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ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PLURALIDADE DE CRIMES
CRIME ÚNICO
CRIME CONTINUADO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
DELITO DE INFRACÇÃO DE DEVER
EXTENSÃO SUBJECTIVA A PESSOA SINGULAR NÃO RECORRENTE
PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA OU PARALELA
EXTENSÃO SUBJECTIVA A PESSOA COLECTIVA NÃO RECORRENTE
ACUSAÇÃO E PEDIDO CIVIL POSTERIORES À PRESCRIÇÃO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA CÍVEL
Sumário
I - A prescrição do procedimento criminal relativa ao crime de abuso de confiança contra a segurança social afere-se pelo termo do prazo legal de entrega da prestação tributária jurígena de responsabilidade criminal. II - A prestação tributária relevante àquela aferição é, na hipótese normal de pluralidade de crimes, cada prestação; e nas hipóteses especial de crime único e específica de crime continuado, a última prestação. III - À aferição da prescrição irreleva o termo do prazo legal de entrega de uma prestação tributária ulterior cuja responsabilidade criminal se tenha extinguido designadamente por oblação voluntária. IV – Tratando-se de um delito de infracção de dever de entrega, da responsabilidade de administradores ou gerentes de facto e/ou de direito, a prescrição é extensível por identidade de razão substantiva à Pessoa Singular não recorrente, por serem idênticas a autoria material das Pessoas Singulares recorrente e não recorrente. V – A prescrição é extensível por identidade de razão substantiva à Pessoa Colectiva não recorrente mercê do princípio de responsabilidade penal tributária cumulativa ou paralela de Pessoas Singular e Colectiva. VI – A prescrição é extensível por maioria de razão processual penal recursiva às Pessoas Singular e ou Colectiva não recorrentes porque o tribunal de recurso tem o dever de retirar oficiosamente da procedência das conclusões do recurso as consequências relativamente às partes da decisão que afectem os co-arguidos acusados em comparticipação ou que afectem o responsável civil não recorrente. VII - A verificação da prescrição do procedimento criminal em data anterior à da prolação da Acusação determina a extinção da instância civil quando tiver sido deduzido Pedido Civil no processo penal.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam após Audiência os Juízes no Recurso
Penal 221/14.9TAVFR.P1 vindo do Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Local de S M Feira
Submetidos os Arguidos B… [1], C… [2] e D…, LDA [3] a JULGAMENTO em Processo COMUM por Tribunal SINGULAR, a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA [4] que decidiu:
1. Declarar a não punibilidade, ao abrigo do preceituado pela alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, aplicável ex vi o n.º 2 do artigo 107.º do mesmo diploma legal, das condutas imputadas aos arguidos no período compreendido entre os meses de Março de 2009 a Abril de 2010.
2. Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 107.º e 105.º, n.º 1, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), na pena de 150 (…) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), no montante global de € 1.500 (…).
3. Condenar a arguida C…, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 107.º e 105.º, n.º 1, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (…), no montante global de € 1.700 (…).
4. Condenar a sociedade arguida “D…, Lda.”, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido, pelos artigos 7.º, n.º 1, 107.º e 105.º, n.º 1, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001 …), na pena de 200 (…) dias de multa, à taxa diária de € 10 (…), no montante global de € 2.000 (…).
5. Condenar solidariamente os arguidos demandados B…, C… e “D…, Lda.” a pagar ao demandante civil Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia de € 13.135,38 (…), à qual acrescerão juros de mora, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computados à taxa legal sobre cada uma das parcelas retidas, desde a data do termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário.
6. Condenar os arguidos nas custas criminais do processo, fixando a respectiva taxa de justiça no mínimo legal.
7. Condenar os arguidos e demandados nas custas cíveis [artigos 523.º do Código de Processo Penal e 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil]» [5]. Inconformados com o decidido, B…-C…-D… interpuseram RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 506-525 = 529-546 II rematada com as sgs 6 CONCLUSÕES [6]:
1. No que respeita à vertente subjectiva da conduta criminosa imputada aos arguidos, a prova produzida em audiência resumiu-se às declarações do arguido B….
2. Em conformidade com elas, foi incorrectamente julgada a matéria de facto dada como assente nas alíneas d) a g) da douta sentença recorrida.
3. A matéria de facto constante das referidas alíneas deverá ser alterada, delas passando a constar o seguinte (por facilidade de apreensão, opta-se por transcrever as alíneas aludidas, colocando entre parêntesis, em itálico e em negrito, a matéria de facto a suprimir):
d) Os arguidos, B… e C…, em conjugação de esforços, dividindo tarefas entre si,(na execução comum do plano gizado), na qualidade de gerentes e actuando sempre em nome e no interesse da acima mencionada sociedade arguida, entregaram na Segurança Social, as folhas de remunerações dos trabalhadores daquela, correspondentes ao período de Março de 2007 a Abril de 2010 e procederam aos descontos das contribuições referentes aos salários pagos aos trabalhadores e aos membros dos órgãos estatutários, nesses meses, no montante global de € 15.827,60 (…).
e) Os arguidos, B… e C…, (na execução do sobredito plano comum), enquanto sócios-gerentes da supra identificada sociedade arguida e actuando em nome e no interesse desta, deviam ter entregado à Segurança Social as quantias correspondentes aos descontos das contribuições relativas aos salários dos trabalhadores, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, o que não fizeram.
f) Os arguidos, B… e C…, na qualidade de sócios-gerentes, (na prossecução do aludido plano comum concertado), também não entregaram tais quantias nos 90 dias posteriores ao termo do prazo legal de entrega das prestações devidas.
g) Os arguidos, B… e C…, agiram de forma livre, voluntária e consciente, (segundo o plano gizado que previamente delinearam).
4. Quer se entenda que os arguidos cometeram vários crimes de abuso de confiança contra a segurança social, quer se entenda que cometeram um único crime, tenha ele sido praticado ao abrigo de uma única resolução criminosa ou na forma continuada, o presente procedimento criminal encontra-se prescrito.
5. Ao decidir pela não verificação da prescrição do procedimento criminal, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 21.º, n.º 1 e 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT.
6. Deve, em conformidade, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por decisão que declare a prescrição do procedimento criminal instaurado contra os arguidos, com as legais consequências, incluindo a declaração de improcedência do pedido de indemnização civil deduzido nos autos contra os arguidos» [7].
ADMITIDOS os Recursos a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 399, 401-1-b, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP por Despacho a fls 553 II notificado a Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou RESPOSTA a fls 555-559 II concluindo que:
1. O arguido foi acusado pela prática de um único crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, atenta a verificação de uma única resolução criminosa, conforme o enquadramento e a descrição dos factos realizada na acusação, o que foi confirmado pela douta sentença recorrida.
2. A douta sentença recorrida declarou a não punibilidade das condutas imputadas aos arguidos no período compreendido entre os meses de Março de 2009 e Abril de 2010, considerando o pagamento das cotizações e legais acréscimos, efetuado em 8 de Maio de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 105.°, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias.
3. O prazo de prescrição do procedimento criminal, de cinco anos, teve o seu início em 16 de Maio de 2010 (dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário, em conformidade com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2015, publicado no DR de 19 de Fevereiro de 2015).
4. Com a constituição de arguido, em 7 de Abril de 2014, e com a notificação da acusação, tal prazo interrompeu-se, iniciando novo prazo, consubstanciando esta última circunstância processualigualmente uma causa de suspensão da prescrição - cfr. artigos 120.º, n.º 1, alínea b), e 121.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, ex vi artigo 21.º, n.º 4, do R…G…I…T…;
5. O n.º 4 do artigo 105.º do R…G…I…T… estabelece condições objetivas de punibilidade, não se tratando de elementos objetivos do tipo de ilícito, pelo que o crime perfectibiliza-se independentemente da notificação nos termos da alínea b) ou do decurso do prazo de 90 dias nos termos da alínea a).
6. Não se verifica a prescrição do procedimento criminal, pelo que deverá a mesma ser julgada improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
7. Não foram violados quaisquer preceitos legais.
Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Tribunal a quo na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelos arguidos … improcedente …» [8]. ● A anterior Relatora rejeitou os Recursos de C… e D.. por não terem pago cada a sua multa do 3º dia útil para o que tinham sido notificados na sequência de Promoção do Exmo PGA.
Tendo B… requerido a realização de AUDIÊNCIA ut art 411-5 do CPP, na Vista ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto apôs seu «Visto – arts 416º Nº 2 e 411º Nº 5…» a fls 578 II.
Redistribuído o processo ao Relator actual após cessação de funções do anterior Relator por jubilação e, antecedentemente, da anterior Relatora por transferência e, na oportunidade, efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS, realizou-se a AUDIÊNCIA requerida por B… que manteve as posições penais processuais penais assumidas na Motivação ao que o MP ad quem propugnou a improcedência do Recurso como respondido pelo MP a quo.
Como FACTOS PROVADOSo Tribunal a quo enumerou que:
«Da acusação pública:
1. a). A sociedade arguida, D…, Lda. é uma sociedade por quotas, pessoa colectiva n.º ………, com sede social na Rua …, Santa Maria da Feira, que tem como objecto social a comercialização de produtos de informática e serviços de contabilidade e informática, a que corresponde o CAE principal …...
2. b). O arguido B… é sócio-gerente, de facto, da sociedade arguida, desde a sua constituição e sócio-gerente de direito desde 2 de Novembro de 1995.
3. c). A arguida C… é sócia-gerente, de facto e de direito, da sociedade arguida desde a sua constituição.
4. d). Os arguidos, B… e C…, em conjugação de esforços, dividindo tarefas entre si, na execução comum do plano gizado, na qualidade de gerentes e actuando sempre em nome e no interesse da acima mencionada sociedade arguida, entregaram na Segurança Social, as folhas de remunerações dos trabalhadores daquela, correspondentes ao período de Março de 2007 a Abril de 2010 e procederam aos descontos das contribuições referentes aos salários pagos aos trabalhadores e aos membros dos órgãos estatutários, nesses meses, no montante global de € 15.827,60 (quinze mil, oitocentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos).
5. e). Os arguidos, B… e C…, na execução do sobredito plano comum, enquanto sócios-gerentes da supra identificada sociedade arguida e actuando em nome e no interesse desta, deviam ter entregado à Segurança Social as quantias correspondentes aos descontos das contribuições relativas aos salários dos trabalhadores, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, o que não fizeram.
6. f). Os arguidos, B… e C…, na qualidade de sócios-gerentes, na prossecução do aludido plano comum concertado, também não entregaram tais quantias nos 90 dias posteriores ao termo do prazo legal de entrega das prestações devidas.
7. g). Os arguidos, B… e C…, agiram de forma livre, voluntária e consciente, segundo o plano gizado que previamente delinearam, em nome e no interesse da sociedade arguida acima identificada, com intenção de fazerem suas e de integrarem no respectivo património o aludido montante de € 15.827,60 (quinze mil, oitocentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos), o que fizeram, bem sabendo que estavam legalmente obrigados a entregar à Segurança Social as importâncias que se descontavam nos salários dos trabalhadores daquela sociedade arguida, prejudicando a Segurança Social nessa quantia.
8. h). Os arguidos sabiam que as suas condutas eram criminalmente proibidas e punidas por lei e tinham a liberdade necessária para actuar de acordo com essa avaliação.
9. i). Os arguidos, B… e C…, procederam, após o termo do prazo de 90 dias posteriores ao termo do prazo legal de entrega das prestações devida, ao pagamento das cotizações e respectivos juros de mora referentes ao período de Março de 2009 a Abril de 2010, pelo que soçobram as contribuições, retidas nas remunerações efectivamente pagas, relativas ao período de Março de 2007 a Fevereiro de 2009, no valor de € 13.135,38 (treze mil, cento e trinta e cinco euros e trinta e oito cêntimos).
Mais se provou com relevância para a determinação da sanção aplicável:
10. j). À data dos factos os arguidos B…, C… e sociedade “D…” não tinham antecedentes criminais.
11. k). O arguido B… confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados.
12. l). A sociedade arguida desenvolveu a sua actividade até sensivelmente meados de 2010, estando, desde aquele ano, inactiva.
13. m). Confrontada com uma redução de liquidez, a sociedade arguida não dispôs de meios financeiros que lhe possibilitassem simultaneamente a entrega das cotizações descontadas nas retribuições dos trabalhadores e membros dos corpos sociais nos aludidos períodos temporais e o cumprimento das restantes obrigações, nomeadamente pagamento de salários, renda das instalações (à data, no montante de € 900 mensais), despesas correntes como água, electricidade e telefone e pagamento aos fornecedores.
14. n). O arguido obteve formação na área da programação informática na E…, tendo, todavia, apenas o 12º ano de escolaridade como habilitações literárias.
15. o). Actualmente, é administrador de uma nova sociedade comercial – F…, S.A. – que constituiu logo após o encerramento da sociedade arguida, a qual tem o mesmo objecto social, auferindo o arguido o vencimento mensal de € 650.
16. p). Anualmente, o arguido percepciona ainda os lucros distribuídos no montante aproximado de € 10.000.
17. q). A sua mulher, aqui co-arguida, é técnica oficial de contas nessa mesma sociedade, auferindo € 600 mensais.
18. r). O agregado familiar reside em casa própria, pela qual pagam uma prestação bancária de € 650 mensais do crédito contraído na sua aquisição.
19. s). Os veículos automóveis habitualmente conduzidos pelos arguidos são propriedade da sua actual entidade patronal» [9].
Quanto a FACTOS NÃO PROVADOS o Tribunal a quo exarou que «Não existem …».
Como MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO o Tribunal a quo exarou que:
«A decisão teve por base a prova produzida em audiência, nomeadamente:
Quanto à constituição, objecto social, sede e actual situação da sociedade arguida, a certidão permanente do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, junta de folhas 439 a 442.
No que tange à demais matéria, teve-se, desde logo, em atenção a confissão integral e sem reservas prestada pelo arguido B… em audiência de julgamento relativamente aos factos que lhe eram imputados, o qual esclareceu ainda as razões que conduziram à omissão de entrega das referidas contribuições, nos moldes tidos por demonstrados.
No que concerne aos valores em dívida foi considerada a certidão emitida pelo Instituto da Segurança Social, I.P., junta de folhas 406 a 408, as notificações de folhas 297 a 299, 303 e 320 a 321, o documento único de cobrança de folhas 454 a 456 e o recibo de folhas 457.
No que respeita à demais factualidade, mormente quanto à participação da arguida C…, foi tomada em linha de conta a globalidade da prova produzida em julgamento.
Com efeito, desde logo, muito embora o arguido B… tenha afirmado que a não entrega das aludidas cotizações à Segurança Social teve por base uma decisão tomada apenas por si, o certo é que decorreu do teor das suas próprias declarações que a co-argui da C…, sua mulher, também exercia a gerência de facto da identificada sociedade (para além de ser gerente de direito desde o momento inicial da constituição da sociedade arguida), sendo, aliás, a sócia-gerente que estava incumbida do acompanhamento e cumprimento das obrigações fiscais da sociedade arguida e bem assim dos deveres contributivos perante a Segurança Social, sendo esta arguida quem assinava as competentes declarações, até porque tem especiais conhecimentos nessa matéria já que é técnica oficial de contas, estando adstrita à chefia da parte de prestação de serviços de contabilidade que aquela sociedade também tem como objecto social (foi até o sector de actividade que sempre funcionou bem e que trazia proventos mais seguros e constantes àquela sociedade). Mais admitiu o arguido que a sua mulher, ora co-arguida, tinha iguais poderes de direcção e chefia da sociedade em causa (utilizava recorrentemente no seu discurso “nós”), assinava igualmente documentos e cheques em representação da sociedade, reconhecendo também que a arguida sabia que as aludidas cotizações estavam em falta.
A arguida C…, no uso da prerrogativa legal, não desejou prestar declarações.
Por seu turno, a testemunha G…, funcionário da sociedade arguida aproximadamente entre os anos de 1999 e 2007 (Março), de forma que se teve por segura e isenta, até porque revelou não estar minimamente incompatibilizado com os arguidos, peremptoriamente afirmou que sempre tinha reputado ambos os arguidos como os seus patrões (“ambos mandavam”), muito embora trabalhasse directamente com o arguido B… já que este era quem chefiava o departamento de informática e o depoente era programador, tendo a arguida C… a seu cargo o departamento de contabilidade, referindo ainda que era esta última quem lhe entregava os seus recibos de vencimento.
Já a testemunha H…, funcionário da sociedade arguida durante cerca de cinco/seis anos, muito embora afirmasse que via apenas o arguido B… como o seu patrão e a arguida C… tão somente como sua mulher, reconheceu também que não considerava esta última como uma colega, sendo que não a identificava como funcionária, apenas nomeando como funcionárias da contabilidade as testemunhas I… e J…, mas já não a arguida, evasivamente aduzindo que achava que ela também trabalhava no departamento da contabilidade, desconhecendo as suas funções (repita-se, não a vendo como funcionária), evidenciando resistência em identifica-la como a chefe de tal sector, afirmando desconhecer se esta também dava ordens, reservas a que não será alheio o facto de actualmente o depoente ainda trabalhar na nova sociedade constituída pelo arguido B…, facto que o depoente ocultou e que apenas foi revelado nas declarações finais do arguido.
A testemunha I…, funcionária da sociedade arguida desde a data da sua constituição até ao seu encerramento e actual funcionária da sociedade constituída pelo arguido B…, num discurso que se afigurou mais sincero e espontâneo (até porque logo reconheceu a sua actual relação profissional com os arguidos – “trabalhou e trabalha para eles”), referiu que o patrão era o arguido B… mas que quem lhe dava as ordens era a arguida C… (sic), sendo também esta arguida quem a contratou (negociou todas as condições do contrato de trabalho, designadamente, salário e demais condições contratuais), quem lhe entregava os cheques para pagamento do seu vencimento (quando utilizado tal meio de pagamento), referindo que nunca viu a arguida consultar o co-arguido para a tomada de decisão em qualquer matéria, vendo-a a tratar de todos os assuntos atinentes ao departamento de contabilidade que chefiava, nomeadamente angariação e negociação de novos contratos de avença, asseverando que era a arguida C… quem tratava da contabilidade da própria sociedade (“era ela quem estava mais por dentro desses assuntos”), sendo também esta argui da quem a depoente interpelou quando teve salários em atraso, apenas tendo abordado tal assunto com o arguido B… numa ocasião em que a primeira se encontrava hospitalizada.
Por último, a testemunha J…, funcionária da sociedade arguida aproximadamente entre os anos de 1996 e 2008, num registo titubeante e claramente comprometido, também identificou apenas o arguido B… como o seu patrão, não obstante reconhecer que foi a arguida C… quem a contratou (negociando todos os contornos do seu contrato) e que era ela quem lhe dava as instruções e quem a orientava no desempenho das suas funções, querendo dar enfase à circunstância de a ver mais como uma colega (porque são ambas técnica oficiais de contas e porque tinha autonomia do exercício de tais funções), sem embargo admitir que a via também como sua superior hierárquica, declarando ainda que sabia que a mesma era sócia-gerente da sociedade arguida e que era a responsável pela contabilidade daquela sociedade, revelando a contragosto, já no final do seu depoimento e a custo, que, actualmente, trabalha na nova sociedade fundada pelo arguido B….
Por conseguinte, da conjugação de todos estes elementos probatórios à luz das mais elementares regras da razoabilidade, da lógica do normal acontecer e da experiência comum, foi possível alcançar a indubitável conclusão de que a arguida C… não só exercia efectivamente funções de gerência efectiva da sociedade arguida, a par do arguido B…, seu marido, como também que a mesma teve pleno conhecimento e vontade de actuar como descrito, tanto mais que a mesma era quem tratava pessoalmente dos assuntos atinentes à contabilidade daquela sociedade, tendo inclusivamente especiais conhecimentos nessas matérias.
Foi ainda tido em conta o teor dos certificados de registo criminal juntos a folhas 437, 438 e a folha ainda não numerada (relativamente à sociedade arguida)» [10].
APRECIANDO
A história penal processual penal das questões recorridas conta-se nos termos seguintes:
Conforme Acusação de 29-9-2014 a fls 384-390 II, B… e C… foram acusados da co-autoria material de um crime doloso consumado de abuso de confiança contra a Segurança Social p.p. pelos arts 107-1-2 e 7-3 do RGIT e 26 do CP e D… foi acusada da responsabilidade criminal da prática de um crime consumado de abuso de confiança contra a Segurança Social p.p. pelos arts 7-1, 12-2 e 107-1-2 do RGIT, tendo por objecto in totum 38 não entregas de 15-4-2007 a 15-5-2010 [11] dos descontos das contribuições relativas aos salários pagos aos trabalhadores e das remunerações dos órgãos estatutários dos 38 meses ininterruptos de MAR 2007 a ABR 2010 inclusive de valores parcelares compreendidos entre 88,49 + 50 € em JAN 2010 e 667,18 + 90,30 € em JAN 2008 totalizando aqueles 13.323,65 e estes mais 2.503.95 = 15.827,60 € como se segue:
Ora a Sentença recorrida condenou B… em 150 dias de multa, C… em 170 dias de multa e D… em 200 dias de multa, todas a 10 € diários, pela prática de um crime doloso consumado de abuso de confiança à Segurança Social tendo por objecto restrito a 24 não entregas consumadas nos dias 15 de cada mês concretamente de 15-4-2007 a 15-3-2009 [12] dos descontos das contribuições relativas a salários pagos a trabalhadores e das remunerações de órgãos estatutários apenas dos 24 meses ininterruptos de MAR 2007 a FEV 2009 inclusive de valores parcelares compreendidos entre 138,80 + 50 € em FEV 2009 e 667,18 + 90,30 € em JAN 2008 totalizando aqueles 11.254,55 e estes mais 1.880,83 = 13.135,38 € como se segue:
Por ter valorado sob «Aspecto jurídico da causa | Questões prévias | Da parcial não punibilidade dos factos imputados aos arguidos» que:
«Os arguidos encontram-se acusados da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.º 3, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho).
No dia 7 de Abril de 2014, no âmbito do inquérito dos presentes autos, foi o arguido B… pessoalmente notificado para proceder ao pagamento das cotizações devidas à Segurança Social e legais acréscimos, nos termos e para os efeitos do preceituado pela alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, aplicável ex vi o nº 2 do artigo 107.º do mesmo diploma legal (cfr. folhas 297).
Por conseguinte, o prazo legal de trinta dias para proceder ao aludido pagamento terminaria no dia 7 de Maio de 2014.
No dia 29 de Abril de 2014, o identificado arguido requereu junto dos Serviços da Segurança Social o pagamento das cotizações relativas ao período compreendido entre Março de 2009 e Abril de 2010, tendo sido, nessa sequência, emitido por aqueles Serviços “documento único de cobrança” no qual se indicava como término do prazo para pagamento o dia 31 de Maio de 2014 (cfr. folhas 343 a 347).
O arguido procedeu ao pagamento das discriminadas cotizações e legais acréscimos no dia 8 de Maio de 2014 (cfr. cópia do recibo de folhas 457).
Assim sendo, não obstante o arguido ter procedido ao aludido pagamento no dia seguinte ao término do prazo iniciado com a notificação que lhe foi endereçada nos termos e para os efeitos do preceituado pela alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, o certo é que o mesmo se predispôs a pagar antes de integralmente transcorrido tal prazo e apenas o fez em momento ulterior por não ter sido atempadamente liquidada a quantia em dívida, pelo que será de considerar tempestivo tal pagamento e, consequentemente, não serão punidos os factos atinentes à não entrega das contribuições não entregues à Segurança Social durante os meses de Março de 2009 a Abril de 2010.
Pelo exposto, ao abrigo do preceituado pela alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, aplicável ex vi o n.º 2 do artigo 107.º do mesmo diploma legal, declaro a não punibilidade das condutas imputadas aos arguidos no período compreendido entre os meses de Março de 2009 a Abril de 2010» [13].
E por ter valorado sob «Aspecto jurídico da causa | Questões prévias | Da prescrição do procedimento criminal» que:
«O arguido B… veio invocar a prescrição do procedimento criminal Analisado o teor da acusação pública constata-se que a conduta que aos arguidos é imputada contende com a omissão da entrega das cotizações devidas à Segurança Social e retidas nos salários pagos aos trabalhadores e órgãos estatutários da sociedade arguida no período compreendido entre Março de 2007 a Abril de 2010.
Ora, enquadrada a factualidade do libelo acusatório e em conformidade com o disposto no preceito legal incriminador, a conduta que ao arguido é imputada é punível com pena de prisão de até três anos [cfr. o disposto no artigo 105.º, do RGIT].
Por conseguinte, o prazo prescricional a considerar é o que resulta da previsão contida no artigo 21.º, n.º 1, do RGIT [sendo certo que não sendo o crime em apreço punido com pena de prisão superior a cinco anos não lhe é aplicável um prazo prescricional superior – cfr. artigo 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal], de acordo com o qual o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática dos factos hajam decorrido cinco anos.
De acordo com a tese propugnada pelo arguido e por via da não punibilidade das condutas compreendidas entre os meses de Março de 2009 e Abril de 2010, o último facto integrante do crime que aos arguidos é imputado teria ocorrido em Fevereiro do ano de 2009 e, como tal, estaria prescrito o respectivo procedimento criminal.
Cumpre apreciar.
Sendo de cinco anos o prazo de prescrição a considerar, importará, pois, determinar se, quanto ao arguido, por força do decurso do aludido prazo, o procedimento criminal se há-de considerar extinto, ou se, pelo contrário, ocorreu algum evento susceptível de obstar à prescrição.
O prazo de prescrição do procedimento criminal, iniciando-se com a consumação do crime (cfr. artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal) – a qual, no caso concreto e nos termos da jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2015, publicado no Diário da República de 19 de Fevereiro de 2015, corresponde ao dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas, conforme dispõe o artigo 5.º, n.º 2, do RGIT –, interrompe-se, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 121.º do Código Penal, com:
a) a constituição de arguido;
b) a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) com a declaração de contumácia;
d) com a notificação do despacho que designa dia para a audiência na ausência do arguido.
Nos termos do disposto no artigo 120.º do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para o juízo não penal;
b) o procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) vigorar a declaração de contumácia;
d) a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) o delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
Afigura-se-nos que, relativamente ao identificado arguido, não se mostra decorrido tal prazo prescricional. | Senão vejamos.
Nos termos da jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2008, publicado no Diário da República, Iª Série, n.º 94, de 15 de Maio de 2008: «A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT)», deixando-se explícito na fundamentação de tal aresto que: «Estamos em crer que é inequívoco o entendimento de que a verdadeira essência das condições objectivas de punibilidade como categoria dogmática autónoma no marco dos pressupostos materiais de punibilidade é, na perspectiva substancial, a sua autonomização em relação á ilicitude. O que sucede dado que esta classe de condições se coloca à margem da conduta ilícita e, consequentemente, a sua verificação vem a colocar em relevo tão somente a questão da necessidade da pena. Nessa sequência, e num plano de conceitos, os elementos do tipo de ilícito e condições objectivas de punibilidade são noções que se excluem mutuamente. Como se referiu, as condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que se encontram em relação directa com o facto mas que não pertencem nem ao tipo de ilícito nem ao de culpa. Constituem pressupostos materiais da punibilidade. (…) As condições objectivas de punibilidade próprias são puras causas de restrição da pena, podendo ser perspectivadas como o contraponto objectivo das causas pessoais de exclusão ou de anulação da pena. Isto porque ainda que se verifiquem o ilícito e a culpa, o legislador rejeita, em determinados casos, a necessidade de pena quando não se verifique uma circunstância ulterior que possa referir-se ao próprio facto, ou à evolução subjacente, e lhe confere uma maior significação na relação com o mundo circundante. (…) São as circunstâncias que devem acrescentar à acção que realiza um ilícito responsável para que se gere a punibilidade e que têm subjacente uma ponderação de finalidades extrapenais que têm prioridade em relação á necessidade da pena. As condições objectivas de punibilidade são, assim, circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o actuar anti jurídico importe consequências penais. São condições em que uma ponderação das finalidades extrapenais tem prioridade em face da necessidade da pena Uma vez que não pertencem ao tipo não se requer que sejam abrangidas nem pelo dolo nem pela negligência, A aparição das condições objectivas de punibilidade é indiferente para o lugar e tempo do facto.».
Caracterizada a nova exigência introduzida na incriminação em apreço pela Lei n.º 53-A/2006, temos por claro que, consubstanciando a mesma tão simplesmente uma condição objectiva de punibilidade, o seu preenchimento apenas tem de se verificar à data da prolação da acusação pública, em nada contendendo a sua não verificação com a validade da instauração do inquérito para apreciação do crime denunciado.
Na verdade, qualquer notícia de crime dá obrigatoriamente lugar à abertura de um inquérito para averiguação da existência do crime e dos seus autores, podendo, obviamente, apurar-se a final que ab initio não existiu qualquer crime, em nada bulindo tal conclusão com a regularidade da instauração de tal processo-crime.
De igual modo, é também possível que no decurso do inquérito se conclua que não estão ainda reunidos todos os pressupostos da punibilidade do facto, nada obstando que se diligencie pelo seu preenchimento já no âmbito do inquérito, concluindo-se pelo arquivamento do inquérito se, nesse seguimento, não for preenchida a materialidade de tais condicionalismos processuais ou – no caso concreto – os agentes aproveitem a benesse legal.
Com relevância para a decisão a proferir, temos então que B… foi constituído arguido no dia 7 de Abril de 2014 (cfr. folhas 290 a 291), pelo que, estando naquele momento ainda em causa a indiciação pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social entre os meses de Março de 2007 a Abril de 2010 e não estando naquela data o prazo prescricional integralmente decorrido, foi tal prazo de prescrição interrompido nessa mesma data [artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal], reiniciando o seu decurso e começando a contar novamente (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal).
Na verdade, sendo certo que as condutas imputadas aos arguidos preenchem múltiplas vezes o tipo do ilícito penal em referência, aos arguidos é apenas imputada (e bem) a prática de um único crime de abuso de confiança contra a segurança social.
Com efeito, de acordo com o que prevê o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal: «O número de crimes determina-se pelo número tipo de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.».
Assim sendo, o concurso de crimes corresponde a uma pluralidade de crimes, não necessariamente a uma pluralidade de actos: o critério do concurso efectivo de crimes assenta na pluralidade de tipos violados pela conduta do agente, equiparando-se na lei os casos de concurso real, em que a conduta se desdobra numa pluralidade de actos, aos de casos de concurso ideal, em que a conduta se analisa num único acto.
Na definição de concurso efectivo de crimes não basta o elemento da pluralidade de bens jurídicos violados, exige-se a pluralidade de juízos de censura, traduzida por uma pluralidade de resoluções autónomas de cometimento dos crimes, em caso de dolo; de resoluções donde derivam as violações do dever de cuidado, caso de negligência). Com um só acto, o agente pode ofender vários interesses jurídicos ou repetidamente o mesmo interesse jurídico. Se a tais ofensas corresponderem outros tantos juízos de censura, verifica-se o concurso efectivo de crimes – real ou ideal.
Portanto, o número de juízos de censura determina-se pelo número de decisões de vontade do agente: uma só resolução, um só acto de vontade, é insusceptível de provocar vários juízos de censura sem desrespeito do princípio ne bis in idem. Por isso, no concurso ideal, sendo a acção exterior uma só, a manifestação da vontade do agente, quer sob a forma de intenção quer de negligência, tem de ser plúrima: tantas manifestações de vontade, tantos juízos de censura, tantos crimes que correspondem a outros tantos bens jurídicos violados.
Ora, tudo isto para dizer que, no caso concreto, muito embora tenhamos várias (trinta e oito) declarações de remunerações entregues pelos arguidos em nome da sociedade arguida à Segurança Social, afigura-se que não podemos divisar outras tantas resoluções criminosas distintas, já que tais declarações correspondem a períodos contributivos sucessivos.
E muito embora se possa sustentar que tais condutas corresponderiam sim a uma continuidade criminosa, remetendo a punição da conduta dos arguidos para o n.º 2 do mencionado inciso legal (artigo 30.º do Código Penal) em conjugação com o artigo 79.º do Código de Processo Penal (por estarmos perante uma plúrima actuação e perante distintas resoluções criminosas, cometidas de modo essencialmente homogéneo), o certo é que tal entendimento seria uma inadmissível concessão à visão naturalística da acção.
Na realidade, para a teoria naturalista, o número de crimes cometidos determina-se pelo número de acções em sentido físico. Mas nem sempre é fácil, a partir de critérios simplesmente naturalísticos saber quando se está perante uma só ou várias condutas, pelo que geralmente se não opera com tais critérios. Assim é que, no artigo 30.°, n.º 1, se adopta o chamado critério teleológico para a determinação do número de crimes – não se parte simplesmente de bases naturalísticas. No plano da doutrina a norma coincide com a posição de Eduardo Correia, segundo a qual: «o número de infracções determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. Pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal. Inversamente, se um só valor é negado, só um crime existirá, já que a especifica negação de valor que no crime se surpreende reúne em uma só actividade todos os elementos o constituem.» (Eduardo Correia, “Direito Criminal”, 1965, página 200).
Donde que, a conduta dos arguidos aqui em apreço deverá ser vista como uma unidade de acção.
A chamada unidade natural de acção revela-se pela realização reiterada do mesmo tipo penal, em sucessão ininterrupta, acompanhada por uma decisão unitária de vontade. As várias actividades homogéneas apenas aumentam o quantum de ilicitude do facto (Wessels) – é o caso paradigmático de na mesma ocasião e lugar o agente subtrair diferentes objectos de donos distintos, praticando um único crime de furto não obstante a sua conduta se desdobrar em várias acções físicas.
Deste modo, certo que com a sua conduta os arguidos violaram o mesmo bem jurídico – o património da Segurança Social – e não sendo possível distinguir várias resoluções criminosas distintas, apenas se pode afirmar a prática de um único crime de abuso de confiança contra a segurança social, tal como se qualificam os factos na acusação pública deduzida nos autos.
Revertendo ao caso dos autos o que vai sendo dito, o prazo prescricional apenas começa a contar na data da prática do último facto da “reiteração” criminosa [artigo 119.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal], pelo que, repita-se, à data da constituição de arguido no dia 7 de Abril de 2014, ainda estaria em curso e foi validamente interrompido com tal acto, em nada sendo afectada a sua eficácia interruptiva com a ulterior não punibilidade de parte dos factos da “continuada” conduta criminosa, até porque, reitere-se, nessa data estaria inegavelmente consumado o crime em causa (e por isso mesmo começa a contar o prazo prescricional desde o término do prazo para cumprimento voluntário da obrigação contributiva de acordo com o já mencionado aresto n.º 2/2015).
Após esta primeira interrupção, o arguido foi notificado da acusação pública contra si deduzida no dia 8 de Outubro de 2014 (cfr. folhas 398), pelo que, a partir de tal data, ficou o prazo prescricional suspenso, ocorrendo também a sua interrupção [artigos 120.º, n.º 1, alínea b), e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal].
Pelo exposto e como já ficou dito, não se mostra alcançado o prazo máximo de prescrição» [14].
Inconformado com o decidido, o Recorrente B… invocou a «excepção dilatória de direito material» nomen «prescrição do procedimento criminal» que cumpre apreciar ab initio por se tratar de «questão prévia» cuja procedência tem efeito impeditivo do conhecimento do mérito do Recurso da impugnação de pontos de facto provados mediante reapreciação da prova gravada ut art 412-3-a-b-4 do CPP. Ora B… excepcionou a sobredita prescrição nos termos seguintes:
«IV – A PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL A – A PRESCRIÇÃO NO CASO DE CONSIDERAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VÁRIOS CRIMES
Defendemos acima que, da prova produzida, resulta a comissão de vários crimes por parte dos arguidos ou a comissão de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social e nunca a comissão do mesmo crime, no âmbito de uma única resolução criminal prévia.
Admitindo a existência de vários crimes de abuso de confiança contra a segurança social, consubstanciados na falta de entrega das quotizações correspondentes a cada uma das declarações de remunerações enviadas, estará o procedimento criminal prescrito? | Entendemos que sim.
O prazo de prescrição do procedimento criminal no caso concreto é de 5 anos, de acordo com o preceituado no artigo 21.º do RGIT (“sendo certo que não sendo o crime em apreço punido com pena de prisão superior a cinco anos não lhe é aplicável um prazo prescricional superior – cfr. artigo 118.º, n.º 1, al. c) do CP”, conforme se diz – e bem – na douta sentença).
Tal prazo prescricional inicia-se a partir do dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para entrega das prestações contributivas devidas, conforme jurisprudência fixada no Ac. do STJ n.º 2/2015, publicado no DR de 19.02.2015.
O recorrente B… (e os demais recorrentes) foi constituído arguido em 7 de Abril de 2014 (cf. fls. 290 e ss. dos autos).
Antes de tal constituição de arguido inexistem quaisquer factos interruptivos ou suspensivos do prazo prescricional do procedimento criminal.
No dito dia 7 de Abril de 2014 foram o arguido B… e a sociedade D…, Lda. notificados para procederem ao pagamento das quotizações devidas à Segurança Social e legais acréscimos, nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT, aplicável por força do artigo 107.º, n.º 2 do mesmo regime jurídico (cf. fls. 297).
Os arguidos B… e C…, como decorre dos factos dados como provados, procederam ao pagamento das quotizações e correspondentes juros de mora referentes ao período de Março de 2009 a Abril de 2010 (cf. alínea i) dos factos dados como provados na douta sentença).
Tal pagamento ocorreu dentro do prazo que foi assinado para o efeito, conforme se reconhece e declara na douta sentença recorrida.
Por essa razão, a Mm.ª Juíza “a quo” declarou na douta sentença a não punibilidade dos factos imputados aos arguidos no período compreendido entre Março de 2009 a Abril de 2010 (cf. decisão constante da dita sentença).
Quer isto significar que a falta de entrega à Segurança Social das quotizações relativas aos períodos de Março de 2009, que deveria ocorrer até ao dia 15 de Abril de 2009, bem como aos períodos seguintes, não são puníveis.
Ora, a verdade é que, desde a data legalmente fixada para entrega à Segurança Social das quotizações relativas aos meses de Março de 2007 a Fevereiro de 2009 (estas últimas a entregar até ao dia 15 de Março de 2009) até à data de constituição de arguido(s) acima referida (7 de Abril de 2014), decorreram mais de cinco anos.
Assim sendo, o procedimento criminal instaurado contra os arguidos encontra-se prescrito.
Ao decidir diversamente, o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 21.º, n.º 1 do RGIT.
B – A PRESCRIÇÃO NO CASO DE CONSIDERAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE UM ÚNICO CRIME COMETIDO AO ABRIGO DE RESOLUÇÃO ÚNICA OU CONTINUADO
Sem prescindir do que antecede, sempre se dirá o seguinte:
Mesmo que se considere que no caso vertente foi cometido apenas um crime (tenha ele sido cometido no âmbito de uma única resolução, ou continuado), entendemos que o presente procedimento criminal se encontra prescrito.
E porquê? Vejamos.
A Mm.ª Juíza “a quo” considerou que, face à existência de um único crime, “o prazo prescricional apenas começa a contar na data da prática do último facto da ‘reiteração’ criminosa (artigo 119.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal), pelo que, repita-se, à data de constituição de arguido no dia 7 de Abril de 2014, ainda estaria em curso e foi validamente interrompido com tal acto, em nada sendo afectada a sua eficácia interruptiva com ulterior não punibilidade de parte dos factos da ‘continuada’ conduta criminosa, até porque, reitere-se, nessa data estaria inegavelmente consumado o crime em causa (…)”.
Ou seja, considerou o Tribunal “a quo” que a não punibilidade dos factos posteriores a Março de 2009 é irrelevante para efeitos de contagem do prazo prescricional.
Com o devido respeito, discordamos de tal conclusão.
Na verdade, é indiscutível que os factos posteriores a Março de 2009 não são puníveis.
De resto, tal foi expressamente reconhecido na douta sentença recorrida na qual se julgou declarar a não punibilidade das condutas imputadas aos arguidos no período compreendido entre os meses de Março de 2009 e Abril de 2010.
Ora, ao reconhecer-se isso, ao declarar-se a não punibilidade desses factos, como pode deles extrair-se consequências no sentido da punição dos arguidos?
Como conciliar – como, na prática, concilia a douta sentença recorrida – a não punibilidade dos factos posteriores a Março de 2009 com a utilização desses mesmos factos (que não são legalmente puníveis – repita-se) para cômputo do prazo prescricional do procedimento criminal?
Há uma incompatibilidade lógica (e legal) entre as duas premissas do problema, ao assumi-las a ambas como verdadeiras - como assume a douta sentença recorrida –, sendo elas contraditórias entre si.
Ou seja, há uma incompatibilidade lógica (e legal) entre a declaração de não punibilidade dos factos posteriores a Março de 2009 e a efectiva e concreta utilização desses mesmíssimos factos para declarar - com base neles, perdoe-se-nos a repetição - a não verificação da prescrição do procedimento criminal.
Dito de outra maneira: como compatibilizar lógica e legalmente a declaração de não punibilidade dos factos posteriores a Março de 2009, por um lado, e, por outro, a sua utilização para efeito do cômputo do prazo de prescrição do procedimento criminal?
No nosso modo de ver, são realidades legalmente incompatíveis.
Queremos com isto demonstrar a impossibilidade legal de utilização dos factos posteriores a Março de 2009 para contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal.
Ao declará-los como não puníveis, entendemos que o Tribunal “a quo” não pode, legalmente, deles lançar mão para efeitos de punição dos arguidos.
Ao fazê-lo – como efectivamente fez – o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 21.º, n.º 1 e 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT.
Devendo, em conformidade, ser revogada a douta sentença recorrida, declarando-se a prescrição do procedimento criminal» [15]. O MP a quo propugnou a improcedência da arguição da prescrição como reportado em sede de Relatório deste Acórdão para onde se remete para simplificação de exposição. Não obstante:
O PROCEDIMENTO CRIMINAL pela autoria material por B… do crime doloso de abuso de confiança à Segurança Social simples p.p. pelos arts 107-1-2, 105-1-7 e 12-1 do RGIT e 47-1 do CP com 1 mês a 3 anos ou 10 a 360 dias de multa tendo por objecto apenas as 24 não entregas consumadas nos dias 15 de cada mês, concretamente de 15-4-2007 a 15-3-2009, dos descontos das contribuições relativas a salários pagos a trabalhadores e remunerações de órgãos estatutários dos 24 meses ininterruptos de MAR 2007 a FEV 2009 inclusive, de valores parcelares compreendidos entre 138,80 + 50 € em FEV 2009 e 667,18 + 90,30 € em JAN 2008 totalizando aqueles 11.254,55 e estes mais 1.880,83 = 13.135,38 € pelo qual B… vem condenado a quo em 150 dias de multa a 10 €, PRESCREVEU em 15-3-2009 + 5 anos = 15-3-2014 porque:
«O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos» utart 21-1 do RGIT; como não contém norma sobre o termo inicial da contagem do prazo, cumpre considerar que «São aplicáveis subsidiariamente: Quanto aos crimes …, as disposições do Código Penal …» utart 3-a do RGIT,designadamente que «O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado» com a actuação do agente ut arts 119-1 e 3-I do CP, mais precisamente que «As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento … em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente …, no caso de omissão, devia ter actuado…» ut art 5-1 do RGIT, mais incisivamente que «As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários» ut art 5-2 do RGIT como in casu de abuso de confiança à Segurança Social porque:
«Numa visão estruturalista do preceito, … a conduta incriminadora consubstancia-se na não entrega à administração fiscal das quantias pecuniárias envolvidas. Significa o exposto que a mesma conduta se traduz numa omissão pura. | Na verdade, o crime de abuso de confiança fiscalconsuma-se com a não entrega dolosa no tempo devido dasquantias deduzidas pelo agente. O n.º 2.º do artigo 5.º doRGIT esclarece que as infracções tributárias omissivas seconsideram pratica das na data em que termine o prazo paracumprimento dos respectivos deveres tributários. | Assim o desenho do crime perfilado no normativo emapreço corresponde a um crime de mera inactividade e,ainda, a uma omissão pura ou própria descrita autonomamentenum tipo legal de crime. | O que está em causa não é a mora, que constitui umamera condição de punibilidade, mas sim a conduta daqueleque perante a administração fiscal, agindo esta no interesse público, omite um dos seus deveres fundamentais na suarelação com o Estado» [16];
Ora, apesar de «O prazo de prescrição interrompe[r]-se e suspende[r]-se nos termos estabelecidos no Código Penal …»ut art 21-4 do RGIT, o crime pelo qual o Recorrente B… e, identicamente, os não Recorrentes C… e D… foram condenados a quo prescreveu em 15-3-2009 + 5 anos = 15-3-2014 porque, dentre o catálogo legal do art 121-1-a-b-c-d do CP de causas de «interrupção da prescrição» e dentre o catálogo legal do art 120-1-a-b-c-d-e-f de causas de «suspensão da prescrição» do procedimento criminal, a primeira que se verificou foi a «constituição de arguido» C… por si e como representante de D… em 31-3-2014 por Termos a fls 315 e 308-309+315-316 e em 17-4-2014 por Termos a fls 43-44 e 46-47 validados pelo MP e B… em 31-3-2014 por Termo a fls 304 e por si e como representante de D… em 07-4-2014 por Termos a fls 23-24 = 290-291 e 27-28 = 294-295 respectivamente validadas pelo MP.
Mercê da conjugação do art 402-2-a do CPP conforme o qual «… o recurso interposto: Por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes» com o art 403-3 do CPP conforme o qual «A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida», a prescrição do procedimento criminal supra decidida quanto ao Recorrente B… é objecto de «extensão subjectiva» a C… e D… por «identidade de razão» de Direito Penal Tributário ou Direito Tributário Penal determinante de «maioria de razão» processual penal.
A C… por «identidade de razão» substantiva com B… porque indistintamente C… e B…, porque gerentes de Direito e de facto de D…, foram CADA um DAQUELES agente não de um «delito de domínio» mas de um «delito de (infracção de) dever»[17] porquanto:
«I. O facto ilícito consiste sempre na ofensa de um bem jurídico. A ordem jurídica pode, porém, impor a tutela do bem jurídico por uma norma proibitiva ou por uma norma preceptiva. Importa-nos agora a norma preceptiva, ou seja aquela norma que impõe um dever de agir para evitar a ofensa do bem jurídico [18].
A omissão é a não execução de determinada acção, o que, porém, não implica uma ausência de comportamento típico. Existe uma conduta positiva, consistente em actividade diversa da que é imposta pela norma, ou negativa, consistente na inactividade, na inércia corpórea, embora o que releve seja o não fazer o que é devido e não a conduta alternativa. Para definir a conduta pressupõe-se o preceito normativo, valorando-se sempre com base na norma se a conduta é aquilo que deveria ser ou se não é conforme aquilo que deveria ser. Só quando o comportamento humano não cumpre a acção imposta pela norma (a acção esperada e devida) [19] estamos perante uma conduta omissiva. Omissão é a expressão sintética de conduta omissiva [20].
Nos crimes omissivos distinguem-se ainda os omissivos puros, próprios ou de simples omissão e os omissivos impróprios, também designados por comissivos por omissão. Naqueles, nos crimes omissivos puros ou próprios, negativa é a acção e negativo é o resultado material da conduta;
nestes, nos crimes omissivos impuros ou impróprios, o resultado é positivo e a acção é negativa.
Em qualquer das espécies de crimes omissivos, próprios ou impróprios, a omissão pressupõe sempre a violação de um dever jurídico de fazer algo. Nos crimes de omissão pura é a omissão de fazer o que a Iei estabelece que é incriminada, ou seja, a lei considera expressamente a omissão como forma típica do facto; os crimes de omissão pura são crimes formais, são crimes sem evento material. Por sua vez, os crimes comissivos por omissão são crimes materiais e o dever do agente consiste em agir para evitar a lesão do bem jurídico que se concretiza na produção do evento material [21].
Os crimes comissivos por omissão, em sentido amplo, ainda se distinguem em crimes comissivos em sentido estrito, que são aqueles em que a conduta omissiva é equiparada por lei à acção causal do evento material, ou seja, àqueles comportamentos positivos que não são descritos expressamente pelo legislador no tipo incriminador e que por isso são objecto de estudo na parte geral (art. 10.°, n° 1, do CP) e cujo dever de agir é imposta a um núcleo restrito de pessoas (os garantes), e os crimes comissivos por omissão expressamente tipificada, que são os que os elementos do tipo (nomeadamente a acção esperada e os possíveis agentes da omissão) constam do tipo legal incriminador [22].
II. Como referimos, nos crimes de omissão pura, negativa é a acção e negativo é o resultado material da conduta, ou seja, a conduta típica consiste precisamente em não fazer o que é devido e a lesão do bem jurídico (evento jurídico) resulta desse não fazer; o não fazer o que a norma impõe é a forma típica do facto. Ora, porque em termos naturalísticos, o nada, o não fazer, não pode causar coisa nenhuma, necessariamente que a omissão não pode produzir por si mesma um evento material, uma alteração do mundo exterior. Na omissão impura negativa é também a acção, mas o resultado é positivo, não que o evento material seja produzido pela omissão, mas por que a lei impõe ao agente um concreto dever de actuar para evitar um concreto resultado material tipificado.
Dissemos já que toda a omissão pressupõe um dever de agir e é esse não agir, essa omissão, que a lei incrimina, ora porque o simples omitir é já em si lesivo do bem jurídico tutelado (crimes formais) ora porque o dever de agir que a lei impunha visava evitar um determinado resultado material (crimes materiais). Nestes, nos crimes materiais a omissão é equiparada à acção, não porque seja a omissão a causadora do resultado, mas porque se a acção imposta tivesse sido praticada o resultado em que se concretiza a ofensa do bem jurídico teria sido evitado.
III. A omissão consiste no não fazer o que é devido e quando o dever de agir recai sobre a empresa/sociedade é geralmente aos seus administradores que compete cumprir o dever que primariamente obriga a empresa. A omissão não é punível salvo se sobre o agente recair o dever de agir, no caso o dever de agir funcionalmente, cumprindo o dever que primariamente é da empresa, mas que, em razão da distribuição de funções no seio da empresa, quando se trata de empresa/sociedade, recai sobre a administração.
As questões que a responsabilidade por omissão suscita no domínio da actividade empresarial respeitam ao dever de agir em nome da empresa, ou seja, sobre a existência do dever por parte da empresa/sociedade, sobre quem recai esse dever no âmbito da sociedade e de modo particular da responsabilidade nos casos de órgãos de composição plural e em caso de delegação de poderes de administração ou de representação.
Na criminalidade empresarial é relevante, no que importa agora aos crimes omissivos puros e aos crimes comissivos por omissão expressamente tipificados, que sobre a sociedade recaia um dever de agir, um dever de praticar um determinado facto e a simples omissão dessa prática constitui o facto típico, na sua vertente objectiva.
Tomemos alguns exemplos no Regime Geral das Infracções Tributárias. Desde logo o crime de desobediência, p.p. pelo art. 90.°. Também os crimes de abuso de confiança fiscal (art. 105.°) e de abuso de confiança contra a segurança social (art. 107.°). Verdadeiramente só o crime de desobediência é de omissão pura, mas também os crimes de abuso de confiança fiscal e contra a segurança social se podem qualificar como de omissão, embora a conduta incriminada seja complexa pois se compõe numa acção (dedução da prestação tributária e da contribuição para a segurança social) e mais uma omissão consistente na não entrega das prestações tributárias e contribuições para a segurança social (deduzidas nos termos da lei).
Ora, e limitando-nos agora aos crimes de abuso de confiança, se as deduções forem feitas pela entidade empregadora e esta for uma sociedade, importa saber quem na sociedade tem o dever de cumprir com as obrigações de entrega das prestações tributárias ou contribuições para a segurança social que forem deduzidas aos contribuintes e esse dever recai sobre a administração da sociedade. Assim, numa primeira análise, é o órgão que tem o dever de agir pela sociedade, mas em dizer-se que é o órgão queremos referir-nos aos respectivos titulares.
IV. Em regra o dever de agir imposto às sociedades recai sobre a sua administração. Pode suceder que normas especiais imponham o dever de agir, para casos limitados, a outros órgãos da sociedade, mas em termos gerais o governo da sociedade pertence à sua administração, que o deve exercer com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade (art. 64.° do CSC) [23].
A função de administração, que cabe aos administradores, abrange o conjunto de actuações materiais e jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas a outros órgãos. A competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à sua administração [24].
Por isso que impendendo sobre a sociedade o dever de agir é à sua administração que cabe cumprir aquele dever, sendo o respectivo titular do órgão responsável a título de dolo ou de negligência consoante a omissão seja dolosa ou negligente [25]» [26].
A D… por «identidade de razão» substantiva porque o facto objectivo e subjectivo tipicamente ilícito e culpável pelo qual B… e D… foram condenados a quo é a mesma autoria material por B… (porque gerente de Direito e de facto d) e D…, por conjugação do nº 1 [«As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo»] com o nº 3 [«A responsabilidade criminal das entidades referidas no nº 1 não exclui a responsabilidade individual dos seus agentes»] do art 7 do RGIT [epigrafado «Responsabilidade das pessoas colectivas e equiparadas»] [27]da qual se extrai o princípio da responsabilidade cumulativa ou paralela de Pessoa Singular e Pessoa Colectiva concomitante, já que indissociavelmente, autoras materiais de um mesmo facto objectivo e subjectivo integrador do crime doloso de abuso de confiança fiscal / à Segurança Social como constitucionalmente admissível [28] e doutrinalmente fundamentado[29];
A C… e a D… também pelo argumento lógico «maioria de razão» uma vez que no caso - menos incisivo que o sub judice - de co-autoria material por duas ou mais Pessoas Singulares de um crime se tem entendido em sede processual penal recursiva que «Quando o recurso do arguido se funda em motivos não estritamente pessoais, o tribunal de recurso tem o dever de retirar oficiosamente da procedência das conclusões do recurso as consequências relativamente às partes da decisão que afectem os co-arguidos não recorrentes acusados em comparticipação ou afectem o responsável civil não recorrente. Mas o tribunal de recurso não tem o dever de retirar essas consequências relativamente às partes das decisões que afectem os co-arguidos não recorrentes que não estão acusados em comparticipação com o arguido recorrente» [30]. O facto de B…-C…-D… terem sido condenados, tal como acusado, por um «crime único» tendo por objecto apenas 24 não entregas consumadas de 15-4-2007 a 15-3-2009, dentre as acusadas 38 não entregas consumadas de 15-4-2007 a 15-5-2010, não obsta à prescrição do procedimento criminal em 15-3-2009 + 5 anos = 15-3-2014 porque:
Diversamente do Direito Penal comum ou de justiça que não contém critério legal de delimitação de actuações como conduta una ou conduta plúrima pelo facto do art 30-1 do CP se quedar pela menção «efectivamente» tout court, diversamente em Direito Penal Tributário ou Direito Tributário Penal existe o critério especial do art 105-7 do RGIT, aplicável directamente no domínio fiscal e por remissão do art 107-2 do RGIT no caso da Segurança Social, de definição do objecto de cada crime doloso de abuso de confiança, seja fiscal ou à Segurança Social, especialmente definido pela «prestação tributária» objecto da «declaração tributária» pelo que a violação da correlativa obrigação contributiva determina o correspondente crime doloso de abuso de confiança, fiscal ou à Segurança Social, sendo questão ulterior dever o agente ser punido por «concurso de crimes», por «crime único» ou por «crime continuado», como for mais justo porque:
O art 105-7 do RGIT conforme o qual «os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devem constar de cada declaração a apresentar à administração tributária» reflecte a consideração da actividade empresarial como um contínuo dinâmico de actos económico-financeiros sob o ponto de vista da aquisição a fornecedores ou prestadores de factores ou meios de produção bem assim do ponto de vista das vendas de bens ou prestações de serviços aos clientes que são geradores, aqueles, de custos como despesas, estes, de proventos como receitas, por que a dinâmica da actividade empresarial perpassa pela decisão de gestão em função de fluxos económico-financeiros, mormente capital e em especial liquidez pecuniária que está efectivamente disponível em cada momento mercê da capacidade daqueles proventos para suportar daquelas aquisições com as decorrentes obrigações legais.
Do ponto de vista do Direito Tributário sendo o número de crimes dolosos de abuso de confiança fiscal determinado pelo número de declarações tributárias pelo facto da vontade do agente ter por objecto o não cumprimento da obrigação legal de pagar o quantum no tempus da obrigação legal de declarar, do ponto de vista do Direito Penal há que considerar o art 30-1 conforme o qual «O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente» bem como o art 30-2 conforme o qual «Constituiu um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente» cuja aplicação é prescrita pelo art 3-a do RGIT conforme o qual «São aplicáveis subsidiariamente: Quanto aos crimes, as disposições do Código Penal».
Ora tem-se por fundamental à realização da Justiça Penal a aplicação do art 30-1 ou do 30-2 do CP ao abrigo do art 3-a do RGIT porquanto, consistindo a actividade empresarial no sobredito contínuo dinâmico de actos económico-financeiros que são praticados ininterruptamente como se não houvesse a sobredita delimitação mais formal do que material do tempus de declarar e pagar mensal ou trimestralmente como in casu, pode suceder que o gestor de facto, que normalmente é o gestor de Direito como o sócio-gerente ou o administrador, decida - não no termo do prazo de cumprimento das obrigações legais de declarar e pagar como é regra mercê do art 105-7 do RGIT mas – um certo dia «não pagar mais vg por não ter liquidez» ou «só pagar vg quando tiver liquidez no termo do prazo» que são outras hipótese que se afiguram serem res tão diversas de facto que são merecedoras de Direito de respostas diversas por não ser possível à Ordem Jurídica reconhecer o mesmo desvalor ético-jurídico a tais duas hipóteses.
Ora como «O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação» ut art 79-1 do CP e que «Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior» ut art 79-2 do CP, releva sobremaneira a ratio do art 30-2 do CP para se precludir o risco de punição indevida por aplicaçãoou nãodo «crime continuado».
Por isso lembra-se que tal figura tem uma origem histórica datada por ter sido construída por EDUARDO CORREIA para coarctar os «excessos punitivos» decorrentes da operação do «sistema de escala de penas» com limites não sobreponíveis do Código Penal de 1886 na versão 1954 que se verificavam mormente nos casos dos «furtos formigueiros» e dos «furtos das empregadas domésticas» como se lembra da nossa História Judiciária, tendo o CP advindo em 01.01.1983 rejeitado tal sistema de determinação da pena abstractamente aplicável e, ademais, adoptado critério amplamente flexível de determinação da pena única do concurso de crimes.
Além da origem histórica datada doutrinal porque judiciariamente, no passado recente a subsistência da figura do «crime continuado» foi devidamente questionada por MARIA DA CONCEIÇÃO VALDÁGUA, As Alterações ao Código Penal de 1995, Relativas ao Crime Continuado, Propostas no Anteprojecto de Revisão do Código Penal, RPCC, 16/4/527, porquanto:
«a) «Mesmo aceitando que no crime continuado existe uma considerável diminuição da culpa do agente, pela razão indicada no art.° 30.°, n.° 2, do CP, a justa punição do crime continuado seria perfeitamente alcançada com a aplicação das regras do concurso de crimes estabelecidas no art.° 77.° do CP». O que significa constituir o regime do artigo 79.° do Código Penal um «benefício injustificado e injusto»; «b) Não parece aceitável a doutrina de EDUARDO CORREIA, baseada na «elasticidade do conceito», segundo a qual os tribunais sempre poderiam «negar ou afirmar a existência da continuação criminosa, mesmo quando se verifiquem, inequivocamente, os requisitos legais dessa continuação», nos casos em que a adopção da mesma desse lugar a situações de injustiça, em benefício do autor do crime continuado, na comparação com o agente do concurso de crimes. De facto, «não se vê como possa justificar-se este regime, nomeadamente quando se tenha em conta que a quintessência do crime continuado consiste numa considerável diminuição da culpa do agente, como inequivocamente decorre do art.°30.°, n.° 2, do CP»; «c) São injustas, em desfavor do agente da continuação criminosa, «as consequências que decorrem daquela figura para a contagem do prazo de extinção do direito de queixa, nos termos do art.° 115.°, n.° 1, do CP», bem como da aplicação do artigo 119.°, n.° 2, b), do mesmo diploma, «a respeito do início do prazo da prescrição do procedimento criminal»; e, «d) A figura em causa dispensa o tribunal de «determinar o número de actos singulares abrangi dos pela continuação criminosa e bem assim de aplicar uma pena a cada um desses actos, como operação prévia semelhante à que necessariamente tem lugar no caso de concurso de crimes» e isso «frequentemente estimula uma falta de rigor na averiguação, comprovação e valoração jurídico-penal dos factos relevantes para o respectivo processo». O que até pode desembocar em «diminuição considerável das possibilidades de defesa do arguido». A Autora a que nos reportamos critica, pois, decididamente, a continuação criminosa, integrando-se na corrente que não apoia a manutenção da mesma» [31].
Mais, no passado recente MARIA DA CONCEIÇÃO CUNHA, na sequência dos ensinamentos magistrais de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, efectuou uma compreensão, para uma aplicação, limitadas do «crime continuado» de EDUARDO CORREIA:
«… o critério, defendido por Figueiredo Dias, da “unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global” [(23) Direito Penal... cit. (2007), V, Cap. 41°, § 26 e ss. - pp. 988 e ss.] parece-nos ter potencialidades para, perante as concretas situações da vida, distinguir com justeza o que deve considerar-se uno do que deve qualificar-se de múltiplo: “O que se tem de contar para determinação da unidade ou pluralidade de crimes não são por uma parte acções externas, como tal indiferentes ao sentido do comportamento; nem por outro lado tipos legais de crime como entidades abstractas, mesmo que concretamente aplicáveis ao caso. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global” [32]Cremos que, segundo esta concepção, vários factores deverão ser considerados, no assumindo cada um deles isoladamente relevância decisiva, mas sendo tomados no seu conjunto e no âmbito das concretas circunstâncias do comportamento em causa, pois é esse conjunto, esse “comporta mento global”, que tem significado segundo um juízo de ilicitude material. [33] Assim, os bens jurídicos afectados, a unidade ou pluralidade de resoluções, a distância ou proximidade espácio-temporal entre as acções, as conexões de sentido entre elas (por exemplo, a relação meio-fim), o modo como tais bens jurídicos, condutas e relações encontram tradução nos tipos legais de crime, a unidade ou pluralidade de vítimas, serão elementos a relevar. De salientar que este último elemento deverá ser considerado decisivo, pelo menos no âmbito dos crimes contra bens eminentemente pessoais » [34].
Por relevar sobremaneira a ratio do art 30-2 do CP para se precludir o risco de uma punição indevida por aplicação ou não do «crime continuado» como se dizia, lembra-se que:
«Pode parecer, face à letra da lei, que se trata de uma real unificação jurídica do crime continuado, e não de uma unificação fictícia para certos e determinados efeitos, que não contende com a autonomia essencial de cada crime cometido em continuação. | Mas não é assim.
Já o nº 5 do art 78º [35] manda aplicar ao crime continuado ou continuação de crimes a pena cor respondente à conduta mais grave que integra a «continuação», isto é, a pena aplicável ao crime mais grave dentre os que são entre si conexos em razão da continuação.
Também a lei versa a matéria do crime continuado conjuntamente com o concurso de crimes. É no concurso de crimes que se situa a matéria do crime continuado, e a sua especificação resulta fundamentalmente da muito menor gravidade da pluralidade de crimes nos casos de continuação, relativamente aos demais. É essa, aliás, a justificação que Eduardo Correia dá do instituto e da sua génese (“Unidade e Pluralidade de Infracções”, passim).
Cada um dos factos em continuação mantém a sua autonomia: a cada um cabe o seu próprio elemento subjectivo, dolo ou negligência, as circunstâncias que o agravam ou atenuam, que excluem a ilicitude ou a culpa. Os efeitos da unificação referem-se a consequências ou efeitos jurídicos, mormente à sanção.
b) A fictícia ou relativa unificação dos crimes em um só crime, para determinados efeitos leva a considerar o crime continuado como uma derrogação dos efeitos do concurso de crimes.
O preceito do nº 2 do art 30º pretende, assim, definir casos de concurso de crimes em que seria injusta ou impossível a aplicação do cúmulo de penas, ou ainda outros efeitos.
Para tanto, descreve o condicionamento necessário para destacar do âmbito do concurso de crimes o crime continuado”.
e) Se o crime continuado constitui uma derrogação ao regime do concurso de crimes, não se quis, contudo, que fosse, no seu sentido próprio, uma excepção ao regime do concurso de crimes. Antes se pretendeu aplicar o regime do concurso dos crimes ou o regime legal do crime continua do, como que em alternativa, consoante a maior justiça de um ou outro no caso concreto.
A razão ou critério de escolha, nos casos de concurso real ou ideal homogéneo (com a extensão que o nº 2 do art 30º lhe dá), estará na «diminuição considerável» da culpa no caso concreto”» [36].
Pelo supra exposto só em momento ou ponto ulterior do raciocínio de subsunção jus penal tributário é que se convoca a questão do ponto de vista do tipo subjectivo da caracterização do dolo da actuação que pode ser unificador como «um crime único» - mercê de «uma única resolução criminosa» do agente - ou «um crime continuado» - por «mero querer hoje talqualmente o que se quis ontem talqualmente o que se quis anteriormente por uma repetição da verificação exterior ao agente de uma causa ou circunstância ou facto ou motivo ou razão que tem de ser diminutiva da culpa material do agente» [37] - de abuso de confiança fiscal porque o tipo objectivo deste define-se previamente pela «prestação tributária» objecto da «declaração tributária», ora in casu a última das 24 jurígenas de responsabilidade penal tributária é a de FEV 2009 com termo do prazo legal da obrigação contributiva em 15-3-2009 prescrita em 15-3-2014 porque a primeira causa de interrupção e a primeira causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal ocorreu em 31-3-2014 quanto aos 3 Arguidos como supra explicitado.
A final, além da revogação das condenações crime a quo pela sobredita prescrição da responsabilidade e procedimentos criminais pelas 24 actuações consistentes numa conduta ininterrupta de 15-4-2007 a 15-3-2009, há que revogar as correlativas condenações civis a quo porque:
Apesar do AUJ 3/2002 de 17-01-2002 in DR I 54 de 05-3-2002 ter uniformizado a Jurisprudência que «Extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311.o do Código de Processo Penal mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste», fê-lo após configuração da hipótese questão «… de saber se extinta a a acção penal por prescrição, em momento posterior à dedução do pedido cível mas antes do julgamento, deve ou não prosseguir o processo para a apreciação do pedido cível» - sublinhado do Relator; ora,
Tal hipótese questão é diversa do caso sub judice em que, ao tempo da Acusação de 29-9-2014 a fls 385-390 II, por maioria de razão, ao tempo da dedução em 28-10-2014 a fls 401-411 II e da prolação em 28-11-2014 a fls 415-416 II do Despacho que designou dia para Audiência ut arts 311 sgs do CPP, o procedimento criminal contra os 3 Arguidos estava extinto por prescrição em 15-3-2014 porque a oblação voluntária da responsabilidade penal tributária - pelo pagamento efectivo em 08-5-2014 do pedido oral reduzido a escrito em 29-4-2014 de emissão só em 06-5-2014 do «documento único de cobrança» com termo para 31-5-2014 de liquidação na sequência da notificação em 31-3-2014 nos termos e para os efeitos do art 105-4-b do RGIT vigente desde 01-01-2009 ut art 115 da Lei 64-A/2008 de 31/12 - restringira de 15-5-2010 para 15-3-2009 o objecto penal processual penalmente possível do abuso de confiança à Segurança Social limitado, seja «concurso de crimes» ou «crime único» ou «crime continuado», de 15-4-2007 a 15-3-2009.
A procedência da «questão prévia» da prescrição do procedimento criminal quanto a B… – C… – D… preclude o conhecimento da «questão recorrida» por JB… do julgamento «não provado» dos segmentos «na execução comum do plano gizado» do FPV d, «na execução do sobredito plano comum» do FPV e e «na prossecução do aludido plano comum concertado» do FPV f e «segundo o plano gizado que previamente delinearam» do FPV g.
DECIDINDO
1. No provimento do Recurso do Arguido B…, revogam-se suas condenações crime e cível e tributária processual penal e civil e expedição de BRC decididas na Sentença de 04-3-2015 a fls 477-503 II, na procedência da «questão prévia» prescrição em 15-3-2014 ut arts 21-1-4 do RGIT e 118 sgs do CP aplicável ut art 3-a do RGIT de responsabilidade e procedimento criminais pela autoria material por B… (como legal representante d) e D…, LDA entre 15-4-2007 e 15-3-2009 de um crime doloso de abuso de confiança simples à Segurança Social da p.p. dos arts 7-3, 107-1-2, 105-1-7 e 12-1 do RGIT e 47-1 do CP.
2. Sem tributaçãout art 513-1 a contrario do CPP mercê da inexistência de decaimento in totum.
3. Mercê da conjugação do art 402-2-a com o art 403-3 do CPP, revogam-se as condenações crime e cível a quo e tributária processual penal e civil e expedição de BRC da Arguida não Recorrente C… decididas na Sentença de 04-3-2015 a fls 477-503 II, na procedência da «questão prévia» prescrição em 15-3-2014 ut arts 21-1-4 do RGIT e 118 sgs do CP aplicável ut art 3-a do RGIT de responsabilidade e procedimento criminais pela autoria material por C… (como legal representante d)e D…, LDA entre 15-4-2007 e 15-3-2009 de um crime doloso de abuso de confiança simples à Segurança Social da p.p. dos arts 7-3, 107-1-2, 105-1-7 e 12-1 do RGIT e 47-1 do CP.
4. Mercê da conjugação do art 402-2-a com o art 403-3 do CPP, revogam-se as condenações crime e cível a quo e tributária processual penal e civil e expedição de BRC da Arguida não Recorrente D…, LDA, decididas na Sentença de 04-3-2015 a fls 477-503 II, na procedência da «questão prévia» prescrição em 15-3-2014 ut arts 21-1-4 do RGIT e 118 sgs do CP aplicável ut art 3-a do RGIT de responsabilidade e procedimento criminais pela autoria material por D… através dos seus legais representantes B… e C… entre 15-4-2007 e 15-3-2009 de um crime doloso de abuso de confiança simples à Segurança Social da p.p. dos arts 7-1, 107-1-2, 105-1-7 e 12-1 do RGIT e 47-1 do CP.
5. Notifique-se Ministério Público e Il Defensor dos 3 Arguidos conforme art 425-6 do CPP.
6. Transitado, para execução do decidido remeta-se o processo a título definitivo ao Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Local de S M Feira.
Porto, 27 de Janeiro de 2015
Castela Rio
Lígia Figueiredo
Francisco Marcolino (com a declaração de que, de acordo com circular do CSM, a decisão de prescrição do procedimento criminal terá de ser comunicada ao CSM)
_________________
[1] Nascido a 08-9-1961 em Paços de Brandão - S M Feira, casado, residente com C… em … - … – S M Feira e infra id por B… unicamente para simplificação de exposição.
[2] Nascida a 09-9-1958 em … – S M Feira, casada, residente com B… em … - … – S M Feira e infra id por C… unicamente para simplificação de exposição.
[3] Pessoa Colectiva ……… com sede em S M Feira e infra id por D… para simplificação de exposição.
[4] Prolatada e depositada em 04-3-2015 ex vi fls. 477-503 e 505 II.
[5] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[6] Delimitadoras de objecto de Recurso e poderes de cognição deste TRP ut consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual sem prejuízo do conhecimento de questão oficiosa verbi gratiae JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ASTJ de 17.9.1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13.5.1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25.6.1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 03.2. 1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28.4.1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01.11.2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Maio de 2008, pág 107.
[7] Conforme copy paste do suporte digital oportunamente disponibilizado.
[8] Conforme copy paste do suporte digital oportunamente .
[9] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[10] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[11] Tais os termos dos prazos legais de cumprimento das obrigações contributivas aplicáveis in casu conforme arts 5-2-3 e 6 do DL 103/80 de 9/5 e 10-2 do DL 199/99 de 8/6 uma vez que só a partir de JAN 2011 a entrega mensal passou a ser efectuada entre o 10º e o 20º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito conforme art 43 do Código dos Regimes Contributivos.
[12] Tais os termos dos prazos legais de cumprimento das obrigações contributivas aplicáveis in casu conforme arts 5-2-3 e 6 do DL 103/80 de 9/5 e 10-2 do DL 199/99 de 8/6 uma vez que só a partir de JAN 2011 a entrega mensal passou a ser efectuada entre o 10º e o 20º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito conforme art 43 do Código dos Regimes Contributivos.
[13] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[14] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[15] Conforme copy paste do suporte digital oportunamente disponibilizado.
[16] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 6/2008 de 09.8.2008 in DR I Série A 94 de 15.5.2008.
[17] Quanto a esta dicotomia, M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO; Código Penal. Parte geral e parte especial, Almedina, Coimbra, 2ª edição, Setembro de 2015, pgs 196-197 a propósito do critério doutrinal e jurisprudencial do «domínio do facto» em sede da comparticipação criminosa, pág 903 quanto à compreensão do crime de «abuso de confiança» como «delito de dever; a característica do delito está na violação de confiança que se contém no relacionamento do qual origina a posse, a relação de fidúcia que intercede entre o agente e o proprietário ou entre o agente e a própria coisa, FIGUEIREDO DIAS, CCCP, II, 1999, p. 95 s.» e pág 1025 quanto à compreensão do crime de «administração danosa» como «um delito de dever “no sentido em que o núcleo do ilícito consiste na confiança depositada pela ordem jurídica na manutenção da integridade de certos deveres assumidos pelo agente do crime”, ANDRÉ LAMAS LEITE, 2012, p.47».
[18] «FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Direito Penal Português, I, p. 241».
[19] «DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal/Parte Geral, I, p. 692».
[20] «COSTA JR., Paulo José da, Comentários ao Código Penal, 5. ed., p. 27».
[21] «GIMHERNAT ORDEIG, Enrique, «La distinción entre delitos propios (puros) y delitos impropios de omisión (o de comisió por omisión), La Ciencia del Derecho Penal ante el Aïuevo Siglo/íihro Homenaje al Profesor Doctor Ðon José Cerezo Mjr (José Luis Díez Ripollés e outros, ed.), Madrid, 2002, p. 697».
[22] «DIAS, Jorge de Figueiredo, ob. cit., pp. 679 ss.; GIMBERNAT ORDEIG, Enrique, ob. cit., p. 706».
[23] Nota do Relator - epigrafado «Deveres fundamentais» conforme o qual: «1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
2 - Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade».
[24] «CORDEIRO, António Menezes, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, p. 369».
[25] «Também no DL n.° 28/84 encontramos tipificados vários crimes de omissão que podem recair sobre a empresa: os arts. 28.°, n.° 1, al. e), 30.° e 34º são exemplos de omissão pura e o art. 36.°, n.° 1, al. b) de omissão impura expressamente tipificada».
[26] GERMANO MARQUES DA SILVA, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Verbo, Lisboa, Dezembro de 2008, pgs 374-378.
[27] Tal como da conjugação do nº 1 [«As pessoas colectivas e equiparadas são responsáveis pelos crimes previstos no presente Regime Jurídico quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no seu interesse»] com o nº 3 [«A responsabilidade das entidades referidas no nº 1 não exclui a responsabilidade individual dos seus agentes»] do art 7 do RJIFNA [epigrafado «Responsabilidade penal das pessoas colectivas e equiparadas»].
[28] GERMANO MARQUES DA SILVA, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Verbo, Lisboa, Dezembro de 2008, pág 279, sintetizou que: «A jurisprudência do Tribunal Constitucional … no sentido que já anteriormente defendemos, ou seja, que o «princípio do non bis in idem contido no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição não obsta a que pelo mesmo facto objectivo venham a ser perseguidas penalmente duas pessoas jurídicas diferentes, sendo também passíveis de sanções diferentes» e a «consagração legal da responsabilidade individual, ao lado da responsabilidade do ente colectivo, porque não implica um duplo julgamento da mesma pessoa pelo mesmo facto, não viola o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição» [183 Cf. Acs. Do TC n.º 212/95, nos Acórdãos, 30.º vol., pág 968; n.ºs 213/95, loc cit., págs. 985 e seguintes, e n.º 569/98, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Novembro de 1999]».
[29] GERMANO MARQUES DA SILVA, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Verbo, Lisboa, Dezembro de 2008, pgs 195-196, explicitou que: «II. A pessoa jurídica é uma realidade construída por analogia com a pessoa humana, pois que, como esta, é dotada de individualidade, permanência, independência externa, porém não substancial, mas aci dental, pois que depende, para existir, dos seres humanos. E mera realidade jurídica, e por isso que como ente puramente jurídico não tem acesso à vida material. A encarnação da pessoa jurídica pressupõe pois a intervenção de uma pessoa física cuja actividade deve juridicamente analisar-se como sendo a da pessoa colectiva. Este objectivo é atingido por meio de uma ficção: a representação. Por isso que o facto pessoal de um ser desencarnado como é a pessoa colectiva se realiza por representação de uma ou várias pessoas físicas qualificadas de órgãos ou representantes, ou seja, mediante uma relação de imputação.
Trata-se de uma ficção, de uma construção técnico-jurídica que encontra nas realidades efectivas a sua base e ao mesmo tempo os seus limites. A pessoa jurídica é uma realidade unitária que actua por intermédio dos seus órgãos e representantes. A denominada vontade colectiva é categoria jurídica justificada através da analogia, não é categoria psicológica; não obstante é realidade espiritual e social. E é também em sentido impróprio, analógico, que os actos dos órgãos da pessoa jurídica são actos desta.
É claro que os princípios em que assenta a responsabilidade penal não são inteiramente coincidentes consoante se trata de pessoas físicas ou de pessoas colectivas, desde logo no que respeita à acção e à culpa. Efectivamente as pessoas colectivas são pura criação do Direito, instrumentos para facilitar a vida de relação, instrumentos que ao fim e ao cabo servem as pessoas físicas que se associam e delas são consequente extensão. Desde, porém, que a comunidade entende que para a tutela dos bens jurídicos não basta a punição das pessoas físicas que perpetram os factos criminosos, mas é também necessário responsabilizar os entes colectivos para quem aquelas funcionalmente actuam, toma-se necessário conformar os princípios do direito penal, construídos todos na base da responsabilidade individual. E é nesta conformação que há-de recorrer-se à analogia.
III. A pessoa colectiva é sujeito activo de direito penal; é destinatária das normas penais, sendo-lhes por isso exigível que actuem conforme às normas de conduta que lhes são dirigidas, mas o grau de exigibilidade é uma decisão normativa que há-de ter em conta o modo especial como essas entidades formam a «própria» vontade.
Assente que a culpa das pessoas colectivas é uma culpa construída na base da culpa dos titulares dos seus órgãos e representantes, não se confunde, porém, necessariamente com estas, é culpa própria da pessoa colectiva e por isso também que possam existir causas de exculpação apenas relevantes para algum dos titulares dos órgãos ou tão-só para a pessoa colectiva. Por isso que o procedimento para a formação da vontade da pessoa colectiva seja decisivo e que não bastem as condições formais da manifestação da vontade para que lhe sejam imputados os actos dos seus órgãos, mas também que ocorram as condições materiais de que a lei faz depender a imputação».
[30] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, UCE, Lisboa, Maio de 2008, pág 1037.
[31] VICTOR DE SÁ PEREIRA (Conselheiro Jubilado), ALEXANDRE LAFAYETTE (Advogado), Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 1ª edição, 2008, pgs 139-140.
[32] «Idem, p. 988. Para mais desenvolvimentos sobre este critério, com referência a diversos exemplos, assim como uma crítica a outras concepções, nomeadamente à naturalista-positivista (número de acções externas), à “unidade natural da acção” e ainda a uma concepção normativista (unidade ou pluralidade de tipos Iegais violados — uma vez que estes exprimem as valorações jurídico-penais; no caso de violações do mesmo tipo legal o critério seria o da unidade ou pluralidade de “juízos de censura”), Idem, V, Cap. 41°, § 8 e ss. - pp. 981 e Cap. 43°, § 5 e ss. - e pp. 1007 e ss.). Note-se que esta última concepção era perfilhada por Eduardo Correia e ainda hoje é seguida pela nossa jurisprudência. Saliente-se que o Autor relaciona o critério da “unidade” ou “pluralidade de juízos de censura” com a “unidade” ou “pluralidade de resoluções criminosas”, atendendo à “conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente” (Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade... cit, esp. pp. 79 e ss. e 108 e ss. e Direito Penal, II, cit., § 10, 35 - pp. 201-202). Todavia, esta tese mereceu alguns reparos por parte de Figueiredo Dias. Para este Autor, Eduardo Correia terá “renunciado cedo demais” a uma “concepção global do tipo” (cf nota seguinte). Ainda sobre estes problemas, questionando a concepção de Eduardo Correia, mormente a irrelevância do número de acções, irrelevância que implicitamente se transformaria em relevância no âmbito do crime continuado, José Moutinho, ob. cit., esp. pp. 120-121. Na verdade, Eduardo Correia pressupõe tal pluralidade de actos, no âmbito do crime continuado, sempre que se refere à “reiteração de condutas” (Pluralidade e unidade... cit., nomeadamente p. 271). Cremos, porém, ser possível evitar a contradição, pois, o facto de o crime continuado pressupor (pelo menos em regra — cf infra) a repetição de actos (e a repetição de resoluções), o facto de esta figura, legalmente construída, ter certas especificidades, não implicará que todo e qualquer concurso de crimes pressuponha tal pluralidade de actos. O que não significa que, no âmbito da referida consideração “do comportamento global”, não se deva ter também em atenção o tipo e número de actos (actividades?) praticados. Porém, esse não nos parece dever ser critério único e decisivo. Bastará pensar no caso clássico de um agente que, com uma bomba, mata duas pessoas (ou mais) ou no caso referido por Figueiredo Dias, do pai que lança o carrinho com os dois gémeos ao rio, para, de acordo com o critério da “unidade ou pluralidade de sentidos sociais da ilicitude”, não nos restarem dúvidas de que estaríamos perante um concurso de crimes (Direito Penal...cit. (2007), V, Cap. 41, § 12 - p. 982). E, em nossa opinião, com todo o acerto; pois, como Figueiredo Dias sublinha, não se vê razão para tratar menos severamente este pai face a um outro que, tendo os bebés em carros separados, desse dois encontrões para os lançar ao rio (Ibidem)]».
[33] «Na verdade, para Figueiredo Dias, só da conjugação dos elementos objectivos do tipo legal (autor, conduta e bem jurídico) e “também da sua ligação ao tipo subjectivo de ilícito” resultaria o “sentido jurídico-social da ilicitude material do facto que o tipo abrange”; assim, todos estes elementos deveriam ser valorados — “e não apenas em si mesmos, mas ainda no sentido que da sua consideração global resulta” - na determinação da “unidade ou pluralidade dos tipos violados”. (Idem, V, 41° Cap., § 22 e 23 - pp. 986-987 e V, Cap. 43°, § 4 - pp. 1006-1007).]».
[34] MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, Questões actuais em torno de uma “vexata quaestio”: o crime continuado”, projecto de artigo facultado aos discentes de Direito Penal de Menores no ano escolar 2009-2010 no Mestrado na área Jurídico-Criminal na Escola de Direito do PRT da UCP, págs 6-7.
[35] Art 79 do Código Penal advindo em 01.10.1995; art 79-1 do Código Penal advindo em 15.9.2007.
[36] MANUEL CAVALEIRO FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Verbo, Lisboa, 3ª edição, Novembro de 1988, pgs 404-406 que ressumam com interesse in casu da explanação sobre a matéria do «crime continuado» a pgs 396-408 para as quais se remete para simplificação de exposição.
[37] M. MIGUEZ GARCIA, J. M. CASTELA RIO; Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, pág 228 reproduzindo o dito no ARP de 22.5.2013 de Castela Rio com Lígia Figueiredo no processo 1713/09.7JAPRT.P1 tendo por objecto a prática entre NOV 1998 e AGO 2009 de oito distintos casos de burla qualificada tantos quantas as diversas Vítimas / Ofendidos / Lesados.