Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESPONSABILIDADE CIVIL
ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
DANOS
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
Atendendo ao tipo de produtos usados nas cozinhas e lavandarias, algumas vezes corrosivos e nocivos para a saúde, e que é necessário escoar implica que exista um perigo para a saúde dos próprios habitantes do condomínio, do público em geral e, ainda, de inundação de frações autónomas, se ocorrer alguma fuga. Estamos, assim, perante a previsão do n.º 2 e não só perante a do n.º 1 do artigo 493º do CC relativamente a quem tem a respetiva obrigação de vigilância.
1 –
B… – SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva nº………, sita na Rua …, .., ….-… Lisboa, intentou a presente Acão declarativa de condenação sob a forma comum contra
ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO …, Nº.., …, MAIA,pedindo
que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de €7.964,90 (sete mil, novecentos e sessenta e quatro euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que pagou ao seu segurado o valor dos danos causados no seu apartamento em virtude de uma inundação ocorrida em consequência do entupimento do tubo comum de escoamento de águas das cozinhas dos apartamentos e que a responsabilidade de tal ocorrência é exclusiva da administração do condomínio, dado que à mesma incumbia zelar pelas condições das partes comuns, nomeadamente das tubagens de escoamento das águas comuns, pelo que lhe assiste o direito de exigir do R. a restituição das quantias por si gastas na regularização do referido sinistro.
2 -
A Ré contestou, na qual alegou a sua ilegitimidade e, ainda que não vislumbrava como poderia o cumprimento diligente do dever de administração do prédio teria permitido evitar a inundação causada pelo entupimento de um tubo; inexistiu culpa por parte da administração do condomínio, sendo a mesma alheia ao que possa ter causado a inundação alegada pela A. e danos correspondentes.
3 –
A A. respondeu, concluindo pela legitimidade da Ré.
4 –
Foi dispensada a realização da Audiência Preliminar e saneado o processo, sendo julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade invocada pela Ré.
5 –
Teve lugar a Audiência Final, vindo a ser proferida a Sentença, de que faz parte a Decisão de Facto.
6 –
Da parte dispositiva da mesma Sentença consta: Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos, julgo a presente acção procedentee, em consequência, decido condenar a ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO …, Nº.., …, MAIA, a pagar à Autora B… – SUCURSAL EM PORTUGALa quantia global de €7.964,90 (sete mil, novecentos e sessenta e quatro euros e noventa cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
7 –
Desta decisão veio apelar a Ré, que formulou as CONCLUSÕES a seguir transcritas: A.No âmbito do processo em epígrafe, no dia 13 de Abril de 2015 foi a Recorrente notificado da decisão proferida pelo Tribunal da primeira instância, decisão essa que condenou a Ré ao pagamento da quantia total de € 7.964,90 acrescida de juros de mora a contar desde a citação até ao efectivo e integral pagamento. B.Em suma, a Ré foi condenada no montante peticionado pela Autora, porquanto o referenciado Tribunal considerou não ter sido ilidida a presunção de responsabilidade que recaia sobre a Ré/Condomínio, decisão com a qual a Ré não se conforma nem se poderá conformar com a decisão referenciada. C.O Tribunal concluiu que a prova efectuada em sede de julgamento não foi suficiente para afastar a presunção que sobre a Ré recaia, contudo, e salvo melhor entendimento, diversas testemunhas lograram comprovar a causa da inundação in casu, o que desde logo afasta a hipótese da responsabilidade do Condomínio quanto ao sinistro ocorrido. D.Para melhor esclarecimento do Tribunal, aquele ordenou que se efectuasse uma perícia judicial, sendo que um dos pontos a abordar pelo perito seriam os motivos/causas da inundação. E.A testemunha Eng.º C… – a saber, o perito nomeado judicialmente –, referiu que “uma das causas, é que se houver uma precipitação muito forte, a água das chuvas podem entrar nas tubagens dos esgotos – não devia acontecer mas acontece com alguma frequência – e portanto se o tubo entrar em carga não dá vazão. O que é que isso quer dizer: as águas pluviais entram nos esgotos, o tubo de esgotos fica completamente cheio, não tem capacidade de vazão, e então o que pode acontecer é que se houver descargas dos pisos das habitações, a água vem para a prumada, mas a dada altura quer sair e não sai. Portanto há um refluxo, e pode ter acontecido isso. (03:29 a 04:07). F.A testemunha Eng.º C… teve a oportunidade de frisar, clara e objectivamente, qual a hipótese que, na sua qualidade de perito – que observou in locu o cano em causa – considera mais propícia a causar a inundação que se verificou, referindo que “pode ter acontecido isso como pode ter acontecido um entupimento ao nível do ramal da habitação. Mas eu ia mais para a primeira hipótese. Porquê? Porque o declive é aceitável, deve ter no mínimo 2% de inclinação, que é regulamentar, e depois o diâmetro também é grande, diâmetro de 125 é diâmetro bom para drenagem, portanto, entupir não é assim muito fácil” (04:10 a 05:08). G.A testemunha teve ainda a oportunidade de concretizar a que se referia quando mencionou a “primeira hipótese”, esclarecendo “Que é o tubo ter entrado em carga devido à forte precipitação e, portanto, não dava vazão à drenagem e como tal, quando há descargas – máquina da roupa, máquina da loiça – portanto, o fluído não passa, digamos, não escoa. Ou escoa muito lentamente” (05:12 a 05:35). H.Neste quadro, em momento nenhum se poderia considerar que a responsabilidade recaia sobre o Condomínio, porquanto não é àquele que incumbe realizar a manutenção da rede de esgotos nem da rede de águas pluviais, esclarecendo ainda a testemunha Eng.º C… de que toda e qualquer forma de prevenir esta situação “(...) compete aos municípios, ou a quem faz a gestão da rede. Portanto, tem que haver o cuidado de limpar as redes. Mas muitas vezes basta que a rede não esteja bem dimensionada e então é crítico. Sempre que há fortes precipitações, pode acontecer isso” (05:35 – 06:06). I.A testemunha Eng.º C… foi a única testemunha presente em Tribunal que efectivamente teve a oportunidade de avaliar e analisar in locu o cano a partir do qual se verificou a inundação, tratando-se de um perito na área, formado em Engenharia Civil, imparcial quanto ao caso levado a juízo – uma vez que foi nomeado pelo Tribunal e não porque qualquer uma das partes. J.Por sua vez, a testemunha Sr. Perito D… quando inquirido a respeito do sinistro ocorrido, esclareceu o Tribunal de que efectuou a peritagem uns dias mais tarde, referindo ainda não poder saber qual o motivo do entupimento até porque não o promoveu nem o viu, não se tendo sequer deslocado à garagem – onde o tubo de localiza – para o visualizar. K.Quanto questionado sobre a causa do entupimento, a testemunha Sr. D… respondeu “não podemos saber” (04:51 a 04:55), mencionando ainda que “não vi o tubo” (08:13 a 08:40) porquanto “não estive nas garagens” (05:41 a 05:47) L.A testemunha Sr. D…, quando questionado sobre se tinha condições para apurar a origem do sinistro, esclareceu o tribunal que “não” (09:42 a 09:51). M.A testemunha Sr. D…, perito da Autora, não conseguiu comprovar qual o motivo que originou a inundação, tendo ainda sido claro e objectivo no depoimento que prestou, logrando comprovar em Tribunal que nem sequer chegou a visualizar in locu o tubo/cano que originou a inundação na fracção autónoma, pelo que se infere que este testemunho corrobora o do Eng.º C…, de acordo com o qual a causa mais verosímel prende-se não com a falta de manutenção do referido tubo/cano, mas sim com a rede de esgotos da via pública, que recebe indevidamente as águas pluviais. N.A referenciada hipótese avançada pelo Eng.º C… implica a ocorrência de precipitação, sendo que neste sentido, depuseram o Sr. Agente da GNR, E…, que de forma objectiva e sem hesitações afirmou que “estava a chover muito” (02:33 a 02:43), bem como o Sr. F…, proprietário da fracção autónoma onde ocorreu o sinistro, que de forma isenta e clara esclareceu que “estava a chover muito nesse dia, eu pensava que até tinha sido, era água cá de fora” (03:15 a 03:18) e “eu recordo-me que quando estava a chegar estava a chover” (08:01 a 08:09). O.O depoimento da testemunha Sr. G…, a quem actualmente incumbe a promoção da manutenção daquele Condomínio e que se deslocou ao local com o perito nomeado judicialmente, também aponta para a verossimilidade da hipótese atinente à rede de esgotos e águas pluviais: “é um tubo que tem, olhando para as caracterísitcas dele, tem uma dimensão grande, é um tubo que tem um caimento bom, não é um tubo de entupimento fácil, não” (06:40 a 06:46). P.Relativamente à hipótese de as águas pluviais estarem na origem da inundação, a testemunha G… afirmou de forma isenta e clara que “estamos a falar numa rua bastante plana, que quando estamos a falar de ruas planas é muito mais provável isso acontecer, do que quando são ruas com caimento (10:17 a 10:43). Q.Este é mais um factor determinante para a conclusão de que a inundação na habitação se deveu às redes públicas de esgotos e águas pluviais, pelo que não poderá deixar de se concluir que a Ré logrou afastar a presunção que sobre si recaia. R.Todas estas circunstâncias não foram, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, levadas em consideração aquando da formação da convicção do juiz. S.Salvo melhor opinião, as circunstâncias supra descritas não configuram tão somente um levantamento de uma hipótese, conforme resulta da Douta sentença da primeira instância, sendo que na verdade, esta “hipótese” não foi apenas levantada pelo perito nomeado judicialmente, mas também pelas restantes testemunhas supra citadas. T.Da conjugação de todos aqueles depoimentos prestados – sublinhe-se, todos eles revestidos de isenção, clareza, assertividade e objectividade – resulta clara e inequívoca qual a “hipótese” que melhor cabe nas circunstâncias concretamente apuradas do sinistro em juízo. U.Em suma, atendendo não só às caracterísiticas do tubo, às condições climatéricas do dia da ocorrência do sinistro, à situação das redes públicas de esgotos e águas pluviais, bem como à falta de qualquer inclinação na rua onde se situa o edifico, nenhuma outra conclusão se poderá retirar que não a imputação da inundação da fracção autónoma a todos estes factores verificados conjuntamente in casu. V.Sendo certo que a responsabilidade pela falta de manutenção/caracterísitcas daquelas redes públicas não poderá nunca ser atribuída à Ré/Condomínio, cabendo exclusivamente às entidades públicas competentes, pelo que a Ré logrou afastar a presunção que sobre si recai, uma vez que se apurou em juízo, com elevado grau de probabildade e verossimilidade qual a causa do sinistro. W.Quanto ao demais conteúdo do depoimento do Sr. F…, proprietário da fracção autónoma que sofreu a inundação, o mesmo apenas relatou aquilo que terceiros lhe haviam transmitido, não tendo presenciado as situações concretas que relatou (05:56 a 06:09, 08:25 a 09:00 e 09:00 a 09:14). X.O depoimento prestado pelo Sr. F… não se tratou de um depoimento directo na medida em que a testemunha não viu, não presenciou nem acompanhou os dados relatados, pelo que tal facto deveria ter sido levado em consideração aquando da formação da convicção do juiz, o que, salvo melhor opinião, não ocorreu. Y.Face a todo o exposto, não poderá deixar de se concluir que a Ré logrou ilidir a presunção que sobre si recaia, pelo que nenhuma responsabilidade lhe poderá ser imputada. Z.Sem prescindir, e caso assim não se entenda, cumpre ainda referir que em momento algum se poderia ter dado como matéria de facto provada o ponto 6 da Douta sentença, porquanto resulta do documento 3 junto com a petição inicial que o tomador do seguro da apólice ……… é o senhor H…, e não o senhor F…. AA.A apólice referenciada reporta ao conteúdo do imóvel, rectius, ao recheio daquele, porém sucede que a totalidade do valor liquidado pela Autora foi entregue ao senhor F… – conforme resulta da matéria de facto dada como provada, mais concretamente do ponto 23 – sendo que, salvo melhor opinião, o pagamento não poderia ter ocorrido nos termos mencionados, uma vez que o senhor F… não figurava naquela apólice como tomador de seguro. BB.O pagamento relativo ao recheio do imóvel deveria ter sido efectuado perante o respectivo tomador do seguro, ou seja, o senhor H…, o que não ocorreu, pelo que se verificou um pagamento indevido por parte da Autora, pelo que quanto a este, e salvo melhor entendimento, não poderá a Autora exigir da Ré o seu pagamento. CC.Dando como provado que a Ré logrou ilidir a presunção de responsabilidade que sobre si recaia, esta influirá de forma inolvidável na matéria de direito, pelo que não poderá deixar de se concluir que a Ré logrou comprovar que o sinistro se ficou a dever à rede pública de esgotos, que recebeu indevidamente as águas pluviais, provenientes da forte precipitação que se verificou naquele dia, afastando assim a presunção constante no nº 1 do artigo 493º do Código Civil DD.Ademais, a Ré provou ainda que a responsabilidade pela manutenção da rede pública de esgotos bem como da rede pública de águas pluviais não lhe compete, recaindo antes sobre as entidades públicas competentes, motivo pelo qual nenhuma culpa houve da parte da Ré. EE.Mesmo que assim não se entenda, não poderá deixar de se considerar que, face aos circunstancialismos do concreto sinistro, os danos ter-se-iam verificado mesmo que inexistisse culpa da Ré, uma vez que aquela não controla nem poderá controlar as condições das referidas redes públicas, muito menos as condições climatéricas. FF.A Ré não poderá subscrever o entendimento do Tribunal de primeira instância no que respeita à aplicabilidade ao caso concreto do disposto no nº 2 do artigo 493º do Código Civil, porquanto esta norma reporta-se a actividades consideradas perigosas, sendo que este é um conceito relativamente indeterminado que carece de preenchimento a cada caso concreto, sendo certo que o legislador quis apenas referir-se àquelas operações profissionais que pela sua especial perigosidade requeressem medidas especiais de prevenção – que não é o caso. GG.Face a todo o exposto, não poderá deixar de se concluir pela inaplicabilidade do nº 2 do artigo 493º do Código Civil, mas sim pela aplicação do nº 1 daquele normativo legal, pelo que a Ré/Condomínio logrado comprovar a ausência de culpa, ou, se assim não se entender, que os danos ter-se-iam igualmente produzido mesmo sem a verificação da culpa, motivo pelo qual deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra, que julgue a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolva a Ré do pagamento de qualquer valor à Autora.
8 –
A A. pronunciou-se pela improcedência da Apelação.
II FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Da Sentença consta a seguinte Decisão de Facto, da qual excluímos a respetiva motivação por ser irrelevante para a apreciação do presente recurso.
A) Matéria de Facto provada: 1 - Por escritura pública datada de vinte e dois de Dezembro de 2009, realizada no Cartório Notarial de I…, foi a J… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., incorporada, por fusão, na sociedade B… - documento de fls. 8 verso e ss. que se dá por integralmente reproduzido. 2 - A fusão produziu os seus efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010. 3 - A B…, sociedade incorporante, por força da escritura de fusão celebrada, assumiu a universalidade dos activos e passivos da J… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, sociedade incorporada. 4 - A Autora dedica-se à actividade seguradora, conforme Certidão Permanente cujo código de acesso é ….-….-….. 5 - Por contrato de seguro, celebrado entre a Autora e F…, a 30 de Novembro de 2006, titulado pela apólice n.º ………, este transferiu para a primeira a responsabilidade civil relativa a danos causados no imóvel sito R/C Dto. do n.º .. da R. …, em … – documento de fls. 13 verso, cujo teor se dá por reproduzido. 6 - Posteriormente, por contrato de seguro celebrado entre a Autora e F…, a 28 de Janeiro de 2009, titulado pela apólice n.º ………, este transferiu para a primeira a responsabilidade civil relativa aos danos causados no conteúdo do imóvel supra identificado - documento de fls. 14, cujo teor se dá por reproduzido. 7 - Por volta das 19h00 do dia 1 Novembro de 2009, ao chegar ao seu imóvel, F… constatou a existência de inundações em vários locais na fracção segura. 8 - Com efeito, havia escorrimento de águas a partir da bancada da cozinha e no sifão. 9 - O escorrimento das águas estendeu-se por toda a fracção segura. 10 - Após análise por parte do tomador do seguro, da G.N.R. da Maia e da empresa de peritagens contratada para o efeito, concluiu-se que o sinistro teve origem no entupimento do tubo comum de escoamento de águas das cozinhas, situado na zona da lavandaria, na garagem. 11 – Do relatório elaborado pelo perito nomeado pelo tribunal consta que: “O tubo em questão é um tubo vertical comum, pertence à prumada do prédio”, “O fim desse tubo é encaminhar os esgotos das cozinhas e lavandarias das habitações dos andares superiores para o ramal de ligação que anda suspenso pelo tecto da cave, o qual, por sua vez, liga à caixa de visita situada no exterior do prédio.” “Esse tubo poderá entupir com as gorduras ou detritos das cozinhas e das lavandarias. Recomenda-se a limpeza de forma periódica através de dispositivos de varejamento existentes na rede de drenagem (tampões de varejamento) e das caixas de visita existentes.” “Chama-se a atenção para outra eventual causa de entupimento e que poderá ter ocorrido e provocado os referidos danos: a rede de esgotos na via pública, cuja gestão não cabe à administração do condomínio, mas sim aos municípios ou outras entidades, recebe de forma imprópria e indevida outros efluentes, nomeadamente águas pluviais.” 12 - Por força do sinistro e da existência de danos quer ao nível do próprio imóvel, quer ao nível do seu conteúdo, foram accionadas ambas as apólices acima identificadas. 13 - Consequentemente, foram abertos dois processos de sinistro: n.º ……692 e ……104. 14 - Por força das infiltrações verificadas, houve danos numa máquina de lavar louça de marca Whirlpool, o qual foi provocado na sequência do módulo de controlo electrónico ter ficado queimado após ter contacto com a água. 15 - Uma carpete e um tapete ficaram manchados, tendo de ser limpos. 16 - Registaram-se danos ainda ao nível de móvel inferior da cozinha, o qual ficou deformado ao nível da própria estrutura e ainda das portas e prateleiras que o compõem. 17 - O pavimento da fracção, de madeira, ficou também danificado, nomeadamente na sala de jantar, hall de entrada e em três quartos, tendo ainda o pavimento do corredor ficado empenado e a descolar. 18 - Os materiais referidos tiveram de ser substituídos. 19 - Os rodapés dos compartimentos supra referidos ficaram manchados, tendo de ser removidos, raspados e posteriormente envernizados. 20 - As portas e aros ficaram manchados e tiveram de ser envernizados. 21 - Duas das portas tiveram de ser substituídas, dada a extensão dos danos provocados pela Água. 22 - Conforme lhe competia, por força do contrato de seguro, a Autora regularizou o sinistro. 23 - Considerando os limites das apólices, a Autora pagou a F… a quantia de € 9.084,00 (nove mil e oitenta e quatro euros) a título de danos materiais. 24 - A Autora pagou ainda à K…, LDA. a quantia de € 432,00 (quatrocentos e trinta e dois euros), referente a despesas com a averiguação e peritagem do sinistro. 25 - A Autora gastou o montante total de € 9.516,00 (nove mil, quinhentos e dezasseis euros) com despesas decorrentes do sinistro supra descrito. 26 - Da soma que a Autora entregou ao tomador dos seguros, e da qual tem direito a ser ressarcida, cumpre descontar o valor de € 505,21 (quinhentos e cinco euros e vinte e um cêntimos) que compete àquele suportar em virtude da permilagem que corresponde à sua fracção. 27 - Após interpelação da Ré para pagamento, a Autora recebeu a quantia de € 546,11 (quinhentos e quarenta e seis euros e onze cêntimos) de L…, proprietário da fracção correspondente ao R/C Esq. do imóvel onde se situa a fracção segura. 28 - A Autora recebeu ainda a quantia de € 499,48 (quatrocentos e noventa e nove euros e quarenta e oito cêntimos) de M…, proprietário da fracção correspondente ao 3.º andar direito do imóvel onde se situa a fracção segura. B) Matéria de facto não provada Não existem factos não provados.
Ora, da leitura das CONCLUSÕES da Apelante, constatamos que só o ponto 6 foi especificamente apontado como incorretamente decidido, porém não especificou a decisão que no seu entender, deve ser proferida quanto a tal facto.
Por outro lado, relativamente à matéria de elisão da presunção de culpa não concretiza os pontos de facto da decisão que impugna.
Não dando, assim, satisfação ao disposto no artigo 640º, 1, a) e c), do NCPC, o que determina a nossa rejeição do recurso quanto à impugnação da Decisão de Facto.
DE DIREITO
Lemos no Ac. do STJ, de 24-4-2013 (LOPES DO REGO), em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt" www.dgsi.pt:
“É inegável que as respostas aos artigos da base instrutória podem ser totalmente positivas, totalmente negativas, restritivas ou explicativas. Através destas últimas, como refere Abrantes Geraldes, “o tribunal pode concretizar um determinado facto que venha a revelar-se útil para a decisão da causa” (in “Temas da Reforma do Processo Civi”, 4ª. edição, II volume, pág. 223). Há, porém, um limite – elas não podem ir além da facticidade articulada, atento o princípio do dispositivo que enforma o nosso processo civil (cfr., por todos, os Acs. do S.T.J. de 30/11/2010, Procº. 581/1999.P1.S1, Consº. Alves Velho, e de 28/06/2011, Procº. 416/07.1TBFVN.C1.S1, Consº. Sebastião Póvoas). Com efeito, no que se refere à articulação da matéria de facto, o demandante está obrigado a alegar os factos jurídicos principais que integram a causa de pedir fundante do pedido e o demandado está obrigado a alegar os factos jurídicos em que baseia as excepções. Resulta do disposto nos artos. 664º.; 264º.; e 514º., do C.P.Civil, que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, dos factos notórios, e bem assim dos factos instrumentais (que são os factos indiciários dos factos essenciais), como lho faculta a parte final do nº. 2 do referido artº. 264º. (cfr. José Lebre de Freitas et al., in “Código de Processo Civil Anotado” I, 2ª. edição, pág. 507 e Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, I, 2ª. edição revista e ampliada, págs. 62 a 67, com texto integral em www.dgsi.pt). Sem embargo, podem ainda ser considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas, ou das excepções deduzidas, desde que tais factos sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e da discussão da causa, sendo condição essencial que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório - cfr. nº. 3 ainda do artº. 264º. Trata-se de uma inovação introduzida pela reforma de 1996 com o intuito de privilegiar as decisões de mérito.”
Estamos, aqui, no âmbito do princípio dispositivo na formação da matéria de facto.
Às partes e só a elas cabe alegar os factos principais da causa – os que integram a causa de pedir e as exceções – artigo 5º, 1, do NCPC – JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 2013, 3ª ed., p. 165. O artigo 5º corresponde ao anterior 264º.
“A revisão de 1995-1996, tornou possível a consideração de factos principais que, completando ou concretizando os alegados nos articulados, se tornem patentes na instrução da causa, mas tão-pouco na introdução destes novos factos pode o juiz substituir-se às partes: a parte neles interessada, isto é, aquela que, a serem os factos verdadeiros, beneficia com o efeito constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo que deles decorra, deverá manifestar a vontade de deles se aproveitar, alegando-os (hoje: art. 5-2-b)” – JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ob. cit., p. 166. E isto apesar da alteração da redação do artigo 264º, 3, do CPC. Duvidamos, contudo, que seja esta a interpretação correta, parecendo bastante que tenha havido o correto exercício do contraditório, face à alteração do texto do correspondente dispositivo – artigo 5º, 2, b), do NCPC quando comparado com o artigo 264º, 3, do CPC.
Porém, é esta questão irrelevante, já que foi rejeitada a impugnação da Decisão de Facto, limitando, neste campo, a atuação deste Tribunal de 2ª Instância – ver artigos 635º, 4, e 640º, 1, do NCPC. Atente-se que não pretendeu, sequer, a ampliação de factos, mas apenas que seja considerado (julgado) que elidiu a presunção constante do artigo 493º, 1, do CC, isto é que provou que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte.
Por outro lado, apesar da incorreta formulação da decisão quanto aos pontos 10 e 11 da Decisão de Facto, a Sentença concluiu o seguinte:
“Da análise dos factos resulta que as infiltrações de água verificadas na fracção da qual é proprietário o tomador do seguro do contratado com a autora, para cobertura, além do mais, dos danos provocados por água no referido imóvel, tiveram a sua causa no entupimento de um tubo comum existente no edifício por onde era feito o escoamento dos esgotos das cozinhas e lavandarias das habitações para o ramal de ligação que anda suspenso pelo tecto da cave, o qual liga à caixa de visita situada no exterior do prédio.”
Ora, esta conclusão não foi impugnada pela Ré como consequência dos factos provados constantes da Sentença.
O que pretende é que, sem indicar qual o concreto ponto de facto impugnado, seja julgada a existência de elisão da presunção consagrada no artigo 493º, 1 e 2, do CC. Mas, pretende, ainda, que não é aplicável ao caso dos autos o n.º2 do referido artigo 493º, mas só o seu n.º 2.
Porém, esta questão é irrelevante para a decisão, já que a presunção constante de qualquer um desses números não foi elidida pela Apelante.
De qualquer forma, entendemos que a situação dos autos, mais do que no n.º 1, se enquadra no 2, atenta a especial perigosidade que oferece o escoamento dos esgotos das cozinhas e lavandarias das habitações. Na verdade, atendendo ao tipo de produtos usados nas cozinhas e lavandarias, algumas vezes corrosivos e nocivos para a saúde, e que é necessário escoar implica que exista um perigo para a saúde dos próprios habitantes do condomínio, do público em geral e, ainda, de inundação de frações autónomas, se ocorrer alguma fuga. Estamos, assim, perante a previsão do n.º 2 e não só perante a do n.º 1.
Assim, implica um especial dever de vigilância e que impõe a inversão do ónus de prova, tanto mais que o faz recair sobre aquele que, pelas suas obrigações de vigilância e maior proximidade da canalização, melhor está preparado para descrever o que se passou.
E dos factos julgados como provados, com a referida conclusão relativamente ao entupimento, nada nos permite afirmar que a Ré elidiu a mencionada presunção (quer a do n.º 1, quer a do n.º 2).
Pelo que, sem necessidade de mais especulação, temos de concluir pela improcedência da pretensão da Apelante.
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica, acordamos em julgar improcente a Apelação e em confirmar a Sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Porto, 2015-12-16
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
___________ SUMÁRIO Atendendo ao tipo de produtos usados nas cozinhas e lavandarias, algumas vezes corrosivos e nocivos para a saúde, e que é necessário escoar implica que exista um perigo para a saúde dos próprios habitantes do condomínio, do público em geral e, ainda, de inundação de frações autónomas, se ocorrer alguma fuga. Estamos, assim, perante a previsão do n.º 2 e não só perante a do n.º 1 do artigo 493º do CC relativamente a quem tem a respetiva obrigação de vigilância.
Soares de Oliveira