INJUNÇÃO DE PAGAMENTO EUROPEIA
OPOSIÇÃO AO REQUERIMENTO
NÃO OBRIGATORIEDADE DA ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA CONTESTAÇÃO
Sumário

I - Nos termos do art. 16º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 1896/2006 o requerido na declaração de oposição ao requerimento de injunção de pagamento europeia não é obrigado a especificar os fundamentos da contestação.
II - A oposição à injunção de pagamento europeia não corresponde assim a uma oposição fundamentada, constituindo apenas uma simples negação do direito invocado pelo requerente de modo a obstar à imediata obtenção por este de título executivo.
III - Passando os autos a ser tramitados como processo comum declarativo, deve ser dada ao requerido a possibilidade de explicitar os fundamentos de facto e de direito em que apoiou a sua oposição.

Texto Integral

Proc. nº 123/14.9 TVPRT-B.P1
Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Local – Secção Cível - J5
Apelação (em separado)
Recorrente: “B…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
“C…, SL”, sociedade com sede …, Valladolid, Espanha veio apresentar requerimento de injunção de pagamento europeia contra “B…, Lda”, com sede na Rua …, Portugal.
A requerida, citada, veio declarar opor-se a esta injunção de pagamento europeia.
Por esse motivo, e face ao disposto no art. 17º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 1896/2006, de 12.12, foi determinado, por despacho de 5.5.2014, que os autos prosseguissem a sua tramitação sob a forma de processo comum declarativo.
A requerida, em 16.2.2015, veio apresentar os fundamentos que justificam a sua oposição à injunção de pagamento europeia requerida pela “C… SL”, articulando o seguinte:
“1º A aqui Requerida acordou com a Requerente o transporte de diversas mercadorias do seu comércio.
2º E acordou o preço de transporte com o funcionário da requerente, tendo o mesmo sido estabelecido em €45,00 por palete, em 06/08/2012 (…).
3º Ora, aconteceu que os serviços de transporte foram incorrectamente facturados, ou seja, nas várias facturas mencionadas no requerimento injuntivo os preços de transporte delas constante não é aquele que foi acordado e fixado entre as partes.
4º De tal facto, reclamou a requerida, por telefone e por escrito, como aliás se confirma de e-mail enviado em 03/01/2013 e que aqui se junta como Doc. 2.
5º Confrontada a requerente com tal diferença do preço estabelecido e solicitada a correcção das facturas, tal não veio a ocorrer.
Sem prescindir,
6º Acresce que, relativamente à factura …..-.., na mesma há referência ao custo de transporte de 37 paletes, porém, apenas deveria ter sido considerado na mesma factura o custo de transporte de 34 paletes, porquanto,
7º A requerente atrasou a entrega das mercadorias tendo esta acordado com a requerida a “oferta” do custo de transporte equivalente a três paletes, como forma de compensação pelo dito atraso. Até porque,
8º Foi do conhecimento da requerente, que esse mesmo atraso implicou a necessidade da requerida contratar um transporte especial com vista à satisfação urgente do cliente em causa, que aguardava a recepção da mercadoria atrasada.
9º Quanto à factura …..-.., a requerida não a aceita, conforme pôde em 03/01/2013 comunicar à requerente porquanto, o transporte aí em causa deveu-se a erro culposo da requerente, uma vez que efectuou a descarga da mercadoria, em local não acordado, sendo que o custo que imputa na dita factura é referente ao transporte da mesma mercadoria dom local errado para aquele efetivamente correto.
Por outro lado,
10º A requerente “perdeu” uma palete de artigo do comércio da requerida, em concreto, 50 embalagens de 20 kilos de artigo “…”, código … …….
11º O artigo em causa tinha o custo de €1.600,00 (mil e seiscentos euros).
12º A aqui requerida facturou à requerente o artigo perdido, que corresponde à factura com o nº FAC …, com data de 28/12/2012, e que deveria ter sido paga na mesma data (…).
13º A aqui requerente recebeu a dita factura, nada tendo reclamado quanto à mesma, sendo porém que até à data não a pagou.
14º É pois a requerida credora da requerente do dito montante de €1.600.00, que deverá ser compensado sobre o crédito desta, que se mostre efetivamente em dívida, em face do supra alegado. Sendo que, insista-se,
15º A requerida não deve o montante peticionado pela requerente no seu requerimento injuntivo.”
Pretende pois que o pedido da requerente seja reduzido ao valor efectivamente em dívida.
Depois, com data de 18.2.2015, foi proferido o seguinte despacho:
“Por força da decisão proferida nos autos de folhas 55/56 os presentes seguem a forma de processo comum declarativo.
Quer o regime do procedimento de injunção de pagamento europeia do Regulamento nº 1896/2006 de 12.12 quer a forma de processo comum declarativo do Código de Processo Civil não está prevista a existência de mais do que uma oposição nos termos do artigo 16º do citado Regulamento.
Pelo exposto, ordeno que seja o requerimento que antecede e intitulado de oposição (…) desentranhado dos autos e que o mesmo não produz nenhum efeito processual.
Custas do incidente a cargo da requerida, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs.”
Inconformada com o decidido, interpôs recurso a requerida, o qual foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A- A manifestação da oposição ao requerimento injuntivo europeu em cumprimento do regulamento nº 1986/2006 de 12/12, jamais se pode ter como uma “oposição” sob o ponto de vista da prática processual do processo comum declarativo.
B- “ A oposição à injunção de pagamento europeia não ocorre no quadro do processo civil comum, não corporiza uma oposição fundamentada, mas tão só uma oposição formal, uma mera negação do direito invocado pelo requerente no seu formulário inicial, de modo que não se destina a servir de enquadramento a uma defesa de mérito, mas apenas a permitir ao requerido contestar o crédito desse modo obviando à imediata obtenção de título executivo pelo requerente, relegando a apreciação do mérito para a acção comum que se seguirá.”
C- Neste sentido, o dito formulário, apenas traz aos autos a manifestação de vontade por parte da requerida, de se opor ao pedido formulado pela requerente, dando causa, a que o processo injuntivo passe a correr termos de acordo com as regras do processo do país onde o mesmo foi interposto.
D- Deve ser concedida à parte, no caso à R. a possibilidade de invocar os fundamentos, de facto e de direito, em que fundamenta a sua oposição (ou Contestação) ao pedido injuntivo.
E- Aliás, ainda que se considerasse que tal manifestação de oposição feita constar do referido formulário, é efetivamente uma verdadeira oposição, na aceção jurídico-processual da palavra, não contendo a mesma, os fundamentos dessa sua oposição, sempre a parte deveria ser convidada a explicitar em que fundamenta essa sua “oposição”, completando a mesma com a invocação de matéria, de facto e de direito.
F- Ao assim não ter sido entendido, deve o douto despacho aqui em crise ser revogado, por violação do disposto da lei do processo, admitindo-se o articulado junto aos autos por parte da recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se tendo o requerido manifestado a sua oposição a requerimento de injunção de pagamento europeia está este impedido, passando os autos a ser tramitados na forma de processo comum, de apresentar articulado em que concretize os fundamentos de facto e de direito em que fundamenta a sua oposição.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso são os que constam do precedente relatório, para o qual se remete.
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Passemos à apreciação jurídica.
O Regulamento (CE) nº 1896/2006, de 12.12, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento, estabelece no seu art. 7º, nº 2 que o respectivo requerimento deve incluir:
a) Os nomes e endereços das partes e, se for caso disso, dos seus representantes, bem como do tribunal a que é apresentado;
b) O montante do crédito, incluindo o crédito principal e, se for caso disso, os juros, as sanções contratuais e os custos;
c) Se forem reclamados juros sobre o crédito, a taxa de juro e o período em relação ao qual os juros são reclamados, salvo se o capital for automaticamente acrescido de juros legais por força da legislação do Estado-Membro de origem;
d) A causa de pedir, incluindo uma descrição das circunstâncias invocadas como fundamento do crédito e, se necessário, dos juros reclamados;
e) Uma descrição das provas que sustentam o pedido;
f) O fundamento da competência judiciária;
g) O carácter transfronteiriço do caso, na acepção do artigo 3º.
O requerido pode, nos termos do art. 16º do mesmo Regulamento apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando para o efeito um formulário, que lhe é entregue juntamente com a injunção (nº 1).
Esta declaração de oposição deve ser enviada pelo requerido no prazo de 30 dias a contar da sua citação ou notificação (nº 2) e nela deve este indicar que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação (nº 3).
Tendo sido tempestivamente apresentada declaração de oposição, a acção prosseguirá nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo (art. 17º, nº 1 do mesmo Regulamento).
Acontece que no caso “sub judice” a “B…, Lda” apresentou declaração de oposição à injunção de pagamento europeia requerida por “C…, SL”, utilizando o formulário normalizado previsto no Regulamento (CE) nº 1896/2006, sem indicar qualquer fundamento de facto ou de direito em que apoiasse essa oposição.
Limitou-se assim a uma sucinta manifestação de oposição ao pedido da requerente, expressa numa única linha com os seguintes dizeres: “Declaro opor-me à injunção de pagamento europeia emitida em …”, o que, como consequência, determinou que a acção passasse a correr termos de acordo com as normas do processo civil comum do Estado-Membro de origem.
Constata-se pois que esta oposição à injunção de pagamento europeia não surge no âmbito do processo civil comum, mas sim em momento anterior, não traduzindo uma oposição devidamente fundamentada, mas apenas uma simples negação do direito que foi invocado pelo requerente ao apresentar o seu requerimento injuntivo nos termos do Regulamento (CE) nº 1896/2006.
Não foi, por isso, uma defesa de mérito e o objectivo que o requerido teve com a sua singela declaração de oposição, emitida em consonância com os arts. 16º e 17º do dito Regulamento, visou tão só obstar a que a requerente, ancorando-se no seu silêncio, pudesse de imediato obter título executivo.
A apreciação do mérito será ulteriormente efectuada no processo comum declarativo que se seguirá.
E se a declaração de oposição da requerida no âmbito do procedimento de injunção não pode, neste caso, ser encarada como verdadeira e própria oposição do ponto de vista do processo comum declarativo, não poderá esta, já no domínio da acção cível, subsequente ao procedimento injuntivo, apresentar os fundamentos de facto e de direito em que apoiou tal oposição?
Entendemos que a resposta a esta questão deverá ser afirmativa.
Com efeito, cremos que a requerida deve ter a possibilidade, nesta nova fase processual, de concretizar as razões que a levaram a opor-se ao requerimento de injunção de pagamento europeia.
Ora, foi precisamente esse o propósito que presidiu à apresentação por parte da requerida do articulado cuja junção aos autos aqui se discute, onde descreveu diversos factos que na sua perspectiva levariam à redução do valor em dívida.
Não se vê, por isso, motivo para ordenar o desentranhamento de tal articulado.
Aliás, se a requerida não o tivesse apresentado, impor-se-ia até que o Mmº Juiz titular dos autos a tivesse convidado a aperfeiçoar a sua oposição, manifestamente insuficiente, complementando-a com a indicação das razões de facto e de direito que a justificaram (cfr. arts. 6º e 590º, nºs 2, al. b) e 4 do Cód. do Proc. Civil).
Deste modo, o recurso interposto é de julgar procedente.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- Nos termos do art. 16º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 1896/2006 o requerido na declaração de oposição ao requerimento de injunção de pagamento europeia não é obrigado a especificar os fundamentos da contestação.
- A oposição à injunção de pagamento europeia não corresponde assim a uma oposição fundamentada, constituindo apenas uma simples negação do direito invocado pelo requerente de modo a obstar à imediata obtenção por este de título executivo.
- Passando os autos a ser tramitados como processo comum declarativo, deve ser dada ao requerido a possibilidade de explicitar os fundamentos de facto e de direito em que apoiou a sua oposição.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerida “B…, Lda.” e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que admite a junção aos autos do articulado no qual a requerida explicita os fundamentos que justificaram a sua oposição à injunção de pagamento europeia apresentada pela requerente “C… SL”.
Sem custas.

Porto, 10.2.2016
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira