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SOCIEDADES COMERCIAIS
GRUPO DE SOCIEDADES
AQUISIÇÃO
Sumário
I - A previsão da norma do art. 490º do CSC abrange a chamada "aquisição tendente ao domínio total". II - Tal verifica-se sempre que uma sociedade anónima, por quotas ou em comandita por acções, detenha 90% ou mais do capital social de uma outra sociedade de um desses tipos, nasce para a primeira um direito e, em certos casos, um dever de adquirir as fracções remanescentes do capital da segunda, em troca de uma dada contrapartida patrimonial. III - O regime jurídico disciplinador da Relação de grupo estabelecida entre as sociedades totalmente dominantes e dominada rege-se "ex vi" do art. 491º daquele Código, pelas disposições previstas para a disciplina de Relação de coligação intersocietária similar estabelecida entre sociedades directoras e subordinadas. O citado artigo 491º pressupõe a existência de uma Relação de domínio total.
Texto Integral
Apelação nº 7575/99
Sociedades em Relação de Grupo
A previsão da norma do art. 409º do C.S.C. abrange a chamada «aquisição tendente ao domínio total»: sempre que uma sociedade anónima, por quotas, ou em comandita por acções, detenha 90% ou mais do capital social de uma outra sociedade dum desses tipos, nasce para a primeira um direito e, em certos casos, um dever de adquirir as fracções remanescentes do capital da segunda, em troca de uma dada contrapartida patrimonial.
O regime jurídico disciplinador da relação de grupo estabelecida entre as sociedades totalmente dominante e dominada rege-se, «ex vi» do art. 491º desse Código, pelas disposições previstas para a disciplina de relação e coligação intersocietária similar estabelecida entre sociedades directoras e subordinadas.
Pressupõe o art. 491º a existência de uma relação de domínio total, pelo que não tem aplicação a este caso (em que se verifica a figura da «aquisição tendente ao domínio total»).
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
- I -
Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite dos Concelhos de Almada e Seixal, C.R.L. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, no Tribunal Judicial da Comarca de Almada, contra Nova Ucal - Produtos Alimentares Lda., Parmalat Portugal - Produtos Alimentares S.A., pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar, à Autora, a quantia de 15.630.880$00, ou, subsidiariamente, quanto à Ré Parmalat e a ser judicialmente reconhecida a alegada compensação, a ser, solidariamente, responsável tão só pela quantia de 12.997.081$00, verbas acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, à taxa contratual de 19,375% ao ano, desde 02 de Abril de 1996, e que até à data da interposição da presente acção ascendem a 1.468.228$00, ou quanto á Ré Parmalat e a operar a alegada compensação a 1.220.823$00, bem como a pagar as custas judiciais da execução intentada pela C.G.D. contra a Autora, cujo valor deve ser liquidado em execução de sentença.
Alegou, para tanto, em resumo que:
Em 06/11/1991, a Autora constituiu-se, em conjunto com a Cooperativa Transformadora dos Produtos Agrícolas do Vale do Sorraia C.R.L. e com a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite dos Concelhos de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras C.R.L., fiadora de um empréstimo hipotecário que a C.G.D. concedeu à Ucal - União Cooperativa de Abastecedores de Leite C.R.L., no montante de 75.000.000$00.
Posteriormente, a Ucal entrou em situação de insolvência, tendo requerido a aplicação do regime do processo especial de recuperação de empresas, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa. Nesse processo, foi aprovado, em Assembleia de Credores, um acordo de credores, no qual se estabeleceu a constituição de uma nova sociedade denominada Nova Ucal - Produtos Alimentares Lda., e que foi homologado.
A C.G.D., credora hipotecária da Ucal, não votou tal acordo.
Na constituição da Nova Ucal, que sucedeu à Ucal, entraram os subscritores do aludido acordo, entre os quais a 2ª Ré Parmalat, a qual tendo atingido a posição de principal credora da insolvente Ucal, se tornou a sócia maioritária da Nova Ucal, uma quota de cerca de 95% do capital social, assegurando, assim, uma posição dominante nesta nova sociedade.
Sendo certo que a Ré Parmalat detém mais de 90% do capital social da Nova Ucal e que ambas as sociedades são geridas pela mesma pessoa, as Rés são sociedades coligadas, em relação de grupo constituído por domínio total, nos termos do art. 490º, nº 1, do C.S.C..
Desta forma, a Ré Parmalat não pode deixar de ser responsável pelas obrigações da Nova Ucal, incluindo todas aquelas que esta assumiu pelo facto de ter sucedido à Ucal, conforme o disposto no art. 501º, nº 1, aplicável, a este caso, por força do art. 491º, ambos do referido Código.
Em 02/04/1996, cumprindo a garantia que tinha assumido perante a C.G.D., a Autora pagou a esta, contra a liberação da sua fiança, a quantia de 15.630.880$00, ficando sub-rogada nos direitos daquela instituição bancária.
Sucede que, em consequência das relações comerciais entre a Ré Parmalat e a Autora, esta deve àquela a quantia de 2.633.799$00, pelo que sendo uma e outra simultaneamente credora e devedora, há lugar à respectiva compensação, reduzindo-se, assim, o seu crédito sobre a Parmalat ao montante de 12.997.081$00.
Em consequência do incumprimento da Ucal, a C.G.D. instaurou contra a Autora uma acção executiva, para cobrança da fiança por ela prestada, no referido empréstimo.
A Autora está obrigada a pagar as respectivas custas judiciais, o que para si constitui um prejuízo por resultar do incumprimento das obrigações da Ucal, pelo que devem as Rés ressarci-la.
Na sua contestação, as Rés concluem pela improcedência total da acção, porquanto em síntese:
A Ré Parmalat não tem o domínio total da Nova Ucal, razão porque não responde nem por lei nem de facto, pelas suas dívidas, designadamente pelo alegado crédito da Autora.
O referido crédito da Autora terá sempre que se considerar reduzido já que não o acompanha qualquer garantia real. É pois um crédito comum, e como tal terá que ser pago, nos termos do acordo de credores da Ucal.
Uma vez que a Ré Parmalat não é em qualquer caso responsável pelo alegado crédito da Autora, não há qualquer hipótese para se operar a pretendida compensação.
Por fim importa dizer que a Autora, ao constituir-se fiadora da Ucal, perante a C.G.D., coobrigou-se no pagamento do referido empréstimo. Nessa qualidade foi accionada, judicialmente, na execução, pelo que a Autora e só a Autora é responsável pelas custas.
Proferiu-se despacho saneador. Elaborou-se especificação e questionário.
A Autora apresentou reclamação contra o questionário, a qual foi indeferida.
Após audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo deliberou responder ao questionário, da forma que consta a fls. 209.
A Autora apresentou alegações de direito.
Na sentença, decidiu-se:
1 - julgar a acção, parcialmente, procedente, condenando-se a Ré Nova Ucal a pagar, à Autora, a quantia de 15.630.880$00, de acordo com o estabelecido no acordo de credores homologado, no processo de recuperação de empresas, referente à Ucal;
2 - absolver a Ré Parmalat do pedido.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de sentença, que foi admitido como apelação.
Na sua alegação, a Apelante concluiu de forma seguinte:
1 - A sociedade que disponha de mais de 90% do capital social de outra, encontra-se numa situação jurídica definida por Lei como sociedade tendente ao domínio total da sua participada, sob pena de, a assim se não considerar, ficar violado o disposto no artigo 490º, nº 1 do CSC.
2 - A sociedade que se encontra em posição tendente ao domínio total de outra sociedade, é responsável por todas as dívidas da sociedade dominada, sob pena de ficarem violados os artigos 490º, 491º, 501º, nº 1 todos do CSC, e os artigos 9º e 11º do CC.
3 - A sociedade que cumpre uma obrigação de outra, por força de fiança anteriormente assumida, fica sub-rogada em todos os direitos da credora originária, sob pena de ficarem violados os artigos 644º e 593º do CC.
4 - Tal sub-rogação abrange também todas as garantias reais e acessórias do crédito, sob pena de ficarem violados os referidos artigos 644º e 593º do CC.
5 - O regime geral dos credores com garantia hipotecária está integralmente acolhido no C.P.E.R.E.F..
6 - Assim, o princípio da igualdade entre os credores do C.P.E.R.E.F., exclui expressamente os credores hipotecários, cujos créditos não podem ser extintos ou modificados, mantendo por tal razão as garantias reais existentes, sob pena de ficar violado o artigo 62º, nº 1 do C.P.E.R.E.F..
7 - Esta solução legislativa fica perfeitamente corroborada, pelo estabelecimento de norma expressa, que reconhece ao terceiro que tenha cumprido a obrigação do afiançado, o direito a ser equiparado no processo especial de recuperação de empresas, à posição processual do credor originário cuja divida pagou, sob pena de ficar violado o artigo 64º, nº 1 do C.P.E.R.E.F..
8 - O fiador que tenha pago uma dívida da sociedade afiançada objecto de processo de recuperação de empresa, não pode ver o seu crédito reduzido ou extinto, e virtude da aplicação da medida de recuperação aprovada, no caso de o crédito do credor originário beneficiar de garantia real e de o credor não aceitar submeter o seu crédito privilegiado, ao regime dos credores comuns, sob pena de ficar violado o disposto no artigo 62º e 64º, nº 1 do C.P.E.R.E.F..
9 - A decisão que julgue uma acção parcialmente procedente, deverá condenar as partes no pagamento das custas do processo, na proporção em que cada uma delas tiver dado causa ao processo, ou tiver decaído, sob pena de ficar violado o disposto no art. 446º do CPC.
10 - A sentença que deixar de se pronunciar sobre questão que devesse conhecer, enferma de nulidade por omissão de pronúncia, devendo ser substituída por outra que se pronuncie sobre questão concreta submetida a juízo, sob pena de ficar violado o disposto no art. 668º, nº 1, alínea d).
Termos em que sustenta que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene as Apeladas de acordo com o peticionado.
A Apelada apresentou contralegações. Nelas, refere, para além do mais, que a sentença recorrida não se pronunciou, efectivamente, sobre o pedido de pagamento de juros e de custas na acção executiva movida pela C.G.D. contra a Apelante, cabendo ao Tribunal da Relação proferir a decisão respectiva, que deverá ser de indeferimento, suprindo-se, assim, a nulidade respectiva.
Concluiu que deverá ser proferida decisão de indeferimento quanto ao pedido de pagamento de juros e de custas na execução que a C.G.D. instaurou e deverá ser mantida a sentença recorrida, quanto ao mais.
Ao abrigo dos artigos 668º, nº 4 e 669º, nº 1, ambos do CPC, proferiu-se a decisão de fls. 342 e 343.
Aí se refere que é certo que a acção foi julgada, parcialmente procedente.
Contudo, existindo já o mencionado acordo de credores, o recurso pela Autora ao processo de declaração era desnecessário, o que justifica a sua condenação em custas apesar dessa procedência parcial (art. 449, nº 2, a) do C.P.C.).
Acrestenta-se que, tendo-se decidido que o crédito da Autora deve ser pago de acordo com o estabelecido no acordo de credores e constando desse acordo (fls. 22) o perdão de juros vencidos e vincendos, implicitamente, está a decidir-se pelo indeferimento de juros. Para a hipótese de se entender que existe nulidade de sentença, nessa parte, decidiu-se julgar improcedente o pedido de juros de mora, por no acordo de credores homologado ter sido acordado o respectivo perdão total.
Julgou-se improcedente o pedido de pagamento das custas judiciais da execução intentada pela C.G.D., com o fundamento de que a Ré Nova Ucal não foi parte desse processo e que não deu causa ao mesmo.
Inconformada, a Autora veio requerer, nos termos do disposto no art. 744º, nº 3, do C.P.C., que o Tribunal da Relação se pronuncie sobre as questões contidas no despacho de fls. 342 e 343, que passaram a fazer parte integrante da sentença recorrida, tomando em consideração as alegações então juntas, sobre a matéria agora decidida, as quais consubstanciam um complemento às que já foram apresentadas.
À cautela, para o caso de se entender que o meio de oposição às decisões contidas no despacho de fls. 342 e 343, é a interposição de recurso, o Autor, desde logo, interpôs recurso de apelação do referido despacho.
Nestas alegações (fls. 348 a 353), a Autora concluiu que:
a) Não sendo aplicável aos credores que gozem de garantia real a medida da recuperação de empresa que conceda perdão total dos juros de mora aos credores comuns, a empresa devedora com processo de recuperação aprovado continua obrigado a indemnizar os referidos credores pelos danos causados pela mora, correspondendo tal indemnização, no caso de se tratar de obrigação pecuniária, aos juros a contar do dia da constituição em mora, sob pena de ficar violado o disposto nos artigos 804º e 806º do Código Civil.
b) O fiador tem direito ressarcido pelo afiançado de todos os prejuízos que tiver suportado em virtude do accionamento da fiança, nomeadamente, das custas judiciais que tiver de pagar por força de execução ordinária para cobrança de fiança, e tal direito não lhe pode ser coarctado, pelo facto de ter decidido defender os seus interesses em sede de Tribunal, sobretudo se é o caso dos autos, a opção pela defesa em Tribunal se traduziu numa efectiva e avultada diminuição da responsabilidade do fiador, e consequentemente do afiançado, sob pena de, a assim se não entender, ficar violado o disposto no artigo 798º do Código Civil.
Termos em que sustenta que a sentença recorrida deve ser revogada, na parte em que a Apelante decaiu.
No despacho de fls. 354, considerou-se que o despacho de fls. 342 e 343 complementa e é parte integrante da sentença recorrida, pelo que se entendeu não se justificar a admissão de outro recurso de apelação; e que, no conhecimento do recurso, se deveria atender, também às alegações de fls. 348 e 352. Ordenou-se a notificação das Apeladas para alegar.
Na sua alegação, as Apeladas concluíram que deve ser mantida a sentença recorrida.
- II -
Factos provados:
Em 06 de Novembro de 1991, a Autora constituiu-se, em conjunto com a Cooperativa Transformadora dos Produtos Agrícolas do Vale de Sorraia C.R.L. e com a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite dos Concelhos de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras,. C.R.L., fiadora de um empréstimo hipotecário que a Caixa Geral de Depósitos concedeu à UCAL - União Cooperativa de Abastecedores de Leite, C.R.L., no montante de 75.000.000$00;
Posteriormente, a UCAL entrou em situação de insolvência, cessou pagamentos e requereu a aplicação do regime de processo especial de recuperação de empresas no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa;
Em consequência, foi aprovado em assembleia de credores um conjunto de providências de recuperação sob a designação de acordo de credores, no qual se estabeleceu a constituição de uma nova sociedade comercial por quotas denominada Nova Ucal - Produtos Alimentares, Lda., acordo que mereceu posteriormente homologação judicial;
A Caixa Geral de Depósitos, credora hipotecária da UCAL, não votou tal acordo;
A Nova Ucal sucedeu à Ucal na exploração de todos os seus estabelecimentos e na titularidade de todos os direitos, poderes e interesses, obrigações e deveres, actuais ou futuros, vencidos ou não, conforme disposto na alínea j), do referido acordo de credores;
Na constituição da Nova Ucal entraram os credores subscritores do referido acordo, entre os quais se encontrava Parmalat Portugal - Produtos Alimentares, S.A., a qual, na sua dupla qualidade de credora da Ucal e de adquirente da parte mais significativa dos créditos sobre a Ucal, atingiu a posição de principal credora da Ucal, assim se tornando sócia majoritária da Nova Ucal, em cujo capital com o valor nominal de Esc. 3.480.291.000$00, detém uma quota correspondente a cerca de 95%, com o valor nominal de Esc.3.303.383.500$00;
Em consequência das relações comerciais mantidas entre a Parmalat e a Autora, esta deve àquela a quantia de 2.633.799$00;
(A) é Administrador Delegado da Ré Parmalat e Gerente da Ré Nova Ucal;
Em 2 de Abril de 1996, na sequência das negociações de 30 de Outubro e de 27 de Novembro de 1995, entabuladas por iniciativa da Caixa Geral de Depósitos, a Autora, cumprindo a garantia que tinha assumido perante aquela instituição, pagou-lhe contra a liberação da sua fiança, a quantia de 15.630.880.000$00;
A Parmalat é gerida em Portugal, por um conselho de administração composto de cinco membros, dos quais três em funções executivas.
Considera-se provado mais o seguinte:
O referido acordo de credores foi aprovado em assembleia de credores de 20/01/1995 (processo nº 4530/93 do 5º Juízo Cível da Comarca de Lisboa), homologado por sentença proferida em 08/02/1995, que transitou em julgado em 03/11/1995 - certidão junta de fls. 295 a 337.
- III -
O âmbito do recurso está, objectivamente, delimitado pelas conclusões das alegações da Apelante (artigos 660º, nº 2, 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C.P.C.). Assim só das questões postas, nessas conclusões, há que conhecer.
Nas conclusões 1ª e 2ª, suscita-se a seguinte questão:
Tendo a Ré Parmalat passado a deter cerca de 95% do capital social da Ré Nova Ucal, adquirindo, assim, uma posição tendente ao domínio total dela, saber se é aplicável à divida desta sociedade ora em causa, o regime do art. 501º, nº 1, «ex vi» do art. 491º, ambos do C.S.C., ou por outras palavras saber se a Ré Parmalat, como sociedade dominante, é responsável, perante a Autora, por essa dívida da Ré Nova Ucal.
Instrumento jurídico da constituição de uma relação de grupo é, para além do mecanismo contratual (contrato de subordinação), a participação totalitária no capital social. Sempre que uma sociedade detenha, directa ou indirectamente, inicial ou superveniente, a totalidade das partes sociais de uma outra, teremos então entre ambas uma relação de grupo por domínio total (artigos 488º a 491º, do aludido código).
O chamado domínio total inicial, previsto no art. 488º, consiste na detenção originária da totalidade do capital social de uma sociedade por outra.
O designado domínio total superveniente, previsto no art. 489º, não resulta da criação de uma nova sociedade pela sociedade dominante, mas antes de uma aquisição integral por esta última de todas as acções ou quotas de uma sociedade já existente. Neste sentido, a participação totalitária detida pela sociedade dominante deriva de uma aquisição das partes sociais, em momento ulterior á constituição da sociedade dominada.
Veio o legislador prever, na norma do art. 490º, a aquisição tendente ao domínio total: sempre que uma sociedade detenha 90% ou mais do capital social de outra, nasce para a primeira um direito e (em certos casos) um dever de adquirir as fracções remanescentes do capital da segunda mediante uma dada contrapartida patrimonial. A figura prevista nessa norma tende, por definição, a dar origem a uma participação totalitária e, desse modo, à «facti species» que caracteriza a figura mais vasta do grupo emergente de domínio total superveniente, ou seja, limita-se a abrir o caminho para a formação de uma relação de grupo embora não constitua em si mesmo uma modalidade autónoma dessa formação. O processo tem o seu inicio, usualmente, com a aquisição de uma participação maioritária e termina com um movimento de anexação integral consistente na aquisição pela sociedade directora do capital social remanescente da sociedade subordinada, por forma a assegurar àquela um controle absoluto sobre esta última, operando-se, então, juridicamente a transformação novatória da anterior relação numa nova relação de grupo, constituída por domínio total (art. 507º do C.S.C.).
Deste modo, na economia desse diploma legal, são duas as modalidades de domínio total que podem estar na origem da constituição de uma relação de grupo deste tipo: o domínio total inicial (art. 488º) e o domínio superveniente (art. 489º), estando excluída a chamada «aquisição tendente ao domínio total».
O regime jurídico disciplinador da relação de grupo estabelecida entre as sociedades totalmente dominante e dominada rege-se, por força do art. 491º, pelas disposições previstas para a disciplina de relação de coligação intersocietária similar estabelecida entre sociedades directas e subordinadas.
Neste sentido, J. Engrácia Antunes in «Os Grupos de Sociedades», ed. 1993, págs. 706 e ss.
Pressupõe o art. 491º, do mesmo código, a existência de uma relação de grupo de domínio total, o que não se verifica no caso vertente.
Com efeito, na constituição da Ré Nova Ucal entraram os credores subscritores do aludido acordo (aprovado na assembleia de credores de 20/01/1995), entre os quais se encontrava a Ré Parmalat que, na sua dupla qualidade de credora da Ucal e de adquirente da parte mais significativa dos créditos sobre essa sociedade, atingiu a posição de principal credora da Ré Nova Ucal, assim se tornando a sócia maioritária desta sociedade, com uma quota correspondente a cerca de 95% do seu capital social.
Nestas circunstâncias, parece poder depreender-se que na origem dessa participação, tendencialmente, totalitária sobreleva o «animus» de viabilizar a medida de recuperação de empresa aprovada naquela assembleia de credores e não o de estabelecer uma relação de grupo de domínio total.
Por outro lado, não está demonstrado que aquela posição maioritária se tenha transformado numa relação de grupo desse tipo, traduzida pela detenção de 100% do capital social da Ré Nova Ucal.
Sendo assim, não tem aplicação ao caso em apreço a norma do art. 491º do C.S.C., não podendo, consequentemente, a Ré Parmalat ser responsabilizada pela dívida da Ré Nova Ucal à Autora, nos termos do disposto no art. 501º (para o qual aquela norma remeteria se, porventura, fosse aplicável).
Improcedem, pois, as conclusões quanto a esta questão.
Está provado que, em 02 de Abril de 1996, na sequência de negociações entabuladas por iniciativa da C.G.D., a Autora em cumprimento da fiança que tinha assumido perante esta instituição, pagou-lhe contra a liberação da sua fiança, a quantia de 15.630.880$00, satisfazendo, parcialmente, o seu crédito.
Consequentemente, por virtude desse pagamento, ficou sub-rogada, nessa medida, nos direitos da credora C.G.D., ao abrigo dos artigos 593º e 644º, do Código Civil.
Nas conclusões 2ª à 8ª, coloca-se como questão decidenda saber se o crédito da Autora está, ou não, sujeito ao acordo de credores aprovado na referida assembleia, e homologado por sentença, sendo certo o credor (C.G.D.) não o ter votado nem ter renunciado à garantia hipotecária.
Pretende a Autora estar imune das limitações decorrentes da medida de recuperação aprovada (acordo de credores), por entender beneficiar do regime de salvaguarda de créditos com garantia real sobre os bens da empresa devedora (em que o credor não renunciou a essa garantia) previsto no art. 62º, nº 1, do C.P.E.R.E.F..
Sufragamos o entendimento da douta sentença recorrida, segundo o qual o regime de excepção previsto nessa norma, em relação aos credores com garantia real sobre bens da empresa, que a ela não renunciaram, referem-se, apenas, ao pagamento do crédito pelo valor desses bens e não á parte do crédito que não esteja acoberto por esse valor. Se o bem hipotecado não for suficiente para o pagamento do crédito, a parte remanescente deste fica sujeita ao regime dos créditos comuns.
No caso vertente, e de harmonia com o acordo de credores (Cap. II, D.I), homologado por sentença transitada em julgado, o credito hipotecário da C.G.D. era satisfeito através de dação em cumprimento dos prédios hipotecados. O valor destes não terá sido suficiente para extinção total do crédito da C.G.D., uma vez que a Autora pagou uma parte desse crédito. O crédito na parte não coberta pelo valor do prédio hipotecado reveste a natureza de um credito comum sujeito ao regime estabelecido no acordo de credores (Cap. II, D.4).
No caso de sub-rogação parcial, o credor originário goza de «preferência» sobre o sub-rogado, visto a Lei declarar que a sub-rogação não prejudica os direitos daquele, quando outra coisa não tem sido estipulada (art. 593º, nº 2, do Código Civil). Em caso de insolvência do devedor, aquilo que for afecto ao pagamento do crédito global destina-se, em primeiro lugar, ao credor primitivo, só o excedente, se o houver, aproveita ao sub-rogado (Galvão Teles in Direito das Obrigações, 4ª Ed., pág. 220).
Assim, não se pode falar em transmissão de garantia rela da C.G.D. para a Autora enquanto credora, parcialmente sub-rogada, pelo que o crédito está sujeito ao referido regime dos créditos comuns, e como tal sujeito ao perdão da capital e de juros.
Desta feita, improcedem as conclusões no tocante a esta questão.
Diz a Apelante que a acção foi julgada, parcialmente procedente, logo deveriam as partes ter sido condenadas nas custas na proporção.
Não tem razão. Na verdade, aquela usou sem necessidade da acção declarativa contra a Ré Nova Ucal, por já deter um título com manifesta força executiva. Com efeito, a deliberação que aprovou o acordo de credores, foi homologada por sentença transitada em julgado, constituindo a respectiva certidão título executivo (art. 94º, nº 1 e 2 do C.R.E.R.E.F.). Assim sendo, a Autora é responsável pelas custas, também quanto a essa Ré, nos termos do art. 449º, nºs. 1 e 2, alínea c) do C.C.J..
A nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronuncia, a que se alude na conclusão 10ª, considera-se suprida ao abrigo do art. 668º, nº 4, do C.P.C., através da decisão proferida a fls. 342 e 343.
Pelas razões acima referidas, o crédito da Autora está sujeito ao regime dos créditos comuns, estabelecido no acordo de credores, ou seja, está sujeito ao perdão dos juros respectivos, pelo que não pode deixar de improceder o pedido de juros de mora formulado pela Autora.
A Autora pretende que a Ré Nova Ucal seja condenada a pagar-lhe as custas da execução que a C.G.D. instaurou contra si.
Na decisão recorrida entendeu-se, e bem, que essa Ré não devia suportar as custas dessa execução. Com efeito, por um lado, a Autora foi aí demandada com base na fiança que assumira perante a exequente. Por outro lado, a Ré Nova Ucal não foi parte dessa execução, nem a ela deu causa.
Não podem, pois, deixar de improceder as conclusões da alegação da Apelante de fls. 348 a 353.
- IV -
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e em confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Lisboa, 03 de Fevereiro de 2000