DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
TERMO FINAL
Sumário

I - Diversamente do que sucede com o disposto no artigo 21º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador não fixou no processo especial de divórcio por mútuo consentimento qualquer termo final para a atendibilidade da desistência do pedido no divórcio por mútuo por consentimento.
II - Cada um dos cônjuges é titular do direito potestativo de extinção do vínculo matrimonial dirigido contra o outro cônjuge, podendo cada um deles exercê-lo sem ou com o acordo do outro cônjuge, não havendo assim qualquer litisconsórcio necessário ativo.
III - Não obstante o acordo de ambos os cônjuges na dissolução do matrimónio, cada um deles continua a ser titular do direito potestativo extintivo do vínculo conjugal, dirigido contra o outro cônjuge, apenas se alterando as condições de exercício desse direito potestativo, razão pela qual um só dos cônjuges pode desistir do pedido de divórcio depois de decretado o divórcio por mútuo consentimento mas antes do trânsito em julgado da sentença.

Texto Integral

Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 20 de outubro de 2014, no processo nº 1150/14.1TBPNF, pendente na Comarca de Porto Este, Paredes, Instância Central, Secção de Família e Menores, J2, sob a presidência da Sra. Juíza de Direito B…, com a presença da Sra. Magistrada do Ministério Público C… bem como do autor D… e da ré E… e dos respetivos mandatários, realizou-se tentativa de conciliação, ficando exarado em ata[1], além do mais, o seguinte:
Iniciada a diligência pelas 11:00 horas, a Mmª Juiz expôs aos presentes o motivo da mesma, tentando a conciliação dos cônjuges, nos termos do art. 1779.º, n.º 1 do Código Civil, o que não foi conseguido, pois ambos mantêm o firme propósito de se divorciarem.
De seguida, por autor e ré, acompanhados dos respectivos mandatários, foi declarado que pretendem convolar os presentes autos em Divórcio por Mútuo Consentimento, estando de acordo nos seguintes termos:
a) Quanto à casa de morada da família, esta fica destinada à ré E… até à partilha dos bens comuns do casal.
b) Quanto aos alimentos, prescindem reciprocamente de alimentos por deles não carecerem.
c) Que constituem bens comuns do casal a casa de morada de família sita na Rua..., Penafiel, sem prejuízo de outros que se venham a apurar em sede própria.
d) Que estão de acordo em regular o exercício das responsabilidades parentais relativas à sua filha menor, F…, nos seguintes termos:

ACORDO
1) A menor F… fica confiada à guarda e aos cuidados da mãe, fixando-se a sua residência com esta, a quem caberá o exercício das Responsabilidades Parentais referentes aos actos da vida corrente da menor.
2) As Responsabilidades Parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3) O progenitor poderá visitar a menor e passar tempos livres com a mesma sempre que quiser, desde que comunique à mãe com antecedência de um (1) dia, sem prejuízo das horas de refeição, obrigações escolares e dos períodos de descanso da menor.
4) O pai contribuirá, a título de alimentos para a menor, com a quantia mensal de € 160,00 (cento e sessenta euros), a pagar até ao dia 24 de cada mês, através de transferência bancária para a conta da mãe cujo NIB o pai conhece, com início no corrente mês.
5) As despesas médicas, medicamentosas e escolares da menor serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, mediante a apresentação do correspondente recibo a elas correspondentes por parte daquele que as haja suportado.
6) As actividades extra curriculares a desenvolver pela menor serão custeadas em partes iguais por ambos os progenitores, devendo merecer o consenso de ambos, que desde já se consigna existir para as explicações de matemática que a menor frequenta, no montante actual de € 85,00 mensais, bem como para a frequência de aulas de inglês no Instituto de Inglês.
*
Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a mesmo disse nada ter a opor ao acordo celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais, uma vez que se encontram salvaguardados os interesses da menor F….
*
De seguida, a Mm.ª Juiz proferiu a seguinte:
SENTENÇA
Os presentes autos foram instaurados como Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, tendo sido realizada a tentativa de conciliação a que se reportam os artigos 931º do Código de Processo Civil e 1779º do Código Civil, no âmbito da qual as partes declararam pretender a conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento, para o que celebraram os acordos supra consignados.
Inexistem excepções, nulidades ou questões prévias susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.
Tendo em conta o acordo dos cônjuges e verificados que estão os necessários pressupostos, nos termos do disposto nos artigos 931º, nºs 3 e 4 e 994º, ambos do Código de Processo Civil, e arts. 1779º, nº 2 e 1775º, estes do Código Civil, converte-se o presente divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em divórcio por mútuo consentimento.
Quer pela disponibilidade do objecto, quer pela qualidade das pessoas neles intervenientes, e por se afigurar ficarem suficientemente acautelados os interesses da menor F…, julgam-se válidos os acordos ora celebrados entre as partes, que se homologam pela presente sentença, condenando-se as partes a cumpri-los nos seus precisos termos.
Consequentemente, decreta-se o divórcio entre os cônjuges, assim se declarando dissolvido o casamento entre o Requerente D… e a Requerida E…, celebrado entre ambos no dia 02 de Setembro de 1989, sem precedência de convenção antenupcial, correspondente ao Assento de casamento n.º … da C.R.C. de Amarante.
Valor da ação: € 30.000,01.
Custas em partes iguais, por requerente e requerida.
Registe e notifique.
Proceda à rectificação da distribuição e autuação.
Oportunamente, cumpra-se o preceituado no artigo 78.º do Código do Registo Civil.
Em 24 de outubro de 2014, via fax e em 25 de outubro de 2014, via citius, D… veio requerer a retificação da ata de tentativa de conciliação, “aditando-se que: "os efeitos do divórcio se retrotraem a data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012", nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC.
Em 03 de novembro de 2014, E…, requerente nos autos de divórcio por mútuo consentimento à margem referenciados, notificada do requerimento apresentado pelo requerente marido, veio dizer o seguinte:
Como melhor resulta dos autos, aquando da realização da tentativa de conciliação, os mesmos foram convocados em divórcio por mútuo consentimento.
Ora, aquando da realização de tal diligência a requerente mulher, desconhecia, como desconhece, o teor do requerimento inicial.
Como tal, no acordo a que os requerentes chegaram não foi, sequer, discutido nem acordado qualquer facto aí alegado, nomeadamente a data da produção de efeitos patrimoniais do divórcio.
Pelo exposto, a ata de tentativa de conciliação não merece qualquer censura, pelo que deve ser integralmente mantida.
Em 05 de novembro de 2014, foi proferido o seguinte despacho[2]:
Requerimento de fls. 29 e ss.:
Vem o Requerente solicitar a rectificação da Acta de Tentativa de Conciliação e consequentemente da sentença na mesma proferida, no sentido de se aditar que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, conforme foi peticionado na petição inicial e assente pelas partes na referida
diligência, e aí consignado pela Mma. Juíza de Direito.
A Requerida opõe-se nos termos do seu requerimento apresentado em 3.11.2014 (cfr. fls. 38).
Efectivamente, na petição inicial o ora Requerente peticionou que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto conforme supra exposto (à data de 27 de fevereiro de 2012)”, sendo certo, no entanto, que os autos terminaram aquando da realização da tentativa de conciliação, em que o divórcio foi convolado em divórcio por mútuo consentimento, tendo Requerente e Requerida celebrado os acordos que da respectiva acta constam, tendo o divórcio sido decretado na sequência dessa convolação do divórcio em divórcio por mútuo consentimento e uma vez que foram obtidos os acordos legalmente exigidos, não tendo havido lugar à produção de qualquer prova.
Ora, para que os efeitos do divórcio pudessem retroagir à data em que se deu a alegada separação de facto, necessário seria que tal separação de facto estivesse provada no processo, como resulta do disposto no art. 1789º, nº 2 do Cód. Civil, o que pressupõe que se tivesse realizado julgamento com a produção de prova respectiva, o que não aconteceu, tendo naturalmente tal prova ficado inviabilizada pela conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento.
Acresce que nem o acordo das partes nesse sentido, que sempre teria de ser expresso e inequívoco, o que igualmente não sucede in casu, poderia suprir aquela falta de prova, porquanto se trata de matéria subtraída à disponibilidade das partes.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de rectificação formulado pelo Requerente.
Notifique.
Em 18 de novembro de 2014, D… apresentou requerimento com o seguinte teor:
1) No dia 20/10/2014 foi realizada tentativa de conciliação nos autos à margem referenciados (pedido de divórcio que tinha como único fundamento a separação de facto ininterrupta do casal a 27/02/2012);
2) As matérias acordadas nessa tentativa de conciliação entre as partes e consignadas nessa diligência foram:
- intenção do prosseguimento do divórcio;
- regulação das responsabilidades parentais c/ alimentos à filha menor;
- alimentos entre conjugues;
- relação de bens do ex-casal;
- casa de morada de família;
- efeitos do divórcio à data da separação de facto.
3) Estavam presentes na referida tentativa de conciliação: a Mma. Juíza de Direito; o Ex.mo Senhor Funcionário Judicial; o Requerente; o seu Mandatário (ora signatário); a Requerida e a sua M.I. Mandatária;
4) Na p.i. foi peticionado que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC;
Assim:
5) A Instâncias da Mma. Juíza de Direito; na referida diligência foram questionadas as partes e os seus mandatários acerca do seguinte:
E quanto aos efeitos do divórcio é conforme está pedido na petição?
O signatário respondeu que sim … que era à data da separação de 27/02/12;
A Ilustre mandatária da requerida com a anuência da sua cliente: também disse que: “Sim, Sim” (e bem audível) – ou seja, mais do que uma vez afirmou que os efeitos seriam à data dessa separação de facto.
6) A Mma. Juíza olhou assim para todos os intervenientes e consignou este ponto, e passou para a fase seguinte da diligência;
Ora,
7) Claro está que, estando os requerentes de acordo nessa diligência (como aconteceu!) faz-se prova plena no processo da data da separação, devendo tal constar da respectiva ata e da douta sentença (e tal como acontece em outras situações de conversão p/ divórcio por mútuo espalhadas pelos n/ tribunais – não é necessário realizar a audiência de discussão e julgamento);
8) É que senão pergunta-se legitimamente:
Qual foi o sentido da Mma. Juíza de Direito questionar acerca deste assunto (e p/ iniciativa desta)? … se não se aceitaria como “prova” o acordo dos excônjuges (e que foi o que ocorreu na diligência!)
Em abono da verdade,
9) Diga-se ainda que:
A própria requerida já tinha até admitido em Tribunal a data da separação de facto do ex-casal como de 27/02/12 (na apresentação da oposição à providência cautelar interposta pelo requerente) – cfr. doc. anexo n.º 01 –protesta-se juntar no prazo de dois dias;
Ora,
10. Este assunto nunca teria sido alvo de discussão se não tivesse existido uma lapso/ omissão na elaboração da ata (e já agora como também acontece no ponto 4. do Acordo – o NIB era para ser indicado pela mandatária da R. e não era do conhecimento do requerente como por lapso consta);
11) Pelo que, e por todo o acima exposto é absolutamente FALSO o invocado pela requerida no 3º parágrafo do requerimento que apresentou em juízo em 03/11/14, agindo manifestamente como litigante de má-fé e em abuso de direito;
Em face de todo o exposto, e uma vez que em plena audiência (tentativa de conciliação) houve acordo entre as partes quanto aos efeitos do divórcio nos termos acima exposto (existe assim a prova da separação no processo), requer-se muito respeitosamente a V. Exa. se digne consignar que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC, conforme é de justiça e de direito.
Tal pedido é apresentado após ser proferida a douta sentença e antes do respetivo trânsito em julgado da mesma, de forma autónoma e apenas por uma das partes; e conforme também é admitido pela n/ jurisprudência, pelo que deve ser aceite;
Mais se declara expressamente que com a apresentação do presente não se abdica do seu direito ao recurso para o Tribunal da Relação das doutas decisões que foram proferidas.
Em 24 de novembro de 2014, afirmando-se inconformado de facto e de direito com a sentença proferida a 20 de outubro de 2014, D… interpôs contra a mesma recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A) No dia 20/10/2014 foi realizada tentativa de conciliação nos autos à margem referenciados (pedido de divórcio que tinha como único fundamento a separação de facto ininterrupta do casal a 27/02/2012);
B) As matérias acordadas nessa tentativa de conciliação entre as partes e consignadas nessa diligência foram:
- intenção do prosseguimento do divórcio;
- regulação das responsabilidades parentais c/ alimentos à filha menor;
− alimentos entre conjugues;
− relação de bens do ex-casal;
- casa de morada de família;
- efeitos do divórcio à data da separação de facto.
C) Estavam presentes na referida tentativa de conciliação: a Mma. Juíza de Direito; o Ex.mo Senhor Funcionário Judicial; o Requerente; o seu Mandatário (ora signatário); a Requerida e a sua M.I. Mandatária;
D) Na petição inicial foi peticionado que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC;
E) A Instâncias da Mma. Juíza de Direito; na referida diligência foram questionadas as partes e os seus mandatários acerca do seguinte:
E quanto aos efeitos do divórcio é conforme está pedido na petição?
O signatário respondeu que sim … que era à data da separação de 27/02/12;
A Ilustre mandatária da requerida com a anuência da sua cliente: também disse que: “Sim, Sim” (e bem audível) – ou seja, mais do que uma vez afirmou que os efeitos seriam à data dessa separação de facto.
F) A Mma. Juíza olhou assim para todos os intervenientes e consignou este ponto, e passou para a fase seguinte da diligência;
G) Claro está que, estando os requerentes de acordo nessa diligência (como aconteceu!) faz-se prova plena no processo da data da separação, devendo tal constar da respectiva ata e da douta sentença (e tal como acontece em outras situações de conversão p/ divórcio por mútuo espalhadas pelos n/ tribunais – não é necessário realizar a audiência de discussão e julgamento);
H) É que senão pergunta-se legitimamente:
Qual foi o sentido da Mma. Juíza de Direito questionar acerca deste assunto (e p/ iniciativa desta)? … se não se aceitaria como “prova” o acordo dos excônjuges (e que foi o que ocorreu na diligência!)
Em abono da verdade,
I) Diga-se ainda que:
A própria requerida já tinha até admitido em Tribunal a data da separação de facto do ex-casal como de 27/02/12 (na apresentação da oposição à providência cautelar interposta pelo requerente) – cfr. doc. anexo n.º 01 – protesta-se juntar no prazo de dois dias;
Ora,
J) Este assunto nunca teria sido alvo de discussão se não tivesse existido uma lapso/ omissão na elaboração da ata (e já agora como também acontece no ponto 4. do Acordo – o NIB era para ser indicado pela mandatária da R. e não era do conhecimento do requerente como por lapso consta);
L) Pelo que, e por todo o acima exposto é absolutamente FALSO o invocado pela requerida no 3º parágrafo do requerimento que apresentou em juízo em 03/11/14, agindo manifestamente como litigante de má-fé e em abuso de direito;
M) Em face de todo o exposto, e uma vez que em plena audiência (tentativa de conciliação) houve acordo entre as partes quanto aos efeitos do divórcio nos termos acima exposto (existe assim a prova da separação no processo), esse Venerando Tribunal deverá consignar no douto Acórdão que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de Fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC, conforme é de justiça e de direito.
Sem nunca prescindir:
N . Caso se entenda que esse Vererando Tribunal não tem poderes que lhe permitam decretar os efeitos do divórcio a contar da data da separação, o que se admite por hipótese meramente académica, deverá ser revogada a douta sentença que decretou o divórcio entre as partes, com todos os efeitos legais, ou seja não produzindo esta quaisquer efeitos jurídicos;
Ora,
O) O casamento um contrato tipificado no nosso Código Civil e o divórcio é o meio próprio para a cessação desse contrato com todas as suas consequências legais (direitos e obrigações dai emergentes);
P) E estando a vontade do autor viciada (vicios da vontade) atento a todo o supra exposto, e não tendo o mesmo interesse algum em terminar o seu casamento com base nesse erro na manifestação da sua vontade, manifesta o Recorrente o propósito de se manter casado, devendo a douta sentença ser revogada com todos os efeitos legais (causa de anulabilidade, que aqui se invoca para todos os efeitos);
Q) E, em consequência, deverá ainda ser ordenada a marcação de nova data para a Tentativa de Conciliação do casal.
R) A douta sentença recorrida violou assim os arts. 1789º, n.º 2, CC; 931º CPC; e 1779º, CC, e os princípios consagrados na nossa CRP.
S) Como questão prejudicial para a apreciação do presente recurso, deverá ainda o Tribunal a quo vir informar esse Venerando Tribunal se corresponde à verdade o alegado nos artigos 5, 6 e 8 da presente peça.
O recorrente termina o seu recurso pedindo:
Nestes termos, e nos mais de direito que doutamente Vossas Excelências se dignarão suprir,
requer-se:
1) Que seja proferido douto Acórdão em que se consigne que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de Fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC, conforme é de justiça e de direito;
Sem nunca prescindir:
2) Deverá ser revogada a douta sentença que decretou o divórcio entre as partes, com todos os efeitos legais, ou seja não produzindo esta quaisquer efeitos jurídicos;
3) E, em consequência, deverá ainda ser marcada nova Tentativa de Conciliação”.
Em 28 de novembro de 2014, inconformado com a decisão proferida em 06 de novembro de 2014, D… interpôs recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) No dia 20/10/2014 foi realizada tentativa de conciliação nos autos supra indicados (pedido de divórcio que tinha como único fundamento a separação de facto ininterrupta do casal a 27/02/2012);
B) As matérias acordadas nessa tentativa de conciliação entre as partes e consignadas nessa diligência foram:
- intenção do prosseguimento do divórcio;
- regulação das responsabilidades parentais c/ alimentos à filha menor;
- alimentos entre cônjugues;
- relação de bens do ex-casal e atribuição da casa de morada de família;
- efeitos do divórcio à data da separação de facto.
C) Na tentativa de conciliação estavam presentes a Mma. Juíza de Direito; o Ex.mo Senhor Funcionário Judicial; o Requerente e o seu Mandatário (ora signatário); a Requerida e a sua M.I. Mandatária;
Ora,
D) Na petição inicial foi peticionado que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC;
E) A Instâncias da Mma. Juíza de Direito na referida diligência foram questionadas as partes e os seus mandatários acerca do seguinte:
- E quanto aos efeitos do divórcio é conforme está pedido na petição?
- O signatário respondeu que sim … que era à data da separação de 27/02/12;
- A Ilustre mandatária da requerida com a anuência da sua cliente: também disse que: “Sim, Sim” (e bem audível) – ou seja, mais do que uma vez afirmou que os efeitos seriam à data dessa separação de facto.
F) A Mma. Juíza olhou assim para todos os intervenientes e consignou este ponto, e passou para a fase seguinte da diligência;
G) Claro está que, estando os requerentes de acordo nessa diligência (como aconteceu!) faz-se prova plena no processo da data da separação, devendo tal constar da respectiva ata e da douta sentença (e tal como acontece em outras situações de conversão p/ divórcio por mútuo espalhadas pelos n/ tribunais – não é necessário realizar a audiência de discussão e julgamento);
H) É que senão pergunta-se legitimamente:
Qual foi o sentido da Mma. Juíza de Direito questionar acerca deste assunto (e p/ iniciativa desta)? … se não se aceitaria como “prova” o acordo dos excônjuges (e que foi o que ocorreu na diligência!)
I) Diga-se ainda que:
A própria requerida já tinha até admitido em Tribunal a data da separação de facto do ex-casal como de 27/02/12 (na apresentação da oposição à providência cautelar interposta pelo requerente) – cfr. doc. anexo n.º 01 –protesta-se juntar no prazo de dois dias;
J) Este assunto nunca teria sido alvo de discussão se não tivesse existido uma lapso/ omissão na elaboração da ata (e já agora como também acontece no ponto 4. do Acordo – o NIB era para ser indicado pela mandatária da R. e não era do conhecimento do requerente como por lapso consta);
L) Pelo que, e por todo o acima exposto é absolutamente FALSO o invocado pela requerida no 3º parágrafo do requerimento que apresentou em juízo em 03/11/14, agindo manifestamente como litigante de má-fé e em abuso de direito;
M) Assim, e uma vez que em plena audiência (tentativa de conciliação) houve acordo entre as partes quanto aos efeitos do divórcio nos termos acima exposto (existe assim a prova da separação no processo), esse Venerando Tribunal deverá consignar no douto Acórdão que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC, conforme é de justiça e de direito.
N) Em suma as questões colocadas a esse Venerano Tribunal para aferir da viabilidade o mesmo:
– Ocorreram os factos constantes do art. 5º, 6º e 8º da presente peça?
– Estando os requerentes de acordo nessa diligência da tentaiva e conciliação (como aconteceu!) faz-se prova no processo da data da separação?:
– Estes factos deveriam constaram da respectiva ata e na douta sentença?;
– E, por conseguinte, no divórcio por mútuo poderá constar que os efeitos do divórcio retrotraem à data da separação, conforme requerido?
A resposta a estas questões é necessariamente afirmativa, conforme é jurisprudência pacifica na matéria, devendo o douto despacho ser revogado, e substituido por outra douta decisão, conforme aqui peticionado.
Acresce que:
O) Atento ao teor do requerimento/ pedidos apresentados em juízo pelo Recorrente em 24/10/2014 e em 18/11/2014 já foi impugnada a veracidade da própria ata de 20/10/2014, que se impugna também para todos o efeitos legais, pelo que estamos perante um incidente de falsidade da mesma o que também se invoca, não fazendo esta prova plena.
P) O douto despacho recorrido violou assim os arts. 1789º, n.º 2, CC; 931º CPC; e 1779º, CC, e os princípios consagrados na nossa CRP.
Q) Como questão prejudicial para a apreciação do presente recurso, deverá ainda o Tribunal a quo vir informar esse Venerando Tribunal se corresponde à verdade o alegado nos artigos 5, 6 e 8 da presente peça, o que se requer.
No final deste recurso, o recorrente pede o seguinte:
Que seja proferido douto Acórdão em que se consigne que “os efeitos do divórcio se retrotraem à data da separação de facto, ou seja a 27 de fevereiro de 2012”, nos termos do art. 1789º, n.º 2, CC, revogando-se assim o douto despacho de 06/11/2014”.
Em 21 de janeiro de 2015, foi proferido o seguinte despacho:
Requerimento apresentado pelo Requerente em 18.11.2014 (fls. 43 a 47):
Reitera-se o já decidido no despacho de 6.11.2014, a fls. 40-41, acrescentando-se que, como se decidiu no Acórdão do STJ, de 16.03.2011, Proc. nº 261-C/2001.L1.S1 (Relator: GRANJA DA FONSECA), “é incontroverso que o mecanismo do n.º 2 do artigo 1789º só pode funcionar nos casos de divórcio litigioso, sendo inaplicável, por conseguinte, no divórcio por mútuo consentimento”, e tal é assim quer antes, quer após as alterações introduzidas no citado preceito legal pela Lei nº 61/2008, de 31.10, uma vez que o nº 2 do artigo 1789º exige que a falta de coabitação entre os cônjuges esteja provada no processo de divórcio, não facultando às partes a possibilidade de acordarem quanto à data do início da separação de facto para o efeito de aplicação do referido mecanismo.
Ora, tendo as partes neste processo acordado espontânea e livremente em converter o divórcio em divórcio por mútuo consentimento, como inequivocamente acordaram, celebrando também de sua livre vontade os acordos previstos no nº 1 do art. 1775º do C.Civil nos precisos termos que constam da Acta de Tentativa de Conciliação de 20.10.2014, como também inequivocamente celebraram, a sentença apenas tinha que se pronunciar sobre esses acordos, já que nenhuns outros estão legalmente previstos, e decretar ou não o divórcio, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1779º, nº 2, 1778º-A, nºs 1 a 3 e 1775º, nº 1, todos do Cód. Civil, e 931º, nºs 3 e 4 e arts. 994º, nº 1 e 996º, nº 2, estes do CPC, o que fez, estando vedada a apreciação de quaisquer outras questões.
Termos em que se indefere o requerido no requerimento em apreciação.
Custas do incidente pelo Requerente.
Notifique.
O recurso de apelação interposto contra a sentença que decretou o divórcio das partes foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e no efeito suspensivo, enquanto que o recurso de apelação interposto contra a decisão que indeferiu a retificação da ata de tentativa de conciliação e da sentença proferida nessa diligência foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Em 02 de fevereiro de 2015, D… efetuou o seguinte requerimento:
0 requerente vern desistir da instância e do pedido da presente ação de divorcio, o que faz nos termos do art. 285° e segs., CPC;
Assim, uma vez que esta em tempo (a sentença não transitou em julgado) e não pretende manter o propósito de se divorciar nos presentes autos, e tendo legitimidade para o efeito (Vide ainda: Ac. TR Lisboa, de 20/05/2012, proc. 632/10.9TMLSB.l1-6), requer-se a V. Exa. se digne proceder a homologação da desistência.
Em 04 de fevereiro de 2015, E… opôs-se à homologação da desistência da instância e do pedido formulado por D….
Em 09 de março de 2015, foi proferida a seguinte decisão[3]:
Não tendo a sentença proferida nestes autos em 20.10.2014 transitado em julgado, o requerimento de desistência do pedido apresentado pelo Requerente marido a fls. 246 é tempestivo.
Assim, nos presentes autos de Divórcio por Mútuo Consentimento que D… instaurou contra E…, ambos com os demais sinais dos autos, dado que a desistência do pedido apresentada pelo Requerente marido através do requerimento de fls. 246 é objectiva e subjectivamente válida, atento o disposto no art. 289º, nº 2 do CPC e porque foi apresentada por quem para tanto tem legitimidade, homologo-a pela presente sentença, pelo que declaro extinto o direito que o Requerente pretendia fazer valer através da presente acção, com a consequente extinção da instância (cfr. arts. 290º, nºs 1 e 3, 285º, nº 1, 286º, nº 2, 289º, nº 2 e 277º, al. d), todos do CPC).
Custas pelo Requerente.
Valor da acção: € 30.000,01.
Registe e notifique.
Inconformada com esta decisão, em 21 de abril de 2015, E… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. Como resulta dos autos, no dia 20/10/2014, pelas 11:00 horas, iniciada a tentativa de conciliação, a Mmª Juiz a quo expôs às partes o motivo da mesma, tentando a conciliação dos cônjuges, nos termos do art. 1779º, nº 1, do Código Civil, o que não foi conseguido, por ambos manterem o firme propósito de se divorciarem.
B. De seguida, as partes, acompanhados dos respetivos mandatários, declararam, sem qualquer condição, que pretendiam convolar os presentes autos em Divórcio por Mútuo Consentimento, estando de acordo sobre todos os assuntos referidos no nº 1 do artigo 1775º do CPC.
C. De seguida, a Mmª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho homologatório:
“ Os presentes autos foram instaurados como Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, tendo sido realizada a tentativa de conciliação a que se reportam os artigos 931º do Código de Processo Civil e 1779º do Código Civil, no âmbito da qual as partes declararam pretender a conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento, para o que celebraram os acordos supra consignados.
Inexistem excepções, nulidades ou questões prévias susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.
Tendo em conta o acordo dos cônjuges e verificados que estão os necessários pressupostos, nos termos do disposto nos artigos 931º, nºs 3 e 4, e 994º, ambos do Código de Processo Civil, e arts. 1779º, nº 2, e 1775º, estes do Código Civil, converte-se o presente divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em divórcio por mútuo consentimento.
Quer pela disponibilidade do objecto, quer pela qualidade das pessoas neles intervenientes, e por se afigurar ficarem suficientemente acautelados os interesses da menor F…, julgam-se válidos os acordos ora celebrados entre as partes, que se homologam pela presente sentença, condenando-se as partes a cumpri-los nos seus precisos termos.
Consequentemente, decreta-se o divórcio entre os cônjuges, assim se declarando dissolvido o casamento entre o Requerente D… e a Requerida E…, celebrado entre ambos no dia 02 de Setembro de 1989, sem precedência de convenção antenupcial, correspondente ao Assento de casamento nº … da C.R.C. de Amarante.
Logo, todos os presentes foram devidamente notificados da sentença que antecede, tendo a diligência sido declarada encerrada quando eram 12:35 horas.
…”.
D. Em 02/02/2015 veio o requerente marido desistir da instância e do pedido da presente ação de divórcio, alegadamente porque “não pretende manter o propósito de se divorciar nos presentes autos”.
E. A requerente mulher pronunciou-se no sentido de a “desistência da instância e do pedido” dever ser indeferida, por ineficácia em relação à pretendida extinção da instância (se considerado como de desistência da instância) ou por extemporaneidade (se considerado como desistência do pedido), não sendo, em qualquer caso, declarada a extinção da instância.
F. Foi então proferida a douta sentença de fls. (Refª 65755036) que deferiu/homologou o requerimento de desistência da instância e do pedido apresentado pelo requerente, D…, cujo teor é o seguinte:
“ Não tendo a sentença proferida nestes autos em 20.10.2014 transitado em julgado, o requerimento de desistência do pedido apresentado pelo Requerente marido a fls. 246 é tempestivo. Assim, nos presentes autos de Divórcio por Mútuo Consentimento que D… instaurou contra E…, ambos com os demais sinais dos autos, dado que a desistência do pedido apresentada pelo Requerente marido através do requerimento de fls. 246 é objectiva e subjectivamente válida, atento o disposto no art. 289º, nº 2 do CPC e porque foi apresentada por quem para tanto tem legitimidade, homologo-a pela presente sentença, pelo que declaro extinto o direito que o Requerente pretendia fazer valer através da presente acção, com a consequente extinção da instância (cfr. arts. 290º, nºs 1 e 3, 285º, nº 1, 286º, nº 2, 289º, nº 2 e 277º, aI. d), todos do CPC).“
G. A requerente/recorrente não se conforma nem pode conformar com tal decisão proferida pela MMª Juiz a quo, ora recorrida.
H. O requerimento apresentado pelo requerente deveria e deverá ser indeferido na medida em que a declaração nele contida, posterior à notificação da sentença homologatória do pedido de divórcio por mútuo consentimento, não pode produzir o pretendido e decretado efeito de extinção da instância.
I. Começará por dizer-se que a fórmula equívoca utilizada pelo requerente no requerimento esquece que o requerente não se limita a dar o seu consentimento a quem quer que seja para que o divórcio seja decretado por mútuo consentimento.
J. Na verdade o requerente pratica, por si e em seu nome, todos os atos de que depende o normal desenrolar do processo de divórcio por mútuo consentimento.
K. Do que se trata agora é de emitir declaração contrária a toda a atividade processual que desenvolveu.
L. Sendo, por definição, o divórcio por mútuo consentimento requerido por ambos os cônjuges, iniciada a instância por seu impulso conjunto, não pode uma das partes dela dispor livremente.
M. Nem contra isso concorre a liberdade de desistência nas ações de divórcio prevista no artigo 289°, n° 2, do Código de Processo Civil cujo alcance é apenas o de consagrar uma exceção à regra geral da impossibilidade de confissão, desistência ou transação quando estejam em causa direitos indisponíveis (como são os relativos ao estado das pessoas), sem colocar em causa outros princípios e regras adjetivas ou substantivas relativas à especial configuração e natureza da relação jurídica controvertida.
N. Tal como nos demais casos de litisconsórcio necessário (e unitário) ativo, a instância resulta da vontade conjunta dos dois titulares da relação controvertida, a qual é incindível.
O. Ora, sendo manifesto que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário ativo, ter-se-á que considerar o disposto no artigo 288º, n° 2, do Código de Processo Civil que declara irrelevante a desistência da instância, a não ser quanto a custas.
P. A manifestação do abandono da intenção inicial de requerer o divórcio por mútuo consentimento não basta para extinguir a instância, tal como não basta a existência da vontade exclusiva de um dos cônjuges para requerer o divórcio com recurso a esse modelo processual.
Q. Acresce que, como resulta do teor do requerimento apresentado pelo requerente, este mantém o propósito de se divorciar, apenas “… não pretende manter o propósito de se divorciar nos presentes autos…”.
R. Ora, quando os cônjuges estiverem de acordo acerca do divórcio, como estão in casu, o juiz decretará o divórcio por mútuo consentimento… (Guilherme de Oliveira A Nova Lei do Divórcio - Revista Lex Familiae, Ano 7, n.º 13, 2010, Coimbra Editora).
S. Nesta perspetiva o requerimento do requerente, analisado como traduzindo intenção de desistência da instância e do pedido, não pode ter como consequência a pretendida extinção da instância.
T. Mais uma vez se pondera que o artigo 996°, nº1, do Código de Processo Civil contêm uma regra excecional que permite que, no caso de divórcio por mútuo consentimento, apenas um dos cônjuges desista validamente do pedido formulado conjuntamente com o outro cônjuge.
U. Tal normativo, próprio do regime da ação de divórcio por mútuo consentimento, afasta também a aplicação do regime regra do artigo 283º, nº 1, do Código de Processo Civil no que tange ao momento até quando pode ser apresentada a desistência do pedido.
V. E dele resulta que a desistência do pedido tenha que ser feita até à ou na conferência em que, estando os cônjuges presentes ou representados, o juiz os interpela acerca do pedido de divórcio e homologa a desistência ou decreta o divórcio.
W. É esse o momento que marca o limite temporal concedido aos cônjuges para tomarem a decisão final em relação à vontade de porem, ou não, termo ao seu casamento e de submeterem essa sua vontade à decisão homologatória do juiz que preside a tal diligência.
X. Depois dessa decisão homologatória de que, em princípio, não caberá recurso - até por manifesta falta de legitimidade dos requerentes que viram homologada a sua vontade -, não é lícito aos requerentes, salvo situações certamente excecionais e não alicerçadas em alterações infundadas da vontade expressa (no limite em puras variações de humor “… não pretende manter o propósito de se divorciar nos presentes autos…”), desistir do pedido.
Y. Pelo exposto, o requerimento apresentado pelo requerente devia e deve ser indeferido, por ineficácia em relação à pretendida extinção da instância (se considerado como de desistência da instância) ou por extemporaneidade (se considerado como desistência do pedido), não sendo, em qualquer caso, declarada a extinção da instância.
Z. Impunha-se, como se impõe, que a desistência da instância e do pedido de divórcio por mútuo consentimento, formalizado pelo requerente, fosse, como deve ser, indeferida(o).
AA. Nestas condições não pode subsistir a douta sentença recorrida, devendo ser revogada e substituída por decisão que indefira a desistência da instância e do pedido formalizada pelo requerente, mantendo-se, consequentemente, a declaração de divórcio por mútuo consentimento, decretada por sentença de 20 de outubro de 2014.
BB. A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 289º, nº 2, 298º, nº 2, 996º, nº 1, e 283º, nº 1, do Código do Processo Civil - que deveriam ter sido interpretados e aplicados com o sentido expresso na factualidade supra invocada.
D… contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso interposto contra a decisão proferida a 09 de março de 2015.
O recurso de apelação interposto por E… foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito suspensivo.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento dos objetos dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da ilegalidade da homologação da desistência do pedido em divórcio por mútuo consentimento após ter sido decretado o divórcio por sentença e antes da mesma transitar em julgado (recurso de E…);
2.2 Do acordo dos cônjuges na tentativa de conciliação quanto ao começo da separação de facto entre ambos e consequência jurídica desse acordo (recursos de D…);
2.3 Do erro do cônjuge marido na vontade da dissolução do casamento (1º recurso de D…).
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários ao conhecimento dos objectos dos recursos constam do relatório desta decisão e resultam dos próprios autos, com força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da ilegalidade da homologação da desistência do pedido em divórcio por mútuo consentimento após ter sido decretado o divórcio por sentença e antes da mesma transitar em julgado
A recorrente pugna pela revogação da sentença que homologou a desistência do pedido de divórcio requerido pelo recorrido já após o decretamento por sentença do divórcio por mútuo consentimento das partes e ainda antes do trânsito em julgado da mesma sentença, abonando-se para tanto, em síntese, nos seguintes argumentos:
- a desistência do pedido de divórcio por mútuo consentimento, por parte de um só dos cônjuges, apenas é legalmente viável até ao termo da conferência prevista no nº 1, do artigo 996º do Código de Processo Civil, norma excecional que afasta a regra geral quanto à admissibilidade da desistência do pedido;
- tratando-se de um caso de litisconsórcio necessário ativo, não pode um só dos cônjuges pôr termo à instância.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de tomarmos posição sobre a questão em análise, deve salientar-se que se trata de polémica que não é jurisprudencialmente virgem, já que sobre a mesma se debruçou especificamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de maio de 2012, tirado por maioria no processo nº 632/10.9TMLSB.L1-6, acessível no site da DGSI, acórdão que não passou despercebido às partes e ao qual, no segmento que respetivamente lhes convém, cada uma delas aderiu.
Nos termos da alínea d), do artigo 277º do Código de Processo Civil, a instância extingue-se com a desistência.
O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele (artigo 283º, nº 1, do Código de Processo Civil), operando a desistência do pedido a extinção do direito que se pretendia fazer valer. Porém, existem casos em que o legislador baliza temporalmente de forma diversa e mais restritiva o termo final de admissibilidade da desistência do pedido, como sucede no caso do artigo 21º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[4].
Ao contrário da desistência da instância, a desistência do pedido é livre, mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor (artigo 286º, nº 2, do Código de Processo Civil). Contudo, no caso de litisconsórcio necessário, a desistência de algum dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas (artigo 288º, nº, 2, do Código de Processo Civil).
Em princípio, não é permitida a desistência que afirma a vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis (artigo 289º, nº 1, do Código de Processo Civil). Porém, é livre a desistência nas ações de divórcio e de separação de bens (artigo 289º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O nº 1, do artigo 996º, do Código de Processo Civil prescreve que “[s]e a conferência a que se refere o artigo 1776º do Código Civil terminar por desistência do pedido por parte de ambos os cônjuges ou um deles, o juiz faz consigná-la na ata e homologa-la”[5]
Na posse dos elementos normativos necessários à tomada de posição sobre a questão decidenda, prossigamos na análise dos argumentos aduzidos pela recorrente para firmar a sua pretensão de revogação da sentença que homologou a desistência do pedido efetuada pelo cônjuge marido após o decretamento do divórcio por mútuo consentimento, mas antes da sentença de divórcio transitar em julgado.
O artigo 996º, nº 1, do Código de Processo Civil é uma norma excecional que afasta a regra geral de admissibilidade temporal da desistência do pedido no processo de divórcio por mútuo consentimento?
A nosso ver a resposta à interrogação que se acaba de formular é claramente negativa pois que, diversamente do que sucede com o já citado artigo 21º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador não fixou qualquer termo final para a atendibilidade da desistência do pedido no divórcio por mútuo por consentimento.
O que resulta do artigo 996º, nº 1, do Código de Processo Civil é apenas que a desistência do pedido pode provir de apenas um dos cônjuges e, sendo esta manifestada na conferência, será consignada em ata e homologada.
Na nossa perspetiva, com a previsão legal que temos vindo a apreciar, o legislador apenas terá tido o cuidado de vincar que a desistência do pedido podia provir de um só dos cônjuges, a fim de afastar entendimentos que, numa homenagem cega ao princípio pacta sunt servanda, exigissem a manifestação concordante de ambos os cônjuges para que a desistência do pedido fosse relevante.
E será o caso dos autos um litisconsórcio necessário ativo, pelo que a desistência do pedido para ser relevante carece de ser manifestada por ambos os cônjuges?
O litisconsórcio necessário ocorre sempre que a lei ou o negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida (artigo 33º, nº 1, do Código de Processo Civil), sendo essa intervenção igualmente necessária quando pela própria natureza da relação jurídica, ela seja imprescindível para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (artigo 33º, nº 2, do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, a lide iniciou-se como divórcio sem consentimento do outro cônjuge, tendo ambos os cônjuges acordado na conversão do divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em divórcio por mútuo consentimento.
Significa isto que os dois cônjuges são titulares de um único direito potestativo extintivo do vínculo conjugal que os une?
A nosso ver, cada um dos cônjuges é titular do direito potestativo de extinção do vínculo matrimonial dirigido contra o outro cônjuge, podendo cada um deles exercê-lo sem ou com o acordo do outro cônjuge.
No caso de ambos os cônjuges estarem de acordo em pôr termo ao vínculo conjugal, como sucedeu no caso dos autos, não cremos que isso implique uma fusão dos direitos potestativos de cessação do vínculo conjugal de que cada um dos cônjuges é titular e o seu encabeçamento unitário na pessoa de ambos os cônjuges.
Assim, a nosso ver, não existe no caso dos autos qualquer litisconsórcio necessário ativo pois que, não obstante o acordo de ambos os cônjuges na dissolução do matrimónio, cada um deles continua a ser titular do direito potestativo extintivo do vínculo conjugal, dirigido contra o outro cônjuge, apenas se alterando as condições de exercício desse direito potestativo.
Prevendo o legislador que um só dos cônjuges possa na conferência desistir do pedido, na falta de expressa tomada de posição do legislador a fixar o termo final da desistência nessa conferência, em derrogação à regra geral vertida no artigo 283º, nº 1, do Código de Processo Civil, não se divisam quaisquer razões para que essa desistência não se possa manifestar até ao trânsito em julgado da sentença que decreta o divórcio por mútuo consentimento. Pelo contrário, atenta a natureza pessoal dos interesses objeto do litígio e por maioria de razão face aos litígios em que se discutem meros interesses patrimoniais, afigura-se-nos que se justifica que a cada um dos cônjuges seja conferida a máxima liberdade para desistir do pedido até ao trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento.
Assim, por tudo quanto precede, conclui-se pela total improcedência do recurso interposto por E…, ficando prejudicado o conhecimento dos objetos dos recursos interpostos por D….
As custas dos recursos são da responsabilidade da recorrente E… pois decaiu no que interpôs e deu causa a que o conhecimento dos interpostos pela parte contrária ficasse prejudicado (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por E… e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida a 09 de março de 2015, ficando prejudicado o conhecimentos do objeto dos recursos de apelação interpostos por D… em 24 e 28 de Novembro de 2014.
Custas dos recursos a cargo da recorrente vencida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de dezasseis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 29 de fevereiro de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
________
[1] Consignou-se no final da ata que “logo todos os presentes foram devidamente notificados da sentença que antecede, tendo a diligência sido declarada encerrada quando eram 12:35 horas.
[2] Notificado às partes em expediente eletrónico elaborado em 07 de novembro de 2014.
[3] Notificada às partes em expediente eletrónico elaborado em 10 de março de 2015.
[4] Os antecedentes mais próximos desta previsão legal são o artigo 127º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência e o artigo 1180º, nº 2, do Código de Processo Civil.
[5] Esta previsão legal enferma de um lapso na conjugação do verbo que não foi corrigido pois onde ficou escrito “homologa-la” deveria estar “homologa-a”.