”. (18)

No que respeita aos pressupostos salienta Baptista Machado que “a con­fiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura”.

“Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”.(19)

Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica, apenas surgem, quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de con­fiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida, de onde lhe resultarão danos, se a sua legítima confiança vier a ser frustrada.

Aplicando as noções sinteticamente expostas ao caso em apreço, repes­caremos os factos com interesse para este ponto em concreto.

Ora, como supra se deixou dito, resultou demonstrado que após análise da referida nota discriminativa, por e-mail de 22.10.2012, o Dr. DD alegou junto do Ilustre Mandatário dos executados/oponentes que a mencionada nota de custas de parte não se mostrava correctamente elaborada pois havia sido considerado o montante de 2.203,20 Euros com o descritivo “Preparo Recurso”, sendo que o valor que efectivamente havia sido pago pelos executados/oponentes a título de taxa de justiça devida pelo recurso foi de apenas 734,40 Euros, sendo que, em resposta, por e-mail de 23.10.2012, o Ilustre Mandatário dos executados/oponentes comunicou que efectivamente existia um lapso na indicação do valor referente à taxa de justiça devida pelo recurso, aceitando rectificar a nota de custas de parte para o valor de 1.927,80 Euros.

Ora, em razão deste circunstancialismo fáctico tido por demonstrado de modo algum será possível configurar a existência de uma situação de abuso de direito.

Na verdade, sendo certo que na sequência de conversações havidas com relação ao conteúdo da aludida nota descritiva, os Recorrido (ou o seu mandatário), quando confrontado com um alegado lapso na elaboração da nota descritiva aceitou rectificar o valor dela constante, não resultou, no entanto, demonstrado que tenha havido uma discussão aprofundada desse assunto e que os Recorridos se tenham comprometido a cobrar apenas do Recorrente esse valor rectificado e que tenham prescindido e desistido de cobrar o excedente de um tal valor, nos moldes em que consta do título executivo, e que desse facto tenham criado no Recorrente uma expectativa séria de assim virem a actuar.

Acresce que, e convirá realçar, o que o Recorrente questiona não é o pagamento do excedente do valor aceite rectifica com relação ao valor global do título, mas sim o pagamento da totalidade do valor inscrito no próprio título que serve de fundamento à presente execução.

Destarte, e por tudo o exposto, improcede totalmente a presente apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Guimarães, 04/ 05/ 2017.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

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Jorge Alberto Martins Teixeira

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José Fernando Cardoso Amaral.

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Helena Gomes de Melo.

1. Cfr. A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, ed. 1981, pág. 359.
2. Cfr. A. dos Reis, ob cit, pg 361.
3. Cfr acórdão do S.T.J., de 6/12/2012, in www.dgsi..pt.
4. Cfr. Ac. STJ, de 14/3/2006, in CJ, XIV, I, pg. 130; Ac. STJ, de 19/6/2007,www.dgsi.pt; Ac. TRL, de 9/2/2005, www.pgdlisboa.pt.
5. Cfr. Ac. do STJ de 10.5.07 Proc. 06B1868, in www.dgsi.pt.
6. Cfr. Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245.
7. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 94.
8. Cfr. Abrantes Geraldes, obra e local supra referidos.
9. Cfr. Ac. do S.T.J., de 20 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Ac. S.T.J. 5.02.87, B.M.J. 364º, pag 787
11. Cfr. Manuel de Andrade – Teoria Geral das Obrigações, pag. 63
12. Cfr. A. Varela, in R.L.J., ano 114, pag. 74-75 .
13. Cfr. Teoria Geral do Direito Civil – Sumários desenvolvidos, Coimbra, 1981, pag. 44.
14. Cfr. Coutinho de Abreu, Abuso de Direito, pag. 43.
15. Cfr. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pag. 742.
16. Cfr. João Baptista Machado, Obra Dispersa, Braga 1991, pag. 407.
17. Cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., pg 758.
18. Cfr. Baptista Machado, obra citada, pag. 414 e, também no sentido de inexigência de culpa, Menezes Cordeiro, obra e volume citados, pag. 761.
19. Cfr. Baptista Machado, Obra citada, pag. 416.