PERTURBAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DE ORGÃO CONSTITUCIONAL
TRIBUNAL
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Sumário

Comete o crime p. p. pelos artºs 334º a) e 333º1 CP, perturbando o normal funcionamento do tribunal, o arguido que com agressividade patente, interrompeu por diversas vezes os depoimentos das testemunhas, elevando a voz e nem sequer respeitou as ordens, nos termos processuais, da Mª Juíza Presidente, para se calar e se comportar devidamente.

Texto Integral

385/11.3T3OBR.P1

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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum Colectivo nº 385/11.3T3OBR, do 6º Juiz, 1ª Secção Criminal, Instância Central da comarca de Aveiro, o arguido B… foi julgado e condenado pela prática, em autoria material, de um crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, previsto nas disposições conjugadas dos Arts. 334º, alínea a) e 333º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Desta decisão, recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso:
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- Nas apontadas circunstâncias de tempo e de lugar, o Arguido B… não cometeu o crime de perturbação de funcionamento de órgão constitucional, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Artigos 334° al. a) e 333°, n.° 1 do Código Penal, tendo no Acórdão o Tribunal condenado o Arguido na pena de um ano e seis meses de prisão, que se suspende no sua execução por igual período nos termos do disposto no art° 50°, ns. 1 e 5 do Código Penal (...)
- Entendemos que: diz o Acórdão que para formar a sua convicção o Tribunal coletivo simplesmente se limita a referir que atendeu-se à "prova documental e à oralmente produzida em audiência de julgamento", "devidamente analisada".
- Entendemos AINDA pelas razões que passaremos adiante a dilucidar e a indicar que essa operação foi feita deficientemente, tanto por defeito como nalguns casos por excesso, cremos - e com o devido RESPEITO que da nossa banda foi, é e sempre será MUITO.
O Tribunal deveria isso sim e quer quanto aos factos dados como provados como aos factos dados como não provados, ter procedido à análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, evidentemente livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras da experiência comum,
- E que decorrente dos diversos Depoimentos das Testemunhas, vale dizer, do efetivo TEOR destes Depoimentos encontramos VERSÕES contraditórias,
- CONCRETAMENTE com a narração e descrição de factos que se apresentam necessariamente, de per se, e no cruzamento necessário com restantes meios de prova em nítido e inevitável confronto, isto é, em oposição frontal,
- Logo, por um lado temos entre os Depoimentos das próprias TESTEMUNHAS DE ACUSACÃO, contradições factuais inultrapassáveis, e que claramente abalam, pela sua dimensão a veracidade, a fiabilidade da versão apresentada pela Acusação.
- MAS POR OUTRO LADO, A VERSÃO apresentada, trazida ao Julgamento pelas Testemunhas de acusação entra em clara e inevitável contradição com a versão apresentada pelas Testemunhas de Defesa.
- Perante uma tal oposição, o texto do Acórdão tinha de identificar em primeiro lugar que o Tribunal ficou perante DUAS VERSÕES opostas dos factos,
- Em segundo lugar, tinha o no seu texto de indicar, claramente, a razão ou razões pelas quais atribuiu primazia a uma das versões.
- Em detrimento de outra, pois trata-se de matéria que é sindicável,
- Ora, o texto do Acórdão limita-se a indicar apenas a primazia,
- sem CONTUDO a fundamentar necessariamente.
- nisso incorrendo o Acórdão num vício de falta de fundamentação, que desde já se requer seja declarado, e suprido,
- entram em contradição as próprias Testemunhas de Acusação, sobre o facto por exemplo de o arguido não ter acatado os avisos que lhe foram comunicados, VIDE, Testemunha C….
- A Testemunho da própria Juíza do Processo (e em questão na própria sessão de julgamento) esta declarou sobre se o arguido interrompeu logo a Testemunha a mesma afirmou "não me recordo ",
- Acerca do acatamento inicial das suas ordens a mesma Juíza declarou: "Eu penso que sim" e acrescenta mesmo a palavra "inicialmente" portanto a própria Juíza do processo atesta que o Arguido acatou as suas ordens embora iniciais,
- Depoimento consentâneo com o de D… que também disse que "acatou primeiramente",
- Assim a Prova Testemunhal produzida contraria a versão do texto do Acórdão que logo na página 1, diz o arguido não acatou os avisos que lhe foram comunicados" e deveria dizer-se antes no próprio texto do Acórdão as ordens, (concretas) todavia não é isso que é dado como provado,
- Aliás este passo do Depoimento da Sr.a Juíza é perfeitamente consentâneo com o Depoimento da Testemunha E…, advogada, que também ela atestou que inicialmente o Arguido "ele sentou-se ",
- Enquadrou devidamente TAMBÉM o estado de espírito do Arguido antes do julgamento dizendo esta Testemunha E… "estava calmo", porque já antes da sessão de julgamento ele lhe dissera que as Testemunhas de Acusação não podiam ser aquelas que ali estavam, pois não foram essas que o fiscalizaram, (mesma citada passagem sonora), e que só começou a ficar nervoso com o teor do Depoimento das duas Testemunhas,
- MAIS esta Testemunha E… atestou em julgamento: "sempre que o Sr.a Dr.a Juíza pediu ao Sr. B… que se calasse ele calou-se acrescentando que "de maneira nenhuma o Arguido tivesse posto em causa o Julgamento "CONTUDO, disse ainda que "nem sempre (a Juíza) lhe disse para se calar ",
- Ao acatar as primeiras ordens, ao sentar-se como a Prova Testemunhal disse que se sentou, o Arguido, não desrespeitou o Tribunal, nem se desinteressou por tais ordens, como INFELIZMENTE se dá como provado no ponto 7 dos factos provados: e bem assim o teor do ponto 20, o que evidencia um erro notório da apreciação da Prova, art° 410°, n° 2 c); e bem assim uma deficiente fundamentação de facto, art°410°, n° 2 a), pois o texto do Acórdão não precisa, não distingue concretamente se foram ordens ou meros avisos, é que para haver desrespeito é necessário que tenha existido previamente uma ordem verbal, clara e precisa, e nisso existe Prova Testemunhal que atesta o acatamento/cumprimento dessas ordens,
- Mesmo que assim não fosse, existem outras circunstâncias relevantes, como o facto do Arguido estar a dirigir-se paro as duas Testemunhas quando lhes falava e não olhar para a Juíza que dirigia a Sessão, pois olhava para C… e D…, VIDE o próprio Depoimento de D… e algo que também foi admitido pelo Depoimento da Juíza F…, diz mesmo esta Testemunha "E provável", prova esta que contraria o ponto 2, 3 e 20 dos factos dados como provados, pois também não é cabal que o Arguido tenha querido, tenha prefigurado, e planeado em execução concertada e pensada impedir o funcionamento do Tribunal, pois do Depoimento de E… é negado tal facto, sendo como é esta uma testemunha presencial dos factos,
- ACERCA DA SAÍDA DA SALA DE AUDIÊNCIA, enquanto a Juíza F… afirma que "tive que solicitar ao segurança para tirar o arguido da sala, a própria Funcionária G…, referiu que "se não recorda desse facto", declarando mesmo a primeira Testemunha F… que "mais do que isso não me consigo recordar',
- Mas a Prova Testemunhal oferecida pela Testemunha Dr.a E… á pergunta se o arguido foi conduzido ou agarrado pelo dito "segurança", disse em Julgamento "não", respondendo mesmo que podia garantir isso "em momento algum ele entrou" (o segurança teve de entrar na sola) "de maneira alguma, não entrou", e facto que o Acórdão simplesmente não atendeu para dar como provado o facto, ou para o discutir criticamente perante uma prova que não é unânime,
- Testemunho consentâneo com as palavras exactas em julgamento de D… que assegurou em Julgamento e sob juramento que o arguido "saiu sempre livremente ", mesmo em relação ao militar D… e se este estaria dentro da sala, ele mesmo frisou "eu julgo que não ",
- MAIS: de acordo com o testemunho da Dr.a E…, também o testemunho de D… esclarece que o arguido "saiu voluntariamente da sala",
- Assim existindo ao nível da Prova uma CONTRADIÇÃO entre as próprias testemunhas de Acusação, e fortalecendo a tese do arguido e suas testemunhas,
- Ora, ainda que assim não fosse a Prova Testemunhal contraria o facto 18 dos factos dados como provados, logo, acarreta um inevitável erro na apreciação da prova, art° 410°, n° 2 c), do Código Processo Penal,
- Aliás existe uma clara e evidente discrepância entre a prova documental ata de Sessão de Julgamento e o Testemunho firmado neste julgamento, e entre as declarações da Juíza e das Testemunhas de Acusação, pois do seu depoimento destas últimas não se pode retirar uma cabal certeza antes uma oposição relativamente a factos centrais, que conhecendo-se ou sendo por elas conhecidos são opostos aos afinal dados como Provado,
- ACERCA DAS EXPRESSÕES que supostamente o Arguido utilizou, a mesma Juíza referiu que "não me recordo de expressões agressivas", VIDE Depoimento de F…, tendo também admitido ter inclusivamente feito outros julgamentos com o mesmo Arguido, ("Eu penso que sim" (disse)- e de não se ter passado qualquer incidente, pois dele se não lembra; o que foi inclusivamente corroborado pela Funcionária G…,
- Logo, e muito concretamente nem o próprio enquadramento jurídico descrito e doutrinalmente invocado na página catorze do Acórdão (último parágrafo) ficou provado fora de qualquer dúvida,
- Portanto o texto do Acórdão apresenta um erro notório na apreciação da prova, pois da prova testemunhal nada se extrai de certo e fidedigno acerca das expressões, pelo que o texto da página nove do Acórdão (Motivação), viola o art°410°, n° 2 c) do Código de Processo Penal,
- ACERCA DA PERTURBAÇÃO CONCRETA DO JULGAMENTO, a Testemunha D… afirmou em Julgamento, que o Arguido "não o perturbou", (o seu testemunho), "não acho que tenha perturbado", mais reconhecendo a própria Procuradora Adjunta também Testemunha que o Arguido se encontrava antes "revoltado", nem tão pouco o D… se Sentiu ameaçado, "que eu me recorde penso que não" e mais á frente diz mesmo o D…, "isso não me condicionou", pelo que a Prova Testemunhal não é esclarecedora fora de toda a dúvida, da atuação do Arguido, e assim contraria o ponto ns. 2 e 3 dos factos provados, pelo que aqui se impunha o reconhecimento de uma dúvida séria sobre os factos, e no limite conferiria um facto não provado e não o contrário como o texto do Acórdão expressa,
- Assim sendo, e segundo a própria prova testemunhal teria que ser dado como provado o ponto n. °2 dos factos dados como não provados, pois o Arguido desde o início da Sessão de Julgamento em crise destacou e identificou imediatamente á sua Advogada Dr.a E… que aqueles militares não o fiscalizaram,
- RELATIVAMENTE AO PONTO 3 DOS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS, o testemunho de H…, apresenta-se todo ele contraditório pois segundo as regras da experiência a tese de que o arguido teria passado as duas viagens do … até … e de … até à … sempre aos murros aos vidros do carro, aos bancos, "dava murros em todo o lado" e sem que por um lado a força policial o tivesse algemado sequer, ela garantiu com certeza que ele não foi algemado VIDE, 21:15 a 21;26 para depois a instâncias da Juíza de Julgamento declarar o contrário,
- E que nem tivesse esta força elaborado relatório policial dessa circunstância, também não se coaduna com as regras da experiência comum, VIDE, depoimento de H…, passagens, respetivas, "não sou eu que o tinha que fazer ",
- Esta Testemunha por um lado descreve os murros mas depois não resiste ao contraditório revelando-se um testemunho completamente inverosímil e se ainda restassem dúvidas, acaba dizendo " não vi' (os murros),
- CONTUDO o militar D…, apresentou uma tese diferente, acrescentando que o arguido ao invés de ter sido agredido se tentou "automutilar" durante as duas viagens, pelo que o tiveram que "segurar as mãos",
- E diz ainda a H… "era eu que ia a conduzir" (o carro que levava o Arguido), apresentando uma justificação anormal "Eu era a mais nova logo conduzo sempre",
- Ora, por confronto com o Testemunho do militar C…, este diz quem ía a conduzir era "o meu colega" referindo-se ao D…,
-Portanto daqui se retira o porquê do constante nervosismo e da alteração de factos narrados na prestação do Depoimento da Sr.a H…,
- ACERCA da FISCALIZAÇÃO propriamente dita, sempre será de concluir que esta testemunha não viu o arguido a conduzir, APESAR DE DIZER que o carro parou a 5 metros de si, porém declarou que já não viu se os seus ocupantes saíram do carro, rematando "não tenho a certeza o que se passou exactamente",
- Contradições essas que a testemunha trata de continuar pois tanto declara que "conseguia ouvir aquilo que se estava a passar do outro lado da estrada", como declara que "não ouvi a conversa entre o C… e o B…",
- Como adianta "eu disse que não sabia precisar onde estava",
- Nem sequer sabe, acaba por dizer em Julgamento onde jurou dizer a verdade, que (fiscalização ao álcool) "não sei quem foi", nem consegue explicar a intervenção do seu colega D… "não consigo explicar", pois admitiu ter feito estar envolvida em várias fiscalizações,
- Portanto, existe erro notório na apreciação da prova, pois as próprias teses e factos sustentados pelas testemunhas de acusação não são consentâneas entre si, e fogem das regras da experiência comum, pelo que alicerçadas em factos nunca o texto do acórdão pelas incongruências que se demonstraram pelas passagens sonoras e aqui sumariamente transcritas, podia referir como refere na página onze, que "depuseram as testemunhas C…, D… e H…, (...) relataram com aparente sinceridade o ocorrido".
- Nem sequer todas estas testemunhas relataram nos seus depoimentos os murros nos assentos do veículo, (tanto que a H… diz mesmo que os não viu),
- Aliás, a testemunha C… diz mesmo que no trajecto para o Hospital se tratou de uma viagem normal, só a insistência do Advogado Defensor do Arguido B… a mesma Testemunha lá acabou por referir não só a paragem em …, como a saída do arguido do veículo da força policial,
- quanto à testemunha I… o texto do Acórdão na sua página doze, identifica-o (ao seu Depoimento) como em contradição com as Testemunhas H…, D… e C…, e pelas incongruências dos Depoimentos destes ENTRE SI, apenas se pode sustentar e identificar que o Acórdão fez uma autêntica relevância negativa da Prova Testemunhal do I…, pois o Acórdão diz atribuir maior credibilidade àqueles militares perante as identificadas (concretamente) incongruências dos seus depoimentos, tal CONSTITUI UM clamoroso ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, reconduzível à violação do art° 410°, n°2 c) do Código de Processo Penal.
- Aliás o Testemunho de I…, contraria o Depoimento de H…, de D… e de C…, colocando dúvidas sérias na Prova utilizada pelo Acórdão para condenar e para firmar credibilidade àquelas 3 testemunhas militares, a exemplo, confirmou o I… que todos os 3 ocupantes saíram do carro; que ouviu a pergunta do militar quem é o dono do carro, que atrás seguia no carro B…, e que quem pegou e estava no volante era afinal J… (amigo do Arguido e deste I…),
- Aliás a Testemunha I… declarou também de forma clara que o Arguido havia vendido o carro porém o condutor J… não o havia registado em seu nome porquanto continuava a ser propriedade do Arguido (Registo Automóvel),
- Muito embora a força policial o tivesse negado, na proporção de agressões, admitiu existirem ou aplicarem AFINAL força física no arguido, VIDE depoimento de H…, D…, e segundo as regras da experiência comum, não se afigura normal o arguido - logo após o episódio com a força policial ficar doente com incapacidade para o trabalho por 12 dias, CONFORME Prova Documental, VIDE ponto nove dos factos dados como não provados, pelo que em nosso entender tal resultou antes num facto provado,
- Declarou a Testemunha K…, "o arguido queixava-se de fortes dores no peito", 04:00 a 04:09 sendo que inclusivamente lhe pediu para o levar para o conduzir ao Hospital, sendo que o dito K… a esta altura não era amigo do Sr. B… cfr., explicou logo no início do seu depoimento, o que foi corroborado por I…,
- Sendo que é este mesmo I… que afirma que o arguido quando entra no carro do Arguido na …, estava "normal",
- RELATIVAMENTE aos pontos 112, 13 e 14 existe uma contradição entre a fundamentação dado existir prova documental do contrário ali afinal dado como não provado, pois nomeadamente a entidade patronal veio a declarar as qualidades do Arguido.
- E nisso estamos perante igualmente um vício previsto no art° 410° n.° 2 alínea a) do C.P.P, ou seja, estamos perante factos provados que são insuficientes para justificar a decisão de direito fixada, Ac. TJ de 98.03.11. Proc. n.º0186/98.
- POIS que além do mais estamos no domínio de Prova Indireta, i.e. não existe prova directa do facto essencial -
- E que, a insuficiência para a decisão do matéria de facto provada alinea a) do n°e 2 do art° 410° do C.P.P, é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito,- POR OUTRO LADO, a insuficiência a decisão da matéria de facto provada a que se refere o artº 410° n.° al. A) do C.P.P. e como dos vícios em matéria de consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre o matéria da causa seja proferida uma decisão segura,
- ASSIM, o teor da Nota n° 76, Manuel Simas Santos, Manuel Leal-Henriques, Recursos Penais, 8" edição, 2011, Editora Rei dos Livros, pp. 75,
- ORA, foi isto e é isto que justamente aqui no caso concreto se verifica,
- Tendo uma tal circunstância - apreciação do mérito do I… DEPOIMENTO do própria Testemunho,- (neste caso negativo, uma vez que tal depoimento é isento) que concorre no confronto com o depoimento dos três militares para o estabelecimento de uma dúvida séria, credível e substantiva ao nível da Prova Testemunhal, que se traduz num favorecimento do Arguido e nunca para o seu prejuízo, em obediência e respeito ao Princípio in Dúbio Pro Reo, dizendo o Prof.Figueiredo Dias que "do facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e portanto não apenas dos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão de ilicitude (...1. de exclusão de culpa (.,.) e de exclusão de pena, bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas "modificativas" ou simplesmente "gerais", Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção de prova tem de actuar em sentido favorável ao Arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado prova completa da circunstância favorável ao Arguido", IN, Direito Processual Penal, Vol., l, P.215,
- Ora, -salvo o devido respeito ao Tribunal- o facto é que entendemos fundadamente que o Tribunal não avaliou correctamente, a factualidade dada como provada em Audiência de Julgamento, e noutros se limitou a dar relevância negativa à Prova nomeadamente Testemunhal' (I…) PORQUANTO são desde logo aqui invocadas os vícios respectivos, e supra explanados, tipificados no art°410°, n.°2, do C.P.P,
- Igualmente atentos os comandos jurídicos inscritos na Constituição da República Portuguesa, mormente artigo 32º, bem como os princípios gerais de direito, desde logo, o Principio da Dignidade Humana, inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como a respectiva -e abundante- JURISPRUDÊNCIA firmada quer pelos Tribunais Nacionais quer pelo ILUSTRE e DIGNO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM, designadamente pela sua vinculatividade derivada da ratificação do Tratado, que pela força do art°8° da Constituição da Republica Portuguesa é direito interno,
- ASSIM, em homenagem à noção de Justiça, aos mais básicos princípios que enformam o sistema jurídico-penal e jurídico-processual português 'Princípio In Dúbio Pro Reo, àquele Princípio da Dignidade do Pessoa Humana/ ao princípio da equidade do processo penal, REQUER-SE ao ILUSTRE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO uma reanálise crítica, uma REAPRECIAÇÃO CRITICA, de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e Julgamento, em especial a Prova Testemunhal em sede de reapreciação pois da matéria de facto gravada, bem como ainda da Prova Documental junta aos Autos, e provas estas QUE FORAM - segundo o teor do Acórdão- livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras da experiência comum,
- Ora, da análise jurídica do texto da Sentença resulta igualmente um vício que a Recorrida invoca e que implica a anulabilidade da decisão e em ordem ao vício ser corrigido pelo Tribunal Superior, o Tribunal da Relação do Porto,
- Em primeiro lugar, dos vícios anteriormente concretamente elencados e devidamente fundamentados, não seria pois admissível de direito verificar o preenchimento dos pressupostos nem objectivos nem subjectivos dos Artigos 334°, al a) e 333°, nº l do Código Penal pois que em nosso entender não foi apurada factualidade para tal desiderato,
- Um tal entendimento, uma tal interpretação do art°31° do Código Penal isoladamente ou em conjugação com o art° 32°da Constituição da República Portuguesa, e bem assim o art°5° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, (Direito à liberdade e segurança), seria pois claramente inconstitucional por violação do principio geral de direito da legalidade
- NUM TAL CASO, que aqui se explanou e se invoca materialmente pois a solução de direito adoptada pela letra do Acórdão recorrido é susceptível de se subsumir justamente a tal hipótese na medida em que se verifica o afastamento completo da solução do funcionamento da figura da Estado de necessidade desculpante, como causa de exclusão da ilicitude do agente, in casu, do Arguido e aqui Recorrente, ou seja, em claro prejuízo da esfera jurídica deste.
- Razões estas pelas quais se não conforma o Recorrente com a Matéria de facto dada como provada na letra do Acórdão recorrido e entende estar-se também aqui perante um Vicio que implica a anulabilidade do Acórdão e que importa impugnar e peticionar pela sua correcção pelo tribunal superior, redundando na verificação do estado de necessidade desculpante e assim não ser condenado o Arguido;
- É que resultando do anteriormente alegado VÍCIO de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e à contradição insanável entre factos, resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, trata-se de um vício grave, impeditivo de bem se decidir no plano objectivo e viciando pois as premissas decisórias inclusivamente - como sempre defendemos e sustentamos- a conclusão de direito,
- Comprometendo por isso a eficácia da decisão aqui tomada,
Em conclusão, o Acórdão de que ora se recorre encontra-se ferido de vícios que, entre outras consequências, importam a sua nulidade ou anulabilidade, nomeadamente:
Deficiente fundamentação de facto para a prolação da douta Sentença;
Erro notório na apreciação da Prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente da Testemunhal;
Relevância negativa da Prova Testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultante nomeadamente do teor do Depoimento das testemunhas I…; E….
Consequentemente, o Arguido não praticou o facto ilícito que o Acórdão recorrido descreve e lhe imputa, e dá como provados, pelo que deve o Tribunal admitir o presente Recurso nomeadamente com reapreciação de prova gravada 411°, n°4, do C.P.P, aceitando-o na sua totalidade e em consequência revogar o Acórdão proferido, substituindo-o nos termos peticionados, por Acordão Absolutório, i.e, absolvendo pois e em consequência o Arguido e aqui Recorrente B…, da prática do crime em que foi condenado.
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A este copioso recurso respondeu o Ministério Público, considerando que o recorrente centra as suas motivações em três pontos, quais sejam os previstos nas 3 alíneas constantes do Art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; erro notório na apreciação da prova. Esta resposta desmonta com brevidade todos estes fundamentos do recurso, concluindo que o acórdão não sofre de nenhum dos três vícios mencionados, antes o seu texto e os factos que o sustentam reflectem de forma escorreita e clara a realidade que resultou do julgamento. Conclui pela improcedência deste recurso.
Já neste Tribunal, no seu parecer, a Senhora Procuradora-geral Adjunta defende também a improcedência do recurso, afirmando que a apreciação e análise crítica das provas foi efectuada com todo o rigor, que não se verifica o vício de insuficiência da matéria de facto, nem se vislumbra erro na apreciação da prova, ou erro de julgamento; por último, também não se verifica qualquer estado de necessidade desculpante, do Art. 35º do Código Penal.
Cumprido foi o disposto no Art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
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Do acórdão recorrido, são estes os factos e a respectiva motivação:
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1. No dia 07.02.2011, no âmbito do Proc. N.º 366/08.4GBOBR, do Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, foi realizada a audiência de julgamento em que B…, aqui arguido, foi julgado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
2. No decurso daquela audiência de julgamento, o arguido, por várias vezes, interrompeu as testemunhas que prestavam declarações acerca dos factos que ali lhe eram imputados, o que fez em tom elevado, agressivo e ameaçador, levantando-se do lugar onde se encontrava sentado, perturbando, dessa forma, o regular funcionamento do Tribunal.
3. Avisado pela Ex.mª Juiz que presidiu àquela audiência que não poderia adotar tal comportamento, e que deveria remeter-se, naquele momento, ao silêncio a fim das testemunhas prestarem o seu depoimento, o arguido não acatou os avisos que lhe foram comunicados, continuando a falar em tom ameaçador, altivo e agressivo, pelo que foi ordenada a sua saída da sala de audiências por duas vezes, como infra se irá descrever.
4. A dada altura, quando C…, um dos militares da GNR que procedeu à fiscalização do arguido que deu origem aqueles autos, estava a prestar declarações, na sequência das perguntas efetuadas pela Sr. Procuradora Adjunta, este respondeu: “Mandei parar uma viatura, que era um Ford …, era um ligeiro de passageiros” (…);Onde esse senhor era o condutor do veículo…(…)”. 5. Perante as declarações prestadas por aquele militar, o arguido levantou-se do seu lugar e, num tom de voz elevado e agressivo, dirigiu-se para aquele militar, dizendo: “Eu estava condutor?”, tendo a Ex.mª Juiz, de imediato, dito “O senhor agora não fala”.
6. Pouco depois, quando foi novamente perguntado pela Sr. Procuradora Adjunta ao militar C…, referindo-se ao arguido: “E era este senhor que ia a conduzir?”, respondeu o militar “Sim, sim.”
7. Nessa altura, o arguido voltou a levantar-se e, no mesmo tom de voz, elevado, ameaçador e agressivo, voltou-se para o militar e perguntou: “EU?”, pelo que, de imediato, foi novamente advertido pela Ex.mª Juiz para se calar ou então teria que sair da sala.
8. No entanto, o arguido não procedeu em conformidade com o que lhe foi comunicado, continuando a falar no mesmo tom, dizendo: “Sim, porque foi ele…não foi ele que me mandou parar. Não foi ele…(…)porque ele está a mentir”.
9. Perante a atitude do arguido, foi novamente perguntado pela Ex.mª Juiz se desejava ir para fora da sala, ao que o arguido não fez caso, não tendo, mesmo assim, parado de falar, continuando a dizer: “Ir lá para fora…eu quero falar (…) ele está a mentir, porque não ele que me parou (…) Foste tu que, foste tu que me mandaste? Foste tu que me mandaste parar? Eu tenho aqui papéis de tudo, tudo… Foste tu que me mandaste para o Hospital? Por que é que está a mentir?”.
10. Tendo novamente a Ex.mª Juiz chamado a atenção do arguido, chamando-o pelo nome, no entanto, este prosseguiu, falando sempre de igual forma, dizendo: “Por que estás a mentir? Eu tenho aqui papéis, tenho aqui tudo, tenho aqui fotografias”.
11. Foi o arguido, uma vez mais, advertido pela Ex.mª Juiz para que o mesmo se calasse, tendo este respondido: “Não vou calar, não vou calar. Eu tenho razão, eu tenho razão”.
12. Perante tal resposta, foi o arguido novamente advertido para se remeter ao silêncio pela Ex.mª Juiz, que lhe comunicou que existiam regras e para se calar, todavia, o arguido continuou no seu intento, sempre com tom elevado de voz, em pé, voltado com postura agressiva para a testemunha C…, dizendo: “Não é andar a dar porrada ao pessoal e depois aceita queixa. Porque não aceitam queixa?”.
13. Nesse momento, foi, então, ordenada pela Ex.mª Juiz a saída do arguido da sala, tendo o arguido continuado a dizer: “Por que não aceitou queixa? Tinha que aceitar queixa. Não aceitou porque está a mentir. Está a mentir (…), não saindo de livre vontade, recusando-se a isso, pelo que foi necessária a intervenção do segurança que prestava serviço naquele Tribunal, que logrou retirar o arguido da sala.
14. Posteriormente, foi ordenado o regresso do arguido à sala de audiência de julgamento, no entanto, quando o outro militar que também efetuou a fiscalização que deu origem àqueles autos prestava declarações, D…, foi também este interrompido pelo arguido, que utilizou novamente um tom de voz exaltado e agressivo, adotando uma postura ameaçadora e arrogante para com aquele militar.
15. Assim, quando aquele militar declarou que os ocupantes do veículo ainda se encontravam no seu interior, o arguido, de imediato, disse: “Não senhor, estávamos lá fora.”, tendo sido advertido uma vez mais pela Ex.mª Juiz que tinha que estar, naquele momento, em silêncio.
16. Todavia, o arguido voltou a não fazer caso do que lhe era comunicado, continuando a dizer: “Estar calado, mas é que (…) Até nem foi ele que me mandou parar, não foi ele. Não foi. Não foi ele que me mandou parar, foi o outro…outra pessoa, baixinha, com óculos”.
17. Nessa altura, atenta a postura novamente adoptada pelo arguido, foi novamente ordenada a sua saída da sala pela Em.xª Juiz, no entanto, o arguido continuou a falar nos moldes supra descritos, dizendo: “Foi baixinha, com óculos, não foi este senhor; E quando mandar parar saímos lá fora do carro, e andaram à procura lá dentro do carro de não sei o quê, depois e que ele perguntou quem é dono de carro. Ele está a Inventar as coisas. Fale aqui a verdade, fale aqui a verdade. Ele está a mentir”.
18. Sendo que o arguido somente parou de falar e saiu da sala, por insistência da Ex.mª Juiz e acompanhado pelo militar C…, que após o termo do seu depoimento permaneceu no interior da sala de audiências.
19. Ao atuar da forma descrita, interrompendo sucessivamente as declarações das testemunhas supra referidas, às mesmas se dirigindo de forma agressiva e num tom elevado de voz, levantando-se do lugar que lhe era destinado, o arguido bem sabia que perturbava ilegitimamente o regular funcionamento da audiência de julgamento e, não obstante, não se absteve de adotar tal comportamento.
20. Bem sabia o arguido que se encontrava perante o Tribunal, órgão de soberania, no decurso de audiência de julgamento onde estava a ser julgado pela prática de crime e, não obstante ter sido advertido, por várias vezes, de que não poderia manter a postura acima descrita, o arguido não respeitou as advertências que lhe foram feitas, fazendo com que a audiência fosse interrompida por duas vezes, demonstrando um total desinteresse pelas advertências de que foi objeto, pretendendo com a sua conduta impedir ou perturbar o livre exercício das funções do Tribunal, o que representou e logrou concretizar.
21. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
22. A audiência de julgamento veio a terminar nesse mesmo dia, sendo então agendada data para a leitura de sentença.
23. O arguido foi assistido no dia 29.06.2008 no Serviço de Urgência do Hospital Distrital de …, pelas 12h52m no episódio de urgência nº ……..
24. Nessa ocasião o arguido teve uma crise conversiva ( vulgo ataque de fúria) em que se atirou para o chão e foi sujeito a exames complementares de diagnóstico (cfr. fls. 556 e 557 que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
25. No relatório de alta de urgência elaborado na sequência desse atendimento consta: “O dt supra citado recorreu ao SU por suposta agressão de que terá resultado traumatismo torácico esquerdo da parede anterior, com queixas dolorosas intensas em repouso. Sem sinais cutâneos de traumatismo, quer torácico quer abdominal.
Radiogarfias do torax e grelha: sem aparentes traços de fractura, derrame ou pneumotórax. Alcoolémia cerca de 5 horas após entrada: 1.1g/dl. Hemodinamicamente estável, com 99% da saturação em ar ambiente. Tolerou dieta instituída. Recomendo: Repouso. Vigilância de evolução. Analgesia conforme necessidade. Pode necessitar de re-avaliação clínica e radiológica”. (docs. de fls. 338 que aqui se dá por integralmente reproduzido).
26. O arguido efetuou o pagamento da taxa moderadora relativa ao episódio de urgência ……. ocorrido a 29.06.2008, relativo à recolha de sangue para exame toxicológico (cfr. fls. 346 e 558)
27. O arguido B… foi assistido a 1 de julho de 2008 no Serviço de Urgência do Hospital de … (episódio de urgência nº …….) tendo pago a respetiva taxa moderadora.
28. O arguido foi consultado no dia 2 de julho de 2008 pela sua médica de família, Sra. Dra. L… em 2.07.2008, data em que lhe foi emitido por esta um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença com data de início a 01.07.2008 e termo a 12.07.2008 (doc. de fls. 345 que aqui se dá por integralmente reproduzido).
29. As filhas do arguido apoiam-no no seu dia-a-dia, manifestando este carinho e admiração por estas.
30. O arguido é tido por quem o conhece como uma pessoa trabalhadora.
31. O arguido trabalha como soldador de ferro na empresa M… sendo considerado como um empregado exemplar, respeitador, cumpridor, e disponível para ajudar os seus colegas.
32. B… é natural da Moldávia onde residiu até 1997.
33. O arguido concluiu nesse país o equivalente ao 12º ano de escolaridade, efetuando dois anos de estágio, após o que iniciou a sua atividade como soldador na construção civil.
34. Em 1997 emigrou para a Grécia e em 1999 emigrou para Portugal, encontrando-se desde 2001 a viver na zona de Águeda.
35. O arguido trabalhou na “N…” depois na O…, na P… e desde janeiro de 2014 está a trabalhar na empresa M…, onde aufere 650,00€ mensais.
36. Vive com a sua cônjuge e duas filhas com respetivamente 20 e 5 anos de idade.
37. A esposa do arguido é empregada de balcão, auferindo 550,00€ mensais.
38. Este agregado familiar vive numa casa que o arguido e a sua esposa adquiriram com recurso a empréstimo bancário, suportando uma prestação de 300,00€ mensais.
39. O arguido dispõe de uma dinâmica familiar equilibrada que assenta num relacionamento afetivo classificado como harmonioso e estável entre os seus elementos.
40. Fazendo fé no declarado pela filha do arguido este a partir de 2009 moderou os seus consumos de álcool.
41. O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado:
42. No processo sumário nº 380/02.3GTAVR do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, por sentença transitada em julgado a 30.09.2002, pela prática a 13.07.2002 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º e 69º do Código Penal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 2,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses, já declarada extinta.
43. No processo comum singular nº 141/02.0TAAGD do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, por sentença transitada em julgado a 12.11.2004, pela prática a 09.03.2002 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º e 69º do Código Penal na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses, já extintas.
44. No processo sumário nº 106/07.5GBAND do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, por sentença transitada em julgado a 30.03.2007, pela prática a 04.03.2007 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º e 69º do Código Penal na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 3,00€, já extinta.
45. No processo comum coletivo nº 662/06.5GBOBR do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, por acórdão transitado em julgado a 03.12.2007, pela prática a 16.12.2006 de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p.p. pelo art. 347º do Código Penal, seis crimes de injúria agravada, p.p. pelos arts., 181º e 184º do Código Penal, seis crimes de ameaça p.p. pelo art. 153º do Código Penal, um crime de dano, p.p. pelo art. 21º do Código Penal e um crime de desobediência, p.p. pelo art. 348º do Código Penal, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão suspensos na sua execução por igual período, sob a condição do arguido pagar metade do valor da indemnização em que foi condenado no prazo de um ano e 270 dias de multa à taxa diária de 6,00€, e ainda pela prática da contra-ordenação p.p. pelo art. 125º, nº 4 7 do CE na coima de 350,00€, já declaradas extintas pelo cumprimento.
46. No processo comum singular nº 360/08.5GTAVR da Comarca de Aveiro, Águeda Instância local secção criminal, Juiz 1, por sentença transitada em julgado a 11.11.2014 pela prática a 03.08.2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º e 69º do Código Penal na pena de 7 meses de prisão a executar por 42 períodos de 36 horas, ai abrigo do disposto no art. 45º, nºs 1, 2, 3 e 4 do Código Penal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um ano.
47. No processo comum singular nº 368/08.4GBOBR, da Comarca do Baixo Vouga, Oliveira do Bairro Juízo de Instância criminal, por sentença transitada em julgado a 24.03.2011, pela prática a 29.06.2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º e 69º do Código Penal na pena de 6 meses de prisão a executar por 36 períodos, ao abrigo do disposto no art. 45º, nºs 1, 2, 3 e 4 do Código Penal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um ano.
Factos não provados:
1. O arguido nunca quis perturbar o funcionamento ou o livre exercício das funções do Tribunal.
2. As testemunhas C… e D…, que depuseram na audiência de julgamento do processo nº 366/08.4GBOBR não eram aquelas que tinham presenciado os factos que narravam e que imputavam ao arguido.
3. O arguido ao proceder como o fez na audiência de julgamento do processo nº 366/08.4GBOBR, defendeu-se de uma mentira que se estava a instalar por via dos depoimentos que estavam a ser prestados.
4. O arguido no decurso da operação de fiscalização que foi alvo sofreu agressões físicas perpetradas pela força policial.
5. O arguido agiu no decurso da audiência de julgamento do processo nº 366/08.4GBOBR como o fez, também por se encontrar indignado contra o que a força policial lhe fizera ao corpo naquela fiscalização de trânsito.
6. O relatório de alta constante a fls. 338 dos autos diga respeito ao episódio de urgência nº ……. efetuado no Hospital de … em 1 de julho de 2008.
7. Os meios complementares de diagnóstico efetuados ao arguido no dia 29.06.2008 tenham resultado como consequência da agressão de que foi vítima por parte da força policial que efetuou a fiscalização de trânsito.
8. A assistência hospitalar no Serviço de Urgência do Hospital de … no dia 1.07.2008 tenha resultado como consequência da agressão de que foi vítima pela força policial que efetuou a fiscalização de trânsito.
9. As lesões no corpo do arguido, perpetradas pela força policial, resultaram numa incapacidade temporária para o trabalho por doença de 12 dias, com início a 1 de julho de 2008 e termo a 12 de julho de 2008.
10. O arguido representou os factos da acusação nos autos nº 366/08.4GBOBR como não verdadeiros e não conformes com a realidade transmitida pelas testemunhas e reagiu sobre eles de imediato, por não se conformar com as afirmações que sabia não serem verdadeiras.
11. O arguido padeça atualmente de problemas de saúde e esteja em processo de divórcio.
12. O arguido ande triste e deprimido o que fez com que tenha exagerado no consumo de álcool, o que tem vindo a superar com a ajuda das filhas que o apoiam nas deslocações à finanças, farmácia, à compras e à segurança social.
13. O arguido no seu trabalho tenha um trato quotidiano afável e conciliador.
14. O arguido nunca foi alvo de um processo disciplinar, nesta empresa nem foi alvo de qualquer advertência por parte dos seus superiores, tendo granjeado a sua amizade, carinho, respeito e consideração.
(Consigna-se que não se consideraram na factualidade provada e não provada os restantes artigos da contestação na medida em que estes continham matéria de direito ou expressões conclusivas.)
Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção tendo em conta a prova documental e a oralmente produzida em audiência de julgamento, devidamente analisada.
Assim, teve-se em conta o teor das transcrições da audiência d e julgamento que teve lugar no dia 07.02.2011, de onde resultam as intervenções do arguido no decurso dos depoimentos das testemunhas C… e D…, bem como as sucessivas advertências que lhe foram feitas pela Senhora Juíza que dirigia a audiência.
Delas se extrai não só as concretas expressões proferidas pelo arguido, como os momentos em que foram ditas, bem como todo o desenrolar do evento, permitindo uma imagem global do ocorrido.
A estas transcrições acrescem os depoimentos das testemunhas C…, D… (ambos militares da GNR que à data se encontravam na audiência de julgamento como testemunhas), Q… e F… - respetivamente a Senhora Procuradora Adjunta e a Senhora Juiz, que tiveram intervenção no julgamento em causa – e G… - a Senhora Escrivã Auxiliar que teve igualmente intervenção na audiência de julgamento – todos com conhecimento direto dos factos e que depuseram de forma consentânea relativamente ao ocorrido.
Todos foram unânimes em referir que foram feitas diversas advertências ao arguido no sentido de este se calar e que apesar disso o arguido prosseguiu sempre interrompendo os respetivos depoimentos.
As testemunhas C… e D… relataram que a Senhora Juiz mandou o arguido acalmar-se por várias vezes - esclarecendo que o arguido se sentava e voltava a levantar, cada vez estava mais alterado -, tendo acabado por o mandar sair da sala.
Aliás, é de ressaltar que a testemunha Q… no seu depoimento referiu que “ela própria como Mº Público não conseguia ouvir as testemunhas porque a voz do arguido se sobrepunha” apenas tendo conseguido ouvir as testemunhas sem interrupções após a saída do arguido da sala de audiências; tendo ainda referido que o arguido gritava e usava um tom de voz agressivo e desafiador, o que é sintomático do comportamento do arguido. Também a testemunha F… referiu que o arguido disse algumas expressões que qualificou como agressivas, que o advertiu várias vezes mas que este prosseguiu com o mesmo comportamento e esclarecendo que teve que interromper o julgamento e pedir a intervenção do segurança para retirar o arguido da sala de audiências, mencionando que esta foi a última alternativa que encontrou porque não conseguia concluir o julgamento.
Também a testemunha G… referiu a circunstância da senhora juiz ter mandado chamar o segurança para retirar o arguido da sala, mencionando que efetivamente o arguido chegou a ser retirado da sala acompanhado pelo segurança.
A testemunha de defesa E… (senhora advogada que interveio na audiência de julgamento em causa) afirmou que o arguido prestou as suas declarações de forma calma, mas que na altura da prestação de depoimento pela testemunha C… se revoltou, mencionado que o arguido se foi calando e sentando e voltando a levantar-se e a falar.
Afirmou ter ideia que apenas no decurso do depoimento da testemunha C… o arguido se revoltou não tendo ideia que tal tivesse ocorrido com o depoimento da testemunha D….
Referiu ainda ter-lhe o arguido afirmado já antes da audiência de julgamento, à chegada das testemunhas que estas não eram quem o havia fiscalizado.
O próprio arguido reconheceu grande parte das expressões que lhe são imputadas, afirmando não se recordar se ao proferir parte destas se levantava e voltava a sentar.
Negou que tivesse sido acompanhado pelo segurança ao sair da sala ou que a testemunha C… igualmente o tivesse acompanhado, reconhecendo que após a prestação do seu depoimento a testemunha C… permaneceu na sala.
Reconheceu ainda que falou naquela audiência de julgamento sem que lhe fosse dada a palavra mas afirmou entender que não houve perturbação da audiência.
Procurou o arguido explicar a razão da sua exaltação que reconduziu ao facto de não ser o condutor da viatura quando foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, de não ter sido a testemunha C… quem procedeu à fiscalização e bem assim ao facto de ter sido agredido no trajeto entre o Hospital de … e a … onde foi deixado pelos militares da GNR a seu pedido.
Nesta matéria depuseram as testemunhas C…, D… e H…, militares da GNR presentes na ação de fiscalização e que procederam ao transporte do arguido para o Hospital (para efetuar a contraprova) e do Hospital para a …, que relataram com aparente sinceridade o ocorrido. Todos afirmaram que o arguido era o condutor do veículo aquando da fiscalização e todos referiram de forma congruente o comportamento do arguido dentro da viatura e no próprio Hospital, mencionando que este dava murros nos assentos do veículo, nos vidros e que no Hospital chegou a dar um murro na parede e numa mesa.
Referiram todos que no trajeto entre o Hospital e a … o arguido pediu para parar por estar indisposto, o que fizeram, durante cerca de 5 minutos, após o que prosseguiram a sua marcha. Negaram que aí tivesse havido qualquer violência física de e para o arguido.
Apesar de na informação de fls. 356 não se fazer referência à Militar H… como integrando a patrulha, o certo é que todos referiram que o fazia juntamente com os militares D… e C…, sendo que o próprio arguido referiu que esta militar ia na viatura no transporte que foi feito para o Hospital e posteriormente para a localidade da … (apenas referindo que não era a condutora).
Relativamente à realização da recolha de sangue efetuada no Hospital depôs a testemunha S…, que todavia, não tinha memória do evento, apenas esclarecendo os procedimentos habitualmente efetuados.
No que concerne à presença do arguido no Hospital no dia 29.06.2008, depôs a testemunha T…, que confirmou o teor de fls. 338, bem como dos documentos entretanto juntos aos autos em audiência d e julgamento (fls. 555 e 556) com exceção do grau de alcoolemia de 1,1 g/dl que corrigiu para 1,1g/l por se tratar de um mero lapso de escrita) e esclareceu o conteúdo dos manuscritos constantes neste último documento, designadamente quando a fls. 556 se refere “que fez crise conversiva”, que esclareceu ser um ataque de fúria em que se atirou para o chão. Referiu que necessitou de se socorrer dos registos então efetuados para poder depor em Tribunal.
O depoimento da testemunha I…, que acompanhava o arguido no veículo aquando da fiscalização surgiu em contradição com o teor dos depoimentos das testemunhas H…, C… e D…, quanto ao facto de não ser o arguido o condutor da viatura naquele momento, tendo o tribunal pela forma como estes últimos depoimentos foram prestados atribuído maior credibilidade.
Aliás, refira-se que não surgiu coerente face às regras da experiência comum que tendo vendido o carro a um outro individuo, que alegadamente o conduzia nessa noite, já em 2007, e tendo este ficado logo na posse do veículo, tenha segundo o afirmou dito aos militares que era o dono do veículo, apenas pela circunstância de segundo declarou à data o dito comprador ainda não ter regularizado a aquisição em termos registrais; nem surge igualmente consentâneo com as regras da experiência comum que pelo simples facto de um individuo afirmar ser o dono do veículo que seja sujeito a exame de pesquisa de álcool no sangue; sendo que na situação presente, os militares afirmaram ter visto o arguido a conduzir o veículo em causa.
No que concerne ao depoimento da testemunha K…, que referiu ter encontrado o arguido quando vinha de … para a … vendo-o a sair do carro da GNR e ficar debruçado sobre o peito razão que o levou a parar e verificar que ele se queixava de dores no peito.
Referiu ainda que levou o arguido no seu veículo à residência deste onde ele mudou de roupa seguindo depois para o Hospital de … onde o deixou à porta da urgência, sem que tenham trocado telemóveis.
Esta testemunha porém, apesar mencionar ter visto o arguido a sair do veículo da GNR já não foi capaz de referir se se tratava de um Jeep ou de um veículo ligeiro, não se recordava da roupa que o arguido trajava e designadamente se esta se encontrava ou não suja.
Ora, tendo apanhado o arguido cerca das 8horas e alguns minutos e tendo este ido a casa apenas para trocar de roupa enquanto a testemunha esperou e de seguida tendo-o levado ao Hospital não se compreende que a entrada do arguido - registada no respetivo episódio de urgência - apenas tenha ocorrido pelas 12h52m (cfr. fls. 555 e 556).
De referir ainda que na contestação apresentada vem esta testemunha identificada como sendo um amigo do arguido que poderia dar conta dos problemas do arguido e do consumo exagerado de álcool por parte deste, sendo que a testemunha referiu expressamente aquando da sua identificação não ser amigo do arguido, nem este ser pessoa do seu relacionamento.
Estas omissões no seu depoimento e a incongruência face aos documentos juntos aos autos levaram a que ao Tribunal surgissem dúvidas sobre a credibilidade do declarado.
No que concerne às condições pessoais e económicas do arguido o Tribunal atentou nas suas declarações conjugadas com o teor do relatório social de fls. 534 a 537 e com os depoimentos das testemunhas U… e V…, respetivamente esposa e filha do arguido. Atentou-se ainda na declaração emitida pela sua entidade patronal e junta a fls. 457.
Tendo em conta, pois, os depoimentos das testemunhas C…, D…, Q… e F… e G… e considerando que não se tratava da primeira vez que o arguido estava a ser submetido a julgamento e que, como tal as regras a cumprir não lhe eram estranhas, e analisando tais elementos à luz das regras da experiência comum foi possível concluir pela forma vertida nos pontos 19 a 21 dos factos provados. De facto, analisando o teor das transcrições com a conduta do arguido que foi advertido várias vezes para a inadequação da sua conduta, de tal forma que acabou por lhe ser determinado quer saísse da sala, e mesmo após regressar a esta voltou a reiterar o seu comportamento não há como não concluir que o arguido sabia que estava a perturbar o regular decurso da audiência, e ainda assim quis levar a cabo tal atuação.
Trata-se, é certo, de uma prova indireta, mas, a situação factual acima referida é suficientemente expressiva e abrangente para permitir afirmar, com segurança e segundo as máximas da experiência comum, a realidade de outro facto (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 210).
Aliás, as situações de funcionamento da prova indireta são inevitáveis no domínio da prova dos elementos da estrutura psicológica da vontade, com exceção obviamente das situações de confissão, pois, o dolo é de natureza subjetiva, e insuscetível de direta apreensão.
O Tribunal considerou ainda o teor do CRC do arguido devidamente analisado.
Os factos não provados resultaram da insuficiência da prova produzida para que se considerasse terem correspondido à realidade vivida, pelas razões acima expostas, ou ainda no que concerne às condições sociais e familiares do arguido por tal não resultar do relatório social realizado ou da prova testemunhal produzida.
*
O Direito.
De forma mesclada, o presente recurso tem 5 vertentes aparentes: a existência de qualquer um dos três vícios do Art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal; o erro de julgamento da matéria de facto, previsto no Art. 412º, nº 3, do mesmo diploma legal; a carência de análise crítica da prova; o princípio in dubio pro reo; o estado de necessidade desculpante.
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Abriremos desde já um parêntesis, para balizar uma questão que se encontra pendente e que não pode fazer confundir os dados pertinentes que nos levarão à decisão deste recurso: lendo e relendo as motivações e as conclusões do recurso, verificamos que o arguido pretende aqui discutir uma vez mais a sua condenação nos autos que deram origem a estes; como é mais que claro, tal não poderá ocorrer, nem a presente decisão versará sobre uma sentença já transitada!
Fechado este parêntesis, entremos no verdadeiro cerne dos problemas.
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Os vícios previstos no Art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
O problema em geral:
Ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito, ou quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria com interesse para a decisão final: Simas Santos e Leal Henriques, Recursos..., 5ª ed. pág. 62.
Verifica-se contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão, quando há uma incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão: aut. e ob. cit., pág. 63; isto é, quando se verifica uma incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente: ob., loc. cit.
Finalmente, consubstancia erro notório na apreciação da prova a falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, talvez melhor por um juiz normal – com a cultura e experiência da vida e dos homens que deve pressupor-se num juiz chamado a apreciar a actividade e os resultados probatórios (na sugestão de Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1968, pág. 50-1), denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si. Há um tal vício quando um homem médio, rectius, um juiz normal, perante o que consta do texto da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova ou das leges artis.
*
Desenvolvendo este tema, dir-se-á:
O Art. 410º do Código Processo Penal, na sua globalidade, consagra o recurso doutrinalmente chamado de revista ampliada, querendo isto significar que o tribunal ad quem – o Tribunal da Relação – mantém intactos os poderes de cognição dos vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo, que contendam com a aprecia­ção do facto.
Concretiza-se este recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico-subsuntivo (alínea a); de verificar uma contradição insanável da fundamentação, sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fun­damentação resulta precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos (alínea b); de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal (alínea c); nisto se concretiza a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no Art. 127º, do Código Processo Penal, quando afirma que «a prova é apreciada segundo as regras da experiência»: Maria João Antunes, RPCC, 1994, 1, pág. 120.
É hoje pacificamente aceite que o erro notório (o vício mais alegado em recursos) é aquele que inquina a decisão em crise, se resultar do próprio texto da sentença, autonomamente analisado em si mesmo, ou em conjugação com as regras de experiência comum: como exemplo, uma patente contradição, um facto provado que nunca o poderia ser, um lapso intrínseco da decisão, um hiato fac­tual; neste sentido, veja-se o Acórdão do S.T.J., de 4.6.1996, publicado no B.M.J., nº 459, pág. 178 (entre muitos outros, sendo esta jurisprudência hoje uniforme).
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Por outro lado, como resulta do próprio texto da norma referida, o vício da alínea a) também apenas pode ser aferido, se resultar da própria decisão em si ou relacionando esta com as regras da experiência. A insuficiência da matéria de facto diz respeito àqueles factos que são objecto do processo e a que o tribunal se encontra vinculado, seja por ter sido alegado pela acusação ou pela defesa, seja porque deve proceder à sua investigação para a descoberta da verdade, na medida em que integrem o núcleo essencial do feito sujeito a julgamento.
Assim só haverá tal vício desde que exista uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação, por parte do julgador, da matéria de facto sujeita à sua apreciação. Este tem sido o entendimento da jurisprudência.
Neste sentido, veja-se o Ac. do S.T.J. de 17.2.2000 (in B.M.J., nº 494, pág. 227) onde se decidiu que “a insuficiência para a decisão da matéria de facto consiste em não bastarem os factos provados para justificarem a decisão proferida, pois, havendo factos nos autos que o tribunal não investigou, embora o pudesse ter feito e ainda ser possível apurá-los, tornam-se necessários para a decisão a proferir”; e ainda o Ac. Rel. Coimbra de 27.10.1999 (Col. Jur., IV, pág. 68).
Assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova, segundo o Art. 127º do Código de Processo Penal; quando o recorrente pretende contrapor a convicção que ele próprio alcançou sobre os factos à convicção que o tribunal colectivo teve sobre os mesmos factos, livremente apreciada segundo as regras da experiência e invocar como vício a alínea a) do nº 2 do artigo 410º, do Código de Processo Penal, está a confundir insuficiência da matéria de facto com a insuficiência da prova para decidir, sendo a sua convicção irrelevante; não ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando, perante os factos assentes, não se vê que haja insuficiência dos mesmos para caracterizar objectiva e subjectivamente o crime em que o arguido foi condenado: Ac. do S.T.J., de 9.12.1998 (B.M.J., nº 482, pág. 68).
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Finalmente, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [alínea b)]: tal contradição tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na sentença proferida.
Assim, no que concerne à primeira variante e como se referiu no Ac. do S.T.J. de 17.2.2000 (B.M.J. nº 494, pág. 227), a contradição insanável da fundamentação verifica-se quando é dado provado e não provado o mesmo facto, acrescentando que não se integra na contradição insanável o não ter sido provado que um certo facto é verdadeiro ou falso, bem como a não prova da veracidade dos factos em causa não provarem a sua falsidade ou ainda a não prova da falsidade não acarretar a veracidade dos factos.
No que concerne à segunda variante e como se alude no Ac. do S.T.J., de 24.11.1998 (B.M.J. nº 481, pág. 350), a contradição insanável da fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação delituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível.
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Sopesada a sentença, no seu texto e na forma como o mesmo foi obtido, observado as já citadas regras da lógica e da experiência comum, conclui-se de forma cristalina e célere que nenhum destes vícios está presente: nem insuficiência, nem contradição, nem erro notório.
Pelo contrário, a mesma demonstra coerência discursiva, clareza e profundidade, contendo os factos necessários à decisão, sem hiatos, nem antinomias, respeitando as regras de obtenção e avaliação da prova e o princípio da livre apreciação – o que aliás se retira com facilidade do extenso texto relativo à motivação da matéria de facto.
Coisa diversa será a discordância do arguido quanto à apreciação da prova, distinta da do Tribunal; porém, é ao Tribunal que compete julgar, fixar o acervo fáctico depois de efectuadas as operações necessárias e decidir.
Em suma, as premissas que constituem o acervo fáctico provado só podem levar à conclusão retirada na decisão, no âmbito dos vícios processuais em estudo.
Sem mais estudo, conclui-se que este fundamento do recurso é improcedente.
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O arguido impugna ainda a matéria de facto, agora na perspectiva do Art. 412º do Código de Processo Penal, indicando os meios de prova nos quais reside a sua discordância com a matéria provada (ainda que sem respeitar com todo o rigor as regras previstas nos nº 3 e nº 4 da referida norma – o que não obstará ao seu conhecimento).
Como nota prévia e fundamental, importa desde já considerar e recordar que o recurso da matéria de facto não representa um novo julgamento (o que só ocorre nos casos restritos de renovação da prova em segunda instância, nos termos do Art. 430º do Código de Processo Penal – que aqui não tem qualquer cabimento!): ele constitui um meio de cura e de tratamento para os eventuais vícios e erros de julgamento em primeira instância, sempre tendo em atenção que este último tribunal julga em condições diversas do tribunal de recurso: a oralidade e a imediação são princípios basilares na recolha dos elementos probatórios; é na primeira instância que, em regra, o juiz se encontra em condições de avaliar a validade e a credibilidade de um documento, ou de um depoimento, quer de um declarante, quer de uma testemunha, quer mesmo de um arguido.
Dependendo o juízo de credibilidade (das provas oralmente produzidas) do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta e não sendo tais predicados apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas apenas através do contacto com as pessoas, é notório e evidente que o tribunal superior, salvo algumas excepções, adoptará o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo; esta linha orientadora de pensamento encontra eco e está hoje traduzida de forma perene na jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina mais avisada e mais marcante.
Por outro lado, estabelece o Art. 127º do Código de Processo Penal:
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Este é o princípio da livre apreciação da prova, peça basilar do nosso sistema jurídico-penal, verdadeira trave mestra do sistema judicial, que não pode ser obnubilada, ainda que comporte limitações.
Este princípio deve ser entendido como o dever de “perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação da prova há-se ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, susceptível de motivação e controle”.
São estas as regras a que esse mecanismo deve obedecer (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 227): a livre apreciação da prova, porque não impressionista nem meramente arbitrária, deverá ter sempre subjacente, tal como encontra eco no Art. 374º, nº 2 do C. P. Penal, uma motivação ou fundamentação, ou seja, os motivos de facto que fundamentam a decisão, os quais não são, nem os factos provados, nem os meios de prova ou os factos probatórios, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de certa forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
Concordando com o que escreveu Maia Gonçalves (Código de Processo Penal anotado, 15ª edição, pág. 318), livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica; no mesmo sentido se decidiu no Ac. do Trib. Const. nº 1165/96, de 19.11, publicado no B.M.J. nº 461, pág. 93.
E ainda na mesma vertente, escreveu também Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, pág. 126): a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Graduando os diversos níveis deste mecanismo temos, numa primeira abordagem, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, que depende e resulta essencialmente da imediação e da oralidade, com intervenção de elementos não racionalmente explicáveis ou definíveis; como exemplo, o valor e a credibilidade que se atribui a um determinado meio de prova, em consonância com o modo como essa prova surge no julgamento e perante o julgador.
Num outro nível, já referente à própria valoração da prova, intervêm as ilações e conclusões que o juiz opera a partir dos diversos meios probatórios; aqui, já estas induções não dependem apenas da supracitada imediação, mas basear-se-ão nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nas razões de ciência.
Esta linhagem de pensamento está hoje vertida e consagrada de forma unânime na jurisprudência dos tribunais.
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Feita esta introdução sobre o mecanismo que leva à formação da convicção, com especial incidência no princípio do livre apreciação da prova, cumpre agora regressar à questão concreta, analisando – dentro destes parâmetros – a sentença recorrida, com especial atenção às provas indicadas nas alegações de recurso.
Não esquecemos, porém, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, antes há-de surgir da análise global de toda a prova produzida, sem o que estaríamos a cindir o mecanismo de fundamentação em átomos desagregados, sem consistência, ou sem homogeneidade.
A apreciação da prova é a pedra de toque que revela a qualidade de quem julga; fazer ressaltar a verdade material é tarefa árdua, complexa e exigente, que alia a experiência de vida, ao bom senso e às regras da lógica e experiência comum; finalmente, deve o juiz sempre colocar-se em posição equidistante das tensões em confronto, construindo a par e passo a verdade que lhe surge, sem nunca abdicar da sua independência e da sua função soberana.
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É certo que, aquando da apreciação do anterior fundamento deste recurso, já se atingiu um patamar de grande solidez quanto aos factos provados e não provados.
E desde já se dirá que não será nunca aceitável colocar em risco a palavra de um titular de Órgão de Soberania, ou sequer tentar impugnar as actas do julgamento que a este deu causa, sem mais: a Senhora Juíza que presidiu ao julgamento original depôs aqui com toda a segurança e não será um qualquer amigo do arguido que poderá fazer estremecer a validade do depoimento daquela.
Nomeadamente, o depoimento da testemunha I… – em quem o recorrente faz tanta fé e pretende ser essencial – mais não é que uma amálgama discursiva favorável ao arguido, mas nada coincidente com a realidade visível; ao contrário do que o recorrente pretende, tal depoimento não foi isento, nem esclarecedor, até porque se refere a factos alheios aos presentes autos!
Pretender que este simples depoimento anula e se sobrepõe a todos os restantes é inaceitável e irrealista, é confundir os conceitos jurídicos, é procurar afastar o tribunal da questão essencial.
E os depoimentos das testemunhas apresentadas na acusação primaram todos pela serenidade, clareza e segurança, pelo que só podiam ser atendidos.
Nesta mesma vertente, as pequenas discordâncias entre as testemunhas que depuseram em nada as prejudicam, nem às suas narrativas; uma exposição dos mesmos factos por várias pessoas contém, necessariamente, pontos diversos: mal seria se os não tivesse.
E de facto, há alguns pontos que não são comuns a todos os depoimentos; porém, no essencial, nas questões fundamentais, todos esses depoimentos (dos agentes policiais) permitiram construir uma imagem global dos acontecimentos e chegar a uma certeza que representa a verdade material: os factos fixados como provados e não provados estribam-se nessas provas, que coincidem no essencial, que são credíveis, coerentes e isentas, que narraram com clareza os factos por si apreendidos directamente, contando todas a mesma realidade factual.
Da mesma forma, ao ouvirmos a gravação da audiência, deparamos com algo que é mais que evidente: o arguido interrompeu por diversas vezes os depoimentos das testemunhas, elevando a voz e nem sequer respeitando as ordens da Juíza presidente, para se calar e se comportar devidamente, nos termos processuais. E ao fazê-lo, usou de agressividade patente.
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Não podemos deixar de anotar um pormenor relevante, que passou despercebido até aqui (repetimos que não vamos questionar a anterior sentença condenatória, ao contrário do pretendido pelo recorrente): o arguido alegou inúmeras vezes que não era o condutor do veículo mandado parar pelos agentes da autoridade; mas também alegou que não foram “aqueles” três agentes, as testemunhas, que lhe levantaram o auto; e a certo momento, diz expressamente, em relação a um dos agentes: “Não foste tu quem me mandou parar!”.
Que outra prova seria necessária para se concluir que era o arguido quem conduzia o veículo, já que deste jeito assumiu que foi mandado parar?
E deste modo, se pretendeu aqui discutir algo claro como água, além de totalmente irrelevante para estes autos.
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Recordando os princípios respeitantes à análise crítica, às regras de determinação e fundamentação do acervo fáctico e ainda ao princípio da livre apreciação da prova, já analisados acima, somos obrigados a concluir deste modo indelével:
Ouvidos os elementos da prova gravada, lidos os documentos, avaliada a motivação e a análise lógica da prova, nada há a criticar ou a alterar: os factos provados e não provados são a transcrição fiel do que ocorreu no julgamento e resultaram num complexo factual escorreito, claro e coerente, que em nada será alterado.
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Neste âmbito, a análise crítica da prova levada a cabo pelo Tribunal recorrido respeitou de modo completo e pleno as regras respectivas: a motivação aqui reproduzida dá a todos os leitores um perfeito conhecimento das razões lógicas que levaram o Tribunal Colectivo a decidir da forma apresentada, quer pela sua correcção, quer pela sua congruência, quer pela sua harmonia e coesão, em obediência às regras que presidem ao princípio da livre apreciação da prova, do Art. 127º do Código de Processo Penal; terá, aliás sido excessiva, mas quod abundat non nocet.
Nada há a criticar a tal operação e a tal motivação factual.
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A talhe de foice, dir-se-á que, em sede de recursos sobre a matéria de facto, o tribunal de segunda instância vai à procura, não de uma nova convicção, mas de saber se a convicção elaborada e expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas, com os demais elementos dos autos, pode apresentar perante si.
É este o sentido da avaliação agora efectuada, com o resultado que nos permite concluir que não pode proceder este segmento do recurso, ficando deste modo definitivamente fixados os factos do acórdão recorrido.
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O princípio in dubio pro reo:
Pretende ainda o recorrente que o acórdão recorrido não respeitou o princípio in dubio pro reo, que solidifica o princípio da presunção de inocência.
Este princípio só seria considerado se o Tribunal tivesse ficado com dúvidas razoáveis, após a produção de todas as provas.
Não ficou, antes concluiu – e bem – ter o arguido praticado os factos relevantes da acusação e integradores do crime pelo qual veio a ser condenado.
E o mesmo se passa aqui, neste Tribunal de recurso: não restam quaisquer dúvidas sobre a culpabilidade do arguido.
E assim, naufraga este bloco do recurso.
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Para finalizar, apreciemos a alegação referente ao alegado estado de necessidade desculpante:
Se bem se entende a pretensão do recorrente (e não é patente), a sua postura durante o julgamento caberia no previsto no Art. 35º do Código Penal, alegando que a sua conduta teria representado uma situação de estado de necessidade desculpante.
O texto da norma citada refere que age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.
Confessamos a nossa perplexidade, ao ler tal alegação!
O arguido estava a ser julgado num Tribunal, Órgão de Soberania a quem compete aplicar a Justiça em nome do Povo, representado por causídico profissionalmente apetrechado para o defender, presidindo por uma Juíza de Direito a quem compete aplicar a lei e policiar a audiência e ainda com a presença de um Procurador da República!
Nenhum direito, nenhuma garantia de defesa lhe foram coarctados, tendo sido respeitados todos os ditames previstos na Constituição da República, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e mais concretamente no Art. 61º do Código de Processo Penal.
Nos termos do Art. 325º, nº 3, do mesmo diploma, durante o julgamento o arguido está sujeito aos deveres de conduta previstos no Art. 324º: respeito pela dignidade do lugar, não prejudicar a regularidade dos trabalhos, a independência de critério e a liberdade de acção dos participantes processuais.
Recordamos aqui o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.11.1997 (www.dgsi.pt, proc. nº 97P029): O órgão de soberania "Tribunais" é uma entidade abstracta que, como tal, embora teoricamente corporizada no respectivo ou respectivos juiz ou juízes, que o represente, funciona como o organismo que constitucionalmente se destina à administração da justiça em nome do povo, nos termos do artigo 205 da Lei Fundamental, e tem natureza complexa, constituída pelos respectivos juízes, funcionários e Ministério Público. É, pois, o funcionamento desse órgão, considerado no seu conjunto, que as disposições legais (artigos 369, do CP de 82 e 334, do CP de 95) visam proteger, independentemente de o tumulto, vozearia ou desordem se verificarem na presença ou fora da presença do respectivo juiz.
Recordemos que durante o seu julgamento, a Senhora Juíza presidente fez valer a regra prevista nos Arts. 325º, nº 4 e 85º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal.
Nada mais se nos oferece dizer sobre o tipo legal e o preenchimento do mesmo pelo recorrente.
Ou seja, para não nos alongarmos com esta questão: alegar o estado de necessidade desculpante para se permitir perturbar uma audiência de julgamento é excessivo, inconveniente e descabido.
O arguido não goza desse benefício, já que os requisitos do estado de necessidade nunca se verificaram: sempre teve ao seu dispor os conselhos do seu advogado e as testemunhas de defesa que apresentou, para além – last but not least – da presença da Juíza que presidiu ao seu julgamento com independência e total isenção!
Permitir uma tal interpretação seria – aqui sim! – uma machadada profunda no Estado de Direito democrático, de que os Tribunais são o esteio.
Não estão, assim, preenchidos minimamente os pressupostos do já citado Art. 35º do Código Penal.
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Com todo este manancial de informação e atendendo ao factualismo provado e aqui definitivamente fixado, urge confirmar na sua plenitude o preenchimento, pelo recorrente, de todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal incriminador: o arguido perturbou, de forma clara, repetida e ilícita, o normal funcionamento do Tribunal, Órgão de Soberania perante o qual foi julgado.
A decisão do acórdão recorrido está rigorosamente fundamentada, analisou todas as provas e todos os factos com sageza e bom senso, integrou os mesmos devidamente dentro do tipo legal respectivo, definiu com precisão as razões e as operações tendentes à aplicação da respectiva punição e decidiu em liberdade pela condenação do recorrente.
Em suma, nenhum dos vícios previstos no Art. 410º. Nº 2, do Código de Processo Penal está presente no acórdão recorrido, a análise crítica da prova é visivelmente exaustiva e completa, não houve erro de julgamento quanto ao acervo de facto, não tem cabimento, nem o princípio in dubio pro reo, nem a figura do estado de necessidade desculpante.
O que significa que todo o recurso do arguido não merece provimento.
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Decisão.
Pelo exposto, acordam nesta Relação em negar provimento ao recurso do arguido.
O recorrente pagará as custas, com taxa de Justiça de 4 UC.
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Porto, 3 de Fevereiro de 2015
Cravo Roxo
Horácio Correia Pinto