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CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITO DO CONSUMIDOR
REPARAÇÃO DE DEFEITOS
SUBSTITUIÇÃO DE MATERIAIS
REDUÇÃO DO PREÇO
ARTIGO 4
DO DECRETO – LEI 67/2003
RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE POR INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONJUNTA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I. Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. II. O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no nº 1 do artº 4º, do DL 67/2003, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito nos termos gerais. III. O direito de indemnização do dono da obra pelas desconformidades destas é estabelecido em termos amplos, o que significa que ele não é subsidiário ou residual de outros direitos, antes pode ser exercitado de modo livre e perfeitamente alternativo em relação a eles. IV. A R. apenas poderá ser condenada a suportar os custos com a reparação e substituição dos materiais cuja deterioração tenha sido causada por deficiente execução da obra imputável a si. V. No domínio da responsabilidade civil decorrente de incumprimento contratual, a regra é da responsabilidade conjunta ou parciária, não estabelecendo a lei uma responsabilidade solidária como no caso da responsabilidade por factos ilícitos, entre os vários responsáveis.
Texto Integral
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
B… e C…instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra «D – Construção Civil, Lda.».
Alegaram, em síntese, que celebraram com a ré um contrato de empreitada para construção de uma moradia. O valor atribuído à empreitada foi de 179.000 € acrescido de IVA.
Os autores cumpriram de forma tempestiva e integral o pagamento do preço.
A ré assumiu plena responsabilidade pela execução da obra e a imputação de todas as deficiências e erros relativos à execução da obra, mais assumindo ser da sua conta quaisquer alterações ou reparações necessárias à correcção de todas as deficiências e erros verificados na obra, assim como qualquer indemnização pelos danos sofridos.
A obra teve início no mês de Janeiro de 2008 e foi entregue aos autores no mês de março de 2009 que ali passaram a residir.
Cerca do mês de dezembro de 2010 começaram a surgir problemas e focos de humidade, em especial junto das janelas da cozinha e de um dos quartos.
Dado o bom relacionamento existente com os sócios e gerentes da ré os autores denunciaram-lhe esses problemas, pessoalmente, em janeiro de 2011.
Nesse seguimento, a ré enviou ao imóvel um técnico de uma empresa que elaborou um relatório datado de 11 de março de 2011 com base numa vistoria que fez ao imóvel em 22 de janeiro de 2011, onde concluiu pela existência de situações que punham em causa a saúde dos autores enquanto residentes no imóvel.
As anomalias mais graves foram identificadas ao nível da ventilação, da caixilharia e portas exteriores, dos tectos, das paredes e do revestimento.
A ré, como medida correctiva instalou algumas grelhas pela casa para permitir a circulação do ar entre o exterior e o interior.
No inverno seguinte a situação manteve-se agravando-se os danos na casa, pelo que os autores solicitaram à empresa «CheckHouse» a realização de um relatório com vista ao apuramento dos danos, tendo a referida empresa apresentado um relatório, identificando os defeitos e propondo o modo de os eliminar.
Os autores interpelaram por diversas vezes a ré para proceder às reparações mencionadas, sendo que o fizerem pela última vez por escrito em 22 de março de 2013.
Concluem peticionando que, seja a ré condenada a: a) Corrigir os defeitos causadores da humidade na casa de habitação dos autores no prazo de 3 meses; b) Suportar os custos com a reparação e substituição de todos esses materiais; c) Pagar aos autores a quantia de 3.323,18 € acrescida de juros legais desde a citação pelos prejuízos patrimoniais sofridos; d) Pagar aos autores a quantia de 10.000 € acrescida de juros de mora desde a citação a título de danos não patrimoniais.
A ré contestou, começando, desde logo, por arguir a excepção peremptória da caducidade.
Mais alegou que na sequência das reclamações dos AA., mandou isolar a placa de tecto com lã de rocha e colocou diversas grelhas de ventilação, tendo concordado em efectuar tais trabalhos apenas e só para salvaguardar a sua imagem de empresa cumpridora.
Em sede de impugnação refere que os autores não pagaram à ré a totalidade do preço devido pela empreitada.
Deduziu pedido reconvencional alegando que por conta do preço total devido os autores não lhe pagaram a quantia de 5.138,00 € + IVA correspondente à factura 049ª de 30/11/2010.
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Os autores replicaram negando dever qualquer quantia. Por sua vez, a Ré é que lhes deve 5.179,42 € + IVA que os autores suportaram e que deveriam ter sido pagos pela ré e invocaram a compensação.
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Pronunciou-se a ré, pugnando pela improcedência da excepção.
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Realizou-se a audiência prévia em que se definiu o objecto do litígio e se selecionaram os temas de prova.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “A) Julgo a presente acção que B… e C…instaurou contra «D… – Construção Civil, Lda» parcialmente procedente por provada e em consequência: Condeno a ré a proceder à substituição das pedras das soleiras das portas que se encontram apenas encostadas as paredes por outras que entrem nas mesmas bem como a aplicar betume nas fissuras das pedras. Absolvendo-a do demais peticionada. B) Julgo a reconvenção que a ré deduziu contra os autores procedente por provada e, em consequência condeno estes a pagar a quantia de 5.138,00 € (cinco mil cento e trinta e oito euros) acrescida de IVA acrescida de juros legais desde a data de vencimento e até efectivo e integral pagamento. Custas da acção na proporção de 20% para a ré e 80% para os autores; custas da reconvenção pelos reconvindos/autores – cfr. art. 527º, do Cód. Proc. Civil. “
Os AA. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, onde formularam as seguintes conclusões: “A) Os Recorrentes intentaram a presente ação com vista à condenação da Recorrida na correção dos defeitos que deram origem às humidades na sua habitação, suportando todos os custos inerentes e pagando-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. A Recorrida apresentou reconvenção pedindo a condenação dos Recorrentes no pagamento de uma quantia alegadamente em falta quanto a essa obra. B) Proferindo sentença, cremos respeitosamente que o Tribunal a quo andou mal na sua condenação. Por um lado, julga apenas muito parcialmente procedente o pedido dos Recorrentes. Por outro lado, julga procedente a reconvenção da Recorrida. C) Quanto à impugnação da matéria de facto, deve ser aditado um novo ponto que fique refletida toda a prova quanto aos defeitos existentes: Ponto 32A – A habitação dos autores não tem caixa de ar nem drenagem, apesar de no projeto de arquitectura existir pormenorização sobre estes pontos. D) Decorre com clareza do relatório pericial (v. página 4, referência Citius 469497) que, contrariamente ao projetado e encomendado pelos Recorrentes à Recorrida, a sua habitação não tem caixa de ar nem drenagem exterior. Veja-se também o depoimento do perito na audiência de julgamento, confirmando serem esses osprincipais defeitos da habitação (gravação de 20.01.2016, início 02:05, fim 02:35, início 04:30, fim 04:55, início 32:30, fim 33:00). E) Trata-se de um defeito grave e com consequências sérias sobre a climatização da habitação dos Recorrentes, como facilmente se percebe, até porque parte das humidades se infiltram por capilaridade. F) Como refere o próprio Tribunal a quo na sua sentença (v. página 18), o perito prestou esclarecimentos em sede de audiência de julgamento, tendo reafirmado que as principais causas de humidade na habitação são a falta de caixa de ar e a drenagem. G) Deve ainda ser aditado um outro ponto à matéria de facto dada como provada, que reflita a totalidade das medidas corretivas necessárias, pois só assim se pode garantir a total correção dos defeitos identificados: Ponto 33A – Para proceder à eliminação das humidades mencionadas, é ainda necessário: Executar uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a Arquiteta elaborou para a moradia; Continuar o passeio existente, de maneira que faça a envolvente total da moradia (trabalhos que não estavam contemplados no projeto), este passeio deveria estar sempre a uma cota inferior a pavimento interior; Impermeabilizar as pedras da fachada e proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado. H) São estas as medidas corretivas identificadas no relatório pericial quanto à caixa de ar e à drenagem, considerando que, como o mesmo constata, não é possível corrigir a inexistência da caixa de ar. I) Ainda, quanto às pedras da fachada, no relatório pericial não é apenas sugerida a aplicação de betume nas que apresentem fissuras. Indica-se também a necessidade de impermeabilização e preenchimento das juntas com argamasse de reboco adequado. Também o Tribunal a quo o refere na sua sentença (v. página 17).
Atente-se também aqui sobre o depoimento do perito, que sublinha a importância da drenagem e da impermeabilização (gravação de 20.01.2016, início 06:00, fim 08:05). J) Finalmente, deve ser eliminado o Ponto 34 da matéria de facto dada como provada, perante a evidente falta de elementos probatórios que o suportem. K) A única prova que quanto a esta matéria a Recorrida foi capaz de trazer para os autos foi a fatura e o documento de contas. Ambos documentos elaborados por si ou por quem a representa, ambos impugnados pelos Recorrentes na sua réplica. L) Mostrando-se os documentos impugnados, a Recorrida não logrou trazer ao Tribunal prova de que tivesse sequer dado conhecimento aos Recorrentes desses mesmos documentos. E é verdade que não deu. M) Não trouxe prova de que essa fatura tivesse sido lançada contabilisticamente, uma vez que se trata de uma fatura manual sem qualquer nota do lançamento contabilístico nela escrita. Não trouxe prova de que tivesse interpelado os Recorrentes, condição essencial para que o seu pagamento se tornasse exigível. Não trouxe prova de que esse valor tivesse sido apurado de acordo com o contratado, uma vez que não junta as demais faturas emitidas por conta desta obra e ficamos sem perceber qual o seu enquadramento no preço geral da empreitada. N) Acresce que as datas não são minimamente congruentes com a entrega da obra. Está dado como provado que a obra foi entregue pela Recorrida aos Recorridos durante o mês de março de 2009 (v. ponto 5 da matéria de facto dada como provada). Por que razão as contas finais se fariam no final de janeiro do ano seguinte? Por que razão a fatura seria emitida em novembro do ano seguinte ou, note-se, com data de novembro do ano seguinte? O) O que sabemos é que, nos termos do contrato de empreitada celebrado entre as partes (v. Documento n.º 3 junto com a petição inicial), o correspondente aos últimos 5% do valor da obra seria pago com a sua entrega. Ora, a sua entrega sucedeu no final de março de 2009. P) Mais sabemos que entretanto surgiram defeitos na obra dos Recorrentes e que a Recorrida vem a estes autos alegar a existência de uma dívida como forma de se furtar à correção dos defeitos que lhe são imputáveis. Q) Além disso, nenhuma das testemunhas se pronunciou sobre a alegada dívida dos Recorrentes à Recorrida, sendo que nas declarações de parte encontramos declarações contrastantes. Não merecendo nenhuma dessas declarações de parte particular credibilidade sobre as outras, não cremos que delas se possa extrair qualquer elemento probatório. R) Quanto à matéria de direito, procedendo a impugnação da matéria de facto, cabe considerar a existência dos defeitos de inexistência de caixa de ar e de drenagem, assim como das respetivas medidas corretivas que resultam do relatório pericial, pelo que deve a Recorrida ser igualmente condenada a (i) executar uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a Arquiteta elaborou para a moradia, e a (ii) continuar o passeio existente, de maneira que faça a envolvente total da moradia (trabalhos que não estavam contemplados no projeto), este passeio deveria estar sempre a uma cota inferior a pavimento interior. S) Adicionalmente, resulta do que se disse a propósito da impugnação da matéria de facto que a Recorrida deve ainda ser condenada a (iii) impermeabilizar as pedras da fachada e proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado. T) Só desta forma se verão devidamente reconhecidos todos os defeitos da obra e se poderá ordenar a correção de todas as correções necessárias e imputáveis à Recorrida. U) Toda a fundamentação da sentença se apresenta de modo a diminuir a culpa da Recorrida e os danos causados com a sua conduta, o que não se pode aceitar. Não obstante partirmos de uma matéria de facto que identifica erros graves imputáveis à Recorrida, acabamos por terminar com uma condenação ligeira e que não lhe impõe a correção total dos defeitos. Decisão que, com todo o respeito mas igual honestidade, não deixou de nos causar profundo espanto e admiração. V) Nos termos do artigo 1223.º do Código Civil, o dono da obra tem direito a exigir ao empreiteiro, além da eliminação dos defeitos, indemnização nos termos gerais. W) Atenta essa possibilidade legal, os Recorrentes pedem na sua petição inicial a condenação da Recorrida em suportar os custos com a reparação e substituição de todos materiais danificados em virtude da humidade, a liquidar em execução de sentença, o que deve ser julgado aqui como procedente independentemente da apreciação que se faça da impugnação da matéria de facto. X) O mesmo vale para os danos não patrimoniais, relativamente aos quais ficou dado como provado que os Recorrentes estão incomodados com a situação das humidades na casa, o que lhes retira qualidade de vida e os impede de disfrutar da sua casa (v. facto 15 da sentença). Y) Conforme resulta da nossa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, não é aqui sequer necessário o recurso à presunção natural para concluirmos que a situação destes autos tem contornos de incomodidade que qualificam como grave o dano sofrido e que obrigam à sua ressarcibilidade. Z) Não têm por isso dúvidas os Recorrentes de que sofreram danos não patrimoniais de relevância bastante para que mereçam a tutela do Direito. Sujeitam-se ao bom julgamento dos Venerandos Desembargadores para a fixação da correspondente indemnização por danos não patrimoniais.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a alteração da matéria de facto nos termos seguintes:
- Aditamento de um Ponto 32A com a seguinte redação: A habitação dos autores não tem caixa de ar nem drenagem, apesar de no projeto de arquitetura existir pormenorização sobre estes pontos;
- Aditamento de um Ponto 33A com a seguinte redação: Para proceder à eliminação das humidades mencionadas, é ainda necessário:
- Executar uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a Arquiteta elaborou para a moradia;
- Continuar o passeio existente, de maneira que faça a envolvente total da moradia (trabalhos que não estavam contemplados no projeto), este passeio deveria estar sempre a uma cota inferior a pavimento interior;
- Impermeabilizar as pedras da fachada e proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado.
- Eliminação do Ponto 34.
Em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada, condenando-se a Recorrida na correção de todos os defeitos identificados e no pagamento das indemnizações pedidas, absolvendo-se os Recorrentes do pedido reconvencional.”
A R. contra-alegou e concluiu do seguinte modo: “1. Pretendem os Autores/Recorrentes que se adite um ponto aos factos provados que acrescente que a habitação dos Autores não tem caixa de ar nem drenagem, apesar de no projeto de arquitetura existir pormenorização sobre estes pontos. 2. Ora, a páginas 19 da douta sentença recorrida expressamente se refere que o perito não pôde garantir que não existe caixa de ar em toda a casa, mas apenas que num buraco que já existia na moradia não foi possível detetar a sua existência. A páginas 21 da douta sentença o Tribunal valorizou as declarações de parte do sócio gerente da Recorrida quando referiu que a casa tem paredes duplas: tijolo de 15 cm, roofmate, 05 cm de caixa de ar e outra fiada de tijolo de 15. Por sua vez, a testemunha Fernando Manuel Jesus Ferreira referiu a existência de caixa de ar nas paredes, apesar de mais pequena para que as paredes não ficassem tão grossas (pag. 22 da sentença). Ora, do confronto designadamente destas provas o Tribunal entendeu, e bem, não dar como provado que a casa não tem caixa de ar. 3. Relativamente à drenagem, é por demais evidente que a casa tem desvão sanitário e grelhas que deitam para aquele desvão sanitário, conforme resulta do relatório de peritagem. Na parte da execução, a cargo da Recorrida, não ocorreu, também neste âmbito, qualquer violação dos deveres que a si incumbissem, devendo igualmente improceder a alteração da matéria de facto por que pugnam os Recorrentes. 4. Pretendem, ainda, os Recorrentes que se acrescente um ponto à matéria de facto provada onde se elenque as obras que se torna necessário efetuar para proceder à eliminação das humidades existentes na sua casa. 5. Porém, existe já um ponto, o 33, em que, de forma discriminada, o Tribunal, de acordo com a livre apreciação que efetuou da prova, elenca, de forma pormenorizada, a forma de proceder à eliminação das humidades, o que fez da seguinte forma:
Para proceder à eliminação das humidades mencionadas é necessário:
- A impermeabilização das pedras da fachada;
- Substituição das pedras de soleira ou de peito;
- Remoção dos silicones existentes nas janelas e posterior aplicação de novo cordão de silicone adequado para o efeito;
- As paredes e tectos afectados pelas infiltrações e humidades deverão ser removidas através de uma picagem, até a uma distância de 50 cm das zonas afectadas, de forma a remover todo o revestimento que se encontra danificado. Posteriormente deverá ser aplicada argamassa de enchimento e acabamento de forma a regularizar as superfícies.
- Aplicação de betume nas juntas das pedras que apresentem fissuras;
- Substituição do cortinado da suite danificado pela condensação;
- Substituição das peças de pavimento e rodapé danificadas pelas infiltrações;
- Substituição dos peitos das janelas em madeira e respectivas guarnições;
- Substituição dos caixilhos em madeira danificados pelas guarnições;
- Remoção da grelha deflectora aplicada na suitee posterior fechamento do buraco incluindo isolamento térmico. 6. Não ocorreu, portanto, qualquer omissão por parte do Tribunal na identificação dos trabalhos que se impõe realizar para eliminar aquelas humidades, inexistindo, por conseguinte, motivos para alterar a matéria de facto também nesta parte. 7. De resto, não prescindiu o Tribunal à quo de efetuar uma inspeção ao local, tendo a Meritíssima Juíza percorrido e analisado detalhadamente todos os compartimentos que compõem a moradia dos Autores e inspecionado também a envolvente exterior da moradia, na presença das partes e dos seus advogados. 8. A casa em causa foi entregue aos Recorrentes em Março de 2009, sendo que somente em dezembro de 2010, ou seja, quase dois anos após é que começaram a surgir humidades na mesma. Tendo o inverno de 2009/2010 sido dos mais chuvosos das últimas décadas, o que constitui facto notório, mas ainda assim, foi alegado na contestação, e não tendo ocorrido quaisquer humidades na moradia naquele primeiro inverno, moradia localizada, como se diz na página 1 do relatório pericial em zona climática particularmente gravosa do ponto de vista térmico I3- V2N, inculca-se logo a ideia de que o mau uso, ou seja, a utilização incorreta da moradia e não tanto a sua construção contribuíram de forma decisiva para o aparecimento daquelas humidades. 9. E, de facto, resultou provado que os Recorrentes procedem a um incorreto arejamento da moradia. Também do teor do relatório pericial resulta que os Recorrentes direcionam a rega directamente para a moradia, o que contribui para o agravamento dos problemas de humidade e procedem a uma má gestão do aquecimento da casa, aquecendo algumas divisões e deixando outras por aquecer, o que ocasiona gradientes térmicos que incrementam as condensações. 10. Mais, mais grave, foi o facto de as caixilharias que os Recorrentes colocaram por sua conta e risco, passados quase dois anos terem contribuído decisivamente para os problemas de humidades da sua casa por causa, essencialmente, do seguinte:
- Entupimento dos drenos, insuficientemente dotados;
- Desaparecimento e falta de recolocação dos silicones aplicados nos remates das caixilharias. 11. As humidades que a casa apresenta são, assim, essencialmente provocadas:
a) Pelas deficiências que as caixilharias passaram a apresentar, muito por via da falta de manutenção a cargo dos Recorrentes (limpeza de drenos, recolocação de silicones).
b) - Pelas alterações ao projeto inicial promovidas pelos Recorrentes, como a eliminação dos estores previstos para os vãos, cujas caixas de estores permitiriam efetuar a ventilação da casa, e alterações ao nível do sistema de aquecimento, eliminando os radiadores por debaixo das janelas que diminuem o efeito térmico que estas constituem e efectuando intervenções muito significativas na laje de chão da moradia para instalar aquecimento radiante. Tudo por sua conta e risco.
c) - Pelos erros de conceção, ao nível da elaboração dos projectos e da direção técnica da obra, cometidos pela arquiteta que os Recorrentes contrataram para o efeito, que não antecipou e mensurou o desnível do terreno, mais acentuado do que parecia à vista desarmada, e, com a obra já em execução, ordenou que a laje de chão fosse seccionada em duas, desnivelando-a, sendo que foi na parte que, entretanto, passou a ficar mais baixa que essencialmente se verificam os problemas de humidades. 12. Face a toda a fatualidade exaustivamente apurada não conseguiram os Autores/Recorrentes demonstrar que os defeitos que a sua casa apresenta provêm da execução da obra por parte da Ré e não da conceção da obra a seu cargo, das alterações de projeto que foram por si ordenadas, das adjudicações de certos trabalhos (caixilharias, aquecimento) que entenderam promover unilateralmente, do mau uso que fazem da casa (gerindo mal o aquecimento, não a arejando, direcionando a rega do jardim contra as paredes da casa), etc... 13. Essa prova incumbia em primeira linha aos Autores/Recorrentes e não foi feita. 14. Quanto à procedência da reconvenção, considerou o tribunal a quo que se provou encontrar-se em falta por parte dos Autores/Reconvindos o pagamento da quantia de 5138,00 €, acrescido de IVA, correspondente à fatura 049A, vencida em 30/11/2010, documento esse que consta dos autos. 15. Mais considerou o Tribunal a quo que não se provou que os Autores tenham cumprido de forma pontual e integral o pagamento do preço. 16. A este repeito, os Recorrentes limitam-se a tecer umas considerações vagas e conclusivas discordando da sua condenação, sem contudo ter impugnado com um mínimo de sustentação aquela matéria de facto dada como provada e não provada. 17. Ora, não tendo atacado consistentemente aquela factualidade (os Recorrentes limitam-se a pedir a eliminação do ponto 34 dos factos provados, como se o acrescento e a eliminação da factualidade provada em julgamento e que integra uma sentença
judicial pudesse ser feita “a la carte”, ou seja, “ao gosto e a pedido do freguês”) , não se vislumbra como podem os Recorrentes pretender ser absolvidos da condenação a pagar aquela fatura, há muito vencida, e cujo pagamento não foi por si efetuado. 18. Sendo o pagamento uma exceção peremptória, cabia aos Recorrentes efetuar a sua prova, o que não fizeram, devendo, por conseguinte, também nesta parte, manter-se a douta sentença recorrida.”
II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
.se a matéria de facto deve ser alterada e consequentemente a decisão de mérito;
. se ainda que a matéria de facto permaneça inalterada, deve a recorrida ser condenada a suportar os custos com a reparação e substituição de todos os materiais danificados pela humidade, a apurar em liquidação da sentença e a pagar aos apelantes uma indemnização a título de danos não patrimoniais.
III – Fundamentação
Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos: Factos provados “1. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil. 2. No exercício da sua actividade comercial a ré outorgou com os autores um contrato de empreitada para construção de uma moradia sita na Rua …, n.º xx, freguesia de xxx, Chaves. 3. O preço contratado foi de 179.000 € acrescido de IVA. 4. A ré assumiu plena responsabilidade pela correcta execução da obra e a imputação de todas as deficiências e erros relativos à execução da obra, mais assumindo ser da sua conta quaisquer alterações ou reparações necessárias à correcção de todas as deficiências e erros verificados na obra, assim como qualquer indemnização pelos danos sofridos. 5. A obra teve início no mês de Janeiro de 2008 e foi entregue aos autores em Março de 2009. 6. No mês de Dezembro de 2010 começaram a surgir humidades na casa dos autores em especial junto da janela da cozinha e de um dos quartos. 7. Surgindo eflorescências em várias paredes nos quartos, hall e sala, afectação das madeiras e pardeiras de vários vãos, afectação das madeiras que envolvem as caixilharias, e afectação de parte dos rodapés. 8. No mês de Janeiro de 2011 os autores comunicaram à ré a existências das humidades. 9. Em 22 de Janeiro de 2011 a ré enviou a casa dos autores um técnico para fazer um relatório com vista a apurar a origem das humidades, o qual foi entregue em 11 de Março de 2011. 10. Tendo em vista resolver os problemas de humidade detectados a ré colocou lã de rocha para isolar a placa do tecto, bem como colocou grelhas de ventilação para permitir a circulação de ar entre o interior e o exterior da casa. 11. Tendo-se mantido a situação de humidade. 12. Os autores remeteram à ré uma carta a 22 de Março de 2013 no sentido de proceder às correcções necessárias. 13. As humidades existentes na habitação causaram deteriorações nas madeiras, pinturas, caixilharias, janelas e portas. 14. No inverno do ano de 2012 os autores mandaram elaborar um relatório a uma empresa (CheckHouse) que lhes custou 956,18 €, com vista a apurar a origem das humidades e quais as soluções possíveis. 15. Os autores estão incomodados com a situação das humidades na sua casa, o que lhes retira qualidade de vida e os impede de disfrutar da sua casa. 16. Têm dificuldades em climatizar devidamente o imóvel em função das humidades existentes. 17. A presente acção deu entrada em juízo a 12 de Março de 2014, tendo a citação da ré ocorrido em 7 de Julho do mesmo ano. 18. Nos anos de 2009 e 2010 não detectarem os autores a existência de humidades na casa. 19. A colocação de lã de rocha na laje de tecto não se encontrava prevista no projecto. 20. A ré aplicou as grelhas de ventilação pedidas pelos autores, as quais permitem a sua regulação, incluindo o seu completo fechamento. 21. Quando a ré se preparava para iniciar a construção da moradia, constatou-se que a mesma não podia ser num único piso, como constava do projecto, tendo-se procedido a um desnível entre duas partes da casa, ficando uma delas cerca de 80 cm mais baixa. 22. Os autores por sua iniciativa exclusiva, ao longo da execução do contrato de empreitada procederam a alterações aos projectos da moradia e ao que constava da memória descritiva. 23. O projecto da casa que serviram de base ao contrato de empreitada previa que os vãos fossem dotados de caixilharias em alumínio de boa qualidade e com ruptura térmica, vidros duplos de boa qualidade e estores. 24. No decurso da execução da obra os autores decidiram contratar directamente a aquisição e colocação das caixilharias. 25. Tendo a ré procedido ao desconto do respectivo valor no preço global da empreitada. 26. As caixilharias aplicadas pelos autores têm uns pequenos furos de drenagem (dois por unidade), facilmente obstruídos pela acumulação de lixo. 27. O sistema de aquecimento central projectado previa a colocação de radiadores por baixo das janelas com vista a diminuir o efeito de ponte térmica que as mesmas constituem. 28. No decurso da obra os autores substituíram tal sistema de aquecimento, optando por adjudicar directamente a terceiros a instalação de piso radiante eléctrico. 29. Os autores mantêm muitas vezes as grelhas de ventilação fechadas. 30. E procedem a um deficiente arejamento da moradia. 31. As humidades na casa dos autores surgem essencialmente junto aos vãos das janelas, portas e demais aberturas. 32. Sendo infiltrações por capilaridade junto das janelas de sacada, nomeadamente no corredor, no estúdio e na suíte cuja causa está relacionada com as deficiências verificadas junto das pedras da soleira, nos silicones dos caixilhos e nas pedras da fachada. 33. Para proceder à eliminação das humidades mencionadas é necessário:
- A impermeabilização das pedras da fachada;
- Substituição das pedras de soleira ou de peito;
- Remoção dos silicones existentes nas janelas e posterior aplicação de novo cordão de silicone adequado para o efeito;
- As paredes e tectos afectados pelas infiltrações e humidades deverão ser removidas através de uma picagem, até a uma distância de 50 cm das zonas afectadas, de forma a remover todo o revestimento que se encontra danificado. Posteriormente deverá ser aplicada argamassa de enchimento e acabamento de forma a regularizar as superfícies.
- Aplicação de betume nas juntas das pedras que apresentem fissuras;
- Substituição do cortinado da suíte danificado pela condensação;
- Substituição das peças de pavimento e rodapé danificadas pelas infiltrações;
- Substituição dos peitos das janelas em madeira e respectivas guarnições;
- Substituição dos caixilhos em madeira danificados pelas guarnições;
- Remoção da grelha deflectora aplicada na suíte e posterior fechamento do buraco incluindo isolamento térmico. 34. Está em falta o pagamento do valor de 5138,00 € + IVA, correspondente à factura n.º 049ª, vencida em 30/11/2010.
Com relevância para a decisão, nada mais se provou, designadamente que: a) Os autores cumpriram de forma pontual e integral o pagamento do preço. b) A ré assumiu a reparação das humidades existentes na casa dos autores. c) A ré tenha recebido a carta mencionada em 11. d) A ré não tenha colocado:
- duas portas de arrumos no valor de 700 €;
- pedras à volta das janelas no valor de 720,00 €;
- paralelo pequeno no valor de 560,00 €;
- mosaicos no valor de 287,73 €;
- vidros na casa de banho no valor de 100 €. e) Que a ré apenas aceitou efectuar os trabalhos mencionados em 10 para salvaguarda da imagem da sua empresa. f) As caixilharias mencionadas em 24 eram de madeira e de fraca qualidade. g) Os autores não têm cuidado com as regas dos espaços envolventes da moradia deixando a rega ligada junto à moradia várias horas seguidas. h) Após a intervenção que a ré fez no imóvel, em Janeiro de 2011, os autores e a ré acordaram que a ré prescindia do montante referido em 34 e os autores abstinham-se de exigir o que quer que fosse em relação à moradia. i) A ré não concluiu alguns trabalhos contratados e efectuou outros comprando materiais abaixo dos preços contratados. j) A ré não colocou duas portas nos arrumos no valor de 700 €, que vierem a ser adquiridas directamente pelos autores. k) A ré não colocou parte da pedra de 720 € que veio a ser adquirida directamente pelos autores. l) A ré não colocou paralelo numa área de 14m2, no valor de 560 €, que veio a ser pago directamente pelos autores. m) Não liquidou uma factura da EDP no valor de 237,58 € relativa ao período de execução da obra que foi paga directamente pelos autores. n) Não colocou puxadores no valor de 50 € que vieram a ser adquiridos directamente pelos autores. o) A diferença de preços do material adquirido à «Matrichaves» é de 287,73 € a favor dos autores. p) A diferença de preço do flutuante é de 300 € a favor dos autores. q) A diferença de preço nos mosaicos da casa de banho é de 358,00 € a favor dos autores. r) A diferença de preço da electrotela é de 234,00 € a favor dos autores. s) A diferença de preço da loiça e suportes é de 726 € a favor dos autores. t) Quanto a material da D… os autores suportaram uma despesa de 772,00 €. u) A ré deixou um vidro partido numa casa de banho tendo os autores despendido 100 € na sua substituição. v) A ré não colocou cinco exaustores nas casas de banho no valor de 134,11 € que vieram a ser adquiridos directamente pelos autores. “
Da alteração da matéria de facto
Em conformidade com o disposto no artº 662º, nº 1 do CPC deve o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa.
Pretendem os apelantes que os factos dados como provados no ponto 34 sejam considerados como não provados e sejam aditados aos factos provados dois novos pontos com a redacção que sugerem e que a seguir se reproduz, com base no relatório pericial junto aos autos e nos esclarecimentos prestados pelo senhor perito em audiência de discussão e julgamento:
32-A: A habitação dos AA. não tem caixa de ar nem drenagem, apesar de no projecto de arquitectatura existir pormenorização sobre estes pontos.
33-A: Para proceder à eliminação das humidades mencionadas é ainda necessário:
. Executar uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a Arquiteta elaborou para a moradia;
. Continuar o passeio existente, de maneira que faça a envolvente total da moradia (trabalhos que não estavam contemplados no projecto), este passeio deveria estar sempre a uma cota inferior a pavimento interior;
. Impermeabilizar as pedras da fachada e proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado.
Os factos que os apelantes pretendem ver aditados não foram dados como provados nem como não provadose compulsados os articulados também se constata que não foram alegados, com excepção da necessidade de impermeabilização das pedras da fachada e necessidade de proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado (artº 26º da petição inicial).
A Mma. Juíza a quo fundamentou decisão quanto à matéria de facto ao longo de 12 páginas, ondereproduziu parte do relatório junto pela A. com a p.i. edo relatório pericial elaborado pelo perito nomeado nestes autos e reproduziu os depoimentos das testemunhas, fazendo também apreciação crítica da prova produzida, mas não se pronunciou concretamente sobre os pontos que os apelantes pretendem ver aditados.
Nos autos foi realizada uma peritagem e procedeu-se a inspecção judicial.
Desde logo se refere que embora não seja caso de rejeição, entendemos não ser de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos factos relativosà continuidade do passeio existente, de maneira que faça a envolvente total da moradia (trabalhos que não estavam contemplados no projecto).
O Tribunal deve abster-se de conhecer a impugnação “quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível de questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime , 3ª edição revista e actualizada, Almedina, 2010, p. 337). Ora, não se vislumbra como é que a eventual prova dos referidos factos possa alterar a decisão, pois se esses trabalhos não constavam do projecto, não tendo a R. executado os mesmos, não pode ser obrigada a realizá-los, desde logo porque inexiste qualquer defeito . Se o trabalho não foi feito por não estar previsto, não pode ter sido deficientemente realizado, pelo que, independentemente do que se decidir, nunca a R. poderá responder nos termos pretendidos pelos apelantes.
De acordo com o disposto no artº 5º nº 1 do CPC às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
Além dos factos essenciais são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da discussão da causa [(artº 5º, 2, a) do CPC] e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar [artº 5º, nº 2, al. b) do CPC].
Factosinstrumentais ou indiciários são, de acordo com Anselmo de Castro, os que “não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes, e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção”; são factos que permitem estabelecer uma ligação com os factos essenciais e, por essa via, aferir da realidade destes; e, exactamente, porque de simples factos probatórios ou acessórios se trata, não precisam de ser alegados nem incluídos na base instrutória, sendo atendidos desde que venham à tona na instrução ou na discussão da causa (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, página 466).
Os factos instrumentais pressupõem que se tenham alegado os factos essenciais, cuja prova os mesmos se destinam a comprovar. São factos para chegar à realidade dos factos principais, mas que com estes não se confundem. Se o Tribunal pudesse oficiosamente considerar factos essenciais, ficaria postergado o princípio do dispositivo.
Os factoscomplementares ou concretizadores da causa de pedir ou da excepção que não tenham sido oportunamente alegados pela parte a que aproveitam, distinguem-se dos factos essenciais não alegados, e dos factos instrumentais, traduzindo-se aqueles factos, naqueles “ cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção” – v. M. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo processo”, 2ª ed., pg. 70.
No actual Código de Processo Civil a consideração dos factos complementares não depende já de requerimento da parte interessada, pois que a lei deixou de o exigir, como exigia no nº 3 do artº 264º do CPC ao impor que a parte tivesse de manifestar a vontade deles se aproveitar, e passou a exigir apenas que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre os mesmos. O juiz pode tomá-los em atenção mesmo oficiosamente, sem requerimento de nenhuma das partes, bastando que a parte tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos (cfr. se defende no Ac. do TRP de 08.03.2016, proc. 180240/13, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser indicados sem referência a outra fonte). Se o legislador pretendesse que a consideração do facto complementar estivesse dependente de requerimento nesse sentido da parte que dele se quer aproveitar, teria reproduzido no artº 5º, nº2, al. b) do actual CPC, a redacção constante do nº 3 do artº 264º do CPC anterior.
A existência de outros defeitos para além dos invocados pelos apelantes constituem factos complementares?
A presente acção tem como fundamento o cumprimento defeituoso de um contrato de empreitada acordado entre as partes, que se consubstancia na existência de vários problemas ao nível do isolamento e humidades no interior do imóvel (artº 9º) que surgiram a partir do início do Inverno de 2010. Na sequência do surgimento destes focos a A. veio a requerer uma vistoria ao imóvel que assinalou vários problemas e sugeriu o modo de resolução, o que a A. reproduziu no seu articulado.
Ora os factos relativos às causas da humidade e à resolução desta deficiência que os apelantes pretendem que sejam dados como provados são complemento de outros oportunamente alegados, pelo que poderão ser considerados pelo Tribunal, desde que a sua consideração para efeitos processuais seja precedida do exercício do contraditório, ou seja, desde que às partes seja dada a faculdade de se pronunciarem sobre essa nova factualidade.
Ora estes factos constam do relatório pericial junto a fls 206 a 211 dos autos, na resposta ao quesito nº 2 formulado pelos AA. com o seguinte texto: “quais as causas e origens dessas humidades”.
Este relatório foi notificado a ambas as partes e não foi deduzida qualquer reclamação, tendo a Ré requerido a presença do perito em audiência de discussão e julgamento o que foi deferido, tendo o perito comparecido e tendo as partes tido a oportunidade de perguntarem o que entenderam por pertinente.
Assim, tendo sido facultado às partes o exercício do contraditório, poderão tais factos ser considerados, caso se conclua pela sua prova.
Vejamos então os factos:
32-A: A habitação dos AA. não tem caixa de ar nem drenagem, apesar de no projecto de arquitetura existir pormenorização sobre estes pontos.
No relatório de peritagem foi referido a inexistência de caixa de ar e de drenagem.
Peloperito, em audiência de discussão e julgamento, foi dito que constatou que a casa não tinha caixa de ar, através do visionamento que efectuou num buraco na parede que tinha sido feito na zona da lavandaria, eventualmente por uma das empresas que já tinha sido consultada na sequência das queixas apresentadas pelos AA., mas que não podia assegurar que inexistisse de caixa de ar em toda a construção. Pelo legal representante da R. foi declarado que foi feita caixa de ar e efectuado um sistema de drenagem e referiu as suas características.
Também a testemunha Carina, arquitecta e autora do projecto da casa construída pela R., confirmou a existência de caixa de ar e de sistema de drenagem, tendo referido que a casa está assente em placa com desvão sanitário, tendo sido feitas aberturas e colocadas grelhas de ventilação.
E pela testemunha Fernando Manuel, construtor civil, a quem inicialmente os AA. pedirampara construir a casa em causa, tendo sido quem lhes sugeriu que contratassem a R. para efectuar a construção, por o seu alvará não lhe permitir efectuar a obra pretendida pelos AA. e que trabalhou na sua construção, nomeadamente na fase da estrutura, foi referido que na altura se comentava que a casa tinha caixa de ar mas que, por opção estética, tinha sido decidido construir paredes de menor espessura que as inicialmente previstas.
Face aos depoimentos das testemunhas Carina e Fernando Manuel e do legal representante da R., e considerando que o sr.perito não acompanhou a construção da casa e que apenas se pronunciou tendo em conta uma abertura feita numa zona específica da mesma – lavandaria – que não pode ser encarada como representando toda a construção que tem uma área de implantação de 400 m2, entendemos que não ocorreu qualquer erro de julgamento ao não terem sido dados como provados os factos em análise, pois que face à prova produzida não se pode considerar provada a inexistência de caixa de ar. Igualmente, tendo em conta as declarações do legal representante da R. e o depoimento da arquitecta, autora do projecto, não se pode considerar provada a falta de drenagem.
33-A: Para proceder à eliminação das humidades mencionadas é ainda necessário:
. Executar uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a Arquiteta elaborou para a moradia;
. Impermeabilizar as pedras da fachada e proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado.
Quanto à impermeabilização das pedras da fachada, já consta do ponto 33 a necessidade desta impermeabilização para proceder à eliminação das humidades, pelo que estes factos já foram dados como provados.
Quanto à drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a arquitecta elaborou para a moradia e ao preenchimento com argamassa de reboco adequado:
Não foi produzida prova no sentido de que amedida correctiva constante do relatório pericial - execução de uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a arquitecta elaborou – se impunha em consequência da deficiência da execução pela R. do contrato de empreitada, desde logo, porque não resultou provado que não tivesse sido efectuada a drenagem da habitação, conforme se referiu a propósito do aditamento do ponto 32-A.Foi realçado tanto pela arquitecta autora do projecto, como pelo perito ouvido em audiência, que o projecto sofreu muitas alterações ao longo da obra da iniciativa dos AA., pelo que a prova não permite concluir por qualquer deficiência de execução da R. ao implantar o sistema de drenagem.
Relativamente à necessidade de colocação de argamassa nas juntas das paredes da fachada: além do relatório pericial efectuado no âmbito destes autos, também o relatório junto à petição inicial, conclui pela necessidade da colocação destas juntas, o que também foi confirmado pelo sr.perito em audiência.Tendo em conta o considerado em ambos os relatórios e não tendo sido feita prova que o infirmasse, entendemos que ocorreu erro de julgamento ao não ter sido considerado provada a necessidade de colocação de argamassas.
Mantém-se assim inalterados os factos considerados provados pela 1ª instância, aditando-se ao ponto 33 dos factos provados, os factos que se destacam a negrito (mantendo-se no demais inalterado o ponto 33 dos factos provados):
Para proceder à eliminação das humidades mencionadas é necessário:
- A impermeabilização das pedras da fachada com preenchimento das juntas com argamassa de reboco hidrófugo.
Ponto 34 dos factos provados
Entendem os apelantes que não foi feita prova de que permanecia por pagar a quantia de 5138,00 € + IVA, correspondente à factura n.º 049A, vencida em 30/11/2010, pelas seguintes razões:
. porque apenas depôs sobre estes factos o legal representante da R.;
.não se provou que tivesse sido dado conhecimento aos AA. da existência desta factura;
. não se provou que a mesma tivesse sido lançada na contabilidade da R.; e,
. não se provou que esse valor tivesse sido apurado de acordo com o contratado.
Comecemos por dizer que ainda que R. não tenha dado conhecimento aos AA. da existência da factura cujo pagamento reclama, não era por isso que a dívida não podia ser dada como provada. Tal tem a ver com a exigibilidade do pagamento e não com a existência da dívida.
Também, ainda que a factura não tivesse sido lançada na contabilidade da R., o que se desconhece, também tal facto não era impeditivo de um juízo no sentido da existência da dívida.
O ónus da prova do pagamento, como facto extintivo que é, recai sobre o devedor. Ao credor incumbirá provar que prestou o serviço acordado, que forneceu a mercadoria encomendada, incumbindo à outra parte provar que procedeu ao pagamento acordado.
No caso não está em causa que a R. não tenha realizado a obra encomendada pelos apelados. Quanto à contrapartida devida pelos AA. :a R. admite que o valor acordado para a empreitada acabou por ser inferior ao constante do contrato de empreitada, por posteriormente terem sido realizados por terceiros trabalhos que estavam inicialmente incluídos na empreitada, motivo pelo qual o seu custo foi abatido ao valor final a pagar.
Era aos AA. que incumbia provar que tinham pago a totalidade do valor acordado pagar, o que não fizeram, não tendo junto quaisquer documentos para a sua prova.
Em declarações de parte o A. declarou ter entregue 4.000,00 para pagamento de parte da factura 049 A, factura que tem o valor de 5.138,00 mais IVA, no total de 6.217,00, mas tal depoimento foi posto em causa pelo depoimento do legal representante da R. que não aceitou que tal pagamento se destinasse ao pagamento da factura 049 A.
Por requerimento de 4 de março de 2016 a R. pretendeu juntar aos autos várias facturas e recibos para provar que os 4.000,00 euros que o A. alegou ter pago não se destinavam ao pagamento da factura 049 A (fls 245 v a 251).
Não foi admitida a junção destes documentos por despacho de 05.04.2016 que não foi impugnado, pelo que não se pode atender a estes documentos
Os AA., sobre quem recaía o ónus da prova do pagamento, nenhum documento juntaram para provar que tinham pago o valor contratado, sendo que tal não lhes era impossível, uma vez que foi referido que todos os pagamentos foram efectuados por cheque.
Assim, entendemos que a Mma. Juíza a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento ao dar como provados estes factos.
Ainda que se alterasse a matéria de facto e se eliminasse estes factos dos factos provados, ainda assim, na ausência da prova do pagamento, que não foi feita, sempre a reconvenção teria de proceder, pois que na falta de prova, a questão é resolvida contra a parte onerada com o ónus da prova, no caso, os reconvindos.
Mantém-se assim inalterado o ponto 34 dos factos provados.
Do Direito Reparação dos danos
É pacífico nos autos que entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada.
O artº 1218/1 do CC considera defeituosa a obra realizada com vício, ou seja aquela que não reveste a qualidade normal. Como defende Pedro Romano Martinez (Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Coimbra: Almedina, 2001, p. 168 a 170)“a falta de elementos legais específicos permite a aplicação de regras gerais que conduzem à aceitação do princípio da qualidade normal. Sendo devida uma obrigação específica, a qualidade normal resultam de factos que derivam da experiência social e, não sendo esta elucidativa, tem de se recorrer a juízos de valor.(…) Os vícios materiais podem respeitar a imperfeições relacionadas, designadamente com o processo de concepção, fabrico, de montagem, de acondicionamento, assim como com alterações químicas produzidas na coisa. Para além disso, há a ter em conta as desconformidades relativas ao fim decorrente do acordo(…) O defeito material tanto é inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua má execução. Sobre o credor não impede o ónus de provar que era devida uma prestação com a qualidade normal, pois isso presume-se”. O defeito da coisa constitui um desvio à qualidade corpórea que lhe é devida, e o cumprimento será defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades, porque desconforme com o plano convencionado, ou com vícios, se as imperfeições verificadas excluam ou reduzam o valor da obra ou afectem a sua aptidão para o seu uso ordinário ou fim previsto no contrato (artº 1208º do CC). Para João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, p. 48), vícios são anomalias objectivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas.
Se a obra apresenta defeitos, tem o empreiteiro o dever de os eliminar, como decorre do disposto no artº 1221º, nº 1 do CC, cessando os direitos aí consagrados se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito (nº 2).
Dada a forma como estão redigidos os artºs 1221º, 1222º e 1223º do CC, tem sido defendido na doutrina e na jurisprudência, que o lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos seus prejuízos, terá de se subordinar à ordem estabelecida nesses preceitos, isto é, exigir, em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos, ou, caso não seja possível, exigir nova obra.
Se tal não se concretizar, ou não for já possível, o dono da obra, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina, inadequação esta que existirá quando a obra seja completamente diversa da encomendada ou quando lhe falte uma qualidade essencial, objectiva ou subjectivamente considerada - artº 1222º, nº 2 do C (como se defende no Ac. do TRL de 30.05.2013, proferido no proc. 424/09).
O dono da obra está, assim, em princípio, obrigado a observar a ordem de prioridade dos direitos estabelecidos nos referidos preceitos legais (cfr. se defende no Ac. do TRL já citado de 30.05.2013). Porém, e como decorre do artº 1223º do CC, o exercício desses direitos não exclui o direito que o dono da obra tem de ser indemnizado, nos termos gerais.
No caso, tendo o contrato sido celebrado entre particulares e uma sociedade, estamos no domínio da empreitada de consumo. No âmbito das relações de consumo rege a Lei 24/96, designada de Lei da Defesa do Consumidor(LDC), que foi alterada pelo artº 13º do DL 67/2003, de 8/04 e o DL 67/2003 que, além de ter alterado a Lei 24/96, regula certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no nº 1 do artº 2º da Lei nº 24/96, de 31/07.
O DL 67/2003 veio proceder à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio, relativa a determinados aspectos de venda de bens de consumo e das garantias a elas relativas, assim como dos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo (artº 1º /nº 1 e 2), visando assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, afirmando que o vendedor deve entregar ao consumidor os bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, n.º1 do art.º 2 e consigna no nº 2 do mesmo artigo presunções ilidíveis de não conformidade.
Antes das alterações introduzidas pelo DL 84/2008, já se vinha entendendo que na amplitude da designação contratos de fornecimentos de bens de consumo constante do artº 1º, nº 2 do DL 67/2003, na redacção inicial, se incluíam as empreitadas de coisas móveis ou imóveis, firmadas por consumidores a fabricar ou produzir com materiais fornecidos pelo empreiteiro ou pelo dono da obra (Cfr. defende João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, 3ª edição revista e aumentada, Almedina, p. 52).
Actualmente o nº2 do artº 1º -A do DL 67/2003, introduzido pelo DL 84/2008, veio expressamente consagrar a aplicabilidade do disposto no diploma, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.
Sendo a LDC uma lei especial em relação ao Código Civil, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da empreitada defeituosa dos art.s º 1221º a 1223º do Código Civil, se revele mais favorável para o consumidor. O mesmo se diga relativamente ao DL 67/2003.
Com este diploma legal pretendeu-se proteger o consumidor relativamente à aquisição de bens de consumo ( móveis ou imóveis) ou à realização de obras no âmbito de um contrato de empreitada, em que o bem entregue padece de desconformidade face ao contrato.
De acordo com o disposto no art. 2º nº 1 do DL 67/2003, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se a desconformidade dos bens com o contrato nas seguintes situações: a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem
Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – art.º4 nº 1.
O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no nº 1 do artº 4º, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito nos termos gerais (nº 5 do artº 4º).
Na directiva transposta está prevista, embora não expressamente, uma hierarquização dos direitos do comprador: em primeira linha deve lançar mão do direito à reparação/substituição, em segunda linha assiste-lhe o direito à redução do preço/resolução do contrato. É o que resulta da conjugação do nº 3 da Directiva com o nº 5 e o considerando 10(cfr. defende João Calvão da Silva, obra citada, p. 82 e 83).
Mas essa hierarquização não foi acolhida no DL 67/2003. Pelo contrário do nº 5 do artº 4º ressalta que o comprador pode optar por qualquer dos direitos, a não ser que tal se revele impossível ou constitua abuso de direito (Cfr. se defende nos Acs. do TRL de 01.03.2012, proc.777/09, de 14.02.2012, proc. 111/08 e Ac. do TRC de 18.01.2011, proc. 2129/03 e Ac. do STJ de 30.09.2010, prof. no processo 822/06).
Apurou-se que aexistência de infiltrações por capilaridade junto das janelas de sacada está relacionada com as deficiências verificadas junto das pedras da soleira, nos silicones dos caixilhos e nas pedras da fachada, tendo a aplicação das pedras da soleiras e das pedras da fachada sido executadas pela R.. Estas infiltrações constituem “deficiências” que reduzem o valor da casa onde foi instalada; o mesmo é dizer, constituem vícios/defeitos, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa, sendo a estanquicidade de um imóvel, essencial para proporcionar conforto e bem-estar aos seus proprietários.
Assim, apresentando a obra em causa todas as deficiências enumeradas nos itens 31 e 32 provados ficaram todos os factos constitutivos do direito à eliminação dos defeitos, invocado pelos apelados.
A R. foi condenada a proceder à substituição das pedras das soleiras das portas que se encontram apenas encostadas às paredes por outras que entrem nas mesmas, bem como a aplicar betume nas fissuras das pedras.
Entendeu-se na sentença recorridaque a R. não podia ser responsabilizada pelos problemas de humidade que surgiram junto às janelas, portas e vãos nas paredes e rodapés pois que não foia R. que colocou a caixilharia. Efectivamente, a R. não pode ser responsabilizada pela falta de conformidade dos materiais fornecidos e aplicados por terceiro.
E referiu-se ainda o seguinte: “os autores com a conduta (adjudicação a outrem que não à R. da obra relativa à caixalharia) “interromperam” o nexo causal, pelo que não é possível estabelecer uma imputação objectiva entre a conduta da ré (execução da obra) e a maioria das humidades existentes. O mesmo se diga em relação à falta de impermeabilização das paredes, bem como de especiais sistemas de ventilação e arejamento, que tendo em conta a localização da casa e a sua configuração deveriam ser tios em conta. Tal preocupação deveria ter sido tomada em consideração em sede de concepção da habitação. Apenas num ponto se entende existir responsabilidade da ré, que é no que se reporta as soleiras exteriores em que as pedras se encontram apenas encostadas e não entrando na parede, como mandariam as boas práticas, o que leva a que a água se infiltre naqueles locais. Logo, é apenas esta a correcção que a ré tem de realizar”
Pretendem os apelantes que a R. seja condenada executar uma drenagem envolvente à moradia de acordo com o pormenor que a arquitecta elaborou para a moradia, a continuar o passeio existente, a impermeabilizar as pedras da fachada e a proceder ao seu preenchimento com argamassa de reboco adequado e ainda a suportar a os custos com a reparação e substituição de todos os materiais danificados em virtude da humidade, a liquidar em execução de sentença, incluindo a substituição das madeiras e rodapés danificados.
Relativamente à drenagem envolvente à moradia e à continuação do passeio existente, não tendo sido alterada a matéria de facto, a sua pretensão desde logo não pode ser acolhida.
Relativamente à pretensão da A. da condenação a R. a impermeabilizar as pedras da fachada e a preencher as juntas:
No ponto 32 foi dado como provado que as humidades resultam de infiltrações por capilaridade junto das janelas de sacada, nomeadamente no corredor, no estúdio e na suite cuja causa está relacionada com as deficiências verificadas junto das pedras da soleira, nos silicones dos caixilhos e nas pedras da fachada (sublinhado nosso)
E no ponto 33 foi dado como provado que para proceder à eliminação das humidades mencionadas é necessário, nomeadamente, a impermeabilização das pedras da fachada (sublinhado nosso) e preenchimento das juntas (alteração introduzida pela Relação.
Ora, face aos factos dados como provados em 32 e 33, e ainda que não tivesse sido feita pela Relação a alteração assinalada, sempre a sentença recorrida teria de ter condenado a R. a proceder à impermeabilização das fachadas, pois que a impermeabilização das fachadas não foi entregue a outra empresa, como ocorreu na colocação da caixilharia. A questão relativamente à caixilharia não é de interrupção de nexo causal, mas sim de falta de nexo, por não se ter tratado de empreitada levada a cabo pela R.
A MmaJuiza não condenou a R. a efectuar estas obras por ter entendido, segundo se nos afigura, que atenta a localização da casa e a sua configuração, o projetoescolhido não constituiu a melhor opção. Tratar-se-ia assim de um erro de projecto que não seria de imputar à R.(artº 2, nº 3 do DL 67/2003, por maioria de razão), a não ser que esta se apercebesse ou se devesse ter apercebido e não tivesse alertado os AA., na sua qualidade de construtora da moradia.
Efectivamente, como resulta do regime jurídico do contrato de empreitada, designadamente dos arts. 1207º a 1209º C. Civil, o empreiteiro obriga-se à realização de uma obra, nos termos acordados, obrigando-se a produzir certo resultado e sem vícios.
“Vinculado a uma obrigação de resultado, o empreiteiro goza de liberdade de actuação quanto ao modo de o atingir, autonomia a que se contrapõe, no campo dos deveres, os de respeitar e proceder de harmonia com as regras de arte, as normas técnicas e os conhecimentos científicos e técnicos, aplicáveis à actividade em que se integra a obra.
Como corolário dessa pressuposta competência técnica do empreiteiro, conhecedor da melhor forma de obter o resultado conforme à segurança e ausência de vícios e respectivas consequências, podem acrescer-lhe, ainda, deveres de informação, esclarecimento e aconselhamento, como sucederá perante a existência de vícios do projecto ou de materiais fornecidos pelo dono da obra, tudo exigência dos princípios gerais da pontualidade do cumprimento dos contratos e da boa fé – arts. 406º, 573º e 762º-2 C. Civil (cfr. P. ROMANO MARTINEZ, “ContratodeEmpreitada”, 95 e 88, referindo, quanto a normas técnicas, as disposições do DL 445/91, de 20/11 e da Port. n.º 718/87, de 21/8)”, cfr. se defende no Ac. do STJ de 29.05.2012, proferido no proc. 392/2002).
Mas, a acção não foi estruturada nesses moldes, nem a defesa, pelo que não tem tradução nos factos provados, não podendo ser excluída a responsabilidade da R., por “errada conceção da habitação”.
Quanto a suportar os custos com a reparação das pinturas e reparação e substituição das madeiras e rodapés danificados, a R. apenas poderá ser condenada a suportar os custos com a reparação e substituição dos materiais cuja deterioração tenha sido causada por deficiente execução da obra imputável a si, ou seja, nas resultantes das deficiências verificadas junto das pedras da soleira e da deficiente impermeabilização da fachada que se verifiquem nas madeiras, rodapés e pintura.O direito de indemnização em questão – pelo custo da eliminação dos defeitos –está previsto no contrato celebrado entre as partes (cfr. ponto dos 4 dos factos provados e cláusula 10ª, nº 3) e também no artº 12º, nº 1 da Lei 24/96 (LDC).
No domínio da responsabilidade civil decorrente de incumprimento contratual, a regra é da responsabilidade conjunta ou parciária, não estabelecendo a lei uma responsabilidade solidária como no caso da responsabilidade por factos ilícitos, entre os vários responsáveis.
A apelada não poderá ser responsabilizada pelos defeitos no cumprimento da empreitada de fornecimento e colocação de caixilharia, por não se tratar de qualquer subempreiteiro seu, caso em que responderia, podendo, por sua vez, exigir daquele (do subempreiteiro) a reparação dos defeitos da obra que lhe fossem imputados (neste sentido o Ac. do STJ, de 28.04, pº09B0212).
O direito de indemnização do dono da obra pelas desconformidades destas é estabelecido em termos amplos, o que significa que ele não é subsidiário ou residual de outros direitos, antes pode ser exercitado de modo livre e perfeitamente alternativo em relação a eles (cfr. se defende no Ac. do TRC de 13.04.2010, proferido no proc. 821/05). Danos não patrimoniais
Defendem os apelantes que tendo sido dado como provado que os recorrentes estão incomodados com a situação das humidades na casa, o que lhes retira qualidade de vida e os impede de usufruir da sua casa, deveria ter sido fixada uma indemnização, pois que é grave o dano por si sofrido.
A Mma. Juíza entendeu não ser causa de atribuir uma indemnização não porque entendesse que os danos não assumissem gravidade suficiente, mas sim porque essa situação não podia, no seu entender, ser imputada à Ré.
Mas como já referimos a matéria de facto dada como provada não permite esta interpretação. Sempre a R. é responsável pela humidade proveniente da deficiente impermeabilização das fachadas e da deficiente aplicação das pedras da soleira.
Os apelantes pediram na petição inicial a condenação da R. a pagar-lhes 10.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais que têm vindo a sofrer.
A lei não fornece uma definição do que deve entender-se por danos não patrimoniais, mas tem-se entendido que danos não patrimoniais “são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente(…)”
Na fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais há que atender à equidade.
No Ac. do TRE proferido no processo 1481/05-2, de 8.02.2007, considerou-se ser de manter a indemnização de 5.000,00 fixada pela 1ª instância, num caso em que se tinha dado como provado que o cheiro a bolor da casa de habitação dos AA. era insuportável, que as paredes estavam pretas, chovia dentro de casa, as paredes incharam, racharam e caíram, tendo esta situação se prolongado ao longo de alguns anos.
No Ac. do TRC de 20.05.2014 foi diminuída a indemnização de 3.500,00 fixada pelo tribunal de 1ª instância, para 2.500,00. Nesta acção foi dado como provado que, em consequência das deficiências existentes na casa da habitação dos AA. geradora de infiltrações , existia humidade, manchas e odores em quase todas as divisões da casa que causavam incómodos aos AA.; vivendo estes em estado de agastamento psicológico, com receio pela sua saúde; não conseguindo ter conforto na moradia.
Em qualquer dos dois processos acabados de referir, os danos causados e mconsequência do defeituoso cumprimento pelo empreiteiro eram mais gravosos que os que estão em casa nestes autos.
Pelo que, considerando os valores que têm vindo s ser arbitrados, e considerando que além dos trabalhos deficientemente realizados pela R., outras causas concorreram para a existência das humidades, entendemos ser de atribuir aos AA. uma indemnização no montante de 750.00 a cada um.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogam parcialmente a sentença, nos seguintes termos:
.A) Condenam a recorrida a proceder à substituição das pedras das soleiras das portas que se encontram apenas encostadas as paredes por outras que entrem nas mesmas bem como a aplicar betume nas fissuras das pedras e a impermeabilizar as pedras da fachada com o preenchimento das juntas com argamassa de reboco hidrófugo;
.B) Condenam a recorrida a suportar os custos de reparação e/ou substituição das madeiras, pinturas, rodapés com danos causados pelas deficiências das pedras da soleira e da deficiente impermeabilização da fachada, a liquidar em incidente de liquidação;
.C) Condenam a recorrida a pagar aos recorrentes, a título de danos não patrimoniais a quantia de 1.500,00 euros, D) confirmando o demais decidido.
Custas da acção e da apelação na proporção de 50% para a recorrida e 50% para os recorrentes,procedendo-se ao rateio final no incidente de liquidação, custas da reconvenção pelos reconvindos/autores.
Registe e notifique.