RETRIBUIÇÃO
PRESTAÇÃO VARIÁVEL
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
CTT
JUROS DE MORA
Sumário

I - A relação de emprego entre os CTT e os seus trabalhadores não é de natureza público-administrativa, antes está sujeita ao regime do contrato individual do trabalho, designadamente ao art. 38º da LCT, bem como às normas correspondentes do CT/2003 e do CT/2009, com a consequente inaplicabilidade do disposto nos arts. 306º/1 e 310º/g do CC.
II - Compete a quem invoca o abuso de direito, a prova dos factos dos quais ele se conclui.
III - Os juros de mora correspondentes às prestações pecuniárias retributivas são devidos desde o momento do vencimento de cada uma delas e não do momento da quantificação judicial dos respectivos montantes.
IV - Os juros de mora correspondentes aos créditos laborais estão sujeitos à disciplina dos arts. 38º da LCT, 381º/1 do CT/2003 e 337º/1 do CT/2009.
V - Não se provando qualquer factualidade sobre a natureza da prestação denominada “compensação especial” e sobre as circunstâncias do seu pagamento, há-de qualificar-se a mesma segundo a regra geral da presunção de retribuição.
VI - Só está verificado o pressuposto da regularidade do pagamento, que tem de verificar-se para que uma dada prestação pecuniária possa considerar-se como parte integrante da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador, quando aquela prestação seja paga em onze de cada doze meses que se tiverem por referência temporal.
VII - As médias anuais das prestações retributivas devem ser integradas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal até ao ano de 2003.

Texto Integral

Processo nº 401/14.7TTVNG.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 490)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, aposentado, residente em Vila Nova de Gaia, veio intentar a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra “CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, SA”, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
- A quantia de 6 176,81€, relativa às diferenças remuneratórias correspondentes à média anual das retribuições complementares por ele auferidas nos anos de 1988 a 2013 e que a Ré não incluiu nos pagamentos efectuados a título de férias, de subsídio de férias e de subsídio de natal, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter sido admitido ao serviço da Ré como carteiro, sendo que esta nunca lhe pagou o subsídio de natal nos valores devidos, uma vez que nunca integrou em tal remunerações os valores médios das retribuições complementares por ele mensalmente auferidas. O mesmo sucedeu relativamente às remunerações de férias e de subsídio de férias, vencidas até ao ano de 2003, inclusive.

A Ré contestou, invocando a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor anteriores a Maio de 1992, período durante a qual as partes mantiveram uma relação jurídica de emprego público, sujeita ao direito administrativo. Invocou ainda a excepção de inexigibilidade dos juros moratórios já vencidos reclamados pelo Autor, defendendo que apenas são devidos juros de mora desde a data do trânsito em julgado da presente decisão ou, na pior das hipóteses, desde a citação. Além disso, e subsidiariamente em relação à excepção anterior, invocou ainda a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos.
Apesar de admitir que o Autor auferiu efectivamente complementos remuneratórios regulares, defendeu o entendimento jurídico de que os mesmos não devem ser integrados na remuneração de férias e dos subsídios de férias e de natal.
Concluiu, pedindo a procedência das excepções invocadas, bem como a improcedência da acção.

O Autor respondeu, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela Ré e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador e fixada à acção o valor de €16.105,16.

As partes vieram acordar na matéria de facto que expressamente mencionaram, declarando prescindir da produção de prova e de alegações orais.

Foi então proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, em consequência do que decido condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 4 606,01€, relativa aos créditos salariais referentes aos anos de 1988 a 2013; acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, às sucessivas taxas legais aplicáveis, até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669.º n.º 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.
II. Importa em primeiro lugar, e na análise da natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente àquela data, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.
III. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais:
- D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969
- Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro;
- Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977;
- AE de 81
- Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril
IV. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.
V. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).
VI. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.
VII. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.
VIII. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.
IX. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.
X. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).
XI. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.
XII. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como actos administrativos.
XIII. Tal interpretação foi tecida em parecer jurídico de autoria do Prof. Doutor Sérvulo Correia, que defende que “o processamento automático, através de meios mecânicos ou electrónicos, dos vencimentos dos funcionários da Consulente não esbarra, pois, com a noção, dogmaticamente sedimentada, de ato administrativo.
Conclui-se assim, eu estamos, efectivamente, perante actos definidores e efeitos jurídicos concretos de conformação de uma relação inter-administrativa, e, como tal, perante atos de eficácia externa que assumem a configuração jurídica de ato administrativo, reunindo todos os elementos essenciais que integram este conceito”, conclusão “corroborada por jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo”.
XIV. Conclui, igualmente, o ilustre Professor que os mesmos são “inimpugnáveis e, como tal, definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas”.
XV. Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados quase de 30 anos, ser objecto de apreciação judicial.
XVI. Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até àquela data de 19 de Maio de 1992 sido determinadas por actos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não se mostram devidas, por já se encontrarem prescritas.
XVII. Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo D.L. 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, pública-privada.
XVIII. Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios garantísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de recurso contencioso, expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, como já referido, e consequentemente o regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho.
XIX. Tem sido jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que aos trabalhadores dos CTT e após a entrada em vigor do D.L. n.º 87/92, ou seja, após a transformação de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, se passou a aplicar o regime da LCT, ou seja, acolheu o entendimento segundo o qual, até àquela data, os trabalhadores da Recorrente se regiam por um regime privativo, de natureza pública, ao abrigo do D.L. n.º 49368 – veja-se, a título de exemplo, os Acs. do STJ de 19-02-2013, em que é relator Gonçalves Rocha e de 22-05-2013, em que é relator Maria Clara Sottomayor, ambos disponíveis em dgsi.pt.
XX. Não deixaremos de referir, porém, que esse Venerando Tribunal, no processo 1138/09.4TTVNG, defendeu e bem esta solução mesmo após a transformação dos CTT de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, isto é, que os trabalhadores que nessa data se encontravam ao serviço continuaram e continuam a reger-se por esse regime jurídico privativo, de natureza pública, baseando esta posição no art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei 87/92, segundo o qual está excluída a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente, da LCT, dos Códigos do Trabalho, e do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, entre outros.
XXI. Assim, e ao contrário da tese defendida na douta sentença ora recorrida, pelo menos até Maio de 1992, está excluída a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente, da LCT, entre outros.
XXII. Por via disso, e não existindo – como não existe – no conjunto de diplomas que constituíram o estatuto privativo dos CTT normas relativas ao regime de prescrição dos créditos laborais e não sendo, como vimos, aplicável à relação o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT) impõe-se recorrer às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional).
XXIII. Assim, no que o direito público não dispusesse de outro modo, as pretensões relacionadas com créditos laborais prescreviam nos termos do art. 310.º, g), do C.Civ., iniciando-se a prescrição nos termos gerais do art. 306.º, n.º 1, do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho.
XXIV. Pelo que aos créditos laborais reclamados nas circunstâncias dos presentes autos não se aplica o art. 38.º da LCT.
XXV. É esta também a tese defendida pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, no seu parecer onde refere que “…antes de 18 de Maio de 1992, a prescrição laboral não se aplica: o regime em vigor na empresa, próximo do da função pública, não prevê uma prescrição laboral, antes de caindo no Código Civil; além do Direito aplicável, jogam os valores em jogo, segundo os quais tal tipo de prescrição é desnecessário, no Direito público, dadas as garantias dos trabalhadores” – doc. n.º 2
XXVI. Pelo que não tendo aplicação o art. 38.º da LCT mas sim a conjugação dos arts. 310.º, g), e 306.º do C.Civ., tal significa que o Autor teria o prazo de cinco anos a contar da data de vencimento de cada prestação para exercer o seu direito (isto é, para peticionar os créditos laborais alegados na presente acção).
XXVII. Assim, dúvidas não podem restar nada ser devido pela Ré ao Autor, a título das diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal entre 1988 e 1992 uma vez que os mesmos se encontram prescritos, bem como os juros reclamados relativos a este período.
XXVIII. Na verdade, estando prescritos os créditos, e nada sendo devido pela Ré ao Autor nos anos supra referidos, por maioria de razão nada será devido a título de juros no que àquele período concerne.
XXIX. No que respeita à segunda questão, ou seja, se o Autor litiga em abuso de direito, relembramos que nunca o Autor antes da propositura da presente acção deu a entender à sua empregadora, aqui Recorrente, que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados, pelo que a Ré continuou a proceder ao seu pagamento como vinha fazendo há anos.
XXX. Os subsídios alegados pelo Autor até 2003 não integravam o conceito de retribuição, e este entendimento sempre foi aceite por aquele, e pelos restantes trabalhadores da Apelante, pelo que não pode ter criado qualquer expectativa ou convicção de recebimento das prestações ora peticionadas, uma vez que esta nunca até à presente data na vigência da LCT, as considerou como retribuição para efeitos de média a assegurar nos subsídios de férias de Natal, pois só lhe eram pagos quando se verificassem os requisitos para a sua atribuição, nos termos do AE/CTT.
XXXI. E tal facto era do conhecimento do Autor, dado que nunca anteriormente reclamou o recebimento de tais quantias fora das situações que dão direito à sua percepção.
XXXII. Analisando os sucessivos AE/CTT, verificamos que as partes tiveram o cuidado de, divergindo da Lei, classificar a retribuição em férias como aquela que o trabalhador receberia se estivesse em “serviço normal”, cabendo ao trabalhador, em acréscimo, subsídio de igual montante, tudo conforme se preceituava e preceitua, hoje, na cláusula 162.ª do AE publicado no BTE n. º 30 de 15 de Agosto de 2000.
XXXIII. Já a cláusula 143.ª, que respeita ao subsídio de Natal estipula que: “Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro.”
XXXIV. Parece de facto que, tanto num como noutro caso, as partes pretendem fazer corresponder os referidos subsídios a um valor, comummente definido como retribuição mensal.
XXXV. Ora, tal conceito pode encontrar-se na vontade expressa pelas partes no âmbito da cláusula 133ª, onde, a respeito das remunerações mínimas mensais se refere que a remuneração horária normal é determinada pelo produto da multiplicação da remuneração mensal normal por 12 (meses) e consecutiva divisão pelo produto da multiplicação do período normal de trabalho semanal por 52.
XXXVI. Ou seja, a retribuição “normal” corresponde à contrapartida paga pela Ré pela prestação de trabalho durante o período “normal” de trabalho.
XXXVII. Tal intenção das partes pode ainda ser retirada da análise da cláusula 134ª do mesmo AE, onde, propositadamente e no seguimento das definições até aí realizadas, se distinguem claramente, até nos próprios documentos comprovativos, a remuneração “fixa”, ou se quisermos normal, e as restantes “prestações complementares”, sendo uma delas o próprio trabalho suplementar.
XXXVIII. Dificilmente se pode admitir que as partes outorgantes do presente acordo tenham estado tão desatentas que ao mencionarem a retribuição ”normal” deixaram “escapar” desse conceito prestações que, eles próprios consideram como complementares – caso da retribuição por trabalho suplementar, entre outras.
XXXIX. Pelo que tais prestações não eram (nem devem agora ser consideradas) devidas aquando do pagamento ao Autor de férias, subsídios de férias e de Natal.
Acresce que,
XL. A postura do Autor – e dos demais trabalhadores da Ré – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
XLI. Pelo que no caso em apreço, ainda mais do que abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, estaremos perante a figura da suppressio.
XLII. A suppressio mais não é que uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela.
XLIII. Assim, esta figura baseia-se na tutela da confiança aliada à boa fé.
XLIV. Ou seja, a suppressio acaba por ser uma forma de tutela da confiança do beneficiário (ora Ré) perante a inacção do titular do direito (o Autor).
XLV. Transpondo para a situação subjacente aos presentes autos, a Ré julgava proceder bem numa situação que foi sancionada, durante anos a fio, por milhares de trabalhadores.
XLVI. Efectivamente, a posição dos seus trabalhadores ao longo dos anos – designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente - fez com que a Ré perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos.
XLVII. Como bem refere o Prof. Menezes Cordeiro no citado parecer, “esse retardamento conduziu a que, hoje, o volume envolvido seja descomunal, com grande dano para a empresa”, sendo certo que “o exercício, pelos interessados, dos direitos envolvidos é paralisado ex bona fide, por exigência do sistema”.
XLVIII. Face a tudo quanto se cuidou expor, dúvidas não podem restar que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, como é pretensão do Autor.
XLIX. No que à questão da mora concerne, salvo melhor opinião, não se pode considerar haver mora antes da citação da ré para contestar a presente acção; na verdade, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido (cfr. artº 805º do C.Civ.).
L. É que, embora exista um prazo certo para pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, aquilo que está aqui em causa não é o seu não pagamento, mas antes a discussão sobre a natureza de complementos de modo a saber se integram ou não o conceito de retribuição.
LI. E sendo a questão controvertida, não se pode considerar a quantia liquidada no momento do pagamento dessas retribuições e subsídios, ou seja, que a ré sabendo o valor a pagar se atrasasse a pagar.
LII. Apenas pela procedência da presente acção, e nos seus precisos termos de condenação, é que se apurará o montante em dívida, ou seja, quais são as prestações que o Autor tem vindo a auferir ao longo do contrato com a Ré que se considerarem retribuição; mais, Não é razoável exigir do devedor que ele cumpra enquanto não souber qual o montante e o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar – in illiquidis non fit mora.
LIII. Razão pela qual se entende que não havendo culpa do devedor, não é possível imputar à Ré a mora geradora de condenação em juros, sendo estes devidos tão só a partir do momento do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes Autos, ou seja, a contar do dia da constituição em mora, cfr. art. 806.º do C.Civ.
LIV. Ou, o que por mera cautela de patrocínio se concede, pela interpelação para pagamento, pelo que não existindo interpelação anterior será de considerar a data da citação, cfr. art. 805.º do C.Civ.. Consequentemente, a serem devidos juros moratórios estes contar-se-ão apenas a partir daquela data.
LV. Porém, e caso assim não se entenda, ao contrário do que vem defendido pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que não se aplicam aos juros de mora o regime previsto no art. 38.º da LCT nem, por maioria de razão, os arts. 381.º do C.Trab.2003 e 337.º do C.Trab.2009.
LVI. Desde logo, porque o que aqui se discute tem subjacente uma relação entre a Recorrente e a Recorrida decorrente da celebração, entre elas, de um contrato pelo qual esta última se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual à primeira, sob a autoridade e direcção desta.
LVII. Ou seja, entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato concretamente definido e tipificado na Lei e regulado em legislação especial, nos termos do disposto nos arts. 1152º e 1153º do C.Civ., denominado “Contrato de Trabalho”.
LVIII. À semelhança do referido contrato de trabalho previsto e tipificado no Código Civil, também aqui estão previstos tantos outros contratos de natureza e tipologia diversa, tais como o contrato de prestação de serviços, o contrato de compra e venda, o contrato de aluguer, o comodato, o mandato, etc., cada um com o seu regime especial, mas todos eles sujeitos às regras da caducidade e da prescrição previstas no Código Civil.
LIX. O que acontece, também, com o contrato de trabalho, já que em lado algum se prevê, no Código Civil ou na LCT e no Código do Trabalho (a tal legislação especial referida no art. 1153.º do C.Civ.), que o facto de o contrato de trabalho, enquanto tal, se encontrar sujeito a legislação especial, afasta automaticamente o regime do Código Civil a ele aplicável, nomeadamente no que respeita a matéria de juros de mora.
LX. Relativamente aos contratos previstos no Código Civil, entre os quais, como vimos, o contrato de trabalho, estão previstos prazos de caducidade e de prescrição diferentes, variando esses prazos entre os poucos meses e os vinte anos, mas nem por isso as regras dos juros se alteram de acordo com tais prazos, aplicando-se sempre a regra geral de que os juros vencidos há mais de cinco anos prescrevem, se entretanto não se fizer valer o direito aos mesmos.
LXI. Ora, o facto de o contrato de trabalho estar sujeito a legislação especial não afasta a aplicação do regime dos juros previstos no Código Civil a tal contrato, nem tal entendimento poderá ter acolhimento em qualquer normativo aplicável ao contrato de trabalho.
LXII. Tanto mais que na legislação especial em causa, isto é, nem na LCT nem no Código do Trabalho, se prevê o afastamento do regime geral dos juros consagrado no normativo legal que, à semelhança de tantos outros contratos, prevê e define este tipo de contrato em especial – o contrato de trabalho.
LXIII. Nem tão pouco se pode sustentar que o facto de, no Código do Trabalho de 2003 se prever que todos os créditos prescrevem no prazo de ano após a cessação do contrato de trabalho, significa que também os juros estão aí incluídos por se tratar de obrigação acessória à obrigação principal de pagamento das prestações em causa.
LXIV. Pois, se assim fosse, dada a importância que tal matéria reveste, certamente que o legislador a teria expressamente previsto.
LXV. Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria que determinar a razão de, no Código do Trabalho presentemente em vigor, se ter retirado a expressão “todos os créditos”, passando a prever -se, no n.º 1 do art. 337.º que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. – sublinhado nosso.
LXVI. Para assim se concluir que o legislador mais não quis do que reforçar a ratio original, ou seja, o contrato de trabalho é um tipo contratual previsto no Código Civil, sujeito ao regime nele consagrado na parte em tudo o que não é expressamente afastado por qualquer legislação, geral ou especial, como acontece com os juros vencidos.
LXVII. Tal regime não colide com o aplicável aos créditos laborais, entendendo-se como tais as prestações retributivas reclamadas pelo trabalhador, decorrentes de contrato de trabalho, os quais só prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho (art. 337.º do C.Trab.).
LXVIII. Por outro lado, pressupondo a obrigação dos juros uma obrigação de capital, que não assume natureza laboral, apenas porque a obrigação principal reveste essa natureza, tanto mais que o regime da prescrição dos créditos laborais é especial.
LXIX. Integrar aí os juros é forçar a letra da lei na medida em que os juros têm a sua causa imediata no incumprimento ou cumprimento tardio, pelo que, e na senda do Acórdão da RC de 02/03/2011, não é dogmaticamente correcto defender que eles resultam do contrato de trabalho ou estão abrangidos na “violação do contrato”.
LXX. O fundamento subjacente à suspensão do prazo prescricional dos créditos laborais, ainda que analisada do ponto de vista dos créditos do trabalhador, não nos permite concluir dever-se alargar o âmbito da norma ao regime de prescrição de juros.
LXXI. Os juros nascem do incumprimento e visam punir apenas a mora pela falta de cumprimento de obrigações pecuniárias. Assim, não podem considerar-se como um crédito resultante do contrato de trabalho, devendo os juros ficar sujeitos ao regime geral da prescrição, decorrente da al. d) do ar t. 310.º do C.Civ.
LXXII. Justificar a aplicação de uma norma excepcional pela origem mediata da causa também não nos parece adequado. Desde logo, e repetimo-nos, porque há uma norma específica que prevê a prescrição dos juros, ainda que ilíquidos - al. d) do art. 310.º do C.Civ., sendo certo que se estaria a alargar o âmbito aplicativo de uma norma excepcional a casos que a letra do preceito não prevê.
LXXIII. Não nos parece que o legislador tenha criado um regime de protecção tal que quisesse incluir os juros nos sucessivos preceitos da prescrição dos créditos laborais, sendo certo que é sim, um absurdo, que o Autor após 30 anos, como sucede in casu, sobre um vencimento de um crédito que não lhe foi pago atempadamente, possa vir reclamar juros desde o vencimento.
LXXIV. Se o devedor paga juros é porque, durante determinado período e tempo, deteve na sua esfera capital que deveria encontrar-se na esfera do credor; Ora, como supra referimos, a Ré não podia liquidar a prestação por não saber quais os complementos remuneratórios que integrariam o conceito de retribuição, e apenas o saberá aquando do trânsito em julgado da decisão a proferir, pelo que, constitui, de facto, uma vantagem para o credor que a suspensão da prescrição dos créditos laborais se estenda também aos juros devidos pela mora.
LXXV. Tanto mais que a permanência de capital na esfera da Ré não resulta do incumprimento culposo da obrigação de pagar.
LXXVI. Pelo conjunto de razões que ficam ditas, entende a Apelante ser aplicável aos juros o disposto na al. d) do art. 310.º do C.Civ., ou seja, considera que estes estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos e que esse prazo não se suspende por mero efeito de estar (ainda) em execução o contrato de trabalho.
LXXVII. O que significa que, a haver diferenças retributivas devidas, aquelas quantias só começam a vencer juros 5 anos antes da citação da Ré e não desde a data do respectivo vencimento.
LXXVIII. Por outro lado, e quanto à compensação especial, as características de regularidade e periodicidade no pagamento não são de atender quando as prestações têm uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.
LXXIX. Esta compensação especial tem uma finalidade específica, que é o pagamento da assinatura do telefone que ocorre 12 vezes, sendo paga todos os meses, incluindo o de férias, como consta da prova documental junta com a contestação, a fls. dos Autos, e que não foi impugnada pelo Autor.
LXXX. Documentação essa que foi, em absoluto, desconsiderada pela M.mo Juiz a quo, é atribuída segundo determinados critérios, avaliados ano a ano, e que por isso não tem justificação para integrar os subsídios de férias e de natal.
LXXXI. Ora, as ordens de serviço juntas ao Autos permitem concluir que esta compensação visava compensar a dedicação à Empresa, especificamente a antiguidade, o comportamento e a assiduidade, inicialmente, através da isenção de pagamento da taxa de assinatura mensal do telefone instalado na residência do trabalhador e, a partir de Fevereiro de 1995, através do respectivo pagamento.
LXXXII. Eram requisitos para a sua atribuição, nomeadamente, a antiguidade, assiduidade (quantidade de faltas e faltas injustificadas) e o percurso disciplinar.
LXXXIII. Por outro lado, cabe dizer que esta compensação especial nada tem a ver com a Cl. 139.º do AE, onde sob o nome Compensação Especial, se define a Compensação do horário incómodo, que é atribuída ao trabalhador por cada dia que iniciar ou terminar o seu período normal de trabalho entre as 2 e as 6 horas, inclusive, ou quando o trabalhador inicie ou termine, no período referido, o seu intervalo de descanso, desde que este seja igual ou superior a quatro hora.
LXXXIV. A Compensação Especial peticionada pelo Autor com aquele nome, refere-se tão só à isenção do pagamento da taxa telefónica, não têm por fim contrapartida pelo trabalho prestado, antes sim, premiar dedicação do trabalhador à empresa, pelo que não deveria integrar o conceito de retribuição.
LXXXV. Por outro lado, andou mal a sentença recorrida na análise da regularidade e periodicidade.
LXXXVI. Quanto a esta questão, vem sendo entendimento praticamente unânime da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [Acs. STJ de 23.06.2010, 15.09.2010, 16.12.2010 e de 05.06.2012, todos in www.dgsi.pt] que «deve considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial que ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).
LXXXVII. Deste modo, e sufragando-se este entendimento, que salvo melhor opinião é o correto, apenas os suplementos remuneratórios que foram pagos ao autor em onze dos doze meses de cada ano deveriam ser considerados para os referidos efeitos.
LXXXVIII. Por fim, a condenação da Recorrente na integração das prestações complementares no Subsídio de Natal incidiu sobre os subsídios peticionados pelo A., com por via, além do mais, da interpretação dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis.
LXXXIX. Porém, não podemos aceitar a conclusão a que chegou o M.mo Juiz a quo na medida em que, e nos termos do disposto na Clª 143ª do AE/CTT de 1981, era devido aos trabalhadores da Recorrente, um subsídio de Natal “igual a um mês de retribuição”, sendo este o conceito adoptado pelos diversos intervenientes na outorga do referido AE/CTT.
XC. Em consequência, porque aplicável ao caso dos presentes autos, não se aplica à situação neles reportada o disposto no art. 2.º, n.º 1 do D.L. n.º 88/96, de 03.07, na medida em que a vontade das partes outorgantes do AE/CTT era a de que as prestações variáveis não integravam o subsídio de Natal.
XCI. Tratando-se de Cláusulas contratuais temos de lançar mão do estatuído no art. 236.º do C.Civ., no sentido em que a amplitude remuneratória do Subsídio de Natal, há-de corresponder à vontade real das partes, outorgantes do referido AE.
XCII. E a vontade real das partes não pode ter sido outra senão a correspondente interpretação feita pela ora Recorrente, segundo a qual as prestações variáveis não integravam o subsídio de Natal, pois em mais de 25 anos de execução dos sucessivos Acordos de Empresa, nunca os representantes dos trabalhadores questionaram judicial ou extrajudicialmente a interpretação do acordado.
XCIII. Efectivamente, a posição dos seus trabalhadores ao longo dos anos – designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente - fez com que a Ré perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos.
XCIV. Por outro lado, e tendo em conta a posição no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.FEV.03, proferido no âmbito do Recurso de Revista 4072/02, da 4ª Secção “…se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve considerar-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram” é de atender aos elementos interpretativos no caso concreto.
XCV. Porém, além do facto de os trabalhadores da Ré, apenas agora vierem massivamente pôr em causa a forma de pagamento deste subsídio, existe outro elemento interpretativo a ter em conta e supra definida, que se refere à interpretação da expressão “serviço normal”.
XCVI. Além disso, a partir da entrada em vigor da Lei 99/2003 de 27 de Agosto (antigo Código de Trabalho), mais concretamente nos seus artigos 250º e 254º, a situação tornou-se perfeitamente clara, ou seja, para o cálculo daquele subsídio apenas deverão ser tidas em conta o vencimento base e diuturnidades.
XCVII. Neste sentido afirma a doutrina, em especial, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, pág. 470, 13ª Edição, editora Almedina: “(…) o art. 250.º/1 oferece a regra supletiva segundo a qual “a base de cálculo das prestações complementares e acessórias” será composta apenas pe la retribuição base e diuturnidades. Esta disposição não terá sido criada, especificamente para a determinação do subsídio de Natal, mas mostra-se susceptível de lhe ser aplicada: o subsídio é uma prestação “complementar” porque não tem correspectividade directa com certa quantidade de trabalho. Cremos, pois, que o “mês de retribuição” a que se refere o art. 254.º/1 CT é equivalente ao somatório da retribuição base e diuturnidades.”
XCVIII. Entendimento este consagrado em Parecer de 31.10.2013, que ora se junta como Doc. 1, no qual se pode ler:
“XV: Quanto à determinação do montante do subsídio de Natal, já relativamente ao período anterior à codificação, a combinação dos dados legais e convencionais resultava em que deveriam ser adicionados os valores da retribuição base e das diuturnidades.
XVI: Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, consolidou-se essa configuração do subsídio de Natal: retribuição bases mais diuturnidades.”
XCIX. Porém, o tribunal a quo, condenou a Recorrente no pedido formulado pelo Autor, o qual incluí a média das prestações complementares, no pagamento do subsídio de Natal, quando para o pagamento daquele subsídio apenas deverão ser tidos em conta o vencimento base e as diuturnidades.
C. O M.mo Juiz a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, os arts. art. 236.º, 310.º e 561.º C.Civ., art. 38.º, 82.º, 83.º, 86.º e 87.º da LCT, o art. 2.º do DL 88/96 e os arts. 381.º do C.Trab.2003 e 337.º do C.Trab.2009 e as normas constantes do AE/CTT.
Nestes termos, e nos mais de direito, (…) deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada, nesta parte, a douta Sentença, com as legais consequências, (…).

Contra-alegou o recorrido formulando a final as seguintes conclusões:
1- No caso em apreço, ficou provado de que de 1988 a 2013, o A. auferiu, em diversos meses, quantias variáveis a título de trabalho suplementar, por trabalho nocturno, compensação horário incómodo, compensação horário descontínuo, subsidio cargas e descargas, subsidio de turno, subsidio divisão de correio, abono por trabalho suplementar, compensação especial.
2- Todas estas retribuições, abonos ou subsídios encontram-se previstos no AE.
3 - Defende-se de forma pacífica é que na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal se devem incluir todas as prestações regulares e periódicas pagas ao trabalhador como se ele estivesse em serviço efectivo, ou seja como se ele estivesse a desempenhar o seu trabalho no concreto condicionalismo em que o costuma desempenhar (nomeadamente o condicionalismo de tempo e risco sem esquecer a antiguidade).
4- As verbas reclamadas judicialmente são referentes a verbas remuneratórias que a Recorrente deveria ter pago ao Recorrido.
5- A natureza dos juros moratórios aqui reclamados é de origem laboral e não civil.
6 - O prazo para reclamação dos créditos laborais não prescreve excepto os decorrentes um ano após a cessação do contrato de trabalho.
7 – Não há qualquer prescrição dos créditos anteriores a 1992, dado a legislação aplicável ao caso concreto, conforme o determinado no Acórdão do TRP de 13/04/2015.
8- A compensação especial está consagrada quer no AE, quer em fichas de legislação emitidas pelo próprio Conselho de Administração da Recorrente, tendo o caráter de subsidio, sendo paga 12 meses no ano até Maio de 2004, e a partir de Junho de 2004 passou a denominar-se “ diuturnidade especial “ e é paga 14 vezes no ano.
9 - Existindo ainda jurisprudência que entende que, determinadas atribuições patrimoniais que pelas suas características (prémio de produtividade, distribuição de lucros), apenas uma vez no ano são atribuídas, não deixam de ter esta característica de regularidade e periodicidade, uma vez que o seu valor pode ser achado pela média dos 12 meses e o trabalhador não deixa de criar legitimas expectativas no seu recebimento.
10 - A confirmar este principio de entendimento da regularidade e periodicidade dos suplementos remuneratórios, evidenciados (…) determina-se no Acórdão do STJ 03.11.1989 que esta habitualidade, não tem medida certa, deve ser entendida, “cum grano salis”, ou seja, não se exige que determinada prestação pecuniária seja recebida todos os meses do ano em que haja prestação de trabalho (ou seja 11 meses por ano) antes se entende que ela se verificará, desde que num determinado ano, seja maior o número de vezes em que foi recebida do que aqueles em que não foi.
11 - À luz deste critério, dir-se-á pois que sempre que num determinado ano, certa prestação pecuniária seja recebida pelo menos 6 meses, tem carácter habitual.
12 - Dado o carácter retributivo atribuído às prestações complementares que o A. recebeu regularmente ao longo de vários anos, criando pois a legitima expectativa delas, a disciplina dos artº.s 254 nº. 1 e 250 nº. 2 do Código do Trabalho não é aplicável, uma vez que, nos termos do artº. 11 da Lei Preambular ao Código do Trabalho de 2003 “A retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor“.
13 - Relativamente aos subsídios de Natal a partir do ano de 2003, deve ainda repercutir a média das retribuições complementares alegadas pelo Recorrido.
Termos em que improcede o presente Recurso, proferindo-se outra decisão em que se condene a Recorrente, como se pede na P.I., (…).

A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
1. A natureza jurídica da relação estabelecida entre a Ré e os seus trabalhadores até Maio de 1992, e em decorrência da natureza administrativa dos actos de processamento de remunerações, a sua inimpugnabilidade, não serem devidas as diferenças reclamadas e estarem prescritos quer os créditos quer, por maioria de razão, os juros.
2. Abuso de direito na modalidade de “supressio”.
3. O momento a partir do qual se conta a mora.
4. A prescrição dos juros de mora.
5. A natureza não retributiva da compensação especial.
6. O critério de regularidade e periodicidade apto à qualificação retributiva.
7. A não repercussão da média das retribuições além da retribuição-base e diuturnidades no subsídio de Natal até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003.

Note-se, apesar da conclusão 12ª das contra-alegações, que não tendo sido pedida a ampliação do objecto do recurso, nem sido interposto recurso pelo A., não está em causa saber se as mesmas médias deviam ter sido repercutidas no subsídio de Natal após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, por efeito do artigo 11º da sua lei preambular.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão – é a seguinte:
a) O Autor foi admitido pela Ré em Maio de 1976, através de contrato de assalariamento, para exercer as funções de boletineiro.
b) Em Setembro de 1976 o Autor foi admitido como efectivo na Ré.
c) Em Janeiro de 1979, após cumprir o serviço militar obrigatório, o Autor regressou ao serviço, para exercer as funções de carteiro.
d) O Autor encontra-se aposentado desde 01 de Julho de 2013.
e) Entre os anos de 1988 e 2013 o Autor auferiu, em alguns meses, quantias que lhe foram pagas a título de complementos salariais, cujos montantes globais anuais foram os seguintes:
Em 1988:
- trabalho suplementar, 8 meses, no valor global de (103 750$00) 517,50€;
- trabalho nocturno, 11 meses, no valor global de (137 477$00) 685,73€;
Em 1989:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (155 529$00) 775,78€;
- compensação por horário incómodo, 12 meses, no valor global de (18 943$00) 94,49€;
- compensação por horário descontínuo, 12 meses, no valor global de (6782$00) 33,83€.
Em 1990:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (178 837$00) 892,04€;
- compensação por horário incómodo, 10 meses, no valor global de (18880$00) 94,17€;
- compensação por horário descontínuo, 6 meses, no valor global de (3657$00) 18,24€.
Em 1991:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (197 213$00) 983,69€;
- compensação por horário incómodo, 8 meses, no valor global de (15 610$00) 77,86€.
Em 1992:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (194 564$00) 970,48€.
Em 1993:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (143 335$00) 714,95€.
Em 1994:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (199 516$00) 995,18€.
Em 1995:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (222 265$00) 1 108,65€;
- compensação especial, 5 meses, no valor global de (14 280$00) 71,23€.
Em 1996:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (228 578$00) 1 140,14€;
- compensação especial, 12 meses, no valor global de (26 640$00) 132,88€.
Em 1997:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (161 873$00) 807,42€;
- compensação especial, 12 meses, no valor global de (28 740$00) 143,35€.
Em 1998:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (218 136$00) 1 088,06€;
- compensação especial, 12 meses, no valor global de (30 874$00) 154,00€;
- subsídio de cargas e descargas, 10 meses, no valor global de (52 200$00) 260,37€.
Em 1999:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de (192 760$00) 961,48€;
- compensação especial, 11 meses, no valor global de (28 479$00) 142,05€;
- subsídio de cargas e descargas, 11 meses, no valor global de (35 753$00) 178,34€.
Em 2000:
- trabalho nocturno, 9 meses, no valor global de (155 681$00) 776,53€;
- compensação especial, 12 meses, no valor global de (31 068$00) 154,97€;
- subsídio de cargas e descargas, 9 meses, no valor global de (28 403$00) 141,67€.
Em 2001:
- trabalho nocturno, 10 meses, no valor global de 945,21€;
- compensação especial, 12 meses, no valor global de 154,71€;
- subsídio de cargas e descargas, 10 meses, no valor global de 169,36€.
Em 2002:
- trabalho nocturno, 11 meses, no valor global de 1 150,57€;
- compensação especial, 5 meses, no valor global de 76,50€;
- subsídio de cargas e descargas, 11 meses, no valor global de 209,54€.
Em 2003:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 946,18€;
- compensação especial, 12 meses, no valor global de 183,60€;
- subsídio de cargas e descargas, 8 meses, no valor global de 152,39€.
Em 2004:
- trabalho suplementar, 12 meses, no valor global de 1 856,45€;
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 1 627,94€;
- compensação especial, 5 meses, no valor global de 76,50€;
- subsídio referente a trabalho suplementar, 12 meses, no valor global de 307,54€.
- subsídio de cargas e descargas, 11 meses, no valor global de 213,53€.
- subsídio de turno, 9 meses, no valor global de 203,87€;
Em 2005:
- trabalho suplementar, 5 meses, no valor global de 1 603,32€;
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 877,42€;
- subsídio referente a trabalho suplementar, 5 meses, no valor global de 248,46€.
- subsídio de cargas e descargas, 9 meses, no valor global de 130,10€.
Em 2006:
- trabalho suplementar, 8 meses, no valor global de 2 357,18€;
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 967,46€;
- abono trabalho suplementar, 7 meses, no valor global de 162,07€;
- subsídio referente a trabalho suplementar, 8 meses, no valor global de 278,46€.
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 242,37€.
Em 2007:
- trabalho suplementar, 7 meses, no valor global de 784,02€;
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 999,58€;
- abono trabalho suplementar, 7 meses, no valor global de 118,46€;
- subsídio referente a trabalho suplementar, 7 meses, no valor global de 120,17€.
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 226,40€.
Em 2008:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 936,47€;
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 207,42€.
Em 2009:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 814,41€;
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 188,31€.
Em 2010:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 1 047,24€;
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 214,70€.
Em 2011:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 998,53€;
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 207,92€.
Em 2012:
- trabalho nocturno, 12 meses, no valor global de 1 095,81€;
- subsídio de divisão de correio, 12 meses, no valor global de 235,04€.
Em 2013:
- trabalho nocturno, 6 meses, no valor global de 483,60€;
- subsídio de divisão de correio, 10 meses, no valor global de 108,48€.
f) Até Novembro de 2003 a Ré nunca incluiu nas retribuições que pagou ao Autor a título de férias e de subsídio de férias, os valores médios mensais das prestações complementares supra referidas.
g) No ano de 2003 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 224,38€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
h) No ano de 2004 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 608,44€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
i) No ano de 2005 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 372,65€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
j) No ano de 2006 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 649,54€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
k) No ano de 2007 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 371,49€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
l) No ano de 2008 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 271,48€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
m) No ano de 2009 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 228,93€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
n) No ano de 2010 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 184,22€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
o) No ano de 2011 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 99,07€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
p) No ano de 2012 a Ré incorporou no montante pago ao Autor a título de retribuição de férias e de subsídio de férias a quantia global de 305,69€, correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.
q) A Ré nunca incorporou nos montantes pagos ao Autor a título de subsídio de natal qualquer quantia correspondente às prestações retributivas complementares por ele auferidas.

Apreciando:
As questões ora postas à nossa apreciação em nada inovam nem o recurso apresenta novos argumentos em relação às muitas decisões que este tribunal de recurso tem dado sobre tais questões. Entende-se assim fundamentar o presente acórdão com referência e transcrição dos trechos aplicáveis de outros acórdãos anteriores, deste e doutros colectivos deste mesmo tribunal de recurso.
Assim, este mesmo colectivo proferiu recentemente acórdão no processo 295/14.2TTMAI.P1, em 15.2.2016, cujas questões a decidir eram as seguintes:
1 - a natureza jurídica da relação estabelecida entre a R. e os seus trabalhadores até Maio de 1992, por via da qual o processamento automático de vencimentos integra acto administrativo, inimpugnável após quase 30 anos, e por via da qual, mesmo que assim não se entenda, ocorre, por recurso às aplicáveis regras gerais do Código Civil, prescrição das diferenças vencidas há mais de cinco anos. Pela prescrição destes créditos, necessariamente também nada será devido ao A. a título de juros de mora;
2 - o abuso de direito por parte do A., na modalidade de supressio, no que toca aos juros de mora;
3 - a inexistência de mora antes da citação;
4 - a aplicação do prazo prescricional civil aos juros de mora;
5 - a natureza não retributiva do abono quilométrico;
6 - a natureza não retributiva da compensação especial;
7 - o critério necessário para a regularidade susceptível de qualificar a prestação como retributiva;
8 - a não repercussão das médias das prestações pagas no subsídio de Natal, quer antes, quer depois da codificação.

Tirando pois a quinta questão, todas as outras são idênticas às que estão para decisão nestes autos.
Escrevemos no referido acórdão:
“1ª questão:
Sobre esta questão, este tribunal, no processo nº 224/14.3TTPRT.P1[1] teve ainda em 18.1.2016, oportunidade de se pronunciar, de resto no mesmo sentido de outros acórdãos já proferidos por esta Secção Social, nos termos que, sem haver argumentação diversa, se entendem também aqui manter e que são os que passamos a citar:
“Os CTT foram transformados numa Administração-Geral, dotada de autonomia administrativa e de autonomia financeira, sob a autoridade directa do Ministro da pasta competente - decreto de 24/05/1911.
A partir de 1/1/1970, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passou a constituir uma empresa pública do Estado, denominada “Correios e Telecomunicações de Portugal”, com estatuto próprio anexo ao DL 49368, de 10/11/1969, tendo mantido a abreviatura tradicional de CTT (art. 1° do DL 49368 e art. 1º/1 do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal anexo esse DL).
Nos termos do art. 2º/2 desse Estatuto os CTT são dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem autonomia administrativa e financeira e têm a sua sede em Lisboa.
Posteriormente, a empresa CTT foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (DL 87/1992, de 14/05).
Pelo DL 277/1992, de 15/12, criou-se por cisão dos CTT – Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., a Telecom Portugal S.A.
Desde então que a ré se manteve como sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Por isso mesmo, sempre pode sustentar-se que a ré integra a denominada administração indirecta do Estado que, como é sabido, integra: a) as pessoas colectivas de estatuto público, nas quais se integram os institutos públicos[2] [de prestação (v.g. hospitais públicos não empresariais, Instituto Nacional de Estatística), reguladores (v.g. INTF, I.P. - transportes ferroviários; InIR, I.P. – infra-estruturas rodoviárias; INAC, I.P. – aviação civil; IMOPPI, I.P. – mercados de obras públicas e particulares e do imobiliário; ERSAR, I.P. – serviços de águas e resíduos), fiscalizadores (v.g. Autoridade da Concorrência, Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar) e de infra-estruturas (v.g. Instituto Marítimo-Portuário)], e as entidades públicas empresariais[3]; b) as pessoas colectivas de estatuto privado[4], nas quais se integram as empresas públicas sob a forma societária, as fundações e as associações - João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Editora Âncora, pp. 123 e ss.
Ainda assim, não pode por essa simples via concluir-se que os trabalhadores subordinados da ré estavam sujeitos ao regime jurídico do emprego público.
Na verdade, no próprio preâmbulo do Estatuto dos CTT aprovado pelo DL 49368 pode ler-se, designadamente, que: “(…) agrupou-se o pessoal dos CTT em três escalões: escalão I, correspondente aos actuais serventuários dos quadros permanentes, os quais manterão todos os direitos e deveres do Estatuto do Funcionalismo Público, mas passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão seguinte, ficando, em correspondência, sujeitos aos mesmos horários e regime fiscal; escalão II, constituído por servidores a admitir por tempo indeterminado, que ocuparão posição intermédia entre o regime dos funcionários do Estado e o dos empregados das empresas privadas; escalão III, formado por servidores a admitir por prazo limitado, cujo regime deverá inspirar-se no dos assalariados.”.
Nos termos do art. 26º/1/2/3 desse diploma, inserido no Capítulo III (“Do Pessoal”):
1. O pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do artigo 36.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 23548, de 23 de Setembro de 1933) e o seu regime jurídico será definido em regulamentos especiais.
2. Os referidos regulamentos serão elaborados pelo conselho de administração e estabelecerão para o pessoal um regime jurídico que se adapte às actividades específicas dos CTT e tenha em conta a diversidade de tarefas a que tais actividades obrigam. A aprovação desses regulamentos será dada em portaria conjunta dos Ministros das Comunicações e das Corporações e Previdência Social.
3. O pessoal dos CTT será integrado nos escalões seguintes:
a) Escalão I - Constituído pelos funcionários admitidos até 31 de Dezembro de 1969 nos quadros permanentes. Estes servidores manterão todos os direitos e deveres e passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão II, com idênticos horários de trabalho e regime fiscal;
b) Escalão II - Constituído por servidores admitidos por tempo indeterminado, mas susceptíveis de despedimento, não só por motivos disciplinares, como por conveniência de serviço. Ingressará neste escalão o pessoal existente em 31 de Dezembro de 1969 das modalidades seguintes: o do quadro de reserva; o admitido ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 36155, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 47488; e o do artigo 7.º daquele mesmo Decreto-Lei n.º 36155, quando possua carácter de continuidade e esteja sujeito a qualquer dos horários semanais especificados nas alíneas a), b) e c) do artigo 26.º deste último diploma;
c) Escalão III - Constituído pelos servidores temporários, admitidos por prazo limitado, ainda que prorrogável. Ingressará neste escalão o pessoal dos CTT existente em 31 de Dezembro de 1969 não considerado nos escalões anteriores.”.
O aqui autor pertenceu ao referido escalão II.
Nos termos desse art. 26º/3/b, os trabalhadores do escalão II poderiam ser despedidos não só por motivos disciplinares, mas também por conveniência de serviço, ao invés do que poderia suceder com os trabalhadores do escalão I, que continuaram sujeitos ao Estatuto da Função Pública, sendo devida àqueles uma indemnização calculada em função das regras do cômputo da indemnização, por despedimento pela entidade patronal, sem justa causa, nos termos da legislação do trabalho (art. 26º/5), de tudo resultando uma nítida intenção legislativa de subtrair as relações entre a ré e os seus trabalhadores do escalão II ao regime jurídico dos funcionários públicos.
Por outro lado, existem outros indícios de que o próprio legislador pretendeu subtrair ao regime jurídico do funcionalismo público as relações de trabalho entre a ré e aqueles trabalhadores do escalão II, a saber: a) a consagração explícita, em normas especiais, em relação a esses trabalhadores do escalão II, de determinadas prerrogativas típicas dos funcionários públicos (v.g. art. 28º do DL 49368), que já lhes assistiriam se estivessem submetidos ao mencionado regime sem necessidade daquela consagração; b) a fixação da remuneração dos trabalhadores dos CTT pelo respectivo conselho de administração, levando necessariamente em conta o nível de remunerações na indústria privada (art. 27º1/d do DL 49368); c) a sujeição dos trabalhadores dos CTT a um regime de tributação distinto dos funcionários do Estado (art. 27º/3 do DL 49368); d) a preconização de uma evolução do regime jurídico do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho, sem prejuízo das características do serviço público de correios (art. 66º/a do DL 49368).
Leve-se em conta, também, que segundo o art. 26º/1 daquele Estatuto, o pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do art. 36º do Estatuto do Trabalho Nacional (DL 23548, de 23/9/1933), acrescentando o nº. 4, do mesmo dispositivo, que os servidores dos CTT permanecem sujeitos ao poder disciplinar da empresa.
O primeiro dos regulamentos referidos no supra transcrito art. 26º/1 foi aprovado pela Portaria nº 706/1971, de 18 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1972 (art. 100.º) - Regulamento Geral do Pessoal dos CTT, que passou a constituir a base do regime jurídico dos servidores da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal e que desenvolveu as linhas orientadoras contidas naquele art. 66º/a no sentido de aproximar o regime dos trabalhadores dos CTT ao regime do contrato individual de trabalho.
Lê-se no preâmbulo do anexo a essa Portaria, designadamente, a referência a uma “…necessidade de combinar o Estatuto Geral da Função Pública, sob cuja tutela se encontrava o funcionalismo dos CTT (...) com o direito comum do trabalho (...)”.
Nele pode ler-se, também, que “A participação do pessoal nos lucros da empresa; a integração, em princípio, de todos os profissionais em carreiras, (...); os benefícios de obras sociais (...); a admissão de indivíduos com deformidades físicas, (...) e a preferência, até, de que gozam os mutilados em determinadas circunstâncias; a garantia de promoção, (...); o regime de trabalho a meio tempo, (...); a limitação do tempo diário e semanal do serviço, mesmo no capítulo do trabalho extraordinário; a extensão muito sensível do período de doença remunerada (...); a licença para casamento; o sistema de cálculo da licença para férias; os abonos aos aposentados desligados do serviço, e o regime de despedimento do pessoal dos escalões II e III - na medida em que pode ser da iniciativa do empregado ou dá direito, em certos casos, a indemnização - constituem, porventura, os aspectos socialmente mais salientes deste Regulamento, e muitos deles traduzem aproximação ao direito comum do trabalho, (...).
5. Deste modo se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, uma vez que o mesmo continua, por força do estatuto da empresa, sujeito ao regime de direito público, tal como sucede, aliás, com outras empresas públicas, (...).
Mas a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66. E bem pode afirmar-se, analisando-se este Regulamento, que tais princípios só não foram recebidos quando tal se revelou de todo inviável; e, que, por outro lado, também, por vezes, foram largamente ultrapassados.”.
Atente-se, igualmente: a) no estatuído no art. 1º/1 segundo o qual “O pessoal dos CTT passa a reger-se por um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público.”; b) no estatuído no art. 3º/1 no sentido de que os princípios consignados no estatuto privativo do pessoal serão desenvolvidos e executados por normas a ele subordinadas, contidas em ordens de serviço do conselho de administração; c) na possibilidade de os trabalhadores dos escalões II e III poderem ser despedidos por conveniência de serviço, mediante o pagamento de uma indemnização calculada nos termos da legislação do trabalho (arts. 90º a 93º).
Tudo evidências de que o legislador pretendeu inequivocamente, pelo menos em relação aos trabalhadores dos escalões II e III, subtraí-los do regime jurídico dos típicos trabalhadores da função pública.
Importa reter, igualmente, que o DL 49408 de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de trabalho a ele anexo (LCT), dispôs no seu art. 11.º o seguinte:
1. Ressalvada a legislação em vigor, o regime do contrato individual de trabalho aplica-se às empresas concessionárias do serviço público, mas poderá vir a sofrer as adaptações exigidas pelas características destes serviços mediante decretos regulamentares referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competentes.
2. O disposto no número anterior é aplicável às empresas públicas.
Por outro lado, o art. 30º/1 do DL 260/1976, de 8/4, estipulou que “O estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvo quanto ao pessoal das empresas que explorem serviços públicos, para o qual, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º, pode ser definido, em certos aspectos, um regime de direito administrativo baseado no Estatuto do Funcionalismo Público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade de cada empresa.”.
Concordantemente, prescreveu o art. 3º/2 do mesmo DL “Os estatutos das empresas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente à defesa nacional ou exerçam a sua actividade em situação de monopólio podem submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público bem como conceder-lhes especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade”.
Tenha-se em conta, ainda, o ensinamento que a propósito desta concreta questão foi enunciado por J. Acácio Lourenço (As Relações de Trabalho nas Empresas Públicas, Coimbra Editora, p. 137), segundo o qual o Regulamento Geral de Pessoal foi alterado pela Portaria de Regulamentação de Trabalho (P.R.T.) publicada no B.T.L. nº. 28 de 1977, que aplicou ao pessoal dos C.T.T. a maioria dos aspectos que consubstanciam a disciplina do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
Aliás, o processo adoptado para a fixação das condições colectivas de trabalho tem sido o da negociação entre o conselho de administração e os sindicatos representativos do pessoal.
Atente-se, finalmente, em que as relações de trabalho entre a ré e os seus trabalhadores, autor incluído a partir da PRT de 29/7/1977, têm sido reguladas, desde 1981, por Acordos de Empresa, nos quais se encontra especificamente regulamentada toda a matéria respeitante a remunerações, incluindo pagamentos e respectivos documentos comprovativos.
Ora, sendo os acordos de empresa instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, regulados pela lei civil e emergentes do encontro de vontades entre sindicatos privados e a ré, mal se conceberia que os actos de processamentos salariais levados a efeito ao abrigo e no cumprimento do estatuído naqueles instrumentos de regulamentação colectiva pudessem revestir-se da natureza de actos administrativos.
Em face de tudo quanto vem de expor-se, bem se compreende que aos trabalhadores dos CTT como o autor, para além das normas especificas a que estavam sujeitos, era-lhes aplicável o regime do contrato individual do trabalho, ou seja, a LCT (DL 49408, de 24/11/69)[5], razão pela qual resulta insustentável o entendimento de que os actos de processamentos salariais da ré em relação ao autor eram actos administrativos praticados no âmbito de um relação jurídica de natureza público-administrativa.
Tudo para concluir que a relação de trabalho entre o autor e a ré também estava sujeita, designadamente, ao estatuído no art. 38º da LCT e normas correspondentes do CT/2003 e CT/2009”. (fim de citação).
Deste modo, e porque dependente da pretextada natureza administrativa da relação, também a invocação da prescrição dos créditos ao abrigo do regime civil e a consequentemente inexistência de juros, improcedem.

2ª questão:
Continuando a citação do mesmo acórdão, pelo mesmo fundamento de concordância e aplicação a estes autos:
“Nos termos do artigo 334º CC é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito.
Agir de boa-fé é, tanto no contexto do artigo 334º como no do artigo 762º/2, ambos do CC, actuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é proceder de modo a não procurar alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
Os bons costumes são um conjunto de regras de convivência que num dado ambiente e em certo momento as pessoas honestas e correctas aceitam como contrárias à imoralidade ou indecoro social.
Esta complexa figura do abuso de direito é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, de janelas por onde podem circular lufadas de ar fresco, com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, pp. 63 ss; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª, pp. 60 ss; P. Lima / A. Varela, CC Anotado, I, 4ª, p. 299).
Segundo Manuel de Andrade existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito (loc. cit.).
“A doutrina do abuso de direito é inspirada numa consideração de justiça - pode ser que as normas gerais, ao serem aplicadas a um caso específico, não sirvam perfeitamente a justiça...” – Pereira Coelho, Obrigações (Aditamentos), p. 27.
Em sintonia com esta doutrina, refere Vaz Serra (BMJ nº 85) que haverá abuso de direito quando este, em princípio legítimo, é, em determinado caso, exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se o não tivesse. Se os direitos concedidos pela lei, tendo em vista determinados fins, fossem exercidos para finalidades diversas não se pode dizer que se trata de verdadeiro exercício de um direito, mas de falta de direito.
Pode, por isso, entender-se juridicamente que integra o exercício abusivo do direito um comportamento que aparentando ser exercício desse direito, se traduz, afinal, na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem.
Ora, como fundamento factual do abuso de direito por si arguido, alega a ré que: “… nunca antes desta data – entenda-se, desde a data da propositura da presente acção - o Autor deu a entender à sua empregadora, aqui Ré, que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados…”; “Os subsídios alegados pelo Autor até 2003 não integravam o conceito de retribuição, e este entendimento sempre foi aceite por aquele, e pelos restantes trabalhadores da Ré.”; o autor “…nunca anteriormente reclamou o recebimento de tais quantias fora das situações que dão direito à sua percepção.”; “Com efeito, a postura do Autor – e dos demais trabalhadores da Ré – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
Sucede que percorrida a matéria de facto dada como provada por acordo entre as partes, logo se verifica que dela não consta a mínima alusão aos fundamentos de facto invocados pela ré e que acabaram de transcrever-se como sendo os por ela aduzidos como suporte da sua pretensão de ver reconhecido o abuso de direito em que o autor teria incorrido, concretamente, a ausência de qualquer discordância do autor em relação à prática retributiva da ré, a aceitação por parte do autor dessa mesma prática, a ausência de qualquer reclamação do parte do autor no sentido do pagamentos das quantias judicialmente reclamadas, e o convencimento da ré que os seus trabalhadores, autor incluído, aceitavam a sua prática retributiva.
Tanto bastaria para, sem necessidade de outras considerações, não se acolher o sustentado pela ré.
De resto, nem sequer pode acompanhar-se a recorrente na afirmação de que os seus trabalhadores jamais se insurgiram contra a prática salarial da ré referente à retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, pois que já no seu acórdão de 4/2/2002, proferido no processo 02S3606, o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciava sobre esta questão, em acção instaurada no Tribunal do Trabalho de Lisboa em 14 de Dezembro de 2000.
Aliás, é do nosso conhecimento oficioso, por virtude das funções exercidas em Tribunais do Trabalho, que desde há vários anos a esta parte que foram instauradas múltiplas acções em que trabalhadores da recorrente peticionaram, designadamente, que fossem contabilizadas para efeitos da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, prestações pecuniárias iguais ou idênticas às que estão em causa neste processo.
Como dito, não resulta dos autos e particularmente dos factos provados que o autor nunca tenha reclamado o pagamento dos créditos ora reclamados, podendo bem suceder que os tenha reclamado sem sucesso.
Além disso, mesmo a não os ter reclamado, fica sem se perceber a real razão porque o não teria feito, sendo múltiplas as explicações que poderiam aduzir-se para o efeito e que não traduzem qualquer espécie de renúncia do autor, expressa ou tácita, ao recebimento desses créditos; por exemplo, a falta de real consciência do direito a tais créditos, ou o temor de que a reclamação dos mesmos pudesse desencadear alguma reacção do empregador que prejudicasse a subsistência da relação de trabalho.
Por outro lado, também não resulta desses mesmos factos que a ré alguma tivesse gerado a confiança de que jamais o autor viesse a reclamar os créditos ora em causa, tanto mais que, como visto, nada se provou sobre a ausência de interpelações extrajudiciais do autor no sentido do seu pagamento.
O mero decurso do tempo sem que o autor tenha reclamado judicialmente os créditos ora em questão não é só por si suficiente para que a ré gerasse fundadamente uma convicção dessa natureza.
Não se verificam, assim, os pressupostos de facto de verificação necessária para poder sustentar-se que o autor incorreu em comportamento susceptível de ser enquadrado num exercício manifestamente abusivo de um direito a que se alude no art. 334º do CC”. (fim de citação).
Improcede pois esta questão.

3ª questão:
Prosseguindo a citação do já referido acórdão, por continuarmos a concordar:
“Sustenta a ré que, no máximo, apenas são devidos juros a contar da citação, por considerar que é ilíquida a obrigação que constituiu fundamento da sua condenação a pagar ao autor determinadas prestações pecuniárias, pelo que, no rigor, apenas serão devidos juros a contar da data da liquidação judicial do montante devido pela ré.
Mas não tem razão.
Com efeito, estando em causa prestações pecuniárias correspondentes a obrigações com prazo certo[6], o incumprimento do seu dever de pagamento nos correspondentes prazos faz incorrer o devedor em mora (arts. 805º/2/a do CC, art. 2º do DL 69/1985, de 18/3), com a consequente obrigação de indemnização traduzida na obrigação do pagamento de juros de mora (arts. 804º/1 e 806º do CC), os quais são devidos a contar da data de vencimento de cada uma das prestações em dívida e independentemente da interpelação do devedor (art. 805º/1/2/a do CC)[7], não estando registada a este respeito qualquer situação de iliquidez obrigacional que demande a aplicação do art. 805º/3 do CC.
A iliquidez referida pela apelante é apenas aparente, que não uma iliquidez real, sendo esta a única que pode desencadear a aplicação do regime retardatário previsto no art. 805º/3 do CC – neste sentido, apenas a título de exemplo, acórdãos do STJ de 23/11/2005, proferido no processo 2131/05, de 17/1/2007, proferido no processo 06S2967, e de 18/1/2006, proferido no processo 2840/2005; acórdãos da Relação do Porto de 24/3/2014, proferido no processo 597/13.5TTVNG.P1, e de 14/10/2013, proferido no processo 1839/10.4TTPRT.P1; acórdão da Relação de Lisboa de 8/10/2014, proferido no processo 1115/13.0TTLSB.L1-4”. (fim de citação).
Improcede pois esta questão.

4ª questão:
Citando o acórdão proferido no processo 702/14.4TTVNG.P1, também em 18.1.2016[8], por continuarmos a concordar:
“A resposta a esta questão tem de ser negativa – seguiremos aqui os fundamentos doutrinais e jurisprudenciais aduzidos pelos autores e pelas decisões a seguir citadas, sem necessidade de fastidiosas transcrições.
Na verdade e em jeito de conclusão sumária, os juros referentes aos créditos laborais não estão sujeitos ao regime do 310º/d do CC, estando antes sujeito ao regime dos arts. 38º da LCT, 381º/1 do CT/2003 e 337º/1 do CT/2009, sendo que o prazo assinalado nestas três últimas normas legais nem sequer se tinham iniciado à data da proposição da acção, posto que ainda não tinha cessado a relação de trabalho entre o autor e a ré - acórdãos do STJ de 6/3/2002, proferido no processo 599/01, de 20/9/2004, proferido no processo 1761/04, de 21/2/2006, proferido no processo 3141/05, de 14/3/2006, proferido no processo 3825/05, de 14/12/2006, proferido no processo 2448/06.
Neste sentido decidiu igualmente esta Relação nos seus acórdãos de 17/11/2014, proferido no processo 293/13.3TTVNF.P1, de 1/12/2014, proferido no processo 80/14.1TTVLG.P1-A, de 13/4/2015, proferido no processo 1457/13.5TTVNG-A.P1, de 13/10/2015, proferido no processo 200/14.6TTPRT.P1, com os fundamentos que ali estão enunciados e que aqui damos por integralmente reproduzidos.
No mesmo sentido também decidiu a Relação de Lisboa, nos seus acórdãos 4/7/2012, proferido no processo 2581/11.0TTLSB-A.L1-4, de 19/12/2012, proferido no processo 2534/08.0TTLSB.L2-4, e de 8/10/2014, proferido no processo 1115/13.0TTLSB.L1-4.
Na doutrina e neste mesmo sentido, pode consultar-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, 2007, p. 905, Milena Silva Rouxinol, O Regime de Prescrição dos Juros Laborais – Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2011, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, n.º 2, pp. 230 e ss”. (fim de citação).
Improcede pois esta questão.

6ª questão:
Quanto à natureza não retributiva da compensação especial, esta Secção tem tido ampla oportunidade de se pronunciar, lembrando à Ré que acorda na matéria de facto provada, prescindindo de mais prova, e que portanto não lhe é possível em recurso vir invocar que devia dar-se como provado – tanto mais que a decisão da matéria de facto nem sequer é impugnada em recurso – com base em documentos de ordens de serviço juntos aos autos, que tal compensação tem um fim específico diverso da retribuição da prestação do trabalho. Em suma, não havendo factos provados sobre a natureza desta compensação especial, ela tem de se submeter à regra geral da presunção de retribuição, constante quer na legislação pré-codicística quer nas duas versões do Código do Trabalho.
Improcede pois esta questão.

7ª questão:
A jurisprudência desta Secção Social, que não do ora relator, que abaixo fará declaração de voto vencido, adoptou recentemente a posição defendida pela ora recorrente, com a fundamentação que se colhe por exemplo no acórdão que se pode consultar na “dgsi” sob o nº RP20151130341/14.0TTVNG.P1:
Atendendo ao “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2015, de 01 de Outubro de 2015, proferido no Processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1 e publicado no DR 1.ª série, de 2015.10.29, que veio fixar à cláusula 12ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006 (relativo à TAP), a seguinte interpretação:
«No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».
Este aresto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 186.º do Código de Processo do Trabalho e 686.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tem valor ampliado de revista. O julgamento ampliado de revista visa a interpretação e aplicação uniforme do direito e tem lugar quando o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça entende que tal se revela “necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência” (cfr. o artigo 686.º, nº 1, do CPC), o que justifica também a publicação do acórdão na 1.ª série do DR. Como se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 2015.11.16[7] “[a]inda que o citado aresto se reporte à interpretação de cláusula constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que não é aplicável ao caso dos autos, afigura-se-nos, todavia, que não se deverá, face ao valor reforçado desse acórdão e à uniformização de jurisprudência que dele decorre e à similitude de situações a demandar tratamento análogo, deixar de se aplicar à situação em apreço nos autos a doutrina que decorre da interpretação sufragada em tal aresto. Com efeito, o que estava em causa no referido Acórdão, tal como nos autos, é a mesma questão jurídica, qual seja a interpretação do conceito de retribuição previsto na lei geral, conceito este que tem natureza indeterminada e sendo as considerações nele tecidas transponíveis para o caso dos CTT por identidade ou analogia de situações. Tanto num caso, como no outro, há que interpretar o que se deve considerar como regular e periódico para preenchimento do conceito de retribuição para os mesmos efeitos (integração da retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal). Ou seja, as considerações tecidas no ponto 6 do acórdão e vertidas na interpretação uniformizadora são, por identidade ou analogia, transponíveis para o caso dos CTT”.
Assim, em face da doutrina que emerge deste acórdão no sentido da densificação dos conceitos indeterminados de regularidade e periodicidade previstos sucessivamente nos artigos 82.º da LCT, 249.º do Código do Trabalho de 2003 e 258.º do Código do Trabalho de 2009, através da fixação de um critério uniforme[8], e tendo em consideração o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil – segundo o qual “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” –, entendemos dever rever a posição que até agora adoptamos quanto à densificação daqueles conceitos indeterminados para efeitos de qualificação retributiva das prestações do empregador ao trabalhador.
Razão por que no caso sub judice se aplicará o critério orientador do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais preconizado no citado Acórdão n.º 14/2015, atendendo-se apenas às prestações que hajam sido auferidas em todos os meses de actividade (11 meses) do período anual a atender para o cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal”. (fim de citação).
Deste modo, procede esta questão do recurso, com as necessárias consequências que abaixo concretizaremos.

8ª questão:
Defende a recorrente a não repercussão das médias das prestações pagas no subsídio de Natal, quer antes, quer depois da codificação, porém, quanto a este segundo tempo, sem razão, visto que a sentença recorrida não lhe foi desfavorável.
Recorrendo de novo à citação do acórdão proferido no processo 224/14.3TTPRT.P1, por concordarmos:
“No que toca ao subsídio de Natal prescrevia a cláusula 151ª/1 do AE/CTT/1981 que “Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido em caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro.”, em resultado do que tal normativo excluía a aplicação do regime do DL 88/1996, de 3/7, atendendo ao disposto no seu art. 1º/2 e tendo em conta que não estava em causa nenhuma situação do tipo das previstas no respectivo art. 1º/3.
Ora, inexistindo na LCT norma legal ou convencional que indicasse o que deveria considerar-se “remuneração mensal” para efeitos do prescrito nessa cláusula 151º/1, deveria lançar-se mão do critério qualificador consagrado no artigo 82º da LCT, à semelhança do sucedido quanto à retribuição de férias e ao subsídio de férias, sendo nesse mesmo sentido que deveria interpretar-se o art. 2º/1 do DL 88/1996, de tudo resultando que o subsídio de Natal deveria ser sempre de valor igual a um mês de retribuição, devendo para o efeito atender-se a todas as prestações de natureza retributiva que fossem contrapartida da execução do trabalho – neste sentido, por exemplo, acórdãos do STJ de 18/4/2007, proferido no processo 06S4557, de 19/2/2003, proferido no processo 4072/2002, e de 18/6/2003, proferido no processo 3741/2002” (fim de citação).
Improcede pois esta questão.

Em conclusão: procede apenas a questão do critério de regularidade (onze meses) e como tal haverá que refazer as contas”. (fim de citação).

Não vemos razão para alterar, no caso concreto, a nossa posição.
Assim, e refazendo contas de modo a suprimir ao valor da condenação proferida pelo tribunal recorrido a repercussão das médias relativas a prestações que não foram pagas pelo menos onze meses por ano, somando o valor de tais prestações e dividindo-o por doze meses e multiplicando-o por três (férias, subsídio de férias e de Natal) até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, e multiplicando-o por 2 (férias e subsídio de férias) desde então, obtém-se o valor a subtrair ao valor da condenação proferida e o resultado será o valor da condenação a proferir nesta instância.
A aplicação deste raciocínio obtém um total de diferenças repercutidas de €1568,85, a subtrair ao valor da condenação de €4.606,01, o que dá o resultado de €3.037,16, valor no qual este acórdão condenará a recorrente, mantendo-se no mais a sentença recorrida.

Tendo ambas as partes decaído no recurso, parcialmente, e beneficiando o A. de isenção de custas, é a Ré responsável pelas custas na proporção do seu decaimento – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder parcial provimento ao recurso e em conformidade revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €4.606,01, que nessa parte substituem pelo presente acórdão que a condena a pagar ao Autor a quantia de €3.037,16 (três mil e trinta e sete euros e dezasseis cêntimos), mantendo-se a sentença em tudo o mais.
Custas pela Ré na proporção do seu decaimento.

Porto, 29.2.2016
Eduardo Petersen Silva (Declaração de voto vencido á frt. junta)
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
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[1] Relatado pelo Exmº Desembargador Jorge Loureiro e subscrito pelo ora relator, e ao que sabemos inédito.
[2] Os institutos públicos podem revestir diferentes modalidades organizativas:
a) Serviços Personalizados (v.g. IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; IVV - Instituto da Vinha e do Vinho; ISS - Instituto da Segurança Social; ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde; Instituto dos Registos e do Notariado; ICNB –Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade; INFARMED (medicamentos); Turismo de Portugal; Instituto de Reinserção Social; Administrações das Regiões Hidrográficas; Autoridades Metropolitanas de Transportes (AMT/Lisboa e AMT /Porto); INA – Instituto Nacional de Administração; AMA - Agência de Modernização Administrativa);
b) Estabelecimentos Públicos (v.g. Universidades e Institutos Politécnicos públicos, Centros de Investigação Científica, Hospitais públicos não empresarializados);
c) Fundações Públicas – Fundação para a Ciência e Tecnologia, Centro Cultural de Belém, Fundação CEFA (formação autárquica).
Os Institutos públicos (I.P.) são actualmente objecto de regulação-quadro pela Lei 3/2004, de 15/1, alterada e republicada pelo DL 105/2007, de 3/4, embora alguns estejam sujeitos a regimes específicos, nos termos do artigo 48.º da Lei, como as universidades e institutos politécnicos, as instituições públicas de solidariedade social, os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, as regiões de turismo, o Banco de Portugal e as entidades administrativas independentes.
[3] As entidades públicas empresariais (EPEs) são pessoas colectivas de direito público e de regime privado, que foram autonomizadas do conceito de institutos públicos. Embora sujeitas a regimes de direito privado, dispõem, em regra, de poderes públicos de autoridade e estão submetidas a superintendência e a tutela mais ou menos intensa. Exemplos: na área dos transportes [REFER, CP, API, NAV, Metropolitano de Lisboa]; na área da gestão de recursos públicos [GeRAP (Gestão Partilhada de Recursos na Administração Pública), ANCP (Agência Nacional de Compras Públicas), SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), Agência para o Investimento e Comércio Externo, Parque Escolar]; na área cultural [Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional de S. João, OPART (Organismo de Produção Artística – CNB e TNSC)]; na área da saúde [alguns Hospitais (CHUC, Curry Cabral, etc.), Centros Hospitalares (Barreiro Montijo, etc.) e Unidades Locais de Saúde (Alto Minho, Baixo Alentejo, Guarda)].
As Entidades Públicas Empresariais são reguladas por diplomas específicos, bem como pelo Capítulo III do Decreto-lei n.º 558/1999, de 17 de Dezembro (alterado pelo Decreto-lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto).
[4] Estão aqui incluídas a generalidade das empresas públicas, que são sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, instituídas para finalidades públicas sob a forma de sociedades comerciais, como, entre muitas, a PARPÚBLICA, a SIEV- Sistema de Identificação Electrónica de Veículos, SA, etc.
Excepcionalmente, estas empresas podem ser detentoras de poderes públicos de autoridade, como é o caso das várias Administrações Portuárias.
O sector empresarial do Estado (que inclui, além das empresas públicas, as empresas participadas) é regulado pelo DL 558/1999, de 17/12 (alterado pelo DL 300/2007, de 23/8)
Há ainda as fundações (públicas) de direito privado que são objecto de criação estadual (Fundações universitárias, nos termos do RJIES: U. Porto, U. Aveiro, ISCTE), que tem de ser autorizada por diploma legal, nos termos do artigo 3º/4 da Lei 3/2004.
[5] No mesmo sentido, acórdão do Tribunal de Conflitos de 21/2/1985, BMJ 374, p. 264, e de 30/5/2000, proferido no âmbito do processo 399; acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 4/2/1999, proferido no âmbito do processo 01070/98; acórdão do STJ de 10/2/1993, proferido no âmbito do processo 003607; acórdãos do pleno da secção do contencioso do STA de 28/10/2003, de 22/1/02, de 21/2/02 e de 18/4/02, proferidos no âmbito dos processos 47895, 46476, 40766 e 45834; acórdão da 1ª secção do STA de 12/6/1980, proferido no âmbito do processo 014329.
[6] Arts. 6º/1/2 do 874/1976, de 28/12; cláusula 150ª/1/3 do AE/CTT/1981; cláusula 142ª/1/3 do AE/CTT/1996; art. 2º/1 do DL 88/1996, de 3/7; cláusula 151ª/1 do AE/CTT/1981; cláusula 143ª/1/ do AE/CTT/1996.
[7] Leal Amado, O incumprimento da obrigação retributiva e o art. 364º/2 do CT, Temas Laborais, Coimbra, p. 86.
[8] Também relatado pelo Exmº Desembargador Jorge Loureiro e subscrito pelo ora relator.
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do CPC:
I. A relação de emprego entre os CTT e os seus trabalhadores não é de natureza público-administrativa, antes está sujeita ao regime do contrato individual do trabalho, designadamente ao art. 38º da LCT, bem como às normas correspondentes do CT/2003 e do CT/2009, com a consequente inaplicabilidade do disposto nos arts. 306º/1 e 310º/g do CC.
II. Compete a quem invoca o abuso de direito, a prova dos factos dos quais ele se conclui.
III. Os juros de mora correspondentes às prestações pecuniárias retributivas são devidos desde o momento do vencimento de cada uma delas e não do momento da quantificação judicial dos respectivos montantes.
IV. Os juros de mora correspondentes aos créditos laborais estão sujeitos à disciplina dos arts. 38º da LCT, 381º/1 do CT/2003 e 337º/1 do CT/2009.
V. Não se provando qualquer factualidade sobre a natureza da prestação denominada “compensação especial” e sobre as circunstâncias do seu pagamento, há-de qualificar-se a mesma segundo a regra geral da presunção de retribuição.
VI. Só está verificado o pressuposto da regularidade do pagamento, que tem de verificar-se para que uma dada prestação pecuniária possa considerar-se como parte integrante da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador, quando aquela prestação seja paga em onze de cada doze meses que se tiverem por referência temporal.
VII. As médias anuais das prestações retributivas devem ser integradas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal até ao ano de 2003.

Eduardo Petersen Silva

(texto processado por meios informáticos, pelo relator, e por ele revisto)
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Declaração de voto vencido do relator, na questão do critério da regularidade e periodicidade qualificativa da retribuição:
A posição do relator ficou expressa no texto de inúmeros acórdãos em que defendeu a suficiência do critério dos seis meses e a incompatibilidade do critério dos 11 meses com contratos de duração inferior a este período, bem assim que este critério dos 11 meses impõe uma necessária correspondência com o ano de calendário que pode não ter correspondência com a realidade. Veja-se, por todos, na dgsi, os processos n.º 547/09.3TTGDM.P1 eº n.º 408/12.9TTVLG.P1.
Relativamente ao acórdão do STJ citado, que fez inverter o critério uniformemente seguido nesta Relação e de há muito, da suficiência dos 6 meses, o ora relator, considerando:
- que a questão dos onze meses não é a questão essencial a partir da qual se entendeu convocar o julgamento ampliado nesse processo – tratava-se antes da interpretação de uma cláusula de instrumento colectivo vinculando empregador e trabalhadores diferentes e de diferente sector e por isso com as necessárias especialidades, ou melhor até excepcionalidades do transporte aéreo, incluindo o seu necessário regime remuneratório mais favorável que o de trabalhadores não especializados;
- que a derrogação da disciplina do artigo 2º do Código Civil, pelo DL 329-A/95, introduz a não obrigatoriedade de seguimento da jurisprudência agora obtida por via de julgamentos ampliados de revista, de resto em consonância com o objectivo daquela revogação, que é afinal evitar o enquistamento da jurisprudência e com ele o seu afastamento da realidade material, da vida prática, cujo abalo de segurança jurídica é muito maior que aquele que resulta duma simples não uniformidade de jurisprudência – é tanto maior quanto é todo o Direito e todo o sistema de Justiça que com o distanciamento da realidade material que visa regular se torna ineficiente e merecedor da única resposta possível, que é a sua não observância e a falta de respeito para com o sistema jurídico e os seus operadores;
- que, apesar do superior valor da jurisprudência do STJ, o tratamento da questão dos seis ou onze meses foi feito por remissão para acórdãos do mesmo alto tribunal, prolatados em 2010;
- que sendo o direito a férias um direito indisponível dos trabalhadores, a referência a onze meses se resolve na exigência de recebimento permanente de determinado pagamento para efeito da sua qualificação retributiva;
- que, por isso, “pagar sempre” não é o mesmo que “pagar regular e periodicamente”, ocorrendo a fixação do primeiro na absolutização do segundo, e por isso na sua inutilização compreensiva da realidade;
- considerando ainda o enorme perigo que resulta da absolutização do critério, em que qualquer mecanismo contabilístico de irregularização de pagamento conduzirá à desqualificação retributiva;
- que os argumentos que nos justificavam a tese dos seis meses, foram proferidos posteriormente aos acórdãos do STJ de 2010, e que portanto não foram por esse alto tribunal nunca apreciados;
- que não são os juízes dos tribunais inferiores quem tem de imaginar qual seria a resposta do STJ aos seus próprios argumentos;
tendo em atenção todos estes considerandos, e com reserva do maior respeito quer pelo STJ quer por todos os seus colegas da Secção Social desta Relação, o ora relator manterá a sua posição até que em algum processo haja recurso e o STJ possa apreciar e denegar ou não tais argumentos.

Eduardo Petersen Silva