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CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL
RETRIBUIÇÃO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
HORÁRIO DE TRABALHO
REGIME DE ADAPTABILIDADE
Sumário
I – É um contrato de trabalho, a tempo completo, aquele – celebrado à luz do art. 180.º do CT/2003 (que definia a tempo parcial o contrato de trabalho que corresponde a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável) – em que o trabalhador se obriga a cumprir um horário de trabalho em média de 8 horas diárias e 36,75 horas semanais. II - A cl.ª 22.ª, n.º 4, da CCT, entre a E… e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros (BTE n.º 15, de 22 de Abril de 2008), na redacção publicada no BTE n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2010, contem uma fórmula de cálculo da retribuição do trabalhador contratado a tempo parcial, e não dos trabalhadores a tempo completo. III – Sendo a redução proporcional da retribuição, um dos elementos essenciais do contrato de trabalho a tempo parcial, ao trabalhador, com um contrato de trabalho a tempo completo, é devida a retribuição estipulada (por lei) ou acordada (por CCT ou por contrato individual) para a respectiva prestação laboral – arts. 9.º, n.º2, e 8.º, n.º 2, do CC. IV – No caso de o valor remuneratório ter sido acordado pelas partes, à luz do CT/2003, o mesmo só pode ser alterado por novo acordo entre as partes ou pela sua cessação, e já não pela entrada em vigor do CT/2009, como decorre do art 7.º, n.º 1, da Lei 7/2009, de 12-02. VI – O regime de adaptabilidade do horário de trabalho é um modelo de organização do tempo de trabalho – caracterizado pela possibilidade de calcular o tempo de trabalho em termos médios, num dado período de referência - não contende com a retribuição devida aos trabalhadores a tempo completo, ainda que laborem sob esse regime.
Texto Integral
Proc. n.º 226/14.0TTGDM.P1
Origem: Comarca do Porto-Valongo-Inst. Central-4ª S. Trabalho – J2
Relator - Domingos Morais – 568
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório 1. –B… intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca de Porto/Valongo, contra C…, Lda, ambas nos autos identificadas, alegando, em resumo, que no âmbito da sua actividade, a ré contratou a autora, em 2005.10.15, por contrato de trabalho reduzido a escrito, para a execução de serviços de limpeza, no D…, mediante a remuneração mensalmente de 382,20 Euros, acrescido do subsídio de alimentação de 1,50 Euros; que o período normal de trabalho era de “em média, 8 horas diárias e 36, 75 horas semanais”, conforme resulta das cláusulas terceira e quarta do doc. 1; que desde a data em que foi contratada até à presente data, nunca teve horário inferior a 40 horas semanais, pelo que, no decurso de todos estes anos de duração do contrato, a ré teria de lhe ter liquidado o valor correspondente ao salario mínimo nacional, nos termos estabelecidos no Código do Trabalho, o que não sucedeu; e que prestou trabalho nos dias feriados, que indica, remunerados a 50%, quando deveria ser a 100%.
Termina, pedindo: “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, por via disso: a) ser a Ré condenada no pagamento da quantia global no montante de € 6.514,39 (Seis mil, quinhentos e catorze euros e trinta e nove cêntimos), relativa a diferenças salariais desde o ano de 2005 a Abril do ano de 2014, acréscimo de remuneração referente ao trabalho prestado em dia feriado, descanso compensatórios não gozados, acréscimo de remuneração por prestação laboral ao dia de domingo e, diuturnidades; b) ser a Ré condenada ao pagamento, desde a data de entrada da presente ação e enquanto se mantiver em execução entre as partes o contrato de trabalho, do valor de remuneração mensal correspondente ao salario mínimo nacional que venha a ser praticado em cada ano civil. c) ser a Ré condenada a liquidar o acréscimo de 100% referente a todos os feriados em que a A. exerça prestação laboral, desde a data de entrada da presente ação até ao termino do contrato; e) ser a Ré condenada a conceder à A. o dia de descanso a que tem direito legalmente, por trabalho prestado em dia feriado, desde a data de entrada da presente ação até ao termino do contrato; f) ser a Ré condenada a proceder ao pagamento, desde a data de entrada da presente ação e enquanto permanecer à A. o valor correspondente ao acréscimo de 16% estabelecido no art. 38º, n.º 3, al. d) do CCT, calculados sobre o salario a liquidar mensalmente; d) ser a Ré condenada ao pagamento, desde a data de entrada da presente ação e enquanto se mantiver em execução entre as partes o contrato de trabalho, do valor de 30% pelo trabalho noturno prestado, nos termos do art. 28º, n.º 2 do CCT; g) ser a Ré condenada ao pagamento, desde a data de entrada da presente ação e enquanto se mantiver em execução entre as partes o contrato de trabalho, do valor de 5,99 mensal a titulo de diuturnidades, nos termos do art. 36º, n.º 1, do CCT; h) ser a Ré condenada ao pagamento dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; i) ser a Ré condenada nas custas.”. 2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando, parcialmente, os factos alegados pela autora.
Termina, dizendo: “Termos em que deve a presente ação ser julgada improcedente e não provada, absolvendo-se assim a R. do pedido”. 3. - A autora respondeu, concluindo como na PI. 4. - No despacho saneador, o Mmo Juiz apreciou uma parte do pedido e decidiu: “julgo a presente ação parcialmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolvo a ré C…, Lda. dos pedidos deduzidos pela autora B… de condenação no pagamento: - da diferença entre um acréscimo de 30% e o acréscimo de 25% pago pela ré pelo trabalho noturno prestado pela autora, bem como no pagamento desse acréscimo de 30% desde a data de entrada da ação e enquanto se mantiver em execução o contrato de trabalho; - da quantia de 706,82€ (setecentos e seis euros e oitenta e dois cêntimos) relativa a diuturnidades vencidas, bem como no pagamento do valor mensal de 5,99€ (cinco euros e noventa e nove cêntimos) desde a data de entrada da ação e enquanto se mantiver em execução o contrato de trabalho. Custas pela ré, sendo a proporção do decaimento determinada a final.”. 5. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, o Mm Juiz proferiu sentença: “julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a ré C…, Lda. a pagar à autora B…: a) a quantia a liquidar em incidente posterior, correspondente à diferença entre a retribuição base paga pela ré à autora no período posterior a 01/01/2006 e os valores de retribuição mínima mensal garantida em vigor desde essa data; b) o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor em cada mês, até ao final da vigência do contrato de trabalho que vincula autora e ré; c) a quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o valor pago pela ré desde o início do contrato de trabalho a título de acréscimo de 16% devido pelo trabalho prestado aos Domingos e o valor que resultaria da aplicação desse acréscimo de 16% aos valores de retribuição mínima mensal garantida referidos em a); d) a quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o valor pago pela ré desde o início do contrato de trabalho a título de acréscimo de 100% (até Julho de 2012) e 50% (a partir de Agosto de 2012) devido pelo trabalho prestado aos feriados e o valor que resultaria da aplicação desse acréscimo de 100% e 50% aos valores de retribuição mínima mensal garantida referidos em a); e) os juros de mora contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação para este processo até integral pagamento. Custas da ação provisoriamente em partes iguais por autora e ré – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora (fls. 40) e do que resulte do posterior incidente de liquidação.”. 6. – A ré,inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“1. A Recorrida labora 7 horas diárias, 6 dias por semana, seguidos de 2 dias de folga, em períodos consecutivos. 2. Em termos reais, a Recorrida labora, em média 159,25 horas por mês. 3. O contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é um contrato a tempo parcial, cumprindo todas as disposições legais relativas ao mesmo. 4. Nos termos das Cl.ª 20.ª, 7 e 25.ª, 6 e 7 do CCT celebrado entre a E… e o STAD e a Cl.ª 17.ª do CCT celebrado entre a E… e a FETESE, o trabalhador a tempo parcial tem direito a uma remuneração mensal certa correspondente ao número de horas efetivamente prestadas. 5. Nos termos do disposto no artigo 154.º, n.º 3, al. a) do CT, a Recorrida deve ser remunerada em proporção das horas de trabalho efetivamente prestadas. 6. A qualificação do contrato de trabalho como de um contrato de trabalho a tempo parcial se tratando não está dependente do nomen iuris aposto ao contrato. 7. O regime da adaptabilidade dos tempos de trabalho não se confunde com a figura do trabalho a tempo parcial. 8. É atentatório do princípio para trabalho igual, salário igual que a Recorrente seja condenada a pagar à Recorrida uma retribuição equivalente a 40 horas semanais quando esta labora menos do que isso. 9. A douta sentença recorrida decidiu mal ao condenar a Recorrente a pagar à Recorrida o acréscimo devido pelo trabalho aos domingos e feriados tendo por referência a retribuição base mensal devida por 173,33 horas mensais (a que equivalem 40 horas semanais). 10. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 154.º, 496.º, 501.º do CT de 2009 e Cl.ª 17.ª, 20.ª, 25.ª e 29.ª do CCT para o setor. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser alterada a Sentença recorrida em conformidade, como é de inteira JUSTIÇA”. 7. – A autora não apresentou contra-alegações. 8. - O M. Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 9. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação 1. - Os factos 1.1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto: “a) Factos Provados Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes: A) A ré é uma sociedade comercial, cuja atividade principal tem por objeto a gestão e manutenção de edifícios, tendo ainda diversas delegações, nomeadamente, a sita na Rua…, n.º …, 4475-269 Maia; B) No âmbito da sua atividade, a ré contratou a autora em 15/10/2005, através do contrato junto a fls. 22 e ss., denominado “contrato de trabalho sem termo”, nos termos do qual a segunda se obrigou a prestar à primeira “as funções inerentes à categoria profissional de trab. limpeza ou quaisquer outras compatíveis com a sua qualificação profissional” no D…, sito em …, Maia, cumprindo “um horário de trabalho, em média, de 8 horas diárias e 36,75 horas semanais”; C) Em tal contrato e à data de celebração do mesmo, o valor da remuneração que a autora auferia mensalmente era de 382,20€ (trezentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), acrescido do subsídio de alimentação de 1,50€ (um euro e cinquenta cêntimos) por cada dia de trabalho efectivamente prestado; D) A autora pratica um horário das 15:00 às 23:00, com uma hora de intervalo para refeição, em regime de escalas rotativas; E) Assim, a autora labora 6 dias consecutivos, descansa dois dias também consecutivos e assim sucessivamente; F) Considerando um período de oito semanas, a autora trabalha uma média de 36,75 horas por semana; G) A autora, em determinadas semanas, efetua a sua prestação laboral aos domingos; H) A ré pagou à autora, a título de remuneração mensal nos diversos anos, os seguintes valores: a. no ano de 2006 o salário mensal de 383,79€; b. no ano de 2007 o salário mensal de 390,16€; c. no ano de 2009 o salário mensal de 415,64€; d. no ano de 2010 o salário mensal de 437,94€; e. no ano de 2011 o salário mensal de 445,90€; f. no ano de 2012 o salário mensal de 445,90€; g. no ano de 2013 o salário mensal de 445,90€; h. no ano de 2014 o salario mensal de 445,90€; I) A autora no ano de 2011 prestou trabalho nos seguintes dias, que corresponderam a dias de feriado coincidentes com dias úteis: - 25 de Abril; - 11 de Julho; - 15 de Agosto; - 01 de Dezembro; - 08 de Dezembro; J) A autora no ano de 2012 trabalhou nos seguintes dias, que corresponderam a dias de feriado coincidentes com dias úteis: - 01 de Janeiro; - 06 de Abril; - 09 de Julho; - 05 de Outubro; - 01 de Novembro; - 01 de Dezembro; K) A autora em 2013 trabalhou nos seguintes dias, que corresponderam a dias de feriado coincidentes com dias úteis: - 01 de Janeiro; - 29 de Março; - 01 de Maio; - 10 de Junho; - 15 de Julho; - 15 de Agosto. L) A autora trabalhou nos dias 08 de Abril de 2012 e 31 de Março de 2013, dias que eram feriado e calharam em Domingos, cumprindo a escala de serviço que lhe estava destinada; M) A autora esteve de baixa entre Outubro de 2008 e Fevereiro de 2009, não tendo laborado qualquer dia neste período, o mesmo tendo sucedido entre Novembro de 2009 e Abril de 2011; N) A ré liquida o valor de acréscimo de 16% não sobre a remuneração mensal mas sobre o valor correspondente às horas em que a autora presta serviço aos dias de Domingo; O) Nos dias feriados que coincidem com Domingos, a ré pagou e paga à autora um acréscimo de 16% e não concede nem concedeu qualquer dia de descanso compensatório; P) A ré remunerou a autora pelo trabalho prestado aos feriados com o acréscimo de 100% até ao mês de julho de 2012, tendo a partir de Agosto de 2012 passado a remunerar esse trabalho com um acréscimo de 50%, sem qualquer dia de descanso complementar; Q) A ré é filiada na E…; R) A autora não era nem é filiada em qualquer sindicato. * b) Factos Não Provados Com interesse para a decisão a proferir, resultaram não provados os seguintes factos: 1) Que a autora no ano de 2011 tenha prestado trabalho no seguinte dia feriado: - 25 de Dezembro; 2) Que a autora no ano de 2012 tenha trabalhado nos seguintes dias correspondentes a feriados: - 07 de Junho; - 10 de Junho; 3) Que a autora em 2014 tenha trabalhado no dia 20 de Abril, correspondente a feriado; 4) Que a referência a “8 horas” no contrato junto aos autos se tenha devido a lapso.”
2. – O direito 2.1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, supra transcritas, neste caso, à questão de direito.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.2. – Questão prévia:
- O regime jurídico a atender nos presentes autos
À data da celebração do contrato de trabalho - 2005.10.15 -, vigorava o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08 (CT 2008).
Em 2009.02.17, entrou em vigor o actual Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02 (CT 2009).
Durante a vigência do referido contrato, entrou em vigor a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a E… e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2008, alvo de uma revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2010, cujos efeitos foram estendidos pela Portaria n.º 1519/2008, de 24 de Dezembro.
É, pois, à luz destes instrumentos jurídicos que nos orientaremos, na apreciação do recurso.
2.3. - Objecto do recurso:
- A retribuição mínima mensal garantida,
- A adaptabilidade do horário de trabalho versus o trabalho a tempo parcial,
- O valor da remuneração pelo trabalho prestado aos domingos e feriados.
2.4. - A retribuição mínima mensal garantida 2.4.1. - Na sentença recorrida consignou-se: “Face ao que vem de ser dito, cumpre antes de mais analisar o contrato celebrado entre as partes e concluir se se trata de um contrato a tempo completo ou parcial. Ora, nada no contrato junto a fls. 22 aponta para que se trate de um contrato a tempo parcial. Por um lado, faz-se ali referência a um período de oito horas diárias, coincidente com o limite imposto pelo (então em vigor) art.º 163.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003. Por outro lado, em lado algum do contrato se menciona a expressão “trabalho parcial” ou se faz qualquer referência que possa ser interpretada como tal. Diga-se desde já que a menção a um período médio semanal de trabalho não implica automaticamente que se esteja perante um contrato a tempo parcial, pois como se disse já, há contratos a tempo completo que podem prever a referência a uma média semanal de horas. Além disso, já se concluiu supra que a retribuição que na data de celebração do contrato foi acordada era superior à que então era a retribuição mínima mensal garantida, o que também aponta para que não houvesse intenção das partes de acordar um contrato a tempo parcial. Não teria lógica que assim fosse e nos anos seguintes, tendo a retribuição mínima mensal garantida subido e não tendo havido alteração nos horários da autora, a retribuição da autora não acompanhasse aquela subida na mesma proporção. Por último, e mais relevante, dispunha o art.º 180.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 (em vigor à data da celebração do contrato) que se considerava trabalho a tempo parcial “o que corresponda a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior a 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável”. Ora, 36,75 horas semanais são mais do que 75% das 40 horas que seriam o horário de trabalho completo, pelo que nunca o acordo celebrado entre autora e ré poderia ser considerado um contrato de trabalho a tempo parcial. Do que vem de ser dito decorre que o contrato de trabalho que une autora e ré não é um contrato de trabalho a tempo parcial, mas sim um contrato de trabalho a tempo completo. Por ser assim, não lhe é aplicável o disposto na acima referida cláusula 17.ª da CCT e no art.º 154.º, n.º 3, alínea a) do Código do Trabalho.”.
Nas conclusões de recurso, a ré alegou:
“1. A Recorrida labora 7 horas diárias, 6 dias por semana, seguidos de 2 dias de folga, em períodos consecutivos. 2. Em termos reais, a Recorrida labora, em média 159,25 horas por mês. 3. O contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é um contrato a tempo parcial, cumprindo todas as disposições legais relativas ao mesmo.”. 4. Nos termos das Cl.ª 20.ª, 7 e 25.ª, 6 e 7 do CCT celebrado entre a E… e o STAD e a Cl.ª 17.ª do CCT celebrado entre a E… e a FETESE, o trabalhador a tempo parcial tem direito a uma remuneração mensal certa correspondente ao número de horas efetivamente prestadas. 5. Nos termos do disposto no artigo 154.º, n.º 3, al. a) do CT, a Recorrida deve ser remunerada em proporção das horas de trabalho efetivamente prestadas. 2.4.2. - No que reporta ao horário de trabalho da autora, está provado: “C) Em tal contrato e à data de celebração do mesmo, o valor da remuneração que a autora auferia mensalmente era de 382,20€ (trezentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), acrescido do subsídio de alimentação de 1,50€ (um euro e cinquenta cêntimos) por cada dia de trabalho efetivamente prestado; D) A autora pratica um horário das 15:00 às 23:00, com uma hora de intervalo para refeição, em regime de escalas rotativas; E) Assim, a autora labora 6 dias consecutivos, descansa dois dias também consecutivos e assim sucessivamente; F) Considerando um período de oito semanas, a autora trabalha uma média de 36,75 horas por semana;”. 2.4.3. – Analisemos.
O artigo 266.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 (CT/2003), dispunha:
“A todos os trabalhadores é garantida uma retribuição mínima mensal com o valor que anualmente for fixado por legislação especial, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social”.
Nos termos do artigo 273.º, n.º 1, do CT/2009, “1 – É garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal, seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por legislação específica, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social.”.
Desde outubro de 2005, data da celebração do contrato de trabalho entre autora e ré, que o “salário mínimo nacional” evoluiu nos seguintes termos:
Ano de 2005: 374,70€ (Decreto-Lei n.º 242/2004, de 31/12);
Ano de 2006: 385,90€ (Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30/12);
Ano de 2007: 403,00€ (Decreto-Lei n.º 2/2007, de 03/01);
Ano de 2008: 426,00€ (Decreto-Lei n.º 327/2007, de 31/12);
Ano de 2009: 450,00€ (Decreto-Lei n.º 246/2008, de 18/12);
Ano de 2010: 475,00€ (Decreto-Lei n.º 5/2010, de 15/01);
Anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 até 30.09.2014: 485,00€ (Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31/12);
Ano de 2014 - a partir de 01.10.2014: 505,00€ (Decreto-Lei n.º 144/2014, de 30/09).
Na alínea H) dos factos provados, está consignado que “a ré pagou à autora, a título de remuneração mensal nos diversos anos, os seguintes valores: a. no ano de 2006 o salário mensal de 383,79€; b. no ano de 2007 o salário mensal de 390,16€; c. no ano de 2009 o salário mensal de 415,64€; d. no ano de 2010 o salário mensal de 437,94€; e. no ano de 2011 o salário mensal de 445,90€; f. no ano de 2012 o salário mensal de 445,90€; g. no ano de 2013 o salário mensal de 445,90€; h. no ano de 2014 o salario mensal de 445,90€.”.
Ou seja, do confronto do teor das alíneas C) e H) dos factos provados, verifica-se que a ré só pagou, à autora, um montante superior ao da retribuição mínima mensal garantida, no ano de 2005.
Nos anos seguintes, o pagamento foi sempre por valor inferior ao da retribuição mínima mensal garantida para cada ano.
Para o não cumprimento do estipulado nos artigos 266.º, n.º 1, do CT/2003, e 273.º, n.º 1, do CT/2009, a ré justifica-se com o regime jurídico do contrato de trabalho a tempo parcial, cujo artigo 154.º, n.º 3, do CT/2009, permite a diminuição da retribuição proporcional ao período de trabalho semanal.
Resta saber, além do mais, como adiante se analisará, se ao caso dos autos se aplica o regime jurídico do contrato de trabalho a tempo parcial, previsto no CT/2009, dado que o contrato de trabalho em causa foi celebrado na vigência do CT/2003.
Avancemos para a segunda questão do objecto do recurso. 2.5. - A adaptabilidade do horário de trabalho versus o trabalho a tempo parcial 2.5.1. – A adaptabilidade do horário de trabalho
O artigo 163.º, n.º 1, do CT/2003, dispunha:
“O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana”.
O artigo 203.º, n.º 1, do CT/2009, dispõe:
“O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana”.
E o artigo 204.º, n.º 1, sob a epígrafe Adaptabilidade por regulamentação colectiva, estabelece: “1 - Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, caso em que o limite diário estabelecido no n.º 1 do artigo anterior pode ser aumentado até quatro horas e a duração do trabalho semanal pode atingir sessenta horas, só não se contando nestas o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior.”.
Sob a epígrafe “Período normal de trabalho”, a cláusula 16.ª da CCT supra referenciada, estabelece: “1- O período normal de trabalho para os profissionais abrangidos por este CCT não poderá ser superior a 8 horas por dia e a 40 horas por semana, sem prejuízo de horários de menor duração actualmente em vigor. (negrito nosso) 2- O período normal de trabalho poderá ser alargado até às 10 horas diárias e às 50 horas semanais, desde que, em média, não seja superior a 8 horas por dia e a 40 horas por semana. 3- Na contabilização do período normal de trabalho semanal referido no número anterior não é incluído o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior. 4- Para efeitos de apuramento da média do período normal de trabalho referido no n.º 1 serão considerados os períodos de trabalho semanal cumpridos durante um período máximo de 18 semanas. (…)”.
O regime da adaptabilidade dos horários de trabalho, visa permitir a organização do tempo de trabalho, dentro de certos limites, com variação da duração diária e semanal.
A adaptabilidade tanto pode ser fixada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho – cf. artigo 204 do CT/2009 (anterior 164.º) -, como por acordo entre o empregador e os trabalhadores, denominada adaptabilidade individual - cf. artigo 205 do CT/2009 (anterior 165.º).
Neste tipo de horários adaptados, a duração diária e semanal do trabalho pode ir além ou ficar aquém dos limites do período normal de trabalho genericamente estabelecidos. A unidade de referência deixa de ser o dia e a semana, sendo fixados períodos maiores. No entanto, a recondução aos limites do período normal é efectuada através do seu apuramento, em média, num período de referência.
Na verdade, o regime de adaptabilidade caracteriza-se pela possibilidade de calcular o tempo de trabalho em termos médios, num dado período de referência, por forma a que o trabalhador possa prestar mais horas de trabalho num dado dia ou semana, contanto que trabalhe menos noutro dia ou semana, de tal modo que a média do tempo de trabalho, no período de referência, não exceda as 8 horas diárias e as 40 horas semanais.
Diga-se, por último, que o regime de adaptabilidade, sendo um modelo de organização do tempo de trabalho, não contende com a retribuição devida aos trabalhadores a tempo completo, mas que laboram sob esse regime.
[O regime da adaptabilidade de horários foi introduzido, no ordenamento jurídico português, pela Lei n.º 21/96, de 23.07. Esse tema está tratado por Joaquim Damas e Francisco Liberal Fernandes, na revista Questões Laborais, n.ºs 9-10.
Após a entrada em vigor do CT/2003, sobre o mesmo tema, cf. Francisco Liberal Fernandes, em a Reforma do Código do Trabalho, 2004, pp. 329 a 339].
2.5.2. – O trabalho a tempo parcial
O artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, dava a noção de trabalho a tempo parcial, nos seguintes termos: “Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponde a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável”.
E o n.º 2 acrescentava: “O limite percentual referido no número anterior pode ser aumentado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
Assim, por exemplo, um trabalhador que tivesse um período normal de trabalho semanal de 80%, supondo que não existia qualquer IRCT aplicável a elevar o limite percentual, não seria um trabalhador a tempo parcial, mas sim a tempo completo.
Por sua vez, a Cláusula 17.ª da referida CCT (na redacção de 2008), sob a epígrafe Trabalho a tempo parcial, estabelecia: “1 - Os trabalhadores com menos de quarenta horas semanais são remunerados na proporção do horário de trabalho acordado pelas partes. 2 - O trabalhador a tempo parcial tem direito a uma remuneração mensal certa, correspondente ao número de horas efectivamente prestadas.”.
Ou seja, a referida CCT, na sua versão de 2008, posterior à entrada em vigor do CT/2003, não alterou o limite percentual referido no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, como lho permitia o n.º 2 do mesmo normativo.
Ora, aumentar o limite percentual referido no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, não significa eliminá-lo, como parece resultar da argumentação da ré.
Na verdade, a CCT aplicável não definiu, propriamente, o que é trabalho a tempo parcial. Limitou-se apenas à previsão genérica de que os trabalhadores, com menos de quarenta horas semanais, seriam remunerados na proporção do horário de trabalho acordado pelas partes.
Ora, nos termos do artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, podia haver trabalhadores (e há, como veremos adiante), que apesar de trabalharem menos de quarenta horas semanais, eram considerados trabalhadores a tempo completo, incluindo para efeitos remuneratórios (nos termos adiante expostos), precisamente, aqueles cujo período normal de trabalho semanal era superior a 76% do praticado a tempo completo numa situação comparável.
Esta situação alterou-se com a entrada em vigor do CT/2009.
No CT/2009, a noção de trabalho a tempo parcial, é dada pelo artigo 150.º, n.º 1, nos seguintes termos: “Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável.”.
Na actual redacção, foi eliminado o valor percentual de referência, previsto no artigo 180.º, n.º 1 do CT/2003.
Por sua vez, a cláusula 17.ª do referido CCT aplicável (na redacção de 2010, posterior à entrada em vigor do CT/2009), sob a epígrafe Trabalho a tempo parcial, manteve a mesma redacção da versão de 2008, supra transcrita, bem como a fórmula de cálculo da remuneração mensal do trabalhador contratado a tempo parcial – cf. cláusula 22.ª, n.º 4.
Ora, uma fórmula de cálculo, seja ela qual for, limita-se a quantificar o direito, não a defini-lo, como parece resultar da argumentação da ré.
A definição do direito, sendo dada pela lei, ou por instrumento colectivo de trabalho nos termos e limites por ela determinados, é, por natureza própria, prévia à aplicação de qualquer fórmula de cálculo remuneratória.
2.5.3. – O caso dos autos. 2.5.3.1. - Analisado o teor do contrato de trabalho sem termo, subscrito pelas partes em 2005.10.15, junto a fls. 22 dos autos, nada indicia que se trate de um contrato de trabalho a tempo parcial.
Pelo contrário, tudo indica que seja, um contrato de trabalho a tempo completo.
Na verdade, para além de não conter qualquer referência de contrato a “tempo parcial”, a cláusula terceira estipula: “O 2.º outorgante cumprirá um horário de trabalho, em média de 8 horas diárias e 36.75 horas semanais”.
Sobre o horário de trabalho praticado pela autora, está provado que: D) A autora pratica um horário das 15:00 às 23:00, com uma hora de intervalo para refeição, em regime de escalas rotativas; E) Assim, a autora labora 6 dias consecutivos, descansa dois dias também consecutivos e assim sucessivamente; F) Considerando um período de oito semanas, a autora trabalha uma média de 36,75 horas por semana;
Ora, a média de 36,75 horas por semanaé superior aos 76% previstos no citado artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, em vigor à data da celebração do referido contrato de trabalho.
Daqui decorre, sem margem para qualquer dúvida, que o contrato de trabalho celebrado pelas partes, em 2005.10.15, é um contrato de trabalho a tempo completo e não um contrato de trabalho a tempo parcial, como defende a ré/apelante.
Assim sendo, quais as consequências, a nível remuneratório, dessa legal qualificação jurídica?
A técnica legislativa, expressa no artigo 180.º do CT/2003 (e, anteriormente, no artigo 1.º da Lei n.º 103/99, de 26.07), suscitava um delicado problema, que era o de saber qual o regime remuneratório que deveria ser aplicado a um trabalhador cujo período normal de trabalho semanal fosse superior a 76% do praticado a tempo completo em situação comparável.
O legislador não expressou, directamente, a respectiva solução.
Compete, pois, ao intérprete encontrá-la, dentro do quadro legal vigente à data dos factos, isto é, 2005.10.15, data da celebração do contrato de trabalho subscrito pelas partes.
Sobre essa temática pronunciou-se Júlio Gomes, (“Trabalho a Tempo Parcial”, III Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Coimbra, 2001, págs. 68/69), na vigência da Lei n.º 103/99, de 26.07, cujo regime foi transposto, grosso modo, para os artigos 180.º e seguintes do CT/2003.
Dizia, a propósito desse assunto, o ilustre Professor:
“Parece que não se trata de um trabalhador a tempo parcial, mas sim de “um trabalhador a tempo completo com jornada reduzida”, para usar a expressão empregue em Espanha para casos idênticos. Mas este trabalhador que, por exemplo, tenha um período normal de trabalho semanal de 90% verá reduzida proporcionalmente a sua retribuição? A questão é controversa em Espanha e compreende-se que o seja já que é de resposta delicada. Assim, e por um lado, o carácter sinalagmático do contrato de trabalho parece apontar no sentido da redução proporcional da retribuição. Contudo, deste modo, aplica-se a este trabalhador que não é, nos termos da lei, trabalhador a tempo parcial, um dos traços essenciais do regime do trabalho a tempo parcial (a redução proporcional da retribuição), sem, no entanto, se aplicarem outros traços que correspondem até a uma protecção acrescida do trabalhador a tempo parcial. (…). Em suma, permitir a redução proporcional da retribuição a este trabalhador equivale, quanto a nós, a esvaziar o limite fixado por lei.”. (negritos e sublinhado nossos).
Na verdade, o intérprete está perante dois elementos interpretativos consistentes:
1.º - O artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, equiparava o período normal de trabalho semanal superior a 76%, do praticado a tempo completo em situação comparável, a contrato de trabalho a tempo completo, embora sem referência expressa ao tipo de retribuição aplicável.
2.º – No direito laboral, vigora a regra/princípio geral da correspectividade salarial, isto é, a retribuição é o correspectivo do trabalho realizado pelo trabalhador e a obrigação de pagar a retribuição é, precisamente, a obrigação principal do empregador.
[sobre “a importância dos princípios jurídicos na interpretação do direito constituído”, ver António Pinto Monteiro, in R.L.J., ano 145.º, Nov./Dez. de 2015].
Logo, ao contrato de trabalho a tempo completo deve corresponder a retribuição estipulada (por lei) ou acordada (por CCT ou por contrato individual) para a respectiva prestação laboral.
Assim sendo, atento o postulado no artigo 180.º, n.º 1 do CT/2003, não deve o intérprete assumir a redução proporcional da retribuição, sob pena de violar as regras de interpretação plasmadas no artigo 9.º do Código Civil, cujo n.º 2 consagra:
“2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Concorde-se, ou não, a redução proporcional da retribuição é um dos elementos essenciais do trabalho a tempo parcial, que o legislador, expressamente, previu no artigo 185.º, n.º 4 do CT/2003.
E sendo assim, esse não deve ser o elemento a considerar no caso dos autos, e similares, isto é, aos casos de contrato de trabalho a tempo completo, com um período normal de trabalho semanal superior a 76% do praticado a tempo completo em situação comparável, sob pena de se esvaziar, por completo, o limite fixado por lei.
[sobre a proibição do afastamento ou do esvaziamento da lei, no acto de aplicação do direito, ver o artigo 8.º, n.º 2, do Código Civil].
Com o estipulado no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, embora sem determinar, expressamente, qualquer critério retributivo, o legislador “transmitiu”, claramente, ao intérprete que nos casos de contrato de trabalho a tempo completo corresponde a retribuição legal equivalente ou a retribuição contratualizada, quer por CCT, quer por contrato individual de trabalho.
Deste modo, temos juridicamente, como seguro, o seguinte: o legislador ao manter, ainda que tacitamente, a regra/princípio geral da correspectividade salarial, para as situações previstas no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, quis afastar, definitivamente, o elemento da redução proporcional da retribuição, caso contrário, tê-lo-ia dito expressamente, e não disse.
Por isso, discordamos, com respeito, da solução adoptada pelo STJ, no seu acórdão de 2009.09.30, prolatado sobre um caso similar, ao abrigo da Lei n.º 103/99, de 26.07, na medida em que aplicou, a um contrato de trabalho a tempo completo, a redução proporcional da retribuição, o elemento essencial do trabalho a tempo parcial.
Então, quid iuris para tal tipo de situações?
O citado artigo 9.º, n.º 3, do CC, dispõe:
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.
Ora, a nosso ver, o legislador, ao não afastar a regra/princípio geral da correspectividade salarial, para as situações previstas no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, permite ao intérprete encontrar a solução mais adequada, dentro dos limites jurídicos que aquela regra/princípio comporta.
É bom recordar, que a regra/princípio da correspectividade salarial apresenta “desvios” à regra geral, como, por exemplo, manter o dever de pagar a retribuição em situações em que não há qualquer prestação de trabalho, como nas férias, em certas faltas justificadas ou em algumas hipóteses de suspensão do contrato de trabalho por motivo imputável ao empregador.
[Sobre a correspectividade salarial, cf., por exemplo, Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, vol. I, págs. 759 e segs.].
Sobre esta matéria, Maria do Rosário Palma Ramalho, em Direito do Trabalho, Parte II, pág. 547, escreve que “a retribuição é a contrapartida da actividade laboral (…). Contudo, o conceito de contrapartida para este efeito, deve aplicar-se de uma forma criteriosa, sendo de reportar à disponibilidade do trabalhador para o desenvolvimento da actividade laboral e não à realização efectiva dessa actividade ou, muito menos, à obtenção dos resultados para que esta tende”.
Assim, no âmbito deste contexto legal, o critério mais adequado para o cálculo do valor retributivo em causa, deve resultar dos termos individualmente acordados pelas partes, já que a CCT aplicável nada determinou, directamente, sobre esta matéria, embora na cláusula 16.ª, que versa sobre o tempo de trabalho, salvaguarde, expressamente, os “horários de menor duração actualmente em vigor”, ou seja, em 22 de Abril de 2008, data da sua publicação, e na vigência do contrato de trabalho em causa.
Os termos acordados pelas partes estão plasmados no mencionado documento que formalizou o contrato de trabalho, junto aos autos, acordo esse que a lei não proíbe, tanto mais o carácter sinalagmático do contrato de trabalho.
Assim, atento o contrato de trabalho, subscrito pelas partes, em 2005.10.15, as 36.75 horas semanais correspondem a 91,875% do tempo completo numa situação comparável. E a esses 91,875% correspondia, à data da celebração do contrato e durante o ano de 2005, a retribuição de € 382,20, montante superior em € 7.5, ao salário mínimo nacional, fixado em € 374,70 para o ano de 2005.
Certamente, que as partes, mormente a ré, não ignoravam, à data da celebração do contrato de trabalho em causa, o disposto no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003 e suas consequências!
Ou seja, tratando-se de um contrato de trabalho a tempo completo, como tal caracterizado por lei,nos termos supra descritos,e atenta a regra/princípio laboral da correspectividade salarial, é dever do intérprete, em caso de litígio judicial, como é o caso, e na falta de outros elementos de interpretação, como sejam eventuais regras estabelecidas em sede de CCT, permitidas pelo artigo 180.º, n.º 2, do CT/2003, recorrer ao acordo inicial das partes, para determinar tal valor retributivo.
No caso dos autos, apesar de as partes terem acordado uma retribuição superior ao salário mínimo nacional (na vigência do artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003), a autora apenas pede que lhe seja paga a retribuição mínima mensal garantida em vigor, desde o ano de 2006, data em que a ré passou a incumprir, unilateralmente, o acordado com a autora dois meses e meio antes.
Ou seja, apesar da retribuição inicialmente acordada ser superior ao salário mínimo nacional, a autora apenas pede que lhe seja paga a retribuição mínima mensal garantida (e não com o excedente de € 7,5), que corresponde, por lei, ao contrato de trabalho a tempo completo, previsto no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003.
2.5.3.2. – Regime aplicável: CT/2003 ou CT/2009?
Como supra referido, a noção de trabalho a tempo parcial, no CT/2009, é dada pelo artigo 150.º, n.º 1, nos seguintes termos: “Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável.”.
Tal significa que foi eliminado o valor percentual de referência, previsto no artigo 180.º, n.º 1 do CT/2003.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se o novo regime do CT/2009 se aplica ao caso dos autos, ou seja, ao contrato de trabalho celebrado na vigência do CT/2003.
Como supra referido, o actual Código do Trabalho, em vigor desde 2009.02.17, foi aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, cujo artigo 7.º, n.º 1, dispõe:
“1 – Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”. (negrito nosso).
Ora, um dos efeitos da execução do contrato de trabalho celebrado pelas partes, mormente, a prática do horário de trabalho, pela autora, repercutiu-se, directamente, no valor remuneratório, por aplicação do disposto no artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003.
E, tratando-se de retribuição, é proibido ao empregador diminuí-la, conforme dispõe o artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do CT/2009.
Por conseguinte, só deixaria de se aplicar, neste particular, o regime jurídico do artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003, por via de um novo acordo entre as partes ou pela cessação do contrato de trabalho em vigor. Em conclusão: atentos os elementos mencionados, ao contrato de trabalho em apreço continua a aplicar-se o regime jurídico do artigo 180.º, n.º 1, do CT/2003.
2.6. - O valor da remuneração pelo trabalho prestado aos domingos e feriados.
A ré/apelante alegou no ponto 9) das suas conclusões de recurso: “A douta sentença recorrida decidiu mal ao condenar a Recorrente a pagar à Recorrida o acréscimo devido pelo trabalho aos domingos e feriados tendo por referência a retribuição base mensal devida por 173,33 horas mensais (a que equivalem 40 horas semanais).”.
Sobre esta concreta questão, o Mmo Juiz escreveu: “A análise da cláusula acima transcrita (a cláusula 29.ª do CCT) é essencial também para a apreciação de outra divergência entre as partes – a forma de cálculo do acréscimo de 16%. A ré sempre pagou tal acréscimo com base não na remuneração mensal total mas sim no valor correspondente às horas em que a autora presta serviço aos dias de Domingo. Quanto a este ponto, o n.º 3, alínea d) da cláusula é claro ao prever que o acréscimo é calculado sobre a retribuição mensal. Isso não significa, porém, que essa retribuição mensal deva ser toda e qualquer parcela retributiva paga pela ré. Conforme bem nota esta na sua contestação, o art.º 250.º do Código do Trabalho de 2003 e o art.º 262.º do Código do Trabalho de 2009 vieram estabelecer que a base de cálculo das prestações complementares ou acessórias é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades, a menos que algo em contrário esteja previsto na lei ou instrumento de regulamentação coletiva aplicável. Nada na CCT aqui em apreço afasta essas normas, pelo que os 16% devidos pela ré deviam ser apenas calculados o valor de retribuição base mensal, conforme se provou que a ré fez. Tal não implica que o pedido da autora deva ser julgado totalmente improcedente. Com efeito, apesar de o método de cálculo empregue pela ré ter sido correto, os valores de retribuição base utilizados não o foram, atento o que acima se concluiu quanto a ter indevidamente pago à autora retribuições inferiores à mínima mensal garantida. Assim, não obstante os valores não serem aqueles pedidos pela autora e embora com fundamento diferente, deve o pedido ser julgado parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar à autora o que falte do acréscimo de 16% pelo trabalho prestado aos Domingos, tomando como base de cálculo a retribuição mínima mensal garantida em vigor em cada ano.”.
Assim, também, nesta parte, a sentença recorrida não merece censura.
Na verdade, tratando-se de um contrato de trabalho a tempo completo, como supra demonstrado, o cálculo do acréscimo de 16% pelo trabalho prestado aos Domingos, deve incidir sobre a remuneração mensal da autora, que neste caso é a retribuição mínima mensal garantida, em vigor, em cada ano, como resulta, expressamente, da cláusula 29.ª, n.º 3, alínea d), da CCT aplicável: “3 - Nos casos previstos no número anterior, o trabalho aos domingos só poderá ser prestado desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos: (…). d) Acréscimo mensal de 16 % sobre a retribuição mensal auferida naquele local de trabalho sem dependência do número de domingos em que houve efetiva prestação de trabalho.”.
Deste modo, nesta parte, o recurso de apelação também improcede.
III. – A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da ré.
*****
O sumário é da exclusiva responsabilidade do relator. Sumário:
Descritores: contrato de trabalho a tempo parcial; empresa de serviços de limpeza; retribuição; contrato colectivo de trabalho; aplicação da lei no tempo; adaptabilidade
I – É um contrato de trabalho, a tempo completo, aquele – celebrado à luz do art. 180.º do CT/2003 (que definia a tempo parcial o contrato de trabalho que corresponde a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável) – em que o trabalhador se obriga a cumprir um horário de trabalho em média de 8 horas diárias e 36,75 horas semanais.
II - A cl.ª 22.ª, n.º 4, da CCT, entre a E… e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros (BTE n.º 15, de 22 de Abril de 2008), na redacção publicada no BTE n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2010, contem uma fórmula de cálculo da retribuição do trabalhador contratado a tempo parcial, e não dos trabalhadores a tempo completo.
III – Sendo a redução proporcional da retribuição, um dos elementos essenciais do contrato de trabalho a tempo parcial, ao trabalhador, com um contrato de trabalho a tempo completo, é devida a retribuição estipulada (por lei) ou acordada (por CCT ou por contrato individual) para a respectiva prestação laboral – arts. 9.º, n.º2, e 8.º, n.º 2, do CC.
IV – No caso de o valor remuneratório ter sido acordado pelas partes, à luz do CT/2003, o mesmo só pode ser alterado por novo acordo entre as partes ou pela sua cessação, e já não pela entrada em vigor do CT/2009, como decorre do art 7.º, n.º 1, da Lei 7/2009, de 12-02.
VI – O regime de adaptabilidade do horário de trabalho é um modelo de organização do tempo de trabalho – caracterizado pela possibilidade de calcular o tempo de trabalho em termos médios, num dado período de referência - não contende com a retribuição devida aos trabalhadores a tempo completo, ainda que laborem sob esse regime.
Porto, 2016.01.18
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho (Voto vencida conforme declaração anexa)
Rui Penha
_____
Voto vencida, por, em síntese:
Embora, no âmbito do CT/2003, o caso não consubstancie uma situação de trabalho a tempo parcial, mas sim de trabalho a tempo completo, com jornada reduzida, atento o entendimento sufragado pelo STJ no Acordão de 30.06.2006, que se acolhe, e o principio da igualdade, na vertente de para trabalho igual salário igual, entendendo ser possível estabelecer a proporcionalidade entre o tempo de trabalho e a retribuição (mesmo no âmbito do período de vigência do contrato de trabalho anterior à CCT de 2008). Por outro lado, agora já no domínio da CCT de 2008, afigura-se que a cl.ª 17.º, n.º 1, procede, ainda que não o diga expressamente, ao aumento limite fixado no n.º 1 do art.º 180.º do CT/2003, como permitido pelo n.º 2 deste preceito, considerando como trabalho a tempo parcial o inferior a 40 horas semanais, conceito este que tem também cobertura no âmbito do art.º 150.º, n.º 1 do CT/2009.
Deste modo, concederia provimento ao recurso.
Porto, 18.01.2016.