PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
Sumário

I - A aplicação do regime jurídico da predisposição patológica consagrado no artigo 11º/1 da LAT/2009, exige a alegação e prova de que: i) o sinistrado padecia de anomalia no seu organismo que o tornava propenso a determinadas doenças, lesões ou perturbações funcionais; ii) ocorreu um dado acidente causalmente desencadeador de uma daquelas doenças, lesões ou perturbações funcionais que, não fora aquela anomalia, não se teriam produzido.
II - A aplicação do regime jurídico do artigo 11º/2 da LAT/2009, exige a alegação e prova de que: i) uma lesão ou doença consecutiva a um acidente de trabalho é agravada por lesão ou doença anterior ao mesmo acidente; ii) uma lesão ou doença anterior ao acidente é agravada por este.

Texto Integral

Apelação 636/12.7T4AVR.P1

Autor: B…
: C…, S.A.

Relator: Jorge Manuel Loureiro
1º adjunto: Joaquim Jerónimo Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

O autor propôs contra a ré a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, peticionando a condenação desta, enquanto responsável pelo acidente de trabalho que sofreu e que descreve na petição, a pagar-lhe:
- a quantia de € 8.668,44 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho;
- a pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada em função da incapacidade permanente parcial para o trabalho a fixar na junta médica;
- todas as despesas referentes a medicamentos, consultas, internamento e tratamentos médicos e fisioterapêuticos que realizar, por força das lesões e sequelas resultantes do acidente;
- juros vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde da data do acidente.
Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que no dia 20/12/2011, sofreu um acidente que deveria qualificar-se como de trabalho, em resultado do qual sofreu as consequências que melhor descreve na petição, razão pela qual deveria responsabilizar-se a ré, enquanto seguradora para quem estava transferida a responsabilidade civil emergente daquele acidente, pela reparação infortunística devida, nos exactos termos em que é peticionada.
Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, pois, em resumo, não aceita a existência de um acidente, nem a sua caracterização como de trabalho, porquanto não existe relação de causalidade entre as lesões que o sinistrado apresenta e o acidente relatado na petição, sendo aquelas lesões produto de doença natural de que o autor padecia.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, decide-se :
1º- Que o A. sofreu um acidente de trabalho no dia 20.12.2011 em consequência do qual esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho até ao dia 1.3.2012, data em que ficou curado sem qualquer incapacidade permanente, sendo a R. responsável pela reparação legal mercê do contrato de seguro celebrado com a entidade empregadora.
2º- Absolver a R. dos demais pedidos formulados.”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A.
Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
B.
Consideramos incorrectamente julgados os pontos melhor identificados na motivação do presente Recurso, nomeadamente os Pontos 5.º, 6.º, 8.º, 9.º e 10.º da douta Sentença recorrida, assinalados na fundamentação do presente Recurso. De facto, tais pontos devem considerar-se incorrectamente julgados, devendo antes tal matéria ser dada como não provada, impondo, consequentemente, decisão diferente da recorrida.
C.
Em contrapartida, deve ser dado como provado que o mecanismo descrito para o acidente de trabalho (o taipal escorregar para o lado direito e o sinistrado efectuar o movimento rotativo com o braço para puxar o taipal) é susceptível de provocar a rotura do tendão do supra espinhoso.
D.
Não poderia ter sido dado como provado os pontos 5., 6., 8., 9. e 10. da matéria de facto, porquanto não foi produzida qualquer prova que permita sustentar tais factos, pois conforme resulta da ecografia do ombro esquerdo a fls. 35, realizada em 05/01/2012, que mostra uma rotura parcial de espessura completa do tendão do músculo supra-espinhoso, bem como a ressonância magnética constante de fls. 42, efectuada em 24/02/2012, a qual apresenta as mesmas lesões, em nenhum dos exames efectuados é referida qualquer entorse. Também dos depoimentos do perito Dr. E… (vide depoimento de 14/05/2015, 06m12s, 06m27s, 07m06s, 07m43s, 10m51s, 13m46s, supra transcritos que por uma questão de economia processual se dão aqui por inteiramente reproduzidos), como do depoimento do perito Dr. F… (vide depoimento de 09/06/2015, 01m28s, 04m10s, 06m30s, supra transcrito que por uma questão de economia processual se dão aqui por inteiramente reproduzidos), e ainda do depoimento das testemunhas G… (vide depoimento de 14/05/2015, 02m14s, 04m02s, 04m58s) e H… e do próprio sinistrado (vide depoimento de 14/05/2015, 02m30s, 03m08s, 03m14s, 05m19s, 05m48s, 14m10s), consideramos que se mostra provado, sem sombra de dúvida, que o ora recorrente não apresentava qualquer patologia ao nível do ombro esquerdo antes do acidente ocorrido em 20/12/2011.
E.
Pelo que, salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, estamos convictos de que deveria ter sido dado como provado que o recorrente não apresentava alterações degenerativas hipertróficas na articulação acrómio-clavicular.
E que apresenta sequelas que lhe determinam incapacidade permanente para o trabalho em consequência do evento ocorrido no dia 20/12/2011.
F.
Estamos convictos de que deveria ter sido dado como provado tanto o quesito 3.º como o quesito 4.º da base instrutória nos exactos termos em que foram transcritos, ou seja, que em consequência do esforço feito a puxar o referido taipal, o recorrente sofreu rotura parcial da coifa dos rotadores à esquerda, de forma repentina e inesperada, pelo que merce da lesão sofrida o recorrente apresenta uma ruptura de espessura completa do tendão do supra-espinhoso, com 14 mm de extensão e um pequeno volume de derrame na bolsa sub cromial sub-deltoideia. Mais, deveria considerar-se como não provado que a lesão sofrida curou clinicamente em 01/03/2012, pois o sinistrado apresenta sequelas do mencionado acidente.
G.
O sinistrado é pessoa de modesta condição social, com hábitos e culturas diferentes de pessoas citadinas, com um baixo grau de escolaridade, pelo que tem alguma dificuldade em se expressar. Tanto o perito Dr. F… como o Dr. E… quando questionados sobre o mecanismo do acidente, nomeadamente, se o taipal escorregar para o lado direito e o sinistrado efectuar o movimento rotativo com o braço para puxar o taipal se poderia originar a rotura do tendão do supra-espinhoso, os mesmos responderam afirmativamente, pelo que tal matéria se deve dar como provada e consequentemente os quesitos 3.º e 4.º da base instrutória.
H.
Tomando em consideração tudo o já alegado na fundamentação que antecede, somos forçados a concluir que o recorrente apresenta uma lesão ao nível do ombro esquerdo com rotura do tendão supra espinhoso, decorrente do acidente de trabalho ocorrido em 20/12/2011, sequelas que são enquadráveis no capítulo I 3.2.73. a) da TNI, sendo de lhe atribuir um coeficiente de desvalorização de pelo menos 4,5%, que atendendo à idade deverá ser atribuído o factor de bonificação de 1,5%, resultando assim uma IPP de 6%, conforme resulta do auto de exame médico de 18/10/2013 a fls.
I.
Mesmo que não se prove o nexo de causalidade em questão, o que apenas por mera questão de raciocínio e por imperativos de consciência profissional se admite, interessa, todavia, analisar se a pretensão reparatória do Autor pode proceder, tratando-se de matéria relativa a direitos indisponíveis e, portanto, no quadro do conhecimento oficioso. Como tem apontado a nossa jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho importa que se verifiquem três requisitos: um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho e um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
J.
Acresce que, nos termos do artigo 10.º da LAT “A lesão constatada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presumem-se consequência do acidente de trabalho”.
K.
Dispõe o artigo 11.º, n.º 1 e 2, do mencionado Diploma, tal como já dispunha o anterior artigo 9º da Lei 100/97, de 13.09, que:
“1. A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
2. Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar- se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.”.
L.
O supra citado n.º 1, como diz Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico, Almedina, 2ª Edição, pág. 69, trata da predisposição patológica que, “não é, em si, uma doença ou patogenia: é, antes, uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos longo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.” Todavia, a responsabilidade pela reparação integral do acidente não é afastada mesmo que a predisposição patológica tenha sido a causa única da lesão. Com efeito, essa é a única conclusão possível da alteração introduzida pela Lei 100/97 ao que, então, se consagrava na Base VIII, nº 1, da Lei 2127, de 03.08.65, a qual dispunha que: “1. A predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada.” [sublinhado nosso].Ou seja, de harmonia com aquela Lei, se a predisposição patológica fosse a causa única da lesão ou doença excluída ficaria a reparação integral. Ora, tendo a Lei 100/97, no art. 9º, nº 1, redacção que foi mantida pela Lei 98/2009, revogado tal limitação, indiscutível é que, mesmo que a predisposição patológica haja sido a causa única da lesão ou doença, ainda assim se mantém o direito à reparação integral, essa a única interpretação passível de ser extraída de tal alteração.
M.
Assim, actualmente e desde a Lei 100/97, a exclusão do direito à reparação integral apenas ocorrerá quando, existindo a predisposição patológica, esta tenha sido ocultada. E “cabe à entidade responsável demonstrar que aquele [o trabalhador] não só conhecia [a predisposição patológica], de forma clara e inequívoca, como a ocultou da entidade empregadora, no momento em que celebrou o contrato de trabalho ou equivalente, ou no momento em que dela teve conhecimento” – ob. citada, pág. 70.
N.
No mesmo sentido, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 01.06.2006, in www.dgsi.pt, no qual se refere que: “Perante este preceito, e ao contrário do que acontecia com o estatuído no nº 1 da Base VIII da Lei nº 2127 de 03.08.65, mesmo que a predisposição patológica tenha sido causa única da lesão ou doença, não fica excluído o direito à reparação. Apenas ocorrerá tal exclusão quando, além de existir a predisposição patológica, ela tenha sido ocultada.”
O.
Na situação configurada no n.º 2 do artigo 11.º (e, de forma idêntica, no n.º 2 do artigo 9.º da Lei 100/97, bem como da que constava da Base VIII da Lei 2127/65) estão previstas duas situações diferentes, não já de predisposição patológica, mas de doença ou lesão: i) quando uma lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por lesão ou doença anterior; ii) se a lesão ou doença anterior ao acidente for agravada pelo acidente.
P.
Em ambas as situações, a doença anterior ao acidente nem exclui, nem restringe o direito à reparação, antes determinando a norma que a incapacidade será avaliada como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por essa lesão ou doença anterior, já estiver o sinistrado a receber pensão ou tiver recebido capital de remição.
Q.
Tal norma não estabelece qualquer presunção, ilidível, de nexo de causalidade, antes impondo ou ficcionando, de forma peremptória e inilidível, que, em tais situações de agravamento (seja da lesão consecutiva ao acidente, seja da lesão anterior ao acidente), a incapacidade será avaliada globalmente como se, toda ela fosse imputável ao acidente, o que, aliás, bem se compreende desde logo considerando a dificuldade em estabelecer a fronteira entre o que é, ou não, imputável, e respectiva medida, exclusivamente à doença anterior e ao acidente. Acresce que é à entidade responsável pela reparação que incumbe o ónus de alegação e prova de que o sinistrado aufere, pela doença ou lesão anterior ao acidente, uma pensão ou capital de remição.
R.
Ora, considerando a referida factualidade e o que acima deixamos exposto, há que concluir que não existe fundamento para excluir a IPP da reparação devida pelo acidente de trabalho, não procedendo o argumento, considerado na Sentença, de que as lesões apresentadas decorrem de alterações degenerativas hipertróficas da articulação acrómio-clavicular do ombro esquerdo mencionadas tanto na ecografia a fls. 35 como da ressonância magnética a fls. 42, realizadas após o acidente de trabalho.
S.
Assim, e como referido, caso não se entenda existir nexo de causalidade entre o acidente descrito e as lesões apresentadas sempre será uma situação enquadrável no n.º 1 do artigo 11.º, a circunstância da predisposição patológica poder ser a causa única da lesão não exclui o direito à reparação integral, sendo que nem a Seguradora/Entidade Responsável alegou, nem se provou, que o recorrente haja ocultado a patologia.
T.
Sendo a situação enquadrável no n.º 2 desse preceito, verifica-se que a doença anterior, determinante da IPP, foi agravada pelo acidente, devendo a incapacidade (seja na parte decorrente apenas da doença anterior, seja na parte decorrente do seu agravamento, determinado pelo acidente) ser avaliada como se tudo decorresse do acidente, já que nem a Seguradora/Entidade Responsável alegou, nem se provou, que o sinistrado, por virtude dessa doença, se encontre a receber pensão ou já tivesse recebido capital de remição.
U.
Assim sendo, impõe-se concluir que o recorrente se encontra afectado com uma IPP de pelo menos 6% para o exercício de outra profissão, assim procedendo, nesta parte, as conclusões do Recurso.
V.
Em consequência, tem o recorrente direito a título de ITA, desde 21/12/2011 até 22/01/2013, à pensão anual e vitalícia prevista no artigo 48º, nº 3, al. b), da Lei 98/2009, a todas as despesas referentes a medicamentos, consultas, internamento e tratamentos médicos e fisioterapêuticos que realizar, por força das lesões e respectivas sequelas que sofreu em virtude do acidente de trabalho.”.
Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder (fls. 123 e 124).
Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

*
II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) saber se deve ser rejeitado o recurso incidindo sobre a decisão relativa à matéria de facto;
2ª) saber se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada;
3ª) saber se ao autor deve ser reconhecida qualquer incapacidade permanente em consequência do evento ocorrido em 20/12/2011;
4ª) saber se nos autos se regista qualquer situação de predisposição patológica de que o autor possa beneficiar, à face do art. 11º da LAT/2009, para efeitos de lhe ser reconhecida uma incapacidade permanente para o trabalho, ou se existe fundamento para aplicar na situação em apreço o disposto no art. 11º/2 da LAT/2009.
*
III – Fundamentação

A) De facto

A.1) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Primeira questão: saber se deve ser rejeitado o recurso incidindo sobre a decisão relativa à matéria de facto.

Nos termos do art. 639º/1 do NCPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”.
Prescreve o art. 640º/1 do NCPC “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.
No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;” – art. 640º/2/a NCPC.
Resulta daquele primeiro normativo a imposição ao recorrente de dois ónus, a saber: 1º) o de alegar; 2º) o de formular conclusões.
Assim, com vista à satisfação daquele primeiro ónus, o recorrente deve apresentar a alegação onde: a) expõe os motivos e argumentos da sua impugnação, explicitando as razões pelas quais considera que a decisão está errada ou é injusta, seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto levada a efeito com base nela, seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos que devem considerar-se provados; b) enuncia o objectivo que visa alcançar com o recurso.
Por seu turno, para satisfação do segundo dos enunciados ónus, o recorrente deve terminar a sua minuta com a formulação de conclusões, por via das quais deve indicar resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos, de facto e/ou de direito, com base nos quais pede a alteração ou anulação da decisão – as conclusões são, assim, proposições onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações.
Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão sobre a matéria de facto e uma vez que também nesse domínio são as conclusões que delimitam o seu âmbito, delas têm de constar proposições que delimitem o seu objecto, fixando, pelo menos, o âmbito fáctico do recurso, por indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados (arts. 639º/1 e 640º/1/a do NCPC).
Por outro lado, pelo menos no corpo das alegações – sem prejuízo de também o poder fazer nas conclusões – o recorrente deve também delimitar: a) o objectivo recursório visado, por indicação da decisão que deve ser proferida em substituição da impugnada e quanto a cada ponto de facto que se considere incorrectamente julgado (arts. 639º/1 e 640º/1/c do NCPC); b) o âmbito probatório do recurso, por indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e, no caso de prova gravada, das concretas passagens da gravação a analisar pelo tribunal de recurso (arts. 639º/1 e 640º/1/b/2 do NCPC)[1].
Finalmente, o recorrente fáctico deve, também, proceder a uma apreciação crítica dos elementos que prova que invoca em benefício da sua pretensão recursiva, apresentando as concretas razões pelas quais desses meios de prova se impunha retirar conclusões fácticas diversas daquelas a que chegou o tribunal recorrido, sendo que no domínio da prova testemunhal essa apreciação crítica não se basta com a invocação de alguns depoimentos e com a mera transcrição dos mesmos[2].
Caso o recorrente não satisfaça as exigências enunciadas nos três antecedentes parágrafos ficam por preencher os requisitos de admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto legalmente enunciados e cuja inobservância é cominada com a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao suprimento (art. 640º/1/2/a do NCPC).
Importa reter, igualmente, que para lá do delimitado pelas conclusões não é lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso que não tenham já sido decididas com trânsito em julgado.
Por outro lado, como ensina Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2013, pp. 128 e 129), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo ele uma pretensão a um Tribunal que não intermediou a produção da prova, é antes compreensível “(…) uma maior exigência (…), sem possibilidade de paliativos (…)”, importando “(…) observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”.
Assim, naquelas situações, como a que ocorre nestes autos, de terem sido gravados os meios probatórios invocados como fundamentos do recurso e de ser possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, o recorrente tem de indicar, com exactidão, pelo menos nas alegações, as passagens da gravação em que se funda, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, sem prejuízo da possibilidade de, por si iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Por outras palavras, mesmo que o recorrente o pretenda e concretize a sua pretensão no sentido da transcrição, por sua iniciativa e de cariz facultativo, das passagens da gravação em que se funda, tal não o dispensa da obrigação de proceder, pelo menos nas alegações, à identificação precisa e separada dos trechos dos depoimentos em que funda a sua discordância, sob a cominação de imediata rejeição do recurso da decisão da matéria de facto.
Assim, conjugando as exigências legais referentes ao ónus de alegar e formular conclusões com as exigências enunciadas no art. 640º/1/2 do NCPC relativamente ao recurso incidindo sobre a matéria de facto, facilmente se depreende que nas conclusões do recurso o recorrente também tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, devendo pelo menos no corpo das alegações identificar e analisar criticamente os meios de prova com base nos quais deve ser alterada a decisão impugnada, bem como indicar o sentido alternativo em que o julgamento da matéria impugnada deveria ter sido efectuado, sendo que no caso de estarem em causa depoimentos gravados, devem igualmente constar pelo menos das alegações, por imposição dos arts. 639º/1 e 640º/2/a do NCPC, com exactidão, os depoimentos e as correspondentes passagens das gravações em que o recorrente funda o seu recurso.
Neste sentido se pronuncia, na doutrina, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 126), ao sustentar que “Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;”, acrescentando que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
(…)
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
(…)
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda” – p. 128.
No mesmo sentido se têm pronunciado os nossos tribunais superiores, como facilmente se depreende, apenas a título de exemplo, das seguintes decisões: acórdãos do STJ de 19/2/2015, proferido no âmbito da revista 299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 4/3/2015, proferido no âmbito da revista 2180/09.0TTLSB.L1.S2; acórdão da Relação do Porto de 15/9/2014, proferido no âmbito da apelação 11/10.8TBGDM.P1; acórdão da Relação do Porto de 16/6/2014, proferido no âmbito da apelação 378/12.3TTLMG.P1; acórdão da Relação do Porto de 3/6/2014, proferido no âmbito da apelação 2438/11.9TBOAZ.P1; acórdão da Relação de Guimarães de 13/10/2014, proferido no âmbito da apelação 2149/12.8TBVCT.G1; acórdão da Relação de Lisboa de 12/2/2014, proferido no âmbito da apelação 26/10.6TTBRR.L1-4; acórdão da Relação de Lisboa de 13/3/2014, proferido no âmbito da apelação 569/12.7TVLSB.L1-6; acórdão da Relação de Lisboa de 3/9/2013, proferido no âmbito da apelação 1084/10.9TVLSB.L1-1; acórdão da Relação de Coimbra de 8/5/2012, proferido no âmbito da apelação 695/09.0TBMGR.C1; acórdão da Relação de Coimbra de 20/3/2012, proferido no âmbito da apelação 21/09.8TBSRE.C1; acórdão da Relação de Évora de 7/12/2012, proferido no âmbito da apelação 614/11.3TTPTM.E1; acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/2015, proferido no âmbito da apelação 2466/11.4TBFIG.C1; acórdão da Relação de Lisboa de 15/4/2015, proferido no âmbito da apelação 164/10.5TTCLD.L2.
Finalmente, como decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3/7/2014, proferido no âmbito da apelação 24/13.8TTCTB.C1, a satisfação da exigência sob apreciação de indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que o recorrente funda a sua discordância, deve ser feita por referência à numeração temporal do registo áudio de cada um dos excertos que se invoquem como fundamento da discordância, o que implica que sejam identificados a hora, os minutos e segundos de início e de fim de cada uma dessas passagens – no mesmo sentido, apenas a título ilustrativo, acórdão da Relação de Coimbra proferido no âmbito da apelação 250/13.0TTGRD.C1, acórdão da Relação de Guimarães de 29/9/2014, proferido no âmbito da apelação 81001/13.0YIPRT.G1, e acórdão da Relação do Porto de 2/10/2014, 3ª secção, proferido no âmbito da apelação 2279/09.3TNSTS.P1; acórdão da Relação do Porto de 19/10/2015, proferido no processo 454/12.2T4AVR.P1, com o mesmo relator e adjuntos do presente; acórdão da Relação do Porto de 19/10/2015, proferido no processo 25/14.9T8PNF.P1, relatado pelo aqui segundo adjunto; acórdão da Relação do Porto de 16/11/2015, proferido no processo 54/14.2T4AVR.P1.
Volvendo ao caso em apreço e aplicando-lhe quanto vem de referir-se, é forçoso concluir no sentido de que deve ser rejeitado o recurso incidindo sobre a matéria de facto.
Na verdade, nas alegações a recorrente invoca: i) o depoimento do perito E…, prestado no dia 14/5/2015, transcrevendo facultativamente alguns excertos desse depoimento, que terão tido o seu início aos minutos 00m57s, 01m14s, 06m12s, 06m27s, 07m06s, 07m43s, 10m51s, 13m46s, 14m16s, ficando sem se perceber, por isso, até onde é que cada um desses excertos é relevante para as pretensões recursivas do apelante, sabendo-se, pela consulta do CD em que foi gravado o depoimento que o mesmo teve exactamente 17 minutos e 59 segundos de duração; ii) o depoimento do perito F…, prestado no dia 14/5/2015, transcrevendo facultativamente alguns excertos desse depoimento, que terão tido o seu início aos minutos 01m28s, 04m10s, 06m30s, ficando sem se perceber, por isso, até onde é que cada um desses excertos é relevante para as pretensões recursivas do apelante, sabendo-se, pela consulta do CD em que foi gravado o depoimento que o mesmo teve exactamente 5 minutos e 31 segundos de duração; iii) as declarações do autor, prestadas no dia 14/5/2015, transcrevendo facultativamente alguns excertos desse depoimento, que terão tido o seu início aos minutos 02m30s, 03m08s, 03m14s, 05m19s, 05m48s, 14m10s, ficando sem se perceber, por isso, até onde é que cada um desses excertos é relevante para as pretensões recursivas do apelante, sabendo-se, pela consulta do CD em que foi gravado o depoimento que o mesmo teve exactamente 15 minutos e 21 segundos de duração; iv) o depoimento da testemunha G…, prestado no dia 14/5/2015, transcrevendo facultativamente alguns excertos desse depoimento, que terão tido o seu início aos minutos 02m15s, 04m02s, 04m58s, 13m46s (?)[3], ficando sem se perceber, por isso, até onde é que cada um desses excertos é relevante para as pretensões recursivas do apelante, sabendo-se, pela consulta do CD em que foi gravado o depoimento que o mesmo teve exactamente 10 minutos e 12 segundos de duração; v) o depoimento da testemunha H…, sem qualquer indicação de qualquer passagem do depoimento dessa testemunha que se considere relevante para efeitos de sustentação da divergência recursiva (cfr. página 8 das alegações e conclusão F).
Note-se que pela forma pela qual o recorrente explicita, em relação aos depoimentos do perito E…, do perito F…, do autor e da testemunha G…, os trechos da gravação relevantes, este tribunal estava confrontado com a necessidade de ouvir todo o depoimento prestado por cada um dos declarantes a partir do minuto inicial identificado pelo recorrente em relação a cada um deles, sendo que por referência a algum dos declarantes em questão tal equivaleria a ouvir a quase totalidade dos seus depoimentos sobre questões específicas e pontuais da matéria de facto em discussão, assim se contrariando a exigência legal de uma delimitação rigorosa do âmbito probatório do recurso por referência a cada uma das questões que integrem o âmbito fáctico do recurso e o correspondente objectivo recursório.
Por outro lado, indica-se em relação à testemunha G… um excerto de depoimento que se teria iniciado em momento impossível, porque situado para lá da duração total do depoimento.
Finalmente, em relação à testemunha H… nada se explicita quanto às partes desse depoimento que seriam relevantes para o deferimento da pretensão recursiva fáctica do apelante.
Resulta do antecedentemente exposto, por referência à parte em que a divergência recursiva relativamente à decisão sobre a matéria de facto assenta em prova oral, que o recorrente não preencheu, também nas conclusões onde facultativamente o poderia ter feito, mas principalmente no corpo das alegações onde estava obrigada a fazê-lo, um dos requisitos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto legalmente enunciados (art. 640º/1/2/a do NCPC), qual seja o da rigorosa delimitação do objecto do recurso no que ao seu âmbito probatório respeita.
Consequentemente, tal como sustentando por aquele autor (obra citada, pp. 127 e 128) e naquelas decisões supra citadas, em consonância com o cominado no art. 640º/1/2/a do NCPC, o recurso do autor incidindo sobre a matéria de facto deve ser imediatamente rejeitado, sem qualquer possibilidade de qualquer espécie de convite ao aperfeiçoamento tendente a suprir o vício em questão, na parte em que o mesmo visava a reapreciação de prova gravada.
+
Essa rejeição estende-se à parte do recurso que tinha por fundamento a ecografia constantes de fls. 35 e a ressonância magnética constante de fls. 42.
Com efeito, importa sublinhar que não está em causa prova documental a que tenha de reconhecer-se força probatória plena relativamente à matéria de facto que se encontra em discussão.
Por outro lado, a referida prova documental deveria ser apreciada conjugadamente com a prova oral também invocada pelo recorrente a respeito da matéria de facto em discussão, sendo que nalguns segmentos a prova de natureza declaratória se traduziu numa apreciação e explicitação do conteúdo daquela prova documental (v.g. os depoimentos prestados pelos peritos E… e F…).
Uma vez que está em causa uma reapreciação conjunta dos meios de prova oral e documental invocados a respeito da matéria de facto em relação à qual o recorrente manifestou a sua discordância e não estando a prova documental invocada dotada de especial força probatória em relação a essa matéria, rejeitado o recurso na parte em que o mesmo tem por fundamento prova oral, tal rejeição deve estender-se à parte do mesmo que tem por objecto prova documental conjuntamente invocada com a oral, já que nos próprios termos da divergência recursiva seria uma apreciação conjunta desses meios de prova que justificaria uma alteração da decisão impugnada, não sendo por isso viável um apreciação segmentada de qualquer desses meios de prova.
*
Segunda questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

A resposta a esta questão está prejudicada pelo sentido da solução supra enunciada relativamente à primeira questão.
*
A.2) Os factos provados

Os factos dados como provados pela primeira instância, inalterados em função do supra referido a respeito da primeira e segunda questões, são os que seguidamente se transcrevem:

1. Em Dezembro de 2011, o A. B…, trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade “ I…, Lda, com sede na …, auferindo a remuneração anual de € 11.200,00 (€ 700,00 x 14 meses + 116,66 x 12meses)-al.A)
2. A sociedade “ I…, Lda, tinha a sua responsabilidade infortunistico-laboral transferida para a R. Companhia de Seguros C…, S.A mediante contrato de seguro, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº …………, cuja cópia se mostra inserta de fls 8 a 10 dos autos, achando-se a retribuição do A. totalmente declarada-al.B)
3. No dia 20.12.2011, encontrava-se no exercício das suas funções de pedreiro da construção civil durante o seu horário de trabalho a trabalhar para a sociedade “ I…, Lda, numa obra pertencente à sociedade “ J…, Lda” –resp. ao qto 1º.
4. E ao puxar um taipal de ferro de cofragem de colunas, com um peso de cerca de 50 kgs, e medindo dois metros e meio de comprimento e 50 centímetros de largura, sentiu uma dor aguda no ombro esquerdo- resp. ao qto 2º
5. Em consequência do esforço feito a puxar o referido taipal, o A. sofreu entorse do ombro esquerdo- resp. ao qto 3º.
6. O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho no período de 21.12.2011 a 1.3.2012- resp. ao qto 6º.
7. De 3.1.2012 até 1.3.2012, a R. prestou assistência médica ao A. na Cliria em Aveiro e pagou-lhe a quantia de € 1.284,87, a título de indemnização por ITA correspondente ao período de 21.12.2011 a 1.3.2012- al.C)
8. A lesão sofrida curou clinicamente em 1.3.2012-resp. ao qto 7º.
9. O A. não apresenta sequelas que lhe determinem qualquer incapacidade permanente para o trabalho em consequência do evento ocorrido no dia 20.12.2011, descrito em 4.– decisão do apenso.
10. O A. apresentava alterações degenerativas hipertróficas na articulação acrómio-clavicular- resp. ao qto 9º.
11. O sinistrado nasceu em 2 de Agosto de 1947- al.D)
*
B.) De Direito

Terceira questão: saber se ao autor deve ser reconhecida qualquer incapacidade permanente em consequência do evento ocorrido em 20/12/2011.

A resposta a esta questão tem de ser negativa, tendo em conta a matéria descrita no ponto 9º) dos factos provados, a qual permaneceu inalterada por consequência da rejeição do recurso incidindo sobre a matéria de facto.
*
Quarta questão: saber se nos autos se regista qualquer situação de predisposição patológica de que o autor possa beneficiar, à face do art. 11º/1 da LAT/2009, para efeitos de lhe ser reconhecida uma incapacidade permanente para o trabalho, ou se existe fundamento para aplicar na situação em apreço o disposto no art. 11º/2 da LAT/2009.

Nos termos do art. 11º/1 da LAT/2009, “A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.”.
Neste dispositivo está regulamentada a situação de predisposição patológica de que possa padecer o sinistrado, ou seja, aquelas situações em que o sinistrado apresentava, à data do acidente, “…uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos longo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.” - Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico, Almedina, 2ª Edição, p. 69.
Como ensina Cruz de Carvalho a propósito da aludida predisposição, “…embora constitua um estado mórbido do individuo, não é o mesmo que uma doença. Consiste num estado doentio do organismo humano, produzido por uma anormalidade do metabolismo ou das funções de nutrição e que torna o individuo propenso para certas doenças ou para o agravamento de outras, sob a influência de uma causa ocasional – conhecida medicamente por diátese…” - Acidentes de Trabalho, Livraria Petrony, 1983, pp. 74 e seguintes.
Para que possa ter aplicação o regime daquele normativo, tem de resultar dos factos provados que: i) o sinistrado padecia de anomalia no seu organismo que o tornava propenso a determinadas doenças, lesões ou perturbações funcionais; ii) ocorreu um dado acidente causalmente desencadeador de uma daquelas doenças, lesões ou perturbações funcionais que, não fora aquela anomalia, não se teriam produzido.
Reportando-nos ao caso em apreço, a aplicação daquele regime só seria possível se demonstrado estivesse, em face dos factos provados, que o autor: i) padecia de alterações degenerativas hipertróficas na articulação acrómio-clavicular que facilitavam episódios de ruptura da coifa dos rotadores à esquerda; ii) sofreu um acidente que provocou uma ruptura daquele tipo, dela decorrendo um conjunto de sequelas determinantes de uma dada IPP.
Ora, os factos provados evidenciam que o autor padecia daquelas alterações (ponto 10º dos factos dados como provados), não permitindo os mesmos, contudo, a afirmação de que foi o acidente relatado no ponto 5º) dos factos provados (entorse) que provocou uma qualquer espécie de ruptura parcial da coifa dos rotadores à esquerda (resposta restritiva ao quesito 3º e resposta negativa ao quesito 10º) determinante de sequelas causadoras da IPP que o autor pretende ver reconhecida.
Como assim, não é caso de aplicação do citado artigo 11º/1 da LAT/2009.
+
Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se–á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.” – art. 11º/2 da LAT/2009.
Estão previstas nesta norma duas situações distintas, a saber: i) uma lesão ou doença consecutiva a um acidente de trabalho que é agravada por lesão ou doença anterior; ii) uma lesão ou doença anterior ao acidente que é agravada por este.
Em qualquer dessas situações, a doença anterior ao acidente não exclui, assim como não restringe, o direito à reparação; bem ao invés, a incapacidade terá de ser avaliada como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por essa lesão ou doença anterior, já estiver o sinistrado a receber pensão ou tiver recebido capital de remição.
Ora, no caso em apreço, conquanto esteja provado que o sinistrado padecia de uma doença anterior (ponto 10º dos factos provados), não está provado que o entorse referido na resposta ao quesito 3º) e as consequências dele decorrentes para o sinistrado tivessem registado qualquer agravamento decorrente daquela doença, do mesmo modo que não está provado que aquela doença anterior registou qualquer agravamento em consequência do aludido entorse e das suas consequências.
Não se registam, pois, os pressupostos fácticos de aplicação do aludido 11º/2.
*
Resta, pois, concluir pela improcedência da apelação.
*
IV- DECISÃO

Acordam os juízes desta secção social do Tribunal da Relação do Porto no sentido de julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário.

Porto, 15/2/2016.
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
_____
[1] Aderimos, assim, à posição que vem sendo sufragada pela secção social do STJ relativamente aos ónus que terão de ser cumpridos em sede de recurso da decisão sobre a matéria de facto e sobre os concretos locais da minuta recursiva em que tais ónus devem ser cumpridos – por exemplo, acórdão de 3/12/2015, proferido no processo 3217/12.1TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, local onde estão disponíveis todas as outras decisões de tribunais superiores que sejam citadas nesta decisão sem outra referência de origem; acórdão de 1/10/2015, proferido no processo 824/11.3TTLRS.L1.S1.
[2] Acórdão do STJ de 3/12/2015, proferido no processo 1348/12.7TTBRG.G1.S1, e acórdão do STJ de 9/7/2015, proferido no processo 961/10.1TBFIG.C1.S1, este último com sumário disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/civel2015_07.pdf
[3] O depoimento teve uma duração de apenas 10 minutos e 12 segundos.
_____
Sumário:
I. A aplicação do regime jurídico da predisposição patológica consagrado no artigo 11º/1 da LAT/2009, exige a alegação e prova de que: i) o sinistrado padecia de anomalia no seu organismo que o tornava propenso a determinadas doenças, lesões ou perturbações funcionais; ii) ocorreu um dado acidente causalmente desencadeador de uma daquelas doenças, lesões ou perturbações funcionais que, não fora aquela anomalia, não se teriam produzido.
II. A aplicação do regime jurídico do artigo 11º/2 da LAT/2009, exige a alegação e prova de que: i) uma lesão ou doença consecutiva a um acidente de trabalho é agravada por lesão ou doença anterior ao mesmo acidente; ii) uma lesão ou doença anterior ao acidente é agravada por este.

Jorge Loureiro