CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONTRA-ORDENAÇÃO
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
CONCENTRAÇÃO DO PRINCÍPIO ATIVO
CRITÉRIOS DA JURISPRUDÊNCIA
Sumário

I - A concentração de princípio ativo não releva para o preenchimento do tipo legal de tráfico de estupefacientes, mas é relevante para a determinação dos limites quantitativos máximos da dose média individual diária e, portanto, para o crime de consumo de estupefacientes.
II - São esses limites que traçam a fronteira entre o tráfico para consumo (artigo 26.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1) e o tráfico de estupefacientes "tout court", e entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional previsto no artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29/11.
III - Apesar de tal não resultar, explicitamente, do Art. 40.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01 nem do Art. 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29/12, na aferição das quantidades de consumo médio individual diário de produtos estupefacientes devem ser considerados os valores fixados pelo mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26/03.
IV - Tais valores são meramente indicativos, não são de aplicação automática, não são taxativamente impostos ao tribunal que pode afastar a sua aplicação desde que devidamente fundamentada.
V - A circunstância de o exame toxicológico não determinar a concentração do princípio ativo da substância estupefaciente em causa, vedando o recurso aos valores indicativos constantes daquele mapa, não impede que se chegue a uma conclusão sobre a questão de saber se a substância estupefaciente em causa é a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias ou se excede essa necessidade.
VI - Para tanto, apontam-se, em alternativa (aos valores constantes do mapa anexo à referida portaria), quantidades médias de consumo individual recorrendo-se àquilo que é designado como "critérios da jurisprudência", que se baseiam nas regras da experiência comum e que teriam em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final.
VII - O recurso a tais "critérios da jurisprudência" é de afastar se contrariarem ou estiverem em dessintonia com a prova produzida (ainda que não haja prova pericial).

Texto Integral

Processo n.º 13/12.0 GEVFR.P1
Recurso Penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 13/12.0 GEVFR, corre termos pela Instância Local de S.M. da Feira, Secção Criminal (Juiz 1), Comarca de Aveiro, foi submetido a julgamento, por tribunal singular, o arguido B…, melhor identificado nos autos, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática de factos susceptíveis de consubstanciar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença (fls. 228 e segs.), datada de 07.02.2015 e depositado em 02.03.2015, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se absolver o arguido B… da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que lhe era imputado.

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Quanto aos bens apreendidos:
a) Declara-se perdido a favor do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, todo o produto estupefaciente apreendido assim como a respetiva amostra que se encontra devidamente guardada, mais se determinando a sua destruição.
Cumpra-se o disposto no artigo 62.º, n.º 5 e n.º 6 do citado normativo legal.
b) Determina-se a restituição do telemóvel apreendido ao arguido”.

Discordando da decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
1. O parágrafo 4) dos factos provados, bem assim, os parágrafos e) e d) dos factos não provados foram incorrectamente julgados e, por isso, vão impugnados;

2. Da fundamentação da sentença resulta que o parágrafo 4) foi considerado provado em virtude das declarações do arguido mas são essas mesmas declarações que impõem uma decisão diversa quanto à materialidade contida no referido segmento fáctico - cfr. registo fonográfico armazenados no sistema citius media studio, sessão de 26.12.2014, passagens de 07:51 a 08:45, de 18:45 a 19:00, de 20:44 a 20:50;

3. De molde a que o §4 espelhe fidedignamente o conteúdo probatório produzido em sede de audiência de discussão e julgamento torna-se imperioso alterá-lo, eliminando a alusão aos "dois dias", passando a consagrar a seguinte redacção:

«Normalmente o arguido consome uma tira de canabis similar à que lhe foi apreendida em 3 dias».

4. Demonstrado que o arguido, ao tempo dos factos, necessitava de mais de dez dias para consumir aquela porção de 13,451 gramas - recordemos a redacção do §4 propugnada - importa elevar para a esfera de positivamente provados os factos constantes nos pontos e) e d) tidos por não provados;

5. O universo factológico citado, da forma como agora o concebemos, conjugado com aquele inicialmente tido por provado na sentença patenteia o preenchimento da totalidade dos elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime de Consumo, p. e p. pelo art. 40º/1 e 2 do DL 15/93 com referência negativa ao art. 2º/1 da Lei 30/2000, de 29.11 e, portanto, o arguido deverá ser condenado pela prática do mesmo.

Sem prescindir:

6. Por força do Princípio da investigação, consagrado no art. 340º/1 do CPP, recai sobre o Tribunal o poder-dever de ordenar a produção de todos os meios de prova que considere essenciais à "descoberta da verdade material e à boa decisão da causa" independentemente da contribuição da acusação ou da defesa;

7. Vale por dizer que o Tribunal encontra-se obrigado a carrear toda a prova necessária à boa decisão da causa, de modo a que, finda a discussão e aberta a fase de julgamento da matéria de facto e de direito srictu sensu, esteja munido de todos os elementos essenciais para solucionar o caso concreto, quer em termos fácticos, quer em termos normativos;

8. In casu, o Tribunal a quo recorreu ao "critério da jurisprudência" presumindo, com absoluto desligamento do caso concreto, um grau diminuto de pureza da canabis, na ordem dos 2,2%, quando podia e devia ordenar exame de cariz toxicológico à substância apreendida em amostra-cofre, para determinação rigorosa do quantum percentual do princípio activo;

9. Não tendo assim actuado, demitiu-se da obrigação de investigar, à qual se encontra por lei adstrito, violou desse jeito o art. 340° do CPP, os art.s 40º/1 e 3, 71º/1-c) do DL 15/93, de 22.01, incorrendo em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

10. E é justamente esse vício que assombra, atinge e degrada a sentença a quo – cfr. art. 410º/2-a) do CPP”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 275) e notificado o arguido, veio este responder à respectiva motivação, sintetizando assim a sua contra-alegação:
1. “Analisada a douta sentença recorrida, entende o recorrido que o tribunal a quo fundamentou e justificou de forma irrepreensível, as razões e convicções que levaram á verificação dos factos dados como provados e não provados.

2. Mediante os elementos carreados para os autos, a prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal a quo efectuou devidamente a análise crítica da prova produzida ou da ausência da mesma.

3. Entende o recorrido que não deve ser alterada a matéria de fato dado como provado e não provada, acima referidas, devendo manter-se nos mesmos moldes que consta da douta sentença.

4. Conforme consta da douta sentença, o arguido declarou que consome em, 2, 3 dias cada tira de canábis que foi apreendida.

5. Ora conforme refere a douta sentença, não existe nos autos qualquer outra prova que contraria-se o afirmado pelo arguido.

6. Para além de não existir qualquer elemento de prova que abalasse o depoimento do arguido, tais declarações estão sujeitas à livre apreciação do julgador que, naquele momento, ouve e tem perceção dos movimentos, expressões do arguido, etc.

7. Em caso de dúvida sempre seria de aplicar o princípio "in dubio pro reo".

8. Não foram violados quaisquer preceitos legais”.
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Ordenada a subida dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, secundando a posição do Ministério Público na 1.ª instância, se manifesta pelo provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem qualquer resposta.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

IIFundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso, naturalmente sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insupríveis e dos vícios da sentença, estes previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal.
O Ministério Público/recorrente põe em crise a sentença absolutória impugnando a decisão sobre matéria de facto.
Fá-lo pelas duas vias legalmente possíveis: invocando um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal e erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova.
É no pressuposto da procedência dessa impugnação e da consequente alteração factual que o recorrente pugna pela condenação do arguido pela autoria do crime previsto e punível pelo artigo 40.º, n.os 1 e 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Por isso são duas as questões a apreciar e decidir:
- se a sentença recorrida está afectada pelo vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- se o tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, por incorrecta apreciação e valoração da prova;
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Identificadas as questões a decidir, importa conhecer os factos considerados provados e os não provados:
Factos provados:
1) No dia 7 de junho de 2012, cerca das 2.40 horas, o arguido encontrava-se na C…, sita no …, …, Santa Maria da Feira, onde decorria uma “rave party”;

2) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido detinha, repartidas por 4 tiras, guardadas no interior do bolso das suas calças, 13,451g de canabis (resina), que lhe foi apreendida;

3) O arguido detinha aquele produto exclusivamente para o seu consumo;

4) Normalmente, o arguido consome uma tira de canabis similar à que lhe foi apreendida em 2 ou 3 dias;
B
5) O arguido conhecia a natureza e características da substância estupefaciente que detinha, sabendo tratar-se de canabis, estando ciente que a sua detenção lhe estava vedada por lei;

6) Conhecia ainda os efeitos nefastos na saúde humana do produto estupefaciente por ele detido;

7) Em todos os sobreditos momentos, o arguido atuou livre, voluntária e conscientemente;

8) Sabia que a sua conduta era ilícita e reprovável, agindo com a consciência de que a mesma era, como ainda é, proibida e punida por lei;

9) Sabia ainda que a cedência de estupefacientes era conduta ilícita e reprovável, proibida e punida por lei;
C
1) Nas circunstâncias de tempo e lugar referido em 1), o arguido detinha ainda um telemóvel, marca …, branco e cor-de-rosa, com o IMEI …………….. e com o cartão D… n.º …………, que lhe foi apreendido;
II
11) Os pais do arguido estão separados;
12) O pai do arguido é vendedor de automóveis;
13) A mãe do arguido é doméstica, vivendo com um companheiro que trabalha numa fábrica de pás eólicas;
14) Tem dois irmãos: um germano, de 18 anos e uma irmã uterina de 17 anos;
15) O arguido vive com a mãe, dando-se bem com o companheiro desta;
16) Tem o 9.º ano de escolaridade, concluído apenas quando tinha 18 anos de idade;
17) O arguido auxilia o pai, recebendo deste dinheiro para os seus gastos pessoais;
18) Fora o acima descrito, o arguido está desempregado há 7 meses;
19) Esteve, antes de se encontrar desempregado, a trabalhar na Suíça, onde auferia mensalmente 3850 francos suíços, a montar painéis solares;
20) Não tem antecedentes criminais;

7. Factos não provados
Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados.
Designadamente, não se provaram os seguintes factos:
a) O arguido destinava o estupefaciente que detinha para o ceder a terceiros;

b) O arguido cedeu estupefaciente a terceiros;

c) O arguido detinha estupefaciente em quantidade superior à que necessitava para o seu consumo durante 10 dias;

d) O arguido sabia que a quantidade de estupefaciente que detinha era superior à necessária para o seu consumo médio durante 10 dias;
*
Os vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º do CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, ou, como é afirmação recorrente, são “anomalias decisórias” ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respectivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir, tanto ao nível da matéria de facto, como de direito.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando faltem factos que autorizem a ilação jurídica tirada, que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis.
Como se refere no acórdão do STJ de 19.03.2009 (Cons. Souto de Moura), acessível em www.dgsi.pt/jstj, “é uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, e não se confunde, evidentemente, com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados”.
Mais incisivamente, diz-se no acórdão do STJ de 27.05.2010 (Cons. Raul Borges):
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa”.
O arguido estava acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, mas o tribunal deu como não provado que ele detinha a resina de canábis que lhe foi apreendida para a ceder, e efectivamente cedeu, a terceiros e considerou antes provado que o produto estupefaciente destinava-o, exclusivamente, ao seu consumo.
O recorrente não impugna a decisão sobre matéria de facto quanto a esses pontos, pelo que está, definitivamente, afastada a hipótese acusatória (de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade).
Excluída essa hipótese, antolhavam-se duas soluções de direito plausíveis: considerar que a conduta do arguido configura uma contraordenação (caso em que se impunha determinar, como se fez, a comunicação à entidade administrativa competente para aplicação da competente coima) ou subsumi-la à previsão incriminadora do artigo 40.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (caso em que, após cumprimento dos disposto no artigo 358.º, n.os 1 e 3, do Cód. Proc. Penal, se impunha a condenação do arguido pelo crime de consumo de substância estupefaciente).
Com efeito, apesar de continuar a ser questão muito controversa, em face da normas contidas nos artigos 40.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (“Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias”[2]) e 2.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro (n.º 1 - “O consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação”; n.º 2 - “Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”) e com o acórdão do STJ n.º 8/2008 (DR, I, n.º 150, de 25 de Agosto) que fixou jurisprudência neste sentido: “Não obstante a derrogação operada pelo artº 28º da Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo”, como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas na tabela I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”, a detenção do produto estupefaciente para autoconsumo em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias integra a prática de um crime de consumo de estupefacientes[3].
Como é bom de ver, para este efeito, é fundamental precisar o que deve entender-se por “limite quantitativo máximo para cada dose média individual diária” e “consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
Nas referidas circunstância de tempo e lugar, o arguido detinha quatro “tiras” (também designadas por “línguas”) de canabis (resina) com o peso líquido de 13,451g.
Excede essa quantidade o necessário ao consumo médio individual para um período de 10 dias?
Eis a questão em que divergem o Sr. Juiz do julgamento e o Magistrado do Ministério Público recorrente.
O Sr. Juiz concluiu pela negativa e justificou assim o seu juízo:
Γ.β. Factualidade descrita em c) e d) dos factos não provados.
Γ.β.1. Trata-se, aqui, da questão de quantificar o consumo médio individual de estupefaciente, matéria que, é sabido, é fonte de alguma controvérsia.
a) O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu, no seu artigo 71.º, n.º 1, al. c): que “os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria, os limites quantitativos máximo do princípio ativo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente”.
Mais se acrescentou no seu n.º 3 que “o valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.
Escusado será de dizer que esta matéria apresenta-se como de fulcral importância, porquanto da determinação da dose média individual com referência ao princípio ativo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contraordenação.
b) “Tem entendido a jurisprudência que, embora tal não resulte explicitamente dos preceitos em causa, por imperativo do princípio da unidade e coerência do sistema jurídico (artigo 4.º, n.º 1 do Código Civil) e dos princípios da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) e da legalidade (artigo 29.º da Constituição), na aferição das quantidades de consumo médio individual diário de produtos estupefacientes devem ser considerados os valores fixados pelo mapa a que se refere o artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26 de março” (Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.04.2012 e de 4.06.2014, in www.dgsi.pt).
Ora, a Portaria n.º 94/96, de 26 de março ― que, de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro ― determinou no seu artigo 9.º que “os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das Tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
c) Voltando mais especificamente o nosso olhar para o caso sub iudice, analisando-se a aludida Tabela no que toca à canabis (resina), é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC [tetraidrocanabinol] existente nos produtos da Canabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme se encontra anotado nessa tabela.
Por seu turno (seguindo, de perto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2012, in www.dgsi.pt), de acordo com o artigo 10.º, n.º 1 da mesma Portaria, «na realização do exame laboratorial referido nos n.os 1 e 2 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respetivo princípio ativo ou substância de referência”.
Ora, assinalando-se que passou a ser utilizada esta Tabela para a determinação dos «limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária» no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26.º, n.º 3 e 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro), então teríamos de concluir que o arguido detinha uma quantidade de estupefaciente (resina de canabis) em quantidade bem superior à necessária para o seu consumo individual por 10 dias.
d) Será que os valores indicados na Portaria n.º 94/96, de 26 de março podem ser utilizados em toda e qualquer circunstância?
i. Por nós, sob pena de o artigo 71.º ser uma norma penal em branco com remissão para os valores fixados na Portaria n.º 94/96, de 26 de março, temos entendido que “os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado”, mas antes a “remissão para valores indicativos”, suscetíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 534/98, de 7.08.1998, in www.tribunalconstitucional.pt; em idêntico sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 559/2001, de 7.12.2001 e n.º 43/2001, de 31.01.2001, ambos in www.tribunalconstitucional.pt).
Portanto, os valores constantes na Portaria não são de aplicação automática.
ii. Assim, “há que considerar, por um lado, que os valores em causa dizem respeito a substâncias puras, sendo que, na generalidade dos casos de droga traficada, a percentagem de produto ativo (aquilo que atua sobre o sistema nervoso central e é, por isso, proibido; no caso da cannabis, o tetrahidrocanabinol) é bastante reduzida”, porque “normalmente, os produtos estupefacientes vão sofrendo transformações sucessivas à medida que se afastam do produtor e se aproximam do consumidor, através do adicionamento de diversas substâncias (ditas «de corte») que têm como finalidade aumentar o lucro dos traficantes”, pelo que “os valores que constam do mapa anexo à Portaria n.º 94/96 não impõem conclusões rigidamente determinadas quanto às quantidades de consumo médio individual, desde logo porque não pode ser ignorada a maior ou menor percentagem de produto ativo” (Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.04.2012 e de 4.06.2014, ambos em www.dgsi.pt, com amplas indicações bibliográficas e jurisprudenciais).
iii. Se é necessário atender à maior ou menor percentagem de produto ativo, como acabámos de afirmar, então teremos de acentuar a importância de nos exames periciais se indicar a concentração do princípio ativo.
Em tal situação, o “exame pericial tem inteira aptidão para servir de base à aplicação dos valores considerados na tabela”, pelo que não se vislumbra “qualquer razão que justifique que deles nos afastemos”, até porque em tal situação, importa atentar ao especial valor da prova pericial: o juízo pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, pelo que se exige um especial dever de fundamentação caso o julgador divirja do juízo pericial, tal como manda o artigo 163.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2012, in www.dgsi.pt).
Aliás, no que toca ao canabis, é sabido que não se vendem no mercado derivados de tal substância que possam apresentar THC (tetrahidrocanabinol) em estado puro e, por isso, a tabela da Portaria 94/96, de 26 de março, não “indica apenas um limite quantitativo para a dose média individual diária, mas diz-se que os limites quantitativos apresentados, conforme se trate de folhas e sumidades floridas ou frutificadas, resina ou óleo, referem-se a concentrações médias de THC, que seguramente têm em conta dados epidemiológicos relativos às concentrações médias usuais nos diversos produtos da canábis”, esclarecendo, “assim, que a quantidade indicada para a canabis-resina (0,5 gramas) se refere «a uma concentração média de 10% de A9THC»” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2012, in www.dgsi.pt).
“E daqui decorre que se determinada resina de canabis, com o peso líquido de 5 gramas (por hipótese) tiver a concentração de 10% de tetraidrocanabinol, então corresponderá ao limite quantitativo máximo para consumo médio individual durante 10 dias (à tal razão de meia grama diária); porém, se a concentração for de 5%, a mesma quantidade de resina de canabis corresponderá ao consumo médio individual durante 5 dias (como, de outro lado, se a concentração for de 20%, corresponderá ao consumo médio individual durante 20 dias, pois que quanto maior for a concentração da substância ativa, menor será a necessidade do consumidor do referido produto, para obter o efeito desejado)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2012, in www.dgsi.pt).

iii. Voltando ao caso dos autos, a verdade é que, o relatório do exame pericial do produto detido pelo arguido não determina a percentagem de produto ativo.
Ora, “tal impede que se sigam, como critério único de determinação do número de dias de consumo para que seria necessário tal produto, os valores fixados pelo mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de março” (Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.04.2012 e de 4.06.2014, ambos em www.dgsi.pt; em idêntico sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2012, in www.dgsi.pt).
“O facto de o exame pericial não determinar a percentagem de produto ativo da substância estupefaciente em causa e determinar apenas o seu peso líquido (como se verifica com alguma frequência) não impede em absoluto que se retire alguma conclusão quanto ao número de dias de consumo para que ela seria necessária”, já que em tal situação “é possível recorrer ao critério seguido pela jurisprudência já antes da publicação da referida Portaria, baseado nas regras da experiência comum e que tem em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final” (Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.04.2012 e de 4.06.2014, ambos em www.dgsi.pt).
Ora, “de acordo com esse critério, é de 2 g. a quantidade necessária para o consumo médio individual diário de canabis (assim, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 393, pág. 319; de 5 de fevereiro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404, pág. 51; e de 10 de Julho de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, pág. 392)” (Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.04.2012 e de 4.06.2014, ambos em www.dgsi.pt).
Γ.β.2. Feitas estas considerações, torna-se fácil perceber as razões que levaram o Tribunal a considerar não provado que o estupefaciente detido pelo arguido fosse em quantidade superior à que necessitava para o seu consumo durante 10 dias.
Dum lado, temos que o arguido afirmou ― e nada o desmentiu, inexistindo qualquer elemento de prova que contrariasse a mesma - que consome em 2, 3 dias cada tira de canabis que lhe foi apreendida.
Ora, sendo-lhe apreendidas 4 tiras ― tendo ainda presente o princípio in dubio pro reo (anotando-se que tal princípio se aplica aos elementos do tipo de crime, às circunstâncias agravantes ou atenuantes, modificativas ou gerais, às causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e à prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição de uma decisão suscetível de favorecer ou desfavorecer o arguido) ― surge como perfeitamente plausível que o estupefaciente que detinha o arguido não chegasse para 10 dias de consumo.
Acresce que, como vimos, na falta de exame pericial que determinasse a percentagem de THC presente no canabis detido pelo arguido e utilizando os critérios jurisprudenciais acima referidos (de que, por dia, um consumidor normal consumiria 2 g de tal estupefaciente), sabendo-se que o arguido detinha 13,45 g do referido produto, então não surge como “anormal” ou fora de quaisquer regras da experiência que tal produto efetivamente não fosse suficiente para um consumo superior a 10 dias”.
Por seu turno, o recorrente entende que, ao adoptar o "critério da jurisprudência" para determinar a quantidade (de estupefaciente) necessária ao consumo médio individual para um período de 10 dias, o tribunal presumiu, “com absoluto desligamento do caso concreto, um grau diminuto de pureza da canabis, na ordem dos 2,2%, quando podia e devia ordenar exame de cariz toxicológico à substância apreendida em amostra-cofre, para determinação rigorosa do quantum percentual do princípio activo” e, não o tendo feito, incorreu no vício insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusões 8.ª e 9.ª).
Até ao parágrafo em que se diz que “Feitas estas considerações, torna-se fácil perceber as razões que levaram o Tribunal a considerar não provado que o estupefaciente detido pelo arguido fosse em quantidade superior à que necessitava para o seu consumo durante 10 dias”, nenhuma objecção relevante temos a fazer à motivação da sentença que ficou supra transcrita, até porque assenta em jurisprudência (abundantemente citada) com a qual estamos, genericamente, de acordo.
Apenas com esta reserva: a afirmação de que «assinalando-se que passou a ser utilizada esta Tabela[4] para a determinação dos «limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária» no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26.º, n.º 3 e 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro), então teríamos de concluir que o arguido detinha uma quantidade de estupefaciente (resina de canabis) em quantidade bem superior à necessária para o seu consumo individual por 10 dias” deve entender-se no pressuposto de que essa resina de canábis teria uma concentração de princípio activo, ou “grau de pureza”, igual ou superior a 10%.
Quando se fala em “grau de pureza” pretende-se aludir à percentagem de princípio activo presente numa determinada substância. Princípio activo é a substância, de origem animal, vegetal ou química e com uma estrutura química definida, responsável pela produção de uma alteração no organismo. Essa alteração pode ser benéfica para a saúde (assim acontece com o princípio activo que existe nos medicamentos) ou perniciosa, como no caso das substâncias estupefacientes e psicotrópicas, que actuam sobre o sistema nervoso central.
Tal como acontece com os medicamentos (cuja composição é uma mistura de substâncias), também nos produtos estupefacientes que chegam aos consumidores o princípio activo representa uma pequena parte da substância traficada, tanto menor quanto mais longe se está do produtor.
O princípio activo presente no haxixe (resina de cannabis) é, sabidamente, o tetrahidrocanabinol (A9THC, mais conhecido, simplesmente, pela sigla THC), que é a substancia responsável pela maioria dos seus efeitos psicotrópicos.
A concentração de princípio activo não releva para o preenchimento do tipo legal de tráfico de estupefacientes[5], mas é relevante para a determinação dos limites quantitativos máximos da dose média individual diária e, portanto, para o crime de consumo.
São esses limites que traçam a fronteira entre o tráfico para consumo (artigo 26.º do Dec. Lei n.º15/93, de 22/1) e o tráfico de estupefacientes “tout court” e entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29-11.
Como se assinala na sentença recorrida, está sedimentado na jurisprudência o entendimento de que, apesar de tal não resultar, explicitamente, dos artigos 40.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Dezembro, na aferição das quantidades de consumo médio individual diário de produtos estupefacientes devem ser considerados os valores fixados pelo mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
No entanto, também é pacífico o entendimento de que tais valores são meramente indicativos, não são de aplicação automática, não são taxativamente impostos ao tribunal, que pode afastar a sua aplicação.
Ponto é que essa desaplicação seja devidamente fundamentada.
Também corrente, na doutrina e na jurisprudência, é o entendimento de que os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária são definidos por referência ao princípio activo[6] do produto estupefaciente em causa[7].
Por isso se fala, correntemente, em “substância puras” ou “substâncias com grau de pureza de 100%” para significar que não é a substância tal como é traficada e chega aos consumidores que se tem em conta na definição dos referidos limites quantitativos constantes do mapa anexo à Portaria n.º 94/96, mas a tal substância activa que actua sobre o sistema nervoso central: para referir, apenas, as drogas mais vulgares, a diacetilmorfina, no caso da heroína; o cloridrato, no caso da cocaína; o tetrahidrocanabinol, no caso dos derivados da canabis.
É este entendimento que está expresso no acórdão da Relação de Lisboa de 07.12.2011 (Proc. n.º 5/11.6GACLD-3.ª Secção), relatado pelo Desembargador Carlos Rodrigues de Almeida, designadamente quando discorre assim:
Parece desnecessário dizer que só depois de determinado o peso líquido da substância e o seu grau de pureza se pode ver se uma determinada porção desse produto excede ou não um determinado limite.
No caso concreto, o produto apreendido tinha um peso bruto de 18,550 gramas e um peso líquido de 16,726 gramas. Sendo o grau de pureza de 16,8%, conclui-se que o arguido detinha 2,81 gramas de diacetilmorfina, o que corresponde aproximadamente ao necessário para o consumo médio individual durante 28 dias”.
E o acórdão da Relação de Coimbra de 19.12.2012 (Proc. n.º 946/09.0 GBOLH.C1), relatado pela Sra. Desembargadora Olga Maurício, também sobre este ponto é taxativo:
“É para nós evidente que as tabelas anexas à portaria se referem apenas ao princípio ativo das substâncias, ou seja, à “droga pura”, e não a um qualquer composto que tenha estupefaciente, pois só a droga pura permite uma quantificação como aquela que consta das tabelas.
Só depois, com estes valores fixados no exame laboratorial, é que podemos socorrer-nos dos valores referidos na tabela anexa à Portaria nº 94/96, de 26/3: só perante a percentagem do princípio activo constante da substância apreendida, só perante um produto “puro”, conforme se diz em linguagem corrente – seja com a canabis, seja com qualquer outra substância, mormente heroína ou cocaína -, é que podemos avaliar se a quantidade detida é «superior à necessária”.
No entanto, a afirmação de que os limites quantitativos máximos constantes do referido mapa se definem sempre por referência a “substâncias puras” ou “droga pura” tem de ser entendida cum grano salis, não pode ser interpretada em termos absolutos.
Se tomada à letra, a afirmação leva a resultados inaceitáveis.
Por exemplo, no caso do produto estupefaciente apreendido ao arguido (resina de canabis), o limite quantitativo máximo para a dose média individual diária é de 0,5 g. A entender-se que o meio grama se refere ao princípio activo (THC), para se obter esse valor seriam necessários 5 (cinco) gramas daquele produto, pressupondo uma concentração média de 10% de A9THC, e a quantidade necessária ao consumo médio individual durante um período de 10 dias (a quantidade que traça a fronteira entre ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29-11, e o ilícito criminal do artigo 40.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) seria de 50 (cinquenta) gramas.
Nem os grandes consumidores de canabis consomem uma tal quantidade!...
Não pode ignorar-se ou desprezar-se, como tantas vezes se faz, o teor das notas explicativas que fazem parte do mapa anexo à Portaria n.º 94/96.
Ora, relativamente à resina de canabis, as notas 3-c) e e) esclarecem que o meio (0,5) grama estabelecido como limite quantitativo máximo para a dose média individual diária se refere ao produto com uma concentração média de 10% de A9THC.
Como se pode ler no acórdão desta Relação de 02.10.2013 (Proc. n.º 2465/11.6 TAMTS.P1), também relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato, “a indicação, na tabela a que se refere o artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, dos valores correspondentes ao consumo médio de resina de Canabis (0,5 gr. diários) pressupõe um grau de concentração médio de 10% de A9THC, não de 100%. Se o grau de pureza desse produto for diferente dessa percentagem, tal valor terá de ser adaptado”.
Aliás, em nenhum dos produtos derivados da canábis o aludido limite quantitativo máximo se afere em relação a “substâncias puras”, com “grau de pureza” de 100% e é assim porque, como bem se explica no acórdão da Relação de Lisboa de 06.11.2012 (acessível em www.dgsi.pt), relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves, o tetrahidrocannabinol é um componente da própria planta e não se encontra em estado puro, «variando por causas naturais, como a qualidade da planta, a zona de cultivo, a selecção das partes componentes (já que a concentração varia na mesma planta), etc. Do que se infere que não se vendem no mercado derivados de canábis que possam apresentar THC em estado puro. Assim se compreende o critério da tabela relativamente à canabis: não se indica apenas um limite quantitativo para a dose média individual diária, mas diz-se que os limites quantitativos apresentados, conforme se trate de folhas e sumidades floridas ou frutificadas, resina ou óleo, referem-se a concentrações médias de THC, que seguramente têm em conta dados epidemiológicos relativos às concentrações médias usuais nos diversos produtos da canabis. Esclarece-se, assim, que a quantidade indicada para a canabis-resina (0,5 gramas) se refere “a uma concentração média de 10% de A9THC”. E daqui decorre que se determinada resina de canabis, com o peso líquido de 5 gramas (por hipótese) tiver a concentração de 10% de tetraidrocanabinol, então corresponderá ao limite quantitativo máximo para consumo médio individual durante 10 dias (à tal razão de meia grama diária); porém, se a concentração for de 5%, a mesma quantidade de resina de canabis corresponderá ao consumo médio individual durante 5 dias (como, de outro lado, se a concentração for de 20%, corresponderá ao consumo médio individual durante 20 dias, pois que quanto maior for a concentração da substância activa, menor será a necessidade do consumidor do referido produto, para obter o efeito desejado). É por isso que, no caso vertente, os 15,953 gramas de peso líquido de canábis (resina) em causa não correspondem ao consumo médio individual durante cerca de 31 dias, mas apenas a 20 dias, segundo expressamente indicado no exame pericial: porque a concentração média de THC é inferior aos 10% de concentração média considerados na tabela”.
Também no caso que nos ocupa, os cerca de 13,5 gramas de canábis (resina) apreendidos ao arguido seriam quantidade bem superior à necessária para o consumo médio individual num período de 10 dias.
Isto, claro está, - e não é demais voltar a frisá-lo - se o “grau de pureza” dessa substância fosse de, pelo menos, 10%.
Acontece que o exame toxicológico realizado não determinou a concentração do princípio activo do produto apreendido, ou seja, o seu “grau de pureza”.
Ora, cremos ser pacífico na jurisprudência o entendimento de que, faltando esse exame, ou melhor, face à incompletude desse exame, afastado fica o recurso aos valores estabelecidos no mapa anexo à referida Portaria[8].
Neste contexto, não tendo o tribunal apurado, podendo fazê-lo, o “grau de pureza” da canabis apreendida ao arguido, somos tentados a concordar com a posição do recorrente que defende a existência na sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
No entanto, o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade (posta em causa no STJ) da norma do artigo 71.º, n.º 1, al. c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (na medida em que dela poderia resultar a delimitação negativa de um tipo legal de crime por remissão para uma portaria), no acórdão n.º 534/98 (e, mais tarde, nos acórdãos n.os 559/01 e 43/02) pronunciou-se pela não inconstitucionalidade, com o fundamento de que os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária a que alude o artigo 9.º na Portaria n.º 94/96 e constantes do respectivo mapa anexo, «tendo meramente um valor de meios de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e da letra do art. 71º do Decreto-Lei nº 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado. Não está em causa a remissão para regulamento da definição dos comportamentos puníveis do art. 26º, mas tão só, bem mais modestamente, a remissão para valores indicativos, cujo afastamento pelo tribunal é possível, embora acompanhado da respetiva fundamentação».
Seguindo a doutrina do citado acórdão do TC, nas Relações vem-se adoptando o entendimento de que a circunstância de o exame toxicológico não determinar a concentração do princípio activo da substância estupefaciente em causa, vedando o recurso aos valores indicativos constantes daquele mapa, nem por isso impede, em absoluto, que se chegue a uma conclusão sobre a questão de saber se a substância estupefaciente em causa é a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias ou se excede essa necessidade.
Para tanto, apontam-se, em alternativa (aos valores constantes do mapa anexo à referida portaria), quantidades médias de consumo individual recorrendo-se àquilo que é designado como “critérios da jurisprudência” que, supostamente, se baseiam nas regras da experiência comum e que teriam em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final.
Foi esse o caminho seguido na 1.ª instância, mas não parece que essa tenha sido a melhor opção.
Temos para nós que o recurso aos tais “critérios da jurisprudência” é, decididamente, de afastar se contrariarem ou estiverem em dessintonia com a prova produzida (ainda que não haja prova pericial).
Desde logo, porque não são um meio de prova. Depois, porque sugerem ou definem quantidades médias de consumo individual muito superiores aos valores constantes do referido mapa.
Por exemplo, se a substância estupefaciente em causa é o haxixe, indica-se ou sugere-se o valor de 2 (dois) gramas como quantidade média necessária para o consumo individual durante um dia, que é quatro vezes superior ao valor (de 0,5 g) que o mapa anexo à Portaria n.º 94/96 define como limite quantitativo máximo para a dose média individual diária para a resina de canabis com uma concentração média de 10% de A9THC.
Mas, na primeira instância, além de se ter feito apelo aos tais “critérios da jurisprudência”, também se teve em consideração as declarações do arguido sobre as quantidades de canabis (resina) que, habitualmente, consome e é nesse ponto que o recorrente entende que o tribunal errou, pois tais declarações impunham decisão (em matéria de facto) diversa da recorrida.
Quando se questiona a valoração da prova efectuada pelo tribunal a quo, a apreciação (do tribunal ad quem) alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento dos ónus de especificação impostos pelos n.os 3 e 4 do art. 412.º do Cód. Proc. Penal.
Se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (cfr. n.º 3 do citado art.º 412.º):
● os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido (obrigação que “só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida”[9]);
● as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito “com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”[10]).
Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (op. cit.), “o cerne do dever de especificação”, com o que se visa impor-lhe “que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado”.
Importa reter que não basta que as provas, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o tribunal proferiu.
Como se expende no acórdão da Relação de Coimbra, de 30.03.2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrc (Des. Belmiro Andrade), o recorrente tem de identificar não só “o erro in judicando que aponta à decisão recorrida, mas ainda especificar o conteúdo concreto dos meios de prova capazes de, numa valoração em conformidade com os critérios legais, impor decisão diferente da recorrida”, ou seja, “perante uma sentença devidamente fundamentada, para que seja revogada, impõe-se que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, ou a legalidade dos meios de prova utilizados, ou o conteúdo das declarações ou de outros meios de prova valorados pela sentença, ou a inconsistência, á luz dos princípios legais atinentes, da análise crítica e da apreciação em que repousa a decisão”.
Por outro lado, o que pode discutir-se em sede recursiva é se há algo a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção (“um procedimento cognoscitivo complexo que se desenvolve segundo directivas jurídicas e racionais e acaba num juízo racionalmente justificado”, nas palavras de Michele Taruffo, “La Prueba de los Hechos”, Ed. Trotta, Madrid, 2005, 69) e se pode considerar-se suficiente a fundamentação, ou se o tribunal errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência. Ou, como se refere no acórdão do STJ, de 14.03.2007, disponível em www.dgsi.pt (relator: Cons. Santos Cabral), pode-se analisar um depoimento, um esclarecimento de um perito, as declarações de um arguido ou de um ofendido e outros meios de prova e, a partir daí, controlar o raciocínio indutivo efectuado, pois já não é essencial a imediação e do que se trata é de “uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença”.
A função do tribunal de recurso é aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório disponibilizado e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
O recorrente cumpriu os referidos ónus e é bem claro na indicação dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal a quo: são os descritos sob o n.º 4 do elenco de factos provados (“Normalmente, o arguido consome uma tira de canabis similar à que lhe foi apreendida em 2 ou 3 dias”) e nas alíneas c) e d) dos não provados.
A prova que imporia decisão diversa da recorrida seriam, como já se aludiu, as declarações do próprio arguido prestadas na audiência.
Na verdade, como se pode verificar pela leitura da motivação da sentença recorrida, as declarações do arguido foram, se não decisivas, pelo menos, importantes na formação da convicção do tribunal: “Foi também nas declarações do arguido que o Tribunal assentou a sua convicção quanto ao descrito em 4) dos factos provados”.
Ora, ouvida a gravação das declarações do arguido, constata-se que, na realidade, ele nunca declarou que cada uma das “tiras” de canábis que lhe foram apreendidas lhe dava para o seu consumo durante 2/3 dias.
Quando questionado sobre a sua média de consumo diário, começou por responder que não sabia dizer, mas, reformulada a pergunta, agora com referência às “tiras” apreendidas, respondeu: “uma tira para mim, normalmente, dava-me para três dias”.
Instado depois pelo magistrado do Ministério Público que voltou a perguntar se uma dessas “tiras” era suficiente para o seu consumo durante três dias, respondeu: “penso que sim, mais coisa menos coisa”.
Assim, o que se pode, logica e razoavelmente, concluir das declarações do arguido é que cada uma das tiras de resina de canabis que detinha dava-lhe para consumir durante três dias.
Ora, melhor que ninguém, são os consumidores que sabem o que consomem e que quantidades consomem, pelo que, nesta matéria, as suas declarações ainda constituem a prova mais fiável, sendo, pois, de afastar os “critérios da jurisprudência”.
Uma vez que o arguido tinha em seu poder quatro “tiras” idênticas, então, é forçoso concluir que ele detinha, para consumo próprio, uma quantidade de resina de canabis que excedia, ainda que ligeiramente, o necessário para o seu consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Merece, pois, censura o julgamento da matéria de facto e impõe-se a alteração da decisão recorrida.
Alteração que se decide nos seguintes termos:
O ponto 4 do elenco de factos provados passará a ter a seguinte formulação:
4)Normalmente, o arguido consome em três dias uma “tira” de canabis (“resina”) semelhante a cada uma das quatro “tiras” que, nas circunstâncias referidas nos pontos 1 e 2, lhe foram apreendidas”.
A alínea d) dos factos não provados é eliminada desse elenco e passa a constar do elenco de factos provados, com o n.º 5-A.
A alínea c) do elenco de factos não provados contém uma afirmação puramente conclusiva, pelo que é, simplesmente, eliminada desse elenco.
*
Alterada, assim, a decisão sobre matéria de facto, impõe-se, também, a alteração da respectiva valoração jurídico-penal.
Com efeito, a factualidade agora fixada consubstancia a prática, pelo arguido, de um crime de consumo de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Tal alteração não exige o prévio cumprimento do disposto no artigo 424.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, porquanto é matéria que constitui objecto do próprio recurso, relativamente à qual o arguido teve a oportunidade de se pronunciar, quer na resposta à motivação do recurso do Ministério Público, quer quando foi notificado nos termos e para o efeito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do mesmo compêndio normativo.
Não assim quanto às consequências jurídicas do crime.
Com efeito, a operação de determinação da pena há-de ser concretizada na primeira instância.
Apesar de haver opiniões em contrário, temos adoptado o entendimento de que, em caso de procedência de recurso de sentença absolutória que tenha como consequência a condenação do arguido, o direito a duplo grau de jurisdição só é respeitado se a determinação da pena ficar a cargo do tribunal de primeira instância, pois, se for o tribunal de recurso a fazê-lo, os sujeitos processuais ficam impossibilitados de impugnar a decisão e, portanto, de discutir a(s) pena(s).
Processualmente, não há qualquer obstáculo a que assim se decida, pois é autónoma a parte da sentença que se referir à “questão da culpabilidade” relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção (artigo 403.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal).

III Dispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, consequentemente,
A) alterar, nos sobreditos termos, a decisão sobre matéria de facto da sentença recorrida;
B) declarar o arguido B… autor material de um crime de consumo de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
C) determinar a remessa dos autos à primeira instância para que aí o mesmo tribunal decida sobre a pena a aplicar ao arguido.
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 25-11-2015
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
_____________
[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] O n.º 2 prevê idêntica reacção penal, mas com uma moldura mais grave, se a quantidade dos produtos “exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias”.
[3] Cabe aqui referir que, pelo Acórdão n.º 79/2015 (DR, II, de 10.03.2015), o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional “a norma extraída interpretativamente da conjugação dos artigos 1.º, 2.º, n.os 1 e 2, e 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, e 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com o sentido de que se mantém em vigor este último preceito, não só quanto ao cultivo, como relativamente à aquisição e detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias”.
[4] Mais rigorosamente, o mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
[5] Para este efeito, basta a determinação da sua natureza e que a substância activa presente seja uma das enumeradas nas tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Constitui crime de tráfico de estupefacientes a venda, quer de um “sabonete” de haxixe com 10% de THC, quer de um “sabonete” com 20% do mesmo princípio activo.
[6] Que, habitualmente, os exames toxicológicos efectuados pelo LPC da PJ, apenas, identificam, sem indicarem a respectiva concentração ou “grau de pureza”.
[7] Assim, o acórdão desta Relação de 18.04.2012 (Proc. n.º 560/10.8 TABGC.P1; Des. Pedro Vaz Pato) que contém abundantes referências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.
[8] Assim, entre outros, os acórdão desta Relação de 13.03.2013 (Des. Alves Duarte), de 31.02.2007 (Des. Maria do Carmo Silva Dias), de 04.06.2014 (Des. Pedro Vaz Pato) e o citado acórdão da Relação de Lisboa de 06.11.2012 (Des. Jorge Gonçalves).
No primeiro dos referidos arestos, defende-se mesmo que, sendo a acusação omissa quanto a esse facto (o “grau de pureza” da substância estupefaciente), inviabilizado ficaria o seu apuramento face ao princípio da vinculação temática.
Porém, s.d.r. por tal opinião, entendemos, tal como se entendeu no acórdão da Relação de Évora de 28.02.2012 (proc. n.º 238/10.2 PFSTB.E1), que nada obsta a que se apure a concentração do princípio activo presente na substância apreendida, determinando-se a realização do exame toxicológico tal como é previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Portaria n.º 94/96.
[9] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, 1131.
[10] Idem