ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO A TERCEIROS
DIREITO A ALIMENTOS
CULPA DO LESADO
CULPA DO CONDUTOR
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO À VIDA
REBENTAMENTO DE PNEU
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
DIRECÇÃO EFECTIVA
ÓNUS DA PROVA
COMODATO
Sumário

I - O nº 3 do artigo 495.º do Código Civil pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão in abstracto exigir indemnização pelos danos efectivos-que não pelos meramente potenciais–da cessação de prestação de alimentos, ou seja, o segmento normativo “podiam exigir alimentos ao lesado”, dele constante pretende significar as pessoas envolvidas da necessidade dessa prestação alimentar.
II - O direito de indemnização a que se reporta aquele normativo envolve, pois, o prejuízo derivado da perda pelo credor do direito a exigir alimentos que ele teria se o obrigado vivo fosse, a fixar nos termos dos artigos 562º, 564º e 566º daquele diploma.
III - Se no momento do sinistro o lesado não levava o cinto de segurança colocado e, em consequência disso, foi projectado do veículo sofrendo lesões graves que lhe provocaram a morte, deve-lhe ser atribuída a percentagem de 10% de culpa para o agravamento dos danos nos termos estatuídos no artigo 570.º, nº 1 do CCivil.
IV - Parece-nos justo e equilibrado fixar em € 80.000,00 a indemnização aos pais pela morte do filho com 25 anos de idade, pessoa saudável, jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projectos para o seu futuro, bem como em € 60.000,00 o montante indemnizatório pelos danos morais por eles sofridos em consequência dessa perda.
V - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção e podendo, como é evidente, lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais (artigos 349.º e 351.º, CCivil).
VI - Provando-se que um veículo que circulava numa auto-estrada a velocidade superior a 120 km/hora, não lhe pode ser atribuída qualquer culpa na produção do acidente ao seu condutor se também ficou provado que, antes de entrar em despiste, o pneu traseiro do lado esquerdo rebentou.
VII - Não pode presumir-se que o referido rebentamento se deveu ao referido excesso de velocidade se não estiver provado nos autos qualquer outro facto, a partir do qual se possa extrair essa ilação, da mesma forma que não se pode presumir que se esse veículo circulasse dentro dos limites de velocidade impostos (120 km/hora) o seu despiste não se teria verificado não obstante o rebentamento do pneu.
VIII - Provando-se a ausência de culpa do condutor do veículo para a verificação do sinistro, de nada releva apurar a existência ou não de uma relação de comissão entre ele e o proprietário desse veículo, pois que, neste caso apenas responde o proprietário que tenha a direcção efectiva do veículo e o utilize no seu próprio interesse dentro dos limites do risco (artigo 503.º, nº 1 do CCivil).
IX - O rebentamento de um pneu trata-se de evento inerente ao funcionamento do veículo e, como tal, compreendido no risco.
X - A responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende de dois requisitos: ter a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.
XI - Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento.
XII - A utilização no próprio interesse visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outro.
XIII - A simples alegação da propriedade do veículo, sem a invocação expressa de quem tem a sua direcção efectiva e interessada, é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente de viação formulado contra a proprietária do veículo e contra o Fundo de Garantia
XIV - O ónus da prova de que o dono do veículo não tinha a sua direcção efectiva e de que a utilização dele não era feita no seu próprio interesse, cabe ao réu, como factos impeditivos que são.

Texto Integral

Processo nº 424/13.3T2AVR.P1-Apelação
Origem: Comarca de Aveiro Aveiro-Inst. Central-1ª Secção Cível-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Rita Romeira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome

Sumário:
I- O nº 3 do artigo 495.º pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão in abstracto exigir indemnização pelos danos efectivos-que não pelos meramente potenciais–da cessação de prestação de alimentos, ou seja, o segmento normativo “podiam exigir alimentos ao lesado”, dele constante pretende significar as pessoas envolvidas da necessidade dessa prestação alimentar.
II- O direito de indemnização a que se reporta aquele normativo envolve, pois, o prejuízo derivado da perda pelo credor do direito a exigir alimentos que ele teria se o obrigado vivo fosse, a fixar nos termos dos artigos 562º, 564º e 566º daquele diploma.
III- Se momento do sinistro o lesado não levava o cinto de segurança colocado e, em consequência disso, foi projectado do veículo sofrendo lesões graves que lhe provocaram a morte, deve-lhe ser atribuída a percentagem de 10% de culpa para o agravamento dos danos nos termos estatuídos no artigo 570.º, nº 1 do CCivil.
IV- Parece-nos justo e equilibrado fixar em € 80.000,00 a indemnização aos pais pela morte do filho com 25 anos de idade, pessoa saudável, jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projectos para o seu futuro, bem como em € 60.000,00 o montante indemnizatório pelos danos morais por eles sofridos em consequência dessa perda.
V- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção e podendo, como é evidente, lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais (artigos 349.º e 351.º, CCivil).
VI- Provando-se que um veículo que circulava numa auto-estrada a velocidade superior a 120 km/hora, não lhe pode ser atribuída qualquer culpa na produção do acidente ao seu condutor se também ficou provado que, antes de entrar em despiste, o pneu traseiro do lado esquerdo rebentou.
VII- Não pode presumir-se que o referido rebentamento se deveu ao referido excesso de velocidade senão estiver provado nos autos qualquer outro facto, a partir do qual se possa extrair essa ilação, da mesma forma que não se pode presumir que se esse veículo circulasse dentro dos limites de velocidade impostos (120 km/hora) o seu despiste não se teria verificado não obstante o rebentamento do pneu.
VIII- Provando-se a ausência de culpa do condutor do veículo para a verificação do sinistro, de nada releva apurar a existência ou não de uma relação de comissão entre ele e o proprietário desse veículo, pois que, neste caso apenas responde o proprietário que tenha a direcção efectiva do veículo e o utilize no seu próprio interesse dentro dos limites do risco (artigo 503.º, nº 1 do CCivil).
IX- O rebentamento de um pneu trata-se de evento inerente ao funcionamento do veículo e, como tal, compreendido no risco.
X- A responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende de dois requisitos: ter a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.
XI- Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento.
XII- A utilização no próprio interesse visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outro.
XIII- A simples alegação da propriedade do veículo, sem a invocação expressa de quem tem a sua direcção efectiva e interessada, é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente de viação formulado contra a proprietária do veículo e contra o Fundo de Garantia
XIV - O ónus da prova de que o dono do veículo não tinha a sua direcção efectiva e de que a utilização dele não era feita no seu próprio interesse, cabe ao réu, como factos impeditivos que são.

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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, solteira, residente na Rua …, nº ., r/c esq., …, …, e C…, solteiro, residente no …, zona .., …, Angola, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra:
a) Herdeiros de D…, na pessoa de E…, residente na Rua …, nº .., …, …, Almada;
b) F…, L.da, com sede na Rua …, nº …, …, Póvoa do Varzim;
c) G…, L.da, com sede na Rua …, nº .., .º, Vila Nova de Gaia;
d) H…, L.da, com sede na Rua …, Vila do Conde;
e) Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Rua …, nº .., Lisboa, pedindo
a sua a pagarem-lhes a quantia global de € 236.130,18, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos.
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Articulam, para o efeito, que, no dia 25/06/2011, cerca das 03,15 horas, na A1, ao Km 258,909, sentido norte–sul, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo automóvel da marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-JB-.., conduzido por D…, e no qual seguiam, como passageiros, I…, J… e N…. O referido veículo sofreu um despiste com capotamento transversal do BMW. E o I…, filho dos AA., faleceu em consequência deste acidente. O veículo BMW circulava sem seguro de responsabilidade civil automóvel. E, de acordo com o auto de notícia, era propriedade de F…, Lda. Mas, na Conservatória do Registo Automóvel, a propriedade do veículo encontra-se registada em nome da Ré H…, Lda. O legal representante destas empresas afirma ter vendido este BMW ao D… a 21/06/2011. Por sua vez, a mãe deste afirma que as assinaturas apostas nos documentos da aquisição do veículo não pertencem ao filho. O BMW foi vendido à F…, Lda, pela Ré G…, Lda.
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O Instituto da Segurança Social, IP, com sede no …, nº ., Lisboa, veio deduzir, contra os ora Réus, pedido de reembolso de € 5.030,64 que pagou, a título de despesas de funeral a E… (€ 2.515,32) e a B… (€ 2.515,32), mães, respectivamente, de D… e de I…, falecidos em resultado das lesões sofridas no acidente, dizendo ter direito ao reembolso daquele montante total contra os responsáveis do acidente, por sub-rogação legal, prevista no art. 70.º da Lei nº 4/2007, de 16/01, e nos termos do D.L. nº 59/89, de 22/02.
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A Ré G…, Lda, na contestação que apresentou, requer a sua absolvição do pedido, por não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade por aquilo que está descrito no petitório.
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A Ré H…, Lda, na sua contestação, informou ter a empresa F…, Lda, alterado a sua denominação particular para H…, Lda. e excepcionou: a) a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido; b) que os AA. são parte ilegítima por, segundo esta Ré, a acção dever ser proposta pela herança jacente e indivisa do I…; c) a sua (da Ré H…) ilegitimidade passiva por ter vendido, a 21/06/2011, o veículo ao D…. E defende que o D… foi único responsável pela ocorrência do acidente que vitimou o filho dos AA.
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Na sua contestação, o Fundo de Garantia Automóvel alega ter procedido à abertura de um processo de sinistros e, terminado o processo de averiguações, ter entendido que o sinistro ocorreu por culpa do condutor do veículo de matrícula ..-JB-... Considera, porém, que o comportamento do falecido I…, ao fazer-se transportar no veículo de matrícula ..-JB-.. sem utilizar o cinto de segurança, esteve na origem da projecção e embate violento do seu corpo no separador central em cimento da A1, provocando-lhe as lesões corporais que estiveram na génese da sua morte. Entende, por isso, que o grau de comparticipação do lesado para a produção dos danos terá de se fixar em 33%, por aplicação do disposto no artigo 570.º do C. Civil.
Este Réu, na resposta de fls. 187/192, pede a sua absolvição do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP, com o fundamento de que, nos termos do nº 3 do art. 51.º do D.L. nº 291/2007, de 21/08, não responde por ele.
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Contestou, também, a Ré E…: a) excepcionando a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e por falta de causa de pedir; b) defendendo que o D… não era o proprietário do veículo de matrícula ..-JB-.., que o despiste com capotamento ocorre em virtude do rebentamento do pneu traseiro, tendo concorrido para este rebentamento o mau estado em que se encontravam os pneus, com sulcos com altura inferior a 1,6 mm, e que as lesões sofridas pelo I… não teriam ocorrido se este viajasse com o cinto de segurança devidamente colocado.
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Os AA., na réplica: a) requerem que se releve o lapso de escrita da parte conclusiva da petição inicial, pois dizem “ser o R. condenado” quando pretendiam dizer “ser os RR. condenados”; b) defendem que as excepções devem ser julgadas improcedentes.
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Foi proferido despacho, a 03/06/2013, que: a) decidiu que o pedido de condenação do R., sem especificar qual dos RR. demandados pretendem os AA. ver condenados, tem de ser levado à conta de lapso manifesto e que, sendo patente, admite correcção, nos termos do artigo 249.º do C. Civil; b) convidou os AA. a corrigir a petição inicial, por falha na alegação de factos para caracterizar a culpa do condutor do veículo na eclosão do acidente.
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Os AA. vieram apresentar petição inicial corrigida a 14/06/2013.
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Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções: a) de nulidade da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, por o pedido de condenação do R., sem especificar qual dos RR. demandados pretendem os AA. ver condenados, ter de ser levado à conta de lapso, que já foi corrigido na nova petição inicial apresentada; b) de nulidade da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, por todos os RR. terem compreendido perfeitamente a causa de pedir da petição inicial, tendo sido supridas as deficiências da mesma na nova petição apresentada; c) de ilegitimidade dos AA., por serem estes os titulares da indemnização que julgam assistir-lhes, nos termos dos artigos 495.º e 496.º do C.Civil; d) de ilegitimidade passiva da Ré H…, Lda, por ser controvertida a questão de saber quem é o proprietário do veículo de matrícula ..-JB-... A Ré é, por conseguinte, parte legítima, por ter interesse directo em contradizer–artigo 30.º, nºs. 1 e 2, do CPCivil.
Foi proferida decisão que julgou a acção improcedente quanto à Ré G..., Lda, absolvendo-a dos pedidos, por os AA. não articularem factos de onde se possa retirar por que razão esta sociedade há-de responder civilmente perante eles.
Foi, também, julgado improcedente o pedido feito pelo Instituto da Segurança Social, IP, contra o Fundo de Garantia Automóvel, por a responsabilidade deste estar limitada ao excedente do que não for satisfeito pela Segurança Social, nos termos do nº 3 do art. 51.º do D.L. nº 291/2007, de 21/08.
Foram elaborados os temas da prova, que não sofreram reclamações.
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Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
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A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente condenou:
a) os RR. Herança aberta por óbito de D…, H…, Lda, e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem, solidariamente, aos AA. B… e C… a indemnização total de € 117.000,00, sendo metade para cada um dos AA., valor a que acrescem juros de mora, à taxa legal, a partir da prolação da presente sentença e até integral pagamento;
b) a H…, Lda, e a Herança aberta por óbito de D… a pagarem, solidariamente, ao Instituto da Segurança Social, IP, € 2.515,32, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
c) e absolveu os RR. do mais contra eles peticionado.
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Não se conformando com o assim decidido vieram todos os Réus interpor recurso.

O Fundo de Garantia formulou as seguintes conclusões:
1. A indemnização pela perda do direito à vida deve ser fixada em 60.000,00€;
2. A indemnização pelo dano moral próprio da autora mãe deve ser fixada em 20.000,00€;
3. A indemnização pelo dano moral próprio do autor pai deve ser fixada em 16.500,00€;
4. A contribuição do lesado para os danos sofridos deve ser fixada em 30%, atendendo a que promana dos factos provados a sujeição voluntária da vítima a um grau de risco superior ao risco médio de não utilização de cinto de segurança;
5. As indemnizações referidas nos pontos 1, 2 e 3 devem ser reduzidas em 30%, fixando-se a indemnização global em 67.550,00€;
6. O tribunal a quo violou os artigos 562.º, 566.º,570.º e 494.º do CC.
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Os Autores B… e C… formulam as seguintes conclusões:
I- Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou a acção intentada pelos AA. parcialmente procedente e, consequentemente condenou os RR. a pagar àqueles a indemnização de €117.000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal, a partir da prolação da sentença e até integral pagamento e com fundamento na violação das alíneas b) e c) do art.º 615º do CPC, art.º 495º n.º 3, art.º 563º, art.º 570º e art.º 2009º, todos do C.C.
II- Entendem os recorrentes não ter razão o Tribunal A Quo, o qual incorreu em manifesto lapso que determinou uma incorrecta aplicação do Direito aos factos apurados, e que caso não se tivesse verificado, teria conduzido a uma solução conforme ao interesse dos ora recorrentes, a procedência total da acção proposta.
III- O âmago da divergência dos ora recorrente à, aliás douta, sentença recorrida, é quanto ao entendimento de que não ficaram provados factos suficientes para aferir do direito de prestação de alimentos, quanto à redução da indemnização dos AA. em 10% por referência à responsabilidade no acidente e quanto à não inclusão na indemnização do valor pago pela escritura da habilitação de herdeiros não obstante ter ficado provado
IV- Sendo o malogrado I… descendente dos AA. estava aquele vinculado a prestar alimentos a estes tal qual preceitua o art.º 2009º do C.C.
V- Quanto à necessidade da prestação de alimentos e por referência à noção do art.º 2003º do C.C, a A. dispõe mensalmente de €295,00 (€620,00-€325,00) para sobreviver, nomeadamente para se alimentar, vestir, deslocar, consumir electricidade, água e gás, despesas inerentes ao cidadão comum que leve uma vida minimamente digna e portanto indispensáveis ao seu sustento, habitação e vestuário.
VI- Não carece de fundamentação acrescida a situação de necessidade da A. perante a factualidade enunciada que espelha manifestamente carência económica porquanto as despesas correntes do quotidiano do cidadão que exerça os seus direitos constitucionalmente consagrados, são necessariamente superiores ao montante com que a A. "vive" mensalmente, €295,00
VII- Já quanto à capacidade de prestar alimentos do infeliz I… e por referência ao art.º 2004º do C.C, bem como aos factos provados em 36,39 e 41, a verdade é que aquele auferia rendimentos e tinha uma carreira profissional promissora
VIII- Atendendo à situação do falecido I…, nomeadamente à sua capacidade de trabalho e ao seu forte sentido cívico, moral e social, bem como ao forte laço de união e afecto com a sua mãe e A., factos provados 44,46 e 47 é inevitável concluir que seria expectável a prestação de alimentos daquele a esta
IX- Termos em que, ainda que não tenha ficado provado o montante que o falecido I… iria auferir, o certo é que este devia prestar alimentos à A. em caso de necessidade desta e capacidade deste, o que, dos factos provados é possível retirar porquanto não é possível viver dignamente com €325,00, e por outro lado, o obrigado a prestar alimentos auferia rendimentos suficientes para ser chamado a prestar aqueles, sendo ainda certo que a sua situação económica melhorasse muito significativamente atenta toda a factualidade provada.
X- Ao não dar provimento ao pedido de prestação de alimentos o tribunal à quo violou o disposto no n.º 3 do art.º 495º, e a sua interpretação na conjugação com os artigos 2003º e 2009º, todos do Código Civil.
XI- Pelo que, deve proceder o pedido de prestação de alimentos peticionado na Petição Inicial de €100.000,00.
XII- Atento o circunstancialismo do acidente, nomeadamente a incidência de problemas do lado esquerdo do veículo, a porta do lado esquerdo separar-se deste, a velocidade, o facto de ser descapotável e capotar, ao que acresce o facto de D… também vir a falecer, levam a concluir necessariamente que o resultado seria o mesmo caso I… utilizasse cinto de segurança.
XIII- Conclui o tribunal recorrido que, "possivelmente, se levasse o cinto de segurança não seria projectado do veículo" e daí aplica o artº 570º do C.C para imputar 10% de responsabilidade ao falecido I…. Entendem os recorrentes que, para aplicar aquele normativo não basta a mera possibilidade invocada, sendo exigível os mesmos critérios de nexo de causalidade instituídos no art.º 563º do Código Civil.
XIV- O tribunal à quo invoca simplesmente o facto que demonstra a culpa do lesado, sem invocar qualquer facto que demonstre o efeito necessário daquele, nexo de causalidade. Por conseguinte, não tem aplicação o art.º 570º do C.C por não se demonstrar o necessário nexo de causalidade do art.º 563º do mesmo código.
XV- Não só não existe nexo de causalidade entre o facto de I… não utilizar cinto e o falecimento deste, como estaríamos perante uma causa virtual do dano uma vez que o resultado seria o mesmo caso utilizasse.
XVI- Ao imputar ao falecido I… 10% de responsabilidade no acidente por referência ao único facto de que aquele não utilizava cinto de segurança sem qualquer outro suporte fático para concluir pela conculpabilidade do art.º 570º do C.C., o tribunal à quo violou este artigo e o art.º 563º do mesmo código, porquanto para aplicação daquele era necessário existir um nexo de causalidade entre o facto e o dano, o que não se verifica
XVII- Termos em que, devem os pedidos referentes ao dano morte e aos danos não patrimoniais dos AA. se manter nos € 130.000,00, sem qualquer redução.
XVIII- os pedidos são modestos face ao que a jurisprudência normalmente vem arbitrando, como referido pelo próprio tribunal à quo e cfr. Ac. STJ, de 30/04/2015.
XIX- Devem as RR. indemnizar a A. na quantia de € 205,18, por esta os ter despendido em resultado da morte do filho e tal factualidade estar provada, n.º 50 FP
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A Ré H…, Lda formulou as seguintes conclusões:

1. O julgador da primeira instância proferiu sentença a julgar a acção parcialmente procedente, e por via disso, condenou a Ré, aqui Recorrente, H… a pagar solidariamente com o Fundo de Garantia Automóvel e com a Herança aberta por óbito de D…, a indemnização no valor total de € 117.000,00 (cento e dezassete mil euros), aos Autores.
2. E ainda condenou os Réus H… e Herança aberta pelo óbito de D… a pagarem solidariamente ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia de € 2.515,32 (dois mil quinhentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos).
3. A condenação da Ré H… deriva da factualidade dada como provada nos pontos 56 e 57 da sentença recorrida.
4. Para tal decisão fundamentou-se o Tribunal a quo essencialmente no depoimento das testemunhas L…, M…, N… e O….
5. Os quais depuseram no sentido de que o Sr. D… circulava frequentemente com viaturas emprestadas pela Ré H….
6. Sucede, porém, que nenhum das testemunhas, N…, O… e P… testemunharam qualquer facto que corroborasse tal conclusão.
7. Já que a viatura BMW, matrícula ..-JB-.., viatura em que seguia o Sr. D… no dia do acidente não tinha quaisquer autocolantes, ou letras com a designação de “F…”,
8. Ou qualquer outra publicidade ao stand da Ré H….
9. Pelo que, daqui se extrai que a teoria de que a Ré emprestava carros de alta cilindrada ao Sr. D… e este, em contrapartida, fazia publicidade ao stand falece.
10. Porquanto, o veículo JB nada tinha que indicasse ou pressupunha que não fosse propriedade do Sr. D….
11. Com efeito, era e é facto notório, que aquele atenta a sua tenra idade, protagonismo e mediatismo que tinha junto dos meios de comunicação social, tinha uma predilecção por carros de alta gama, alta cilindrada e altamente potentes, e tudo isto, porque o Sr. D… era um puro amante de velocidade.
12. Amor esse demonstrável em várias redes sociais, com diversos e variados vídeos deste afirmando, ele próprio: “eu gosto é de velocidade.”
13. Amor esse que as mesmas testemunhas que afirmaram que o Sr. D… tinha um “protocolo” com o stand da Ré H….
14. Pois, se é do conhecimento público que o Sr. D… gostava de carros de alta cilindrada, logo, gostava de velocidade e aquelas testemunhas negaram peremptoriamente tal facto.
15. Não se pode valorar o depoimento delas na parte em que afirmaram que entre o Sr. D… e a Ré H… havia um contrato mediante o qual este último emprestava veículos aquele para este, em contrapartida fazer publicidade.
16. E tanto assim é que os agentes da G.N.R. L… e M… só conseguiram localizar o contacto do ainda proprietário do veículo através da matrícula, e não através de qualquer publicidade, autocolantes ou letras que o veículo JB tinha, porque, em boa verdade, este nada tinha.
17. A tudo isto acresce o facto de que a testemunha N…, também amigo do falecido D…, que seguia no veículo JB, e que sobreviveu ao acidente ileso.
18. Ao saber que o carro em que seguiam era emprestado poderia, perfeitamente, desse facto ter dado conhecimento às autoridades policiais.
19. Evitando, assim, estes fazerem buscas pela matrícula, para apurarem quem era o seu proprietário. A corroborar tal informação atente-se no depoimento das testemunhas L… e M…, prestados nos dias 06/03/2015, ao intervalo de tempo entre as 14:18:33h até às 15:58:01h, e no dia 28/04/2015, ao intervalo de tempo entre as 15:39:47h até às 15:56:45h, e ao intervalo de tempo entre 15:59:50h até às 17:51:26h respectivamente.
20. Além dos depoimentos dos agentes da GNR atente-se no depoimento da testemunha Q… onde também verificamos que, em momento algum, é feita qualquer menção a “acordo” ou “protocolo” entre a Ré H… e o falecido Sr. D….
21. No sentido de que o Sr. D… fazia publicidade ao stand da Ré H…, mediante autocolantes colocados no veículo por aquela Ré.
22. Pelo que, também atento este depoimento se impõe a alteração à matéria de facto dos n-º 56 e 57 para factos não provados.
23. A sentença ora recorrida que culminou na condenação solidária da Ré H…, aqui Recorrente, considerou como Facto Não Provado, na alínea h) que: “A H…, Lda. (anteriormente designada F…, Lda.) tivesse vendido o BMW … de matrícula ..-JB-.. ao D…”.
24. Resulta do depoimento da testemunha Q…, que o veículo, no caso sub judice, foi vendido ao Sr. D….
25. Na verdade, esta testemunha, ex-funcionário da Ré H…, recorda-se plenamente de ter visto o Sr. D… no stand.
26. E, nessa sequência ter procedido à compra do BMW …, matricula ..-JB-...
27. O qual só não foi entregue, em momento anterior ao do acidente ao Sr. D…, porquanto este solicitou a alteração das jantes do veículo, bem como dos vidros.
28. Ou seja, pretendia vidros e jantes diferentes daqueles que equipavam o veículo à data da compra.
29. Daqui se extrai e dúvidas não restam de que o Sr. D… celebrou com a Ré H… um contrato de compra e venda (e não um contrato de comodato).
30. Uma vez que, o Sr. D… para a compra do referido veículo automóvel entregou no stand da Ré um Ferrari … e um Audi …, ambos com avarias mecânicas.
31. Factos esses que foram também corroborados pelo depoimento da Sra. E…, mãe do falecido D…,
32. A qual não negou a existência daqueles dois veículos automóveis na esfera jurídica do seu filho e que se transmitiram para a Ré H….
33. Ora, se o falecido Sr. D…, que era amante de carros de alta cilindrada, que amava velocidade, entregou dois veículos de alta cilindrada e potência (Audi e Ferrari) à Ré H….
34. Certamente, que não estamos na presença de um contrato de comodato ou “acordo” de publicidade entre o Sr. D… e a Ré H….
35. Pois, se assim fosse, em, primeiro lugar o Sr. D… não precisava de deixar dois carros no stand da Ré à troca.
36. E, em segundo lugar, o veículo JB teria que ter autocolantes ou letras garrafais da F… de forma a fazer publicidade a ela.
37. O que não se verifica no caso sub judice.
38. Assim, e do depoimento da testemunha Q…, prestado no dia 06-03-2015 (intervalo de tempo das 16:09:15 às 16:32:55) resulta provado que a Ré H… vendeu o veículo BMW … ao Sr. D….
39. Pelo que, imperioso se torna alterar o Facto Não provada da alínea h) da sentença recorrida para Facto Provado.
40. Com relação à matéria de direito, inequívoco e sem qualquer dúvida e/ou contradição é que o acidente em análise, no caso sub judice, se deu por culpa única, exclusiva e efectiva do Sr. D….
41. Em primeiro lugar, por circular a velocidade bem superior a 120 Km hora.
42. Ou seja, apesar da testemunha Q…, que seguia ao lado do condutor, não ter conseguido (talvez por não ser favorável) precisar a velocidade exacta que o Sr. D… imprimia ao veículo.
43. Dúvidas não há, e nem os agentes da G.N.R., designadamente, do N.I.C.A.V. as têm, de que o Sr. D… circulava em velocidade superior à permitida no Art.º 27º, n.º1 do Cód. da Estrada.
44. E, isto porque, os danos produzidos no veículo e as lesões sofridas pelas pessoas transportadas apontam, todos eles, para que o veículo circulasse em velocidade muito superior à legalmente permitida.
45. É certo que se apurou que o pneu esquerdo do rodado traseiro furou e, depois rebentou.
46. Da mesma forma que se provou que os pneus do rodado traseiro apresentavam zona de rodagem desenhos com altura inferior a 1.6mm.
47. Sucede, porém, que estes factos nada retiram à culpa do Sr. D… que devia conduzir de acordo com as características do veículo em que seguia.
48. Não usando da potência bruta dele, notável, até aos limites.
49. Dúvidas não restam de que o condutor do veículo JB, Sr. D…, agiu de forma negligente na medida em que, sem motivo plausível, deixou de respeitar as regras de trânsito.
50. Circulando na via mais à esquerda, na Auto-estrada, em manifesto excesso de velocidade dando, assim, origem ao acidente em causa.
51. Destarte, constitui jurisprudência corrente a de que–em matéria de responsabilidade civil por acidente de viação cujo dano haja sido provocado por uma contraordenação estradal–existe uma presunção “iuris tantum” de negligência contra o autor da contravenção (Cfr. Acórdão do STJ de 06/01/1987, in BMJ n.º 363, pág. 488).
52. Presunção que não foi ilidida, e a que acrescem os factos dados como provados pelo M.P. do Tribunal do Baixo Vouga e com os quais os progenitores. aqui RR. Do Sr. D… se contentaram, nunca de tal conclusão recorrendo.
53. Deste modo, sendo o aludido acidente imputável exclusivamente ao condutor do JB a título de culpa,
54. Fica, assim, prejudicada qualquer outra parcela de responsabilidade, por parte de quem quer que seja, nomeadamente, da qui Recorrente H….
55. Sucede, porém, que à data do acidente, não se encontrava transferida para qualquer seguradora a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo JB.
56. Em tal situação, dispõe o Art.º 29º, n.º6 do DL 522/85, de 31 de Dezembro que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil sob pena de ilegitimidade.
57. Tem-se entendido que, nos termos e para efeitos do disposto no Art.º 29º, n.º6 do DL 522/85, “responsável civil” é todo aquele em relação ao qual se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar.
58. Ou seja, não será só o sujeito de segurar, como também o condutor.
59. O responsável civil é também o proprietário do veículo, a menos que faça prova de que no momento do acidente, não detinha a direcção efectiva do veículo–Art. 503º, n.º1 do Cód. Civil.
60. In casu, resultou assente que o falecido Sr. D… era o condutor do veículo BMW …, sendo que o sinistro que se discute nos autos foi exclusivamente causado por culpa sua.
61. Nos termos supra expostos e descritos nos depoimentos das testemunhas L… e M…, prestados no dia 28 de Abril de 2015 no intervalo de horas das 15:39:47 às 15:56:45, e ainda no intervalo de horas das 15:59:50 às 17:51:26,
62. Assim sendo, o direito que assiste aos Autores/Recorridos de exigir indemnização pelos danos decorrentes de tal sinistro, apenas o podem assacar ao condutor do veículo BMW …–JB.
63. De facto, quanto à Ré H… resultou provado que a mesma à data do sinistro em discussão nestes autos, ainda era proprietária do veículo JB.
64. Sendo que, em data anterior à da ocorrência de tal sinistro havia transmitido por contrato de compra e venda, a propriedade do dito veiculo para ao condutor o seu condutor: Sr. D….
65. Apesar de, à data do acidente, a propriedade do veículo JB encontrava-se registada, na competente Conservatória do Registo Automóvel, ainda em nome da Ré Recorrente.
66. Não podemos olvidar que, decorre do Art. 5º, n.º1 al.a) e 2) do DL n.º 54/75, de 12/02, que o direito de propriedade sobre os veículos está sujeito a registo obrigatório.
67. E, por seu turno, o Art. 29º o mesmo diploma legal determina serem aplicáveis ao registo de automóveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao registo predial.
68. Nessa conformidade, e nos termos do Art. 7º do Cód. Reg. Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
69. Todavia, trata-se de uma presunção iuris tantum que, consoante o Art. 350º, n.º2 do Cód. Civil, pode ser ilidida mediante prova em contrário.
70. No caso sub judice, a referida presunção foi ilidida, já que ficou provado que a Ré H…, aqui Recorrente, em data anterior à da ocorrência do sinistro que se discute, transferiu a propriedade do veículo BMW … para o Sr. D…, através de contrato de compra e venda.
71. Com efeito, a transferência da propriedade do veículo JB já havia operado.
72. Apenas, o falecido D… ainda não tinha procedido ao registo do mesmo a seu favor.
73. Saliente-se, que nos termos do Art. 42º do Regulamento do Registo Automóvel (RRA), aprovado pelo Decreto-Lei 55/75, de 12 de Fevereiro, pela redacção conferida pelo Decreto Lei 177/2014, de 15 de Dezembro, com a epigrafe: “Prazo em que devem ser requeridos”.
74. O seu n.º1 dispõe: “O registo obrigatório deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data do facto.”
75. O que significa que o condutor do veículo JB estava legalmente dentro do prazo para promover o registo da propriedade do veículo JB a seu favor.
76. Já que, a transferência da propriedade se verificou com o pagamento do preço, designadamente, com a entrega, por parte do Sr. D… de um Ferrari e um Audi … à Ré H…, aqui Recorrente.
77. Atente-se no depoimento da testemunha Q…, prestado no dia 06-03-2015, ao intervalo de tempo das 16:09:15 às 16:32:55min.e que já se transcreveu.
78. Por outro lado, a certeza de que o veiculo BMW … tinha sido adquirido pelo Sr. D… é a de que.
79. Quando o este circulou, uma vez, com o veículo de marca Hummer emprestado pela Ré H…, tal veicula tinha letras garrafais e autocolantes com a menção: “F…”.
80. Letras e autocolantes esses, ou seja, publicidade essa que não tinha o veículo BMW …,
81. E que o Sr. D… adquiriu muitos dias antes do acidente, e que só o não tinha levantado anteriormente, em virtude de não gostar das jantes e dos vidros do mesmo.
82. Tendo, também, para efeitos de compra e venda entregado à Ré H… dois veículos à troca: um Ferrari e um Audi ….
83. Tudo isto a significar que, contrariamente, ao que consta na sentença recorrida, entre o Sr. D… e a Ré H…, aqui Recorrente, não existe qualquer acordo entre eles no sentido desta disponibilizar veículos e aquele, em contrapartida, fazer publicidade à Ré H….
84. Logo, não se verifica nenhuma relação comitente-comissário, nos termos do Art. 503º Cód. Civil.
85. Como erroneamente consta na sentença recorrida.
86. Com efeito, para se verificar a relação comitente-comissário seria necessário, nos termos do artigo 503º, n.º 3 (1ª parte) do Cód. Civil que: “Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte”.
87. A previsão citada faz recair sobre o condutor por conta de outrem uma presunção de culpa pelos danos acusados no exercício da condução de veículos.
88. Sendo certo que essa relação de comissão tem de ser encontrada fora de aplicação do artigo 503º n.º 1 do Cód. Civil.
89. Convém, a propósito citar o Assento do S.T.J. de 20-10-94 - que tem força obrigatória geral, no que respeita à uniformização de jurisprudência (face ao estabelecido no art. 732º- A do CPC) - que veio estabelecer que "o dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se aleguem e provem factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500º n.º 1, do Código Civil, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo".
90. Sucede que a verificação de tal relação de comissão, não assenta no simples facto de alguém conduzir um veículo por “conta de outrem” ou “sob a direcção e interesse de outrem”.
91. A existência da relação de comissão, por isso, não se basta com a mera constatação de o proprietário e o condutor do veículo serem pessoas diferentes e este o conduzir “com conhecimento e autorização daquele” ou “sob o interesse e direcção daquele".
92. Como bem se defendeu no Acórdão do Porto de 8.10.2002 o Art. 503º, n.º 3 do Cód. Civil, estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem,
93. Mas o condutor de um veículo só deve ser considerado comissário quando tenha sido encarregado de uma comissão, traduzindo-se esta na realização de actos de carácter material ou jurídico e se integram numa tarefa ou função confiada a uma pessoa diversa do interessado.
94. E uma comissão implica uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, agindo este mediante ordens ou instruções daquele.
95. Não se tendo provado que o condutor do veículo agia por conta do proprietário e mediante ordens ou instruções deste não se pode concluir que o condutor era comissário e, assim, a presunção de culpa do n.º 3 do artigo 503º tem necessariamente de se afastar.
96. Com efeito, nenhum contrato de comissão existia entre a Ré H... e o falecido D…,
97. Este – D… - nunca foi funcionário da Ré H…,
98. Nunca recebeu nenhuma comissão da Ré.
99. Logo, nenhum elemento de conexão se verifica entre a Ré H… e o falecido Sr. D… que permitam concluir a existência de uma relação de comitente-comissário.
100. Devendo V/Exas. Venerandos Desembargadores condenar, apenas e tão só, a herança aberta por óbito de D… no pagamento de indemnização aos Autores,
101. E não, solidariamente a Ré H… aqui Recorrente.
102. Saliente-se que para se concluir pela existência de uma situação de comissão torna-se necessário que se alegue e que se apure factualidade que a caracterize como tal.
103. Pois que, sendo de presumir a coincidência entre a qualidade de proprietário e a direção efectiva de um veículo, não é legítimo e nem se pode concluir que o terceiro que conduz um veículo automóvel o faz, necessariamente, como comissário do seu dono, cabendo ao lesado a demonstração dessa relação de comissão.
104. Anote-se que o Art.º 503º, n.º1 do Cód. Civil estabelece dois requisitos, cumulativos:
c) Sob a sua direcção efectiva;
d) No seu próprio interesse.
105. Note-se ainda que, conforme Parecer do Professor A. Varela: "Nenhum fundamento existe para distinguir, nos seus efeitos, entre a culpa (do comissário) provada por presunção legal, nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 503º do Código Civil, e a culpa demonstrada por qualquer outro meio de prova".
106. E se "havendo apenas culpa presumida, o comissário responde por todos os danos causados aos lesados, sem qualquer limitação fundada no risco e apenas podendo beneficiar da redução prevista no artigo 494º do Código Civil, e também o comitente responde por todos os danos causados no acidente".
107. No mesmo sentido se defendeu no Ac. da Relação do Porto de 10.12.98 que “a responsabilidade do condutor comissário pelos danos causados, quando não ilidiu a presunção legal da sua culpa, repercute-se no proprietário do veículo”.
108. Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo fundou-se numa relação de comissariado, deste modo existindo uma presunção de culpa, não ilidida pela Ré Herança aberta por óbito de D….
109. Pelo que o tribunal “a quo” julgou mal, por isso, a acção ao considerar que se estaria perante uma responsabilidade pelo comitente-comissário, nos termos do Art.º 503º do Cód. civil.
110. Pois que, na parte que interessa, apenas se provou que o veículo, causador dos danos, de matrícula ..-JB-.., ainda com Registo na Conservatória do Registo Automóvel a favor da Ré H…, era conduzido na altura do acidente por D….
111. Registo esse que de acordo com o Art. 42º do Regulamento do Registo Automóvel (RRA), aprovado pelo Decreto-Lei 55/75, de 12 de Fevereiro, pela redacção conferida pelo Decreto Lei 177/2014, de 15 de Dezembro, com a epigrafe: “Prazo em que devem ser requeridos” prazo esse, de 60 dias.
112. Acresce que se é possível, através de presunções naturais, concluir que o proprietário tem a direcção efectiva do veículo e que a utilização deste se faz no seu próprio interesse, por ser normal e corrente que assim seja.
113. Já não é lícito partir daí, em segunda presunção, para a conclusão de que o terceiro que o conduz é comissário daquele.
114. Não se verifica, assim, uma relação de comissão, no caso dos autos, em que não se provou que o veículo era conduzido sob a direcção e no interesse do seu dono.
115. Apenas se provou que o veículo JB era conduzido pelo Sr. D….
116. Uma vez que não se apurou qual a vantagem patrimonial para a Ré H…, o Tribunal a quo, num salto dialéctico, transpôs a responsabilidade que é toda ela, apenas e tão só, do condutor D….
117. Para a esfera do contrato de comodato, tal como vem preceituado no Art. 1129º do Cód. Civil.
118. Com o fundamento, infundado: “De que o acordo celebrado entre a Ré H… e o Sr. D… não perdia a sua natureza de contrato gratuito, de empréstimo, de cedência gratuita dos veículos e pode perfeitamente integrar a noção do Art. 1129º.”
119. Ora, da mesma forma que não resulta dos autos nenhuma relação de comissão transposta para ordens, instruções expressas da Ré H… sobre o Sr. D….
120. Também não resulta dos autos que a Ré H…, pro bono, emprestasse ou cedesse gratuitamente carros de alta cilindrada ao Sr. D….
121. E não se diga que a vantagem da Ré H… era a publicidade, pois de todas as fotografias do veículo JB, em lado nenhum constam autocolantes ou letras garrafais, com a menção de “F…”.
122. Sendo assim, se a alegada contrapartida da Ré H… era a sua publicidade a mesma não se verifica–cfr. todas as fotografias da viatura matricula ..-JB-.. juntas aos autos.
123. Por outro lado, se era um contrato de comodato gratuito não se compreende a entrega de duas viaturas, um Ferrari e Audi …, a Ré H…, aqui Recorrente.
124. Por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, dúvidas não restam de que o único e exclusivo responsável pela deflagração do acidente de viação, em análise, no caso sub judice, foi a conduta violadora das regras de trânsito, designadamente.
125. O excesso de velocidade imprimido na viatura ..-JB-.. por parte do seu condutor e proprietário D….
126. O qual deveria conduzir de acordo com as características do veiculo, não usando a potência bruta dele, notável até aos limites,
127. Uma vez que, um carro daquela alta gama, estrutura e cilindrada aguentava sem sobressaltos o que quer que fosse, desde que, cumprisse os limites de velocidade.
128. Pelo que, deverão V/Exas. Venerandos Desembargadores, revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que condenou solidariamente a Ré H…, aqui Recorrente, no pagamento solidário da quantia de € 117.000,00 (cento e dezassete mil euros) aos Autores/Recorrida,
129. E ainda no pagamento solidário da quantia de € 2.515,32 (dois mil quinhentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos) ao Instituto de Segurança, I.P.
130. Com o que farão V/Exas. Venerandos Desembargadores inteira Justiça.
*
A herança aberta por morte de D…, formulou as seguintes conclusões:
1. O facilitismo salomónico de repartição de responsabilidades, mesmo sendo evidente que o condutor não teve qualquer responsabilidade no dano verificado.
2. Face a qualificação efectuada pelo Tribunal a quo 6o contrato entre D… e o o R. Stand H… como "contrato gratuito, de cedência gratuita dos veículos", este último sempre será responsabilizado objectivamente nos termos e para os efeitos do artigo 503.° n.° 1 do Código Civil, o que o Tribunal decidiu, e bem.
3. O que não se compreende é que o Tribunal conclua que o ora Recorrente também é culpado nos termos do n.° 3 do mesmo preceito legal, através da manifesta confusão entre elementos como as circunstâncias do acidente, a causa e consequência do mesmo, não tendo do Tribunal a quo concretizado esse raciocínio.
4. Na verdade, o que o Tribunal a quo escreve é que, "em primeiro lugar" D… circulava a uma velocidade superior à legal, e "depois"os danos apontam também para essa ideia de que a velocidade era superior à legal. Ou seja, os motivos apresentados são só um: a velocidade-que não foi possível apurar, o que consta do facto provado 14!
5. A verdade é que o Tribunal a quo não faz alusão aos concretos factos de onde se retira que o acidente foi devido à culpa efectiva do R... porque simplesmente inexiste(m) tal(is) facto(s), não se alcançando em que momento teve o R. o comportamento que originou, desencadeou, e causou o acidente (evento).
6. Os factos 13 a 20 não respaldam uma actuação particular, concreta e culposa de D… que causou este acidente!
7. O que quer o Tribunal a quo dizer com a expressão "bem superior” utilizada no facto 14? Se 120 km/hora é o limite máximo de velocidade instantânea estabelecido legalmente para se circular em segurança numa auto-estrada, parece proporcionalmente relevante para aferir da insegurança provocada pelo desrespeito desse limite, quantificar os quilómetros em que uma viatura circule acima desse limite. O próprio Código da Estrada (referido pelo Tribunal a quo) faz uma graduação das sanções aplicáveis consoante a dimensão do risco.
8. Assim sendo, a expressão utilizada “bem superior" é totalmente vaga, carecendo de total apoio na fundamentação ou elementos de prova, parecendo tratar-se apenas de uma convicção do Tribunal a quo que mereceu assento na sentença, sem que existam elementos que a suportem.
9. O Tribunal a quo dá como provado, simultaneamente, no mesmo facto que que um indivíduo seguia em excesso de velocidade. Quanto, não sabe. Mas seguia!
10. O Tribunal diz ter-se baseado no depoimento das testemunhas N…, M…, "testemunhas que conheciam o D…" e S….
11. As testemunhas que conheciam D…-não discriminadas na fundamentação-terão revelado que este gostava de velocidade, não se alcançando a relevância dessa afirmação para o que sucedeu no dia 25 de Junho de 2011. às 03:15 horas, na Al. ao KM 258.909 sentido norte-sul.
12. Segundo a testemunha M… o acidente deve-se à velocidade excessiva. Ora, o conceito de velocidade excessiva, definido no art. 24.° n° 1 do Código da Estrada comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta, que se verifica sempre que são excedidos os limites legais; e uma vertente relativa, que se concretiza na não adequação à situação concreta - sendo que nenhuma das duas se encontra suportada nos autos.
13. Ao afirmar que a velocidade imprimida no veículo era excessiva sem que a mesma se encontre concretamente apurada, é retirar-novamente-conclusões sem qualquer base fáctica ou probatória que as sustentem, até porque excesso de velocidade não é o mesmo que velocidade excessiva.
14. Contudo, qualquer velocidade “em excesso ou excessiva” assume um plano secundário no caso do rebentamento de um pneu, uma vez que a instabilidade daí resultante é total!
15. O que não é o mesmo que afirmar que certamente D… seguia a uma velocidade que impediu que controlasse a viatura... quando não há uma definição ou apuramento da velocidade a que seguia nem análise de hipóteses alternativas de controlo da viatura em diferentes velocidades perante o rebentamento de um pneu.
16. O Tribunal a quo não concretiza nem nos factos dados como provados nem na fundamentação da decisão qual a actuação culposa de D… da qual se retira, sem margem para dúvidas, a sua responsabilização por via da indemnização.
17. Os factos provados descrevem que o momento do acidente é ao finalizar uma curva, quando o pneu traseiro do lado esquerdo terá furado e depois rebentado. Pneus estes que são projectados para uma velocidade máxima de 300 km hora conforme facto provado n.° 25, não sendo influenciados, em circunstâncias normais, por qualquer velocidade (em excesso ou excessiva).
18. Mas, de qualquer modo, a sentença ora recorrida não estabelece um raciocínio causa-efeito entre a velocidade e o rebentamento do pneu, porquanto em momento algum da sentença se escreve que o rebentamento do pneu resultou da velocidade seja ela qual fosse, porque indeterminada!.
19. De todo o modo, o ritmo normal da situação aqui escalpelizada seja perfeitamente contínuo e quase instantâneo, conforme resulta do depoimento de N….
20. O Tribunal falha ao estabelecer o nexo de causalidade do qual resulta a responsabilidade pelo risco nos termos do artigo 503.° n.° 3 do Código Civil, sendo total a ausência de motivação jurídica, ficando as partes na ignorância das razões pelas quais o Tribunal perfilhou aquela decisão, nada se escrevendo da culpabilidade do D… quer nos factos provados quer na parte dedicada à fundamentação.
21. Na concretização da responsabilidade pelo pagamento das indemnizações o Tribunal escreve, a páginas tantas, que o acidente se deveu à culpa efectiva do condutor-culpa esta que não se encontra espelhada em qualquer parte da sentença (factos, conforme já foi aqui demonstrado supra, ou fundamentação)!
22. Nos termos do artigo 503.° n.° 3 do Código Civil, terão que se encontrar preenchidos os requisitos da responsabilidade civil subjectiva, a saber: a)Facto (controlável pela vontade do homem); b) Ilicitude; c) Imputação do facto ao lesante; d) Dano; e) Um nexo de casualidade entre o facto e o dano.
23. O facto ilícito que seja passível de provocar o dano, tem que vir devidamente enunciado e suportado, assim como demonstrada a sua efectiva ligação com o dano, através do nexo de causalidade, não bastando dizer-como diz o Tribunal-que D… devia conduzir de acordo com as características do veículo que lhe era entregue, não se compreendendo que características são estas, porque não especificadas, nem de que forma foram as mesmas desrespeitadas.
24. Mais acrescenta que D… não deveria usar a potência bruta, notável da viatura, até aos limites, sendo que se desconhecem também os limites de que falamos desconhecendo ainda se a viatura alcançou o limite de (presumimos) velocidade porquanto não se descortinou a velocidade a que seguida.
25. Não se poderá ignorar completamente o rebentamento de um pneu, dando de barato uma ficcionada inabilidade, imperícia, desatenção e desconsideração da condução por parte de quem assumia a mesma.
26. E que o rebentamento do pneu sempre interromperá o nexo causal entre a velocidade e qualquer outra coisa que lhe siga!
27. A sentença não consegue imputar o acidente à velocidade porque é gritante que o excesso de velocidade ou velocidade excessiva não é a causa do acidente.
28. O juiz deve, nos termos do artigo 615.° n.° 1 alínea b) com o art. 607° n° 3 ambos do NCPC, justificar a decisão, indicando as razões de facto e de direito que conduzem a essa deliberação, porque só assim as partes ficam cientes das razões, factuais e jurídicas, do sucesso ou fracasso das suas pretensões.
29. Uma decisão não é, nem pode ser, um acto discricionário, deve antes constituir a concretização da vontade abstracta da lei ao caso concreto, com a indicação dos parâmetros determinativos da resolução inerente.
30. Não se trata aqui (apenas) de uma discordância com a fundamentação e decisão tomada, mas sim pela total ausência de fundamentação, de facto e jurídica, da decisão que assumiu, no que concerne aos requisitos os quais nem sequer foram enunciados, razão pela qual se acha que a sentença padece da nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do disposto no art. 615°. n° 1, alínea b) do Código de Processo Civil, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
31. No facto provado n.° 16 consta que no seguimento da travagem, a banda de rodagem do pneu traseiro do lado esquerdo desprendeu-se da carcaça do pneumático; e nos elementos que servem de fundamentação escreve-se que o pneu fura, a jante bate no pavimento, perde parte da banda de rodagem, e depois sim vêm as marcas de travagem.
32. Aquando da travagem a viatura apenas contava com três rodas. Quatro pontos de fixação, é certo, mas um deles era ferro sobre alcatrão!
33. Repare-se que a partir do momento em que o pneu rebenta, a viatura inicia imediatamente uma derivação para a direita, procurando o condutor travar a todo o custo, tentando controlar uma viatura com 3 três rodas, porquanto a quarta roda se havia reduzido à jante, ou seja, ferro a bater no alcatrão, sendo que outra roda dianteira viria também a soltar-se.
34. Obviamente que tratando-se de uma jante, a travagem terá outra extensão e eficácia, porque o atrito da jante é totalmente diverso do atrito que provoca o pneu, cuja função é precisamente criar atrito com o solo para imobilizar o veículo, garantindo a ausência de escorregamento quando efectua as curvas ou vai em recta.
35. Razão pela qual se invoca a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do disposto no art. 615° nº 1. alínea c) do Código de Processo Civil, por oposição entre os fundamentos e a decisão.
36. Nos termos do artigo 640° n° 1 alínea a) do N.C.P.C., os factos que se entende incorrectamente julgados como provados são os seguintes: 14, 15, 17, 23, 48.
37. Para efeitos do artigo 640° n° 1 alínea b) do N.C.P.C. os elementos de prova que impõem decisão diversa da recorrida são a prova documental constante dos autos; prova testemunha! (o depoimento de N…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 06 de Março de 2015, constante na gravação 20150306112737_2760196_2870272, com início às llh27 e fim às 12h22; o depoimento de T…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de 09 de Março de 2015, constante na gravação 20150309100430_2760196__2870272, que teve início às 10h04 e fim às 10h36; o depoimento de P…, prestado na sessão de Audiência de Julgamento do dia 28 de Abril de 2015, na gravação 20150428102335_2760196_2870272, com início entre as 10h23 e as llh42; o depoimento de S…, prestado na sessão de Audiência de Julgamento do dia 28 de Abril de 2015, na gravação 20150428121243_2760196^2870272, com duração entre as 12hl2 e as 14hl4; o depoimento de M…, prestado na sessão de Audiência de Julgamento do dia 28 de Abril de 2015, presente na gravação 20150428155949^27601962870272, com início às 15h39 e fim às 15h56 e o depoimento da Testemunha U…, prestado na sessão de julgamento do dia 29 de Abril de 2015, na gravação 20150429100020_2760196_2870272, com início às 10h e fim às 10h07.).
38. Quanto ao facto provado em 1, “com a capota aberta na altura"., o mesmo é contrariado directamente pelos depoimentos das Testemunhas N… e S…, cujos excertos relevantes foram transcritos para o corpo do presente, sendo certo que daqueles resulta de forma inequívoca que a capota seguia fechada, razão pela qual deveria o tribunal de 1ª instância ter dado como provado, no que concerne ao Facto 1, que o veículo seguia com a capota fechada no momento em que ocorreu o acidente.
39. Não parecendo esta questão essencial para o recurso com vista à apreciação pelo tribunal ad quem, não se pode perder de vista que a prova tem a função de demonstrar a realidade dos factos, razão pela qual não poderia deixar de se impugnar os factos supra mencionados, atento o princípio da descoberta da verdade material que reveste aqui particular importância e sobretudo porque tal facto tem a virtualidade de influenciar o quantum indemnizatório, com particular acuidade no que diz respeito à contribuição do lesado.
40. Relativamente ao Facto Provado 14 “velocidade não precisamente apurada mas bem superior a 120km/hora, entende-se que não resulta da prova produzida em Audiência de Julgamento-como aliás foi dado como provado-o apuramento da velocidade real a que seguia o veículo conduzido por D….
41. Ora, se não foi possível apurar a velocidade não é possível considerar e menos ainda dar como provado que a mesma era bem superior a 120km/h.
42. A expressão utilizada “bem superior" é totalmente vaga imprecisa e indeterminada, resultando de uma total carência de elementos que a suportem e que permitam concretizar a velocidade a que circulava a viatura objecto dos autos.
43. O Tribunal formou a convicção de que o D… estaria a conduzir a uma velocidade claramente excessiva e acima do limite legal permitido, com base na extensão dos danos produzidos e nas marcas verificadas no pavimento (o que também foi contrariado pela prova produzida em audiência), tendo a Testemunha S… (engenheiro mecânico) esclarecido que seria impossível o NICAV estabelecer um cálculo fidedigno da velocidade a que seguia o veículo, porquanto inexistem inúmeros elementos que interferem no mesmo, o que torna impossível afirmar de forma fidedigna que o carro seguia em excesso de velocidade, sequer qual a velocidade a que o mesmo circulava-conforme excerto transcrito no corpo da peça recursiva.
44. Conceitos ou expressões que envolvam uma definição factual imprecisa desde logo implicam a existência de várias soluções possíveis, sendo que a factualidade ou se apura ou não se apura impondo uma única solução concreta) para o caso em concreto, acrescendo ainda que tratando-se de matéria factual indeterminada, colocam em crise uma apreciação insusceptível de controle judicial pleno ulterior.
45. Razão pela qual não poderia ser dado como provado o facto 14 “mas bem superiora 120km/hora".
46. No que concerne ao facto provado 15 "o pneumático traseiro do lado esquerdo furou e depois rebentou". Ora, do testemunho de S…-cujo excerto se encontra no recurso-pode aferir-se que a roda traseira esquerda rebentou, e não travou como indica a decisão ora em crise, atento o sobreaquecimento do alcatrão e as condições de desgaste que o próprio pneu apresentava.
47. Aliás veja-se até que o pneu se encontrava completamente liso, não possuindo a espessura legalmente estabelecida, o que determinava que o mesmo não pudesse circular em condições de segurança, sendo inverosímil que o pneu tivesse furado, como resulta do relatório do NICAV, porque, como a própria Testemunha explicita, os carros de marca BMW possuem um sistema de alarme no computador de bordo que avisa imediatamente quando ocorre alguma anomalia no veículo, concretamente, disparam um aviso quando um pneu se encontra furado.
48. Em bom rigor, o pneu rebentou, ficando a jante a roçar directamente no alcatrão, e só veio a soltar-se da carcaça do veículo no momento em que este embate na caleira.
49. A testemunha M… indica no excerto transcrito no recurso que a causa do acidente é o rebentamento do pneu, havendo prova bastante para que o Tribunal a quo desse resposta contrária àquela que decorre da fundamentação da matéria de facto, ou seja, que fosse dado como provado que o pneumático traseiro esquerdo rebentou, tendo sido isso a causa efectiva do acidente.
50. Razão pela qual o tribunal a quo deveria ter dado como provado que o pneumático traseiro do lado esquerdo rebentou (e não furou, pois inexiste prova que suporte tal factualidade).
51. No que concerne ao facto provado 17 "O veículo entrou em derrapagem com derivação para a direita, rodopiou sobre si mesmo, e foi embater, com a frente voltada para o lado de onde procedia” o tribunal a quo incorreu num lapso ou contradição de fundamentação da matéria de facto, que deve ser apreciada desde logo pelo Tribunal ad quem, conforme se retira também das testemunhas M… e S…- cujas partes relevantes se transcreveram para o recurso, com indicação concreta da passagem ao minuto.
52. O carro, depois de rodopiar, ficou virado no sentido contrário ao que seguia, ou seja, com a parte direita do carro virada para o talude e a parte esquerda virada para o separador central, no sentido Norte-Sul.
53. Razão pela qual o tribunal a quo deveria ter dado como provado no Facto 17, nomeadamente "O veículo entrou em derrapagem com derivação para a direita rodopiou sobre si mesmo, e foi embater, já com a traseira voltada para o lado de onde procedia (...)"
54. Por fim, o Facto Provado 23 "verificou-se existir uma marca contínua dum pneumático, do rodado esquerdo traseiro, no pavimento da via mais à esquerda (...)', não resulta da prova documental constante do relatório e imagens do NICAV, até porque nesse exacto km 258,909 dá-se como provado que o pneu rebentou, não sendo possível identificar-se marcas de pneu nos kms seguintes.
55. Nos fotogramas 11 e 12 pode ler-se na seguinte legenda: "Fotografia das marcas de travagem e de derrapagem com derivação para a direita produzidas pelos pneus do veículo de matrícula ..-JB-.., bem como marcas de raspagem diante do rodado esquerdo."-sendo inequívoco que as marcas resultam da travagem e raspagem da jante do rodado esquerdo, o que é corroborado por S… e M… no excerto oportunamente transcrito.
56. Assim, existe um lapso ou contradição de fundamentação da matéria de facto, que deve ser apreciada desde logo peio Tribunal ad quem, razão pela qual só pode dar-se como provado o Facto 23 nos seguintes termos: "No alinhamento do km 258,909, verificou-se existir uma marca contínua da jante do rodado esquerdo...".
57. Por fim, do Facto Provado 48 " Também existia afecto entre I… e o pai” não é suficiente a destrinça feita pelo Tribunal a quo entre a relação de I… com a sua mãe e daquele com o pai, uma vez que o fosso é bastante superior àquele que pode resultar da leitura isolada dos factos dados como provados, tal como também resultou da prova produzida, directamente dos excertos dos depoimentos de T… e P…, amigos daquele.
58. Não se compreende a matéria que justifica que seja dado como provado que existia afecto entre I… e o pai, segmentando essa conclusão com o afecto sentido entre I… e a sua mãe quando, pese embora aquele vivesse com o seu tio, era ele quem ajudava a mãe no dia-a-dia, sendo óbvia a relação e ligação afectiva entre ambos.
59. A ligação biológica com o progenitor não é sinónimo de afirmar que existia uma ligação de afecto entre ambos, razão pela qual não poderia ter sido dado como provado o Facto 48 " Também existia afecto entre I… e o pai (...)".
60. Independentemente de todas as considerações atrás tecidas, e ainda que se mantivesse a matéria de farto tal como está, nunca poderia o Tribunal a quo ter chegado à conclusão a que chegou, assacando responsabilidade a D… pelo acidente, imputando-lhe culpa efectiva, não merecendo a convicção do Tribunal assento na fundamentação ou fartos provados da sentença ora em crise.
61. O Tribunal parece não querer aceitar ou perfilhar uma decisão na qual o condutor não tenha de facto qualquer responsabilidade no acidente ocorrido, esgrimindo, em esforço, um argumentativo que refuta a todo o custo que o rebentamento do pneu tenha causado o acidente (e consequentemente, os danos), dizendo qualquer coisa como só pode ter sido a velocidade, sem que D… apareça como autor da lesão, não se concretizando o que é que a velocidade causa!
62. A velocidade nunca poderá ser considerada uma "causa", porquanto o acidente, nos termos em que aconteceu e da forma que se encontra descrito nos factos dados como provados, resulta manifestamente do rebentamento do pneu.
63. A conclusão de que a culpa se deveu à imperícia de um condutor, segundo a nossa jurisprudência, só deve ser presumida quando inexistir qualquer outra razão plausível e fora das condições normais de uma condução normal e, dizemos nós, excludente, como o rebentamento de um pneu.
64. O Tribunal a quo surpreende ao afirmar que "o acidente foi devido a culpa efectiva do D…, sem fazer constar os indícios/requisitos dessa responsabilidade plasmados na sentença ora em crise.
65. A culpa não se confunde com a mera violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios como seja uma norma de trânsito e, por isso, a infracção de um preceito legal não é suficiente, sem mais, para integrar uma conduta culposa, pois que uma coisa é a ilicitude e outra a culpa-isto partindo do princípio que a culpa (presumida) que aqui se fala advém da alegada violação do dever de cuidado resultante das normas que estabelecem os limites de velocidade.
66. Dos factos provados não é possível retirar qualquer ligação entre a velocidade (indeterminada) e o acidente, para que se possa dizer que a velocidade é causa do acidente, acrescendo ainda que a testemunha M… diz que o rebentamento do pneu é causa do acidente, cujas consequências são descritas no facto provado n.° 21 da sentença ora em crise.
67. Assim, se nos fundamentos da decisão se diz que o rebentamento do pneu causou o acidente, e desse acidente resultaram os danos descritos no facto 21, como é que o Tribunal a quo conclui que o acidente "foi devido a culpa efectiva de D…?
68. A única forma de encaixar a velocidade na equação, seria no caso de existir alguma correlação entre a velocidade e o rebentamento do pneu. A ter havido alguma infracção do código da estrada a qualquer título que sempre quedou por provar, com todas as possíveis consequências ou resultados que pudesse potenciar, essa dinâmica sempre seria interrompida pelo rebentamento do pneu o que em si mesmo, é causa de um acidente, e portanto o evento que desencadeou os danos, que são consequência directa do acidente.
69. Não havendo culpa de D… para aquilo que é a causa do acidente-rebentamento do pneu-não há obrigação de indemnizar, uma vez que a causa das consequências das quais advém o direito de ser indemnizado são alheias àquele primeiro, não estando preenchido o artigo 503.° n° 3 do Código Civil, não estando o R. obrigado a reparar um dano que resulta de um evento que lhe é alheio-562.° do Código Civil.
70. Desde logo, ficou por provar a culpa, porquanto a velocidade a que seguia é indeterminada e, aparentemente, indeterminável, e, assim, é forçoso concluir que a condução de D… não causou danos.
71. De todo o modo, independentemente da velocidade a que a viatura circulava, há que atender à causa do acidente: o rebentamento do pneu.
72. O Tribunal a quo afirma mesmo que se o veículo circulasse a uma velocidade razoável aguentaria o rebentamento de um pneu dentro dos limites legais de velocidade, o que carece totalmente de prova!-tanto quanto se sabe não foi feito um estudo alternativo à realidade do trágico acidente ocorrido, das características do automóvel perante o rebentamento de um pneu-não podendo ser encarado como um simples inocente e natural percalço rodoviário.
73. O que se sabe é que este veículo, perante o rebentamento do pneu, teve o acidente descrito com as consequências igualmente descritas.
74. A partir do momento em que o pneu rebenta, a viatura inicia imediatamente uma derivação para a direita, procurando o condutor travar a todo o custo a 3 (três) rodas, porquanto a quarta roda se havia reduzido a jante, ou seja, ferro a bater no alcatrão, sendo que outra roda dianteira viria também a soltar-se.
75. Obviamente que tratando-se de uma jante a travagem terá outra extensão e eficácia, porque o atrito da jante é totalmente diverso do atrito que provoca o pneu-até porque é essa a função do pneu (imobilizar o veículo, garantindo a ausência de escorregamento).
76. Não pode o Tribunal a quo, sem mais, estabelecer um raciocínio sem prova ou factos que o suportem, fazendo passar nas entrelinhas da decisão aquilo que deveria ser prévio à mesma-e que não consta dos factos dados como provados, pelo menos para chegar à conclusão a que o Tribunal insiste em chegar quanto à imputação da responsabilidade de um acidente à velocidade.
77. Teve a velocidade fosse qual fosse no caso concreto e considerada de forma isolada, como consequência os danos, quando é certo que os danos resultam de um acidente cuja causa é o rebentamento do pneu?
78. Isto é, o objectivo é claramente atribuir à velocidade o título de "causa" do acidente, construindo o resto à volta dessa conclusão, até porque a velocidade era incapaz de produzir os resultados despiste, travagem, derrapagem e capotamento.
79. O que está na origem dessa sequência é, de facto, o rebentamento do pneu
80. Não faz sentido defender que qualquer condutor, considerado como um bom pater famílias, na situação de D… conseguiria evitar o despiste do veículo, pois mesmo circulando este a 20, 30, 49 km/h (velocidades proibidas na auto-estrada), um rebentamento de um pneu sempre originaria um despiste.
81. Independentemente da velocidade e até mesmo concebendo por mera hipótese teórica que D… circulasse a mais de 120 km/hora, o rebentamento do pneu seria sempre e todas as vezes a causa do acidente, com todas as consequências daí advenientes.
82. Ademais, a dinâmica do acidente conforme vem descrita nos factos dados como provados não permite concluir da forma que o Tribunal a quo conclui na sua decisão, ao fazer constar o R. como obrigado a indemnizar por ter culpa efectiva nos termos do nº 3 do artigo 503.º do CC, quando não existe culpa, nem sequer prova dessa mesma culpa.
83. O que há, na opinião dos Recorrentes, é uma forte convicção do Tribunal a quo de que a viatura suportaria a violência que é o rebentamento do pneu-sem qualquer base probatória, estudos, ou ensaios que permitam ancorar essa ideia adquirida-não havendo outra justificação se não que a viatura seguia em excesso de velocidade ou velocidade excessiva, o que nem mereceu acolhimento nos factos dados como provados.
84. O rebentamento de um pneu deve ser sempre considerado uma causa de força maior relativamente ao condutor da viatura, porque se trata de uma explosão, um estrondo que retira à viatura um dos seus quatro pontos de equilíbrio e direcção, conforme se refere o facto provado n.° 16.
85. Os fundamentos invocados ao longo da sentença ora em crise sempre deveriam, logicamente, conduzir a uma decisão diversa daquela que ficou.
86. Na óptica dos Recorrentes, estamos perante uma contradição insanável da fundamentação uma vez que o texto da decisão, sem conjugação com outros elementos de prova carreados para os autos (mas até mesmo com todos estes!) resulta uma contradição chocante que não escapa ao observador comum, tratando-se de um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido, e a decisão segue outro inverso. A construção da sentença é viciosa.
87. O tribunal a quo centrou toda a sua atenção na investigação da existência e na extensão dos rastos de travagem que vinham alegados, olvidando que a travagem foi feita a três e talvez a duas rodas.
88. Sem conceder no que concerne à TOTAL exclusão da responsabilidade do condutor na produção do acidente nos termos melhor descriminados supra, a Recorrente não poderá deixar de argumentar, por igualmente não se conformar, quanto à indemnização arbitrada pelo Tribunal recorrido.
89. No que concerne à indemnização pela perda do direito à vida salvo melhor opinião, esta acha-se exagerada, face à Jurisprudência maioritária existente e que não pode deixar de servir de referência (neste e noutros casos), como também o referencia! (não vinculativo) da portaria n° 337/2008 de 26 de Maio alterada pela portaria n° 679/2009 de 25 de Junho.
90. Não se advoga indemnizações "irrisórias" ou "miserabilistas", mas indemnizações equitativas, quer com a harmonia de julgados, quer realistas com a situação do país, razão pela qual não nos parece que o valor de € 80.000,00 arbitrado pelo Tribunal "a quo" se encontre dentro do referencial jurisprudencial, não devendo por isso superar o valor de 60.000.00 euros.
91. O Tribunal embora reconheça que a proximidade entre cada um dos progenitores é diferente-o que sempre implicaria uma diferenciação na divisão da indemnização-acaba por decidir que "deve ser respeitado esse desejo", quando o Tribunal deve procurar tomar uma decisão justa não se encontrando vinculada aquilo que é peticionado, nem ao quantum peticionado.
92. Aliás, a decisão de dividir em partes iguais assenta somente no desejo dos progenitores, uma vez que essa divisão contraria aquilo que seria uma decisão justa se atendermos aos factos provados 42.°, 47.° a 50.°.
93. Enuncia o n.° 2 do artigo 496° um conjunto hierarquizado de pessoas que, por morte da vitima, se torna titular de um direito a compensação, sendo certo, contudo, que tal direito a compensação abrange não só os danos não patrimoniais próprios desses terceiros - nomeadamente a dor que sentem pela perda do seu ente querido - mas também a compensação pela própria perda do direito à vida da vítima que, por ficção, a Jurisprudência considera "nascer no momento da morte daquele".
94. Ora, deste preceito resulta que, na ausência das pessoas enunciadas na Ia parte desse preceito, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe aos pais ou outros ascendentes, não se vislumbrando a introdução de qualquer critério de proximidade ou afecto, nesta previsão.
95. Tal critério de subjectividade ou proximidade encontrar-se-á, facilmente, nos danos não patrimoniais próprios de cada um dos terceiros, sendo, nessa sede, admissível que sejam tratados de modo diverso os sofrimentos de cada um dos progenitores, de acordo com a respectiva proximidade e relação de afecto com a vítima mortal.
96. Ainda que não entendamos que no presente caso seja de excluir totalmente (porquanto não estamos perante uma situação limite como no Acórdão acima referido, de abandono) é imperativo que a decisão proferida reflicta a diferenciação dos laços afectivos e, consequentemente, o dano sofrido, sendo bastante para "reparar" esse dano na sua estrita medida.
97. Incumbia ao Tribunal recorrido fazer a devida diferenciação e, em caso de lhe ser concedida uma indemnização pelo dano moral próprio esta nunca deverá ser superior a 10.000,00 euros, correspondente a metade da indemnização a conceder à progenitora A. que deve ser fixada em 20.000,00 euros por ser mais consentânea com os sitos referenciais.
98. Finalmente a questão da contribuição da vítima para os danos por si sofridos, com o devido respeito e salvo mais douta opinião, não foi devidamente sopesada peio Tribunal recorrido, pecando por defeito, porquanto a falta de colocação do cinto de segurança visa, em primeiro lugar, proteger o próprio passageiro, mas tem igualmente em vista o interesse público de minorar as consequências dos acidentes de viação e as suas repercussões, por exemplo, no sistema de saúde, e não só.
99. Releva assim a circunstância de a falta de colocação do cinto ter contribuído para a produção, ou pelo menos, o agravamento desse mesmo dano, causado pelo acidente, determinando a redução da indemnização em função da gravidade da respectiva culpa, a lei sanciona a desconsideração da defesa dos próprios interesses do lesado.
100. E releva, ainda, porque se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocado na situação do lesado. É efectivamente do conhecimento geral que é perigoso fazer-se transportar num veículo automóvel sem ter o cinto de segurança colocado.
101. Está inequivocamente dado como provado que o falecido I… viajava no banco traseiro do veículo sinistrado, o respectivo cinto de segurança colocado, com que o veículo se encontrava equipado, tendo sido por isso projectado para fora do automóvel, no decurso do despiste, tendo ficado prostrado na estrada junto ao separador central onde embateu, tendo resultado a sua morte no local.
102. Parece-nos inequívoco que a colocação do cinto de segurança evitaria a sua projecção e, seguramente, o embate no separador central cuja violência produziu o resultado morte.
103. Mesmo as aparatosas consequências do acidente, admitindo-se a potencialidade de danos, a verdade é que o ocupante que circulava na dianteira esquerda do veículo, denominado na gíria popular como o "lugar do morto", saiu ileso, exclusivamente por trazer o cinto de segurança colocado, sendo certo e dado como provado que não foi projectado, mantendo-se sempre no banco onde circulava.
104. De salientar ainda que a outra passageira que circulava no banco traseiro, também sem cinto de segurança colocado, foi igualmente projectada, acrescendo o facto do condutor que circulava com cinto de segurança colocado não ter sido projectado.
105. Por outras palavras, é inequívoco que a projecção da vítima/falecido I… se deveu exclusivamente à sua conduta omissiva ao não ter colocado o cinto de segurança- qualquer corpo que seja projectado de um veículo em movimento é sempre muito superior à potencialidade da lesão do corpo que permanece no interior do veículo-o que está plasmado no FP 21: "o não uso do cinto de segurança tenha contribuído para o fatal desfecho do acidente em relação ao I…. Isto porque está provado que para o I… resultou a morte no local após ter embatido num bloco de cimento do separador central"
106. Salvo melhor opinião, o Tribunal recorrido vai até mais longe parecendo concluir que a conduta omissiva de I… é, senão a única, a principal causa do dano morte por si sofrido. Esta foi a convicção a que o Tribunal chegou decorrente dos factos provados e plasmada na sentença. No entanto, a contribuição arbitrada em 10%, acha-se contraditória e em nada justifica a convicção alcançada.
107. Acresce que, conforme se demonstrou supra o veículo ia de capota fechada, pois é o próprio ocupante sobrevivo do acidente que o confirma inexistindo outros elementos lácticos concretos e decisivos que o infirmem!
108. Pelo que conclui a recorrente que, o não uso do cinto de segurança pela vítima (em violação do dever imposto pelo art°. 82°, n° 1 do Código da Estrada) no caso concreto, deve, em qualquer caso, senão ser totalmente excludente para efeitos indemnizatórios, pelo menos ser considerado concausal para as lesões sofridas, nos termos e para os efeitos do artigo 570° do Código Civil, em contribuição nunca inferior a 50%.
109. Assim, considerando para efeitos indemnizatórios, a perda do direito à vida em 60.000,00 euros, a indemnização pelo dano moral próprio da A. mãe do falecido deve ser fixada em 20.000.00 euros, a indemnização do dano moral próprio do A. pai da vítima (senão excluída! em valor nunca superior correspondente a metade daquela, em 10.000.00 euros: a contribuição do lesado para os danos sofridos deve ser reduzida em valor nunca inferior a 50%. fixando-se a indemnização global em 45.000.00 euros.
110. Razão pela qual se acha que a decisão tomada pelo Tribunal a quo viola as normas constantes nos artigos 483.°. 496.°. 503.° n.° 3 e 562.° e 563.° todos do Código Civil, na medida em que o Tribunal devia, da interpretação e aplicação dessas normas, concluir que não tinha elementos que permitissem presumir, muito menos provar a culpa efectiva de D… para o acidente; existindo nos autos elementos para fazer outra diferenciação dos valores indemnizatórios a imputar aos demais intervenientes nos termos acima explanados (por violação, neste ponto concreto, da interpretação e aplicação do artigo 570.° C.C.).
*
Devidamente notificadas as partes dos recursos interpostos por cada uma das outras, contra alegou o Fundo de Garantia concluindo pelo não provimento dos recursos interpostos pela Ré da H…, Ldª, dos Autores B… e C… e da herança aberta por morte de D….
Da mesma forma que contra alegou a herança aberta por morte de D… concluindo pelo não provimentos dos recursos interpostos pelos Autores e pela Ré H…, Ldª.
*
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar:

1. Recurso dos Autores:
a)- saber se devia, ou não, o tribunal ter fixado a favor da Autora prestação de alimentos nos termos estatuídos no artigo 495.º, nº 3 do CCivil;
b)- saber se, pelo facto de o falecido I… não levar o cinto de segurança colocado na altura do acidente, também lhe deve, ou não, ser atribuída qualquer percentagem de culpa para o agravamento das lesões que sofreu.
2. Recurso do Fundo de Garantia Automóvel
a)- saber se mostra equilibrado o montante da indemnização devida pela perda do direito à vida da vítima I… fixado pelo tribunal recorrido;
b)- saber se o montante da indemnização devida pelos danos morais próprios dos demandantes fixado pelo tribunal recorrido também se mostra o adequado;
c)- saber qual o grau de contribuição para o agravamento dos danos decorrente da não utilização do cinto de segurança pela infeliz vítima I….
3. Recurso da Herança aberta por morte de D…
a)- saber se a sentença recorrida padece das nulidades estatuídas nas alíneas b) e c) do artigo 615.º, nº 1 do CPCivil.
b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
c)- saber se o acidente deve ser atribuído a culpa efectiva ou presumida do D…;
d)- saber se os montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal se mostram, ou não, excessivos;
e)- saber se a contribuição para o agravamento dos danos pela não utilização do cinto de segurança pela infeliz vítima I… devia ser superior à que o tribunal fixou.
4. Recurso da Ré H…, Ldaª
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do JB;
c)- saber de quem era a propriedade do veículo JB;
d)- saber se entre o D… e a Ré H…, Lda existia uma relação de comissão.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1. - No dia 25/06/2011, cerca das 03,15 horas, na A1, ao Km 258,909, sentido norte- sul, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo automóvel da marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-JB-.., descapotável e com a capota aberta na altura.
2. - Este veículo era conduzido por D….
3. - E nele seguiam, como passageiros, I…, J… e N….
4. – O N… seguia no lugar da frente, do lado direito.
5. – O I… seguia atrás do condutor e a J… seguia atrás, do lado direito.
6. – O D… e o N… levavam o cinto de segurança colocado.
7. – Os passageiros que seguiam no banco de trás-I… e J…- não utilizavam o cinto de segurança na altura do acidente.
8. - O veículo circulava no sentido norte–sul.
9. – No local do acidente, e no sentido norte–sul, a A1 tem faixa de rodagem em piso betuminoso, com 11,10 metros de largura, permitindo 3 vias de trânsito, com um traçado recto, imediatamente antecedido de ligeira curva à esquerda, com perfil em patamar.
10. – A berma direita estava pavimentada e tem 3,80 metros.
11. – A berma esquerda estava parcialmente pavimentada, tinha 2,80 metros de largura e era adjacente ao separador central construído em betão.
12. – A sinalização no local era a seguinte: a) sinalização vertical “C13” (proibição de circular a mais de 120 km/hora) e “D8” (obrigação de transitar à velocidade mínima de 50 km/hora); b) marcas longitudinais “M2” (linhas descontínuas que separavam as vias de trânsito) e “M19” (guias que delimitavam a faixa de rodagem da berma).
13. – O veículo de matrícula ..-JB-.. circulava na via de trânsito mais à esquerda.
14. – A velocidade não precisamente apurada mas bem superior a 120 km/hora.
15. – Quando transitava nas imediações do km 258,909, ao finalizar uma curva à esquerda, o pneumático traseiro do lado esquerdo furou e, depois, rebentou.
16. – No seguimento da travagem, a banda de rodagem deste pneu desprendeu-se da carcaça do pneumático.
17. – O veículo entrou em derrapagem com derivação para a direita, rodopiou sobre si mesmo, e foi embater, já com a frente voltada para o lado de onde procedia, com os rodados do lado esquerdo na caleira de drenagem de águas pluviais, situada do lado direito (sentido norte–sul).
18. – De seguida, entrou no talude, tendo aí capotado e acabou por se imobilizar na berma direita (sentido norte–sul), em posição oblíqua à via e com a parte frontal orientada para a faixa de rodagem.
19. – Aquando do embate do veículo na caleira os rodados esquerdos separam-se do veículo.
20. – No decorrer do capotamento, os passageiros que viajavam no banco da retaguarda do veículo foram projectados: a) o I… ficou prostrado junto do separador central que divide os dois sentidos de trânsito; b) a J… ficou prostrada junto da linha que separa a faixa de rodagem da berma direita da autoestrada (sentido norte- sul), aproximadamente 20 metros à frente do veículo.
21. – Do acidente veio a resultar: a) a morte, no local, do I…, após ter embatido num bloco de cimento do separador central; b) o falecimento do D…, a 28/06/2011; c) ferimentos graves na J…; d) ferimentos leves no N….
22. – Em consequência do capotamento, o pára-choques, a porta lateral esquerda (que ficou na faixa de rodagem, junto à linha descontínua que separa a via central da via direita) e a bateria soltaram-se do veículo.
23. - No alinhamento do km 258,909, verificou-se existir uma marca contínua do pneumático, do rodado traseiro esquerdo, no pavimento da via mais à esquerda, passando a marcas de derrapagem ao km 258,823, com derivação para o lado da berma direita e que terminou, na caleira de drenagem das águas pluviais, ao km 258,689, com a consequente entrada do veículo no talude e com a sua posterior imobilização, na berma direita, ao km 258,572.
24. – O certificado de matrícula do veículo ..-JB-.. indica as seguintes dimensões para os pneus: 245/35R20 nos pneumáticos da frente e 275/30R20 nos pneumáticos da retaguarda, ou, ainda, em anotações especiais: PN= 245/45R18; FT 245/45R18; RT 275/40R18; FT 245/40R19; FT 275/35R19; 245/50R17.
25. - O veículo ..-JB-.. estava equipado, nos rodados da frente, com pneus “Hankook” 245/45ZR19 e à retaguarda com pneus “Pirelli” 275/40R19 (isto é, 275 mm de largura, radiais, montados em jante de 19 polegadas, com índice de carga 102 (850 kg) e projectados para uma velocidade máxima de 300 km/hora).
26. – São pneus de dimensões diversas das inscritas no livrete mas respeitando, entre os conjuntos jante/pneu dianteiros e traseiros, diferença proporcional idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo.
27. – Os dois pneus do rodado da retaguarda do veículo ..-JB-.. apresentavam na zona de rodagem desenhos com altura inferior a 1,6 mm nos relevos principais.
28. – Na sequência do auto de notícia elaborado pelo Destacamento de Trânsito de São João da Madeira, foi instaurado Inquérito no âmbito do processo nº 135/11.4GTSJM, que correu termos na Comarca do Baixo Vouga–Aveiro–DIAP, 3ª Secção–fls. 24/25 e 26/32.
29. – Este Inquérito concluiu: “não fornecendo os autos elementos que indiciem suficientemente ter o acidente ocorrido porque outrem que não D… violasse normas reguladoras do trânsito rodoviário ou circulasse sem a atenção ou cuidado requeridos para a condução de veículos motorizados, e não se vislumbrando quaisquer diligências cuja realização permita melhor esclarecimento da verdade, determino o seu arquivamento”.
30. – As análises efectuadas ao sangue do D… e do I… foram negativas quanto à presença de álcool e de estupefacientes – fls. 349/351 e 594/603, respectivamente.
31. - O I… nasceu a 22/02/1986, e foi registado como filho dos ora AA. B… e C…–fls. 21.
32. - E faleceu a 25/06/2011, no estado de solteiro, não tendo deixado descendentes, testamento ou qualquer outra disposição de última vontade–fls. 22 e 19/20.
33. – A A. B… nasceu a 12/07/1960–fls. 332.
34. – A A. é empregada de limpeza e presta serviços a duas empresas, a V…, L.da, e a W…, L.da, auferindo um rendimento mensal líquido global de cerca de € 620,00-fls. 34 e 35.
35. – Paga de renda mensal da casa onde habita a quantia de € 325,00–fls. 36.
36. – O I… era um filho extremoso.
37 – E era um jovem a quem se augurava uma promissora carreira profissional e académica.
38. – À data do seu falecimento, o I… era um aluno de mestrado na Faculdade de Ciências da Universidade ….
39. - Exercia funções de monitor na mesma Faculdade, auferindo o vencimento de € 436,49, durante 14 meses por ano.
40. – Ia ser proposto para fazer o doutoramento na referida Faculdade, o que era algo que o I… sempre disse que queria fazer.
41. – O I… auferia, ainda, o montante mensal de € 745,00, durante 12 meses por ano, com início a 01/09/2010, no âmbito do contrato de bolsa de investigação celebrado com a Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade …–fls. 38.
42. – O I… residia, na data da sua morte, na Rua …, nº .., Bloco ., .º Esq., Cascais, em casa dos tios.
43. – Gozava de excelente saúde.
44. – Era um jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projectos para o seu futuro.
45. – Com os amigos e colegas da faculdade sempre demonstrou um constante espírito de ajuda e companheirismo, o que o tornava numa pessoa respeitada, acarinhada e admirada.
46.- Era uma pessoa educada e com uma sólida formação cívica e moral.
47.- Entre o I… e a sua mãe existiam fortes laços de união e afecto. 48.- Também existia afecto entre o I… e o pai, embora tivessem um relacionamento mais distante em virtude de este residir em Angola. 49. - A A. B… sente de forma muito profunda e dolorosa a falta do filho I…, causa-lhe um sentido e prolongado sentimento de luto, e mantém-na mergulhada num grande desgosto.
50. - A A., devido à morte do filho I…, teve de suportar despesas com a obtenção da certidão de habilitação de herdeiros, no valor de € 205,18 – fls. 44.
51. - O I… vestia, na altura do acidente, camisa de manga curta, calças de ganga da marca Levy Strauss e um cinto de material sintético–fls. 335.
52. - O Instituto da Segurança Social, IP, pagou, a título de despesas de funeral, € 2.515,32 a E…, e € 2.515,32 a B…, mães, respetivamente, de D… e de I…–fls. 64 e 69.
53. - O veículo de matrícula ..-JB-.. já tinha tido intervenção num outro acidente ocorrido a 09/07/2010.
54. - Circulava, à data do acidente, sem seguro válido e eficaz de responsabilidade civil automóvel.
55. - A propriedade do BMW de matrícula ..-JB-.. encontrava-se, à data do acidente, registada em nome da Ré H…, L.da–fls. 33.
56. - Entre o D… e o gerente da Ré H…, Lda, estabeleceu-se um acordo mediante o qual este disponibilizava ao D… veículos de alta gama e cilindrada do Stand da Ré H…, para que o D… neles se fizesse transportar.
57. - Em “contrapartida” o D… fazia publicidade ao stand da Ré H…, mediante autocolantes colocados no veículo por aquela sociedade.
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Factos não provados:

a) o I… residia com a mãe na Rua …, nº., r/c esq., …, …;
b) e era um importante suporte económico da mãe, ajudando-a a suportar a renda da casa onde habitavam e contribuindo para as despesas de alimentação, água, luz e gás, no que despendia um valor anual nunca inferior a € 5.000,00;
c) a A. viu alterar-se a sua situação económica, de modo súbito e imprevisto, com a morte do filho;
d) a empresa angolana, X…, LDA, com sede em …, Angola, através de correspondência dirigida ao I…, com data de 17/05/2011, havia formalizado o convite para que o mesmo viesse a integrar o quadro dos seus colaboradores, como consultor de tecnologias de informação de segurança e telecomunicações–planeamento e optimização;
e) era absolutamente previsível que o I… o contrato de trabalho que lhe foi proposto pela X…, LDA.;
f) a A. despendeu € 1.000,00, com a aquisição de roupas de luto para si e familiares;
g) e suportou despesas com o funeral, exumação e flores, no valor de 4.425,00;
h) a H…, L.da (anteriormente designada F…, L.da) tivesse vendido o BMW … de matrícula ..-JB-.. ao D….
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III. O DIREITO
Antes de entrarmos na apreciação das questões colocadas no recurso convém definir o regime legal que lhe é aplicável.
Nas normas transitórias da Lei 41/2013 de 26/06 que aprovou o Novo Código de Processo Civil, prevê-se no artigo 5.º, nº 1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, sendo que, no artigo 7.º, nº 1 apenas se prevê um regime especial no tocante aos recursos em relação às acções declarativas instauradas em data anterior a 01.01.2008, ou seja, a lei não estabeleceu um regime transitório para os recursos nos processos instaurados em data posterior a 01.01.2008, nos quais as decisões foram proferidas em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
Aplicando o regime previsto no artigo 12.º do CCivil ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “(…) a ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este ), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.[1]
Portanto, a nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei.[2]
Especificamente, no que concerne às normas reguladoras dos recursos, Antunes Varela distinguia as normas que “fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso”, defendendo a aplicação imediata da lei nova sempre que não estejam em causa normas que “interferem na relação substantiva”.[3]
Ora, a presente acção foi instaurada em 25 de Fevereiro de 2013, a sentença foi proferida em 19 de Junho de 2015. Como assim, proferida a sentença em data posterior a 01.09.2013, a nova lei aplicar-se-á quer ao puro formalismo processual quer quanto às condições de admissibilidade e fundamentos do recurso, nomeadamente quanto aos fundamentos e critérios de reapreciação da prova e prolação da respectiva decisão.
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1. Recurso dos Autores

A primeira questão que vem colocada neste recurso prende-se com:

a)- saber se devia, ou não, o tribunal ter fixado a favor da Autora prestação de alimentos nos termos estatuídos no artigo 495.º, nº 3 do CCivil.
Na sentença recorrida propendeu-se para o entendimento de que a factualidade dada como provada nos autos não albergava tal pedido.
Deste entendimento dissente a Autora recorrente.
Quid iuris?
Estatui o nº 3 do artigo 495.º do CCivil[4] que “Têm igualmente direito à indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Consagra este preceito (todo ele, embora aqui só esteja em questão o seu nº 3) uma excepção à regra (no âmbito da responsabilidade civil extracontratual), estabelecida no artigo 483.º nº 1 do mesmo diploma legal, de que só o titular do direito violado tem direito à indemnização e de que o mesmo já não acontece relativamente a terceiros, ainda que reflexamente prejudicados pela actuação do lesante–a outra excepção (mas atinente a danos não patrimoniais, pois aquela refere-se a danos de natureza patrimonial) está proclamada no artigo 496.º nºs 2 e 3, parte final.[5]
Prevê-se nele aquilo que vem sendo designado por “dano da perda de alimentos” e que abarca duas situações em que o terceiro (ou terceiros) reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado pelo lesante (ou por quem legalmente o substitui): a) quando pudesse exigir alimentos ao lesado e b) quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. A primeira tem subjacente uma obrigação legal de prestação de alimentos; a segunda uma mera obrigação natural na sua prestação, nos termos definidos nos artigos 402.º e 404º.
Aqui está em causa a primeira situação, já que entre pais e filhos (o falecido I… era filho dos Autores, ora apelantes), conforme estatui o artigo 1874.º nºs 1 e 2, vigora, além de outros, o dever de mútua assistência que compreende “a obrigação de prestar alimentos e de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”. O mesmo dever legal resulta, ainda, do disposto no artigo 2009.º, nº 1 al. b), segundo o qual “estão vinculados à prestação de alimentos (…) os descendentes”.
Analisando o nº 3 do artigo 495º, começa o Prof. Antunes Varela[6] por perguntar se têm direito à indemnização por danos patrimoniais “apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo”, respondendo de imediato que “o espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas”. E acrescenta que “se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível (…), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do nº 2 do artigo 564º” e, bem assim, que “ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada”.
Tendo por base estes ensinamentos, a jurisprudência vem maioritariamente entendendo que, para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos.[7]
Não perfilhamos, salvo o devido respeito, este entendimento.
Na verdade, tal como se refere no Ac. do STJ de 16/03/1999 citado na nota 7, o nº 3 do artigo 495.º pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão in abstracto exigir indemnização pelos danos efectivos-que não pelos meramente potenciais–da cessação de prestação de alimentos.
A exigência de alimentos a que se refere o preceito, considerando a sua letra e escopo finalístico, pretende significar as pessoas envolvidas da necessidade dessa prestação alimentar.
Mas, ainda que se aceite a supra mencionada tese restritiva sempre, cremos, será de exigir, para tornar efectivo o direito a alimentos previsto no citado artigo 495.º, nº 3, a demonstração de que se estava em condições de legalmente os poder vir a exigir e da previsibilidade dos mesmos nos termos do artigo 564.º, nº 2, tal como se defendeu no Ac. do STJ de 25/01/2002, também citado na nota 7.
Efectivamente, se o Tribunal não tiver elementos que lhe permitam determinar se os eventuais titulares a alimentos poderão vir a carecer deles não pode, então, fixar uma indemnização por danos futuros, por não serem previsíveis.[8]
O que, diga-se, está, aliás, em consonância com o estatuído no artigo no artigo 2004.º, nºs. 1 e 2 que estipula que os alimentos são proporcionados aos meios daquele que haja de prestá-los, à necessidade de quem houver de recebê-los.
Ora, respingado a matéria factual ela não acomoda quer aquela necessidade quer aquela previsibilidade.
Com efeito, tal como bem se refere na decisão recorrida importa, desde logo, sopesar que, ao contrário do alegado pelos Autores, o I… nem sequer residia com a mãe: residia em casa dos tios (facto descrito em 42º da fundamentação factual).
Para além disso, os seus proventos não eram assim tão significativos, pois que, se restringiam ao vencimento mensal de € 436,49, 14 vezes por ano (facto descrito em 39º) e ao recebimento da bolsa de investigação de € 745,00 durante 12 meses com início a 01/09/2010 (facto descrito em 41º), portanto, o seu segundo provento era temporário- bolsa de estudos por um ano. E, mesmo, o primeiro não se pode considerar certo e permanente. O I… tinha acabado de terminar a licenciatura e, enquanto fazia o mestrado, foi convidado a dar algumas aulas a alunos do primeiro ano como monitor, tendo as despesas de um jovem que estudava e trabalhava no meio universitário.
Acresce que, não se provou que o I… fosse um importante suporte económico da mãe, ajudando-a; como não se provou que, com a morte do filho, a mãe viu alterar-se a sua situação económica de forma súbita e imprevista, como havia sido alegado.
Decorre, pois, do exposto que não resultou provado nos autos um acervo factual que nos permita concluir que a Autora estivesse carecida de alimentos à data da morte do infeliz I…, já que vivia do seu trabalho como empregada de limpeza nas empresas V…, Lda, e W…, L.da e com o rendimento líquido de € 620.00 mensais (facto descrito em 34º), sendo que, e quanto aos seus gastos mensais, para além dos que, naturalmente, terá de suportar com os relativos à alimentação, vestuário água, luz, apenas se provou que despende a quantia mensal de € 325,00 casa onde habita (facto descrito em 35º).
E não se diga, que com aquele rendimento líquido a Autora apelante vive no limiar da pobreza, já que, esta é a realidade com que se confrontam milhares de pessoas no nosso país que têm que sobreviver com o salário mínimo mensal que, ainda assim, fica muito abaixo dos referidos € 620,00 líquidos de que dispõe a Autora, e muitas vezes com agregados familiares numerosos.
Destarte, porque cabia à Autora apelante alegar e provar a necessidade e a impossibilidade de, por si, obter os alimentos, coisa que não fez, não lhe pode ser concedida uma indemnização de alimentos nos termos do nº 3 do mencionado artigo 495.º.
*
A segunda questão que vem colocada no recurso dos Autores consiste em:
b)- saber se pelo facto de o falecido I… não levar o cinto de segurança colocado na altura do acidente também lhe deve ser atribuída qualquer percentagem de culpa para o agravamento das lesões que sofreu.
Na sentença recorrida, apreciada a referida questão, considerou-se que, efectivamente, pelo facto de o malogrado I… não levar o cinto de segurança colocado, contribuiu para o agravamento dos danos que sofreu, fixando-se em 10% a percentagem de culpa.
Deste entendimento discordos os recorrentes, alegando em suma que não deve ser fixado qualquer percentagem de culpa a esse nível, estribados, essencialmente, na circunstância de que não está estabelecido a relação de causa e efeito entre as lesões sofridas e a falta de cinto, ou mesmo que estando com o cinto colocado a morte do I… não ocorreria na mesma.
Analisando.
O artigo 570.º, nº 1 do CCivil faculta que o Tribunal conceda, reduza, ou, mesmo, exclua a indemnização ao lesado se um facto culposo seu “tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos”, sendo que, a decisão deve estar balizada, nos termos da lei, pela gravidade das culpas de ambas as partes e pelas consequências que delas resultaram.
O artigo 82.º, nº 1, do C. Estrada (em vigor à data do acidente), obriga, por regra, os passageiros a “usar os cintos e demais acessórios de segurança com que os veículos estejam equipados”.
É indiscutível que a falta de colocação do cinto de segurança–cuja obrigatoriedade protege, em primeiro lugar, o próprio passageiro, mas tem igualmente em vista o interesse público de minorar as consequências dos acidentes de viação e as suas repercussões, por exemplo, no sistema de saúde, e não só–, no sentido do artigo 563º do Código Civil, não é causa adequada do acidente e, portanto, do dano, não se podendo falar, assim, de uma situação de concorrência de causas do dano.
O que releva, por via do disposto no nº 1 do citado artigo 570º, é a circunstância de a falta de colocação do cinto ter contribuído para o agravamento desse mesmo dano, causado pelo acidente.
Determinando a redução da indemnização em função da gravidade da respectiva culpa, a lei sanciona a desconsideração da defesa dos próprios interesses do lesado[9] do mesmo passo que preserva uma certa adequação entre a culpa do lesante e a responsabilidade pelos danos provocados; é o que sucede, no caso.
E releva, ainda, porque se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação do lesado.
É, efectivamente, do conhecimento geral que é perigoso fazer-se transportar num veículo automóvel sem ter o cinto de segurança colocado.
Feitas estas breves considerações importa, então, sopesar o quadro factual que a este respeito vem provado nos autos com vista a determinar se deve, ou não, ser de atribuir qualquer culpa ao falecido I… no agravamento dos danos que sofreu e que lhe causaram a morte.
E, a este respeito vem provado que:
a)- Os passageiros que seguiam no banco de trás-I… e J…-não utilizavam o cinto de segurança na altura do acidente” (facto descrito em 7º da fundamentação factual).
b)- No decorrer do capotamento, os passageiros que viajavam no banco da retaguarda do veículo foram projectados: a) o I… ficou prostrado junto do separador central que divide os dois sentidos de trânsito; b) a J… ficou prostrada junto da linha que separa a faixa de rodagem da berma direita da auto-estrada (sentido norte- sul), aproximadamente 20 metros à frente do veículo (facto descrito em 21º da fundamentação factual)
b)- Do acidente veio a resultar: a) a morte, no local, do I…, após ter embatido num bloco de cimento do separador central (facto descrito em 22º da fundamentação factual).
Perante este continente factual, como se pode dizer que o falecido I… ao não ter colocado o cinto de segurança não contribui para o agravamento dos danos que vieram a culminar na sua morte?
Não restam dúvidas de que, se tivesse o cinto de segurança colocado, o I… não teria sido projectado do veículo e, por conseguinte, não teria embatido num bloco de cimento do separador central.
Argumentam a este respeito os Autores recorrentes que, em consequência do acidente e da sua dinâmica, a morte do I… teria ocorrido na mesma se levasse o cinto de segurança colocado.
Não se pode sufragar semelhante entendimento.
Com efeito, essa asserção não passa do domínio da mera hipótese, pois que, não existe nos autos qualquer facto provado onde possa ter qualquer arrimo.
É certo que o condutor do veículo levava o cinto de segurança colocado na altura do sinistro e também veio a falecer em consequência do acidente. Todavia, também não é menos verdade que o passageiro que circulava ao lado do condutor-N…-levava o cinto de segurança colocado e apenas sofreu ferimentos leves (facto descrito em 21º da fundamentação factual), ou seja, a probabilidade de morte seria muito menor se o infeliz I… tivesse o cinto de segurança colocado.
Existe, contudo, um facto incontornável: por não levar o cinto de segurança colocado o I… foi projectado da viatura e foi embater num bloco de cimento do separador central da auto- estrada que lhe provocou a morte, ou seja, se levasse o cinto de segurança esse facto não se teria produzido e a sua morte não seria daí decorrente.
Podia ter morrido, na mesma em consequência do acidente? Podia.
Poderia não ter morrido em consequência do acidente? Podia.
O certo é que morreu em consequência das lesões que sofreu ao ter sido projectado do veículo por não levar o cinto de segurança colocado.
Como assim, não pode deixar de se atribuir culpa ao infeliz I… por ter contribuído com a sua conduta (falta de colocação do cinto de segurança) para o agravamento dos danos que sofreu e que lhe vieram a causar a morte.
Evidentemente, que o juízo de censura (culpa) terá de se considerar diminuto porque ele se limita, na realidade, à falta do cinto de segurança, que podia e devia ter colocado, pois que, se o acidente não tivesse ocorrido, o I… não teria sofrido quaisquer danos, quer usasse, quer não usasse o cinto de segurança na ocasião do acidente.
Mas, como supra se referiu certo e seguro é, de qualquer modo, a contribuição causal do facto culposo do lesado, não para a produção dos danos, mas apenas para o agravamento das lesões, pois que, o não uso do cinto de segurança potenciou aquele agravamento.
*
A este nível o tribunal recorrido fixou em 10% a percentagem daquela culpa.
Deste valor discorda o FGA no recurso que interpôs, propugnando que tal percentagem devia ser fixada em 30%.[10]
Alega a este respeito, que no caso concreto, o grau de exposição voluntária ao risco foi excessivo, superando a gravidade média inerente à conduta de não utilização do cinto de segurança, pois que, se tratava de um carro sem capota e numa via rodoviária destinada a circulação em grande velocidade.
Não se discorda deste entendimento. Porém, importa sopesar, como já acima se referiu, que o juízo de censura que está subjacente é diminuto, já que ele apenas releva na ponderação do agravamento dos danos e nada mais que isso. Se o acidente não se tivesse produzido não haveria danos, independentemente de qualquer das circunstâncias referidas e da não colocação do cinto de segurança.
Parece-nos, assim, que a percentagem de 10% fixada pelo tribunal recorrido se mostra justa e equilibrada, não se divisando razões ponderosas que nos levem a alterar o assim decidido.
*
Referem ainda os recorrentes que quanto à despesa pela escritura da habilitação de herdeiros, cujo pagamento o tribunal não considerou, a decisão é ininteligível e obscura.
Não nos parece, salvo o devido respeito, que assim seja.
Uma coisa é ter ficado provado que “A A., devido à morte do filho I…, teve de suportar despesas com a obtenção da certidão de habilitação de herdeiros, no valor de 205,18” outra coisa é saber se esse valor deve ser indemnizável.
Assim, tendo o tribunal decidido que esse valor não é indemnizável não se divisa onde exista a referida ininteligibilidade e obscuridade.
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Improcedem, assim todas as conclusões formuladas pelos Autores apelantes e, com elas, o respectivo recurso.
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2. Recurso do Fundo de Garantia

Neste recurso foram colocadas três questões, a saber:
a)- saber se mostra equilibrado o montante da indemnização devida pela perda do direito à vida da vítima I… fixado pelo tribunal recorrido;
b)- saber se o montante da indemnização devida pelos danos morais próprios dos demandantes fixado pelo tribunal recorrido também se mostra o adequado;
c)- saber qual o grau de contribuição para o agravamento dos danos decorrente da não utilização do cinto de segurança pela infeliz vítima I….
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Como já noutro passou se referiu a terceira questão colocada já foi objecto de análise no âmbito do recurso interposto pelos Autores e, como tal, abstemo-nos aqui de a voltar a tratar.
Isto dito, entende o apelante que a quantia de € 80.000,00 fixada pelo tribunal recorrido pela perda do direito à vida é excessiva, mostrando-se adequado fixar a esse nível a quantia de € 60.000,00.
Atentemos.
O artigo 496.º, nº 3 dispõe que em caso de morte do lesado podem ser atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima.
Os danos não patrimoniais sofridos pela falecida abrangem, sem margem para dúvidas, a perda do bem da vida (artigo 24.º da C.R.P. e artigos 70.º e 483.º).
O Prof. Leite de Campos[11] considera que “o direito à vida é um direito ao respeito da vida perante as outras pessoas, é um direito “excludendi alios” e só nesta medida é um direito. É um direito a exigir um comportamento negativo dos outros. Eis o único conteúdo do direito à vida – expressão incorrecta, mas que não rejeitaremos, utilizando-a a par “de direito ao respeito da vida”, por causa da dignidade que obteve em mil combates ao serviço do homem.
Atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica.”
E continua “ O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros”...” A morte é um dano único que absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais. O montante da sua indemnização deve ser, pois, superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis.”.
E mais à frente[12] fala no “imperativo ético de indemnizar o dano da morte”.
A jurisprudência do S.T.J. tem vindo a encontrar, para ressarcir o dano morte, no geral, montantes entre 50.000,00 € e 60.000,00 €, atribuindo, maioritariamente, em decisões proferidas nos anos de 2008 e 2009, o montante de 50.000 €, sendo certo que outras decisões atribuíram indemnizações superiores (num caso 75.000,00 € e noutro 70.000,00 €).[13]
Ainda mais recentemente, a compensação pelo dano morte tem variado entre os 50.000,00 € e os 80.000,00 €, com ligeiras oscilações para mais ou para menos, tendo o Ac. S.T.J. de 8/09/2011[14] fixando mesmo a compensação desse dano em 100.000,00 €.[15]
Não pode negar-se que o valor geralmente atribuído pela jurisprudência para indemnizar este dano é fortemente influenciado pelo facto de não se destinar a compensar o lesado, ele próprio, pelo dano sofrido-tal compensação ou reparação é recebida por terceiros (as pessoas mencionadas no artigo 496.º, nº 2).
Todavia, o que não pode escamotear-se é que o valor indemnizatório deve ser minimamente suficiente para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado e para sancionar a conduta do lesante.[16]
Como se escreveu no Ac. STJ 86.05.13[17] na indemnização devida pela perda do direito à vida, há que atender, não só ao valor do bem da vida, em si mesmo considerado, que é o mais valioso dos bens que integram os chamados direitos de personalidade, como ainda ao apego da vítima à vida, que pode ser aferido, à falta de outros elementos para o efeito relevantes, pela sua idade, o seu estado civil, a sua situação profissional e familiar, e a sua condição sócio-económica.
Sopesando todo o exposto e tendo como ponto de referência os padrões jurisprudenciais vigentes a propósito da valorização do dano morte, pondo de lado os critérios miserabilistas que outrora marcaram a nossa jurisprudência, e ponderando a idade do falecido I…,-25 anos-, portanto, no auge da vida, pessoa saudável, jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projectos para o seu futuro, entendemos que o montante do dano fixado pelo tribunal recorrido se mostra justo e equilibrado, nada justificando que se altere o assim decidido.
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Insurge-se também o apelante em relação ao montante de € 25.000,00 fixado pelo tribunal recorrido em relação aos danos próprios sofridos por cada um dos Autores apelados, pugnando que tal montante deveria ser fixado em € 20.000,00 para a Autora e em € 16.500,00 para o Autor.
Que dizer?
Não vem posto em causa a indemnização arbitrada a esse nível que, aliás, encontra o seu fundamento legal no artigo 496.º nº 3, 2ª parte, pelo que a questão que importa resolver é da justeza do montante fixado pelo tribunal recorrido.
Quando estejam em causa danos não patrimoniais, como é o caso, o nº 1 do citado artigo 496.º diz que na fixação da indemnização deve atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, o legislador erigiu a gravidade do dano como (única) condição de ressarcibilidade.
O recurso à gravidade do dano como critério delimitador abre a porta a uma ponderação baseada na dignidade, no valor intrínseco, do bem ou interesse jurídico.
Como assim, danos consequentes a lesões de bens da personalidade podem ser rotulados, em regra, como graves, mas já não meros atentados à propriedade. Todavia, não existe, um absoluto paralelismo entre a gravidade do dano e a dignidade do bem jurídico, porquanto outros factores podem conferir esse carácter ao dano (ainda que o interesse a proteger não figure como um interesse supremo).
Assim ocorrerá, por exemplo, com a intensidade da lesão (quer em termos temporais, quer em termos de afectação do bem ou interesse em causa); lesões mais intensas provocam danos mais graves. Também sobre este aspecto não é despicienda a censurabilidade da conduta do agente, apta a justificar a qualificação como grave de um dano que pelos outros critérios (dignidade e intensidade) poderia ficar sem protecção.
A este nível cumpre também chamar à colocação a componente subjectiva no apuramento da gravidade do dano. Na verdade, embora o padrão objectivo seja aqui preponderante, a casuística vai mostrando que no âmbito de danos causados por lesões dos direitos de personalidade e no âmbito das relações de vizinhança, existe uma forte tendência para valorar aqueles danos à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado. A doença, a idade, a maior fragilidade ou vulnerabilidades emocionais são tidas em conta.
De facto, nestes casos por impossibilidade de recurso a factores objectivos (por exemplo, critérios médico-legais) o julgador sente de uma forma mais premente a necessidade de chamar à colação todos os factores que compõem a lesão, não chocando nestes casos atender a especiais características do lesado.
Feito, por esta forma, o recorte do dano indemnizável, o nº 3 do mesmo preceito (artigo 496.º) estipula que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Ora, respigando a matéria factual que neste âmbito se encontra assente verifica-se que:
“- O I… era um jovem a quem se augurava uma promissora carreira profissional e académica.
- À data do seu falecimento, o I… era um aluno de mestrado na Faculdade de Ciências da Universidade ….
- Ia ser proposto para fazer o doutoramento na referida Faculdade, o que era algo que o I… sempre disse que queria fazer.
- Era um jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projectos para o seu futuro.
- Era uma pessoa educada e com uma sólida formação cívica e moral.
- Entre o I… e a sua mãe existiam fortes laços de união e afecto.
- Também existia afecto entre o I… e o pai, embora tivessem um relacionamento mais distante em virtude de este residir em Angola. - A A. B… sente de forma muito profunda e dolorosa a falta do filho I…, causa-lhe um sentido e prolongado sentimento de luto, e mantém-na mergulhada num grande desgosto”.
Perante este quadro factual e os tópicos teóricos atrás expostos e tendo em consideração que a perda de um filho vai contra a ordem natural da vida, que causa nos progenitores um profundo abalo, prostração e desgosto, dos quais muitas vezes não se consegue recuperar, e não olvidando que, como noutro passo já se referiu, o falecido I… estava no auge da sua vida e, portanto, com o ciclo normal e natural (não fora esta interrupção abrupta) da mesma para percorrer ao lado dos seus entes queridos, não nos merece censura a decisão recorrida ao fixar a esse nível os montantes indemnizatórios, nos moldes em que o fez, os quais se mostram conforme aos padrões da nossa jurisprudência, não sendo aqui de fazer qualquer distinção entre ambos os progenitores, pois que, embora o pai tivesse um relacionamento mais distante com o malogrado I…, a dor e o sofrimento quando se trate da perda de um filho tenderá a ser idêntica, até porque se perde, em definitivo, a possibilidade de num futuro próximo se estreitar mais essa relação.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo apelante FGA e, com elas, o respectivo recurso.
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3. Recurso da Herança aberta por morte de D….

A primeira questão que neste recurso vem colocada prende-se com:

a)- saber se a sentença recorrida padece das nulidades estatuídas nas alíneas b) e c) do artigo 615.º, nº 1 do CPCivil.

As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas nas várias alíneas do no nº 1 do artigo 615.º do NCPC (Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, diploma a que pertencem os demais artigos a seguir referidos sem outra menção de origem).
Nas conclusões a 30ª refere a recorrente que a sentença recorrida padece da nulidade da al. b) do nº 1 do artigo 615.º por não especificar quer os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Vejamos se assim é.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.[19]
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão, coisa que, manifestamente, no caso em apreço não acontece, pois que, a Srª Juiz, como o evidência a sentença recorrida, aí descriminou os factos que resultaram provados e não provados e aí indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes.
Parece-nos, salvo o devido respeito, que existe por parte da recorrente alguma confusão na invocação deste vício.
O que a recorrente refere neste conspecto é que houve erro de julgamento, isto é, que houve uma errada subsunção jurídica do quadro factual que resultou provado nos autos, ou seja, erro de aplicação das normas aos factos e, por isso, o desfecho da acção não deveria ter sido o decidido mas outro, ou ainda que falta na fundamentação factual um acervo de factos que suportem a subsunção jurídica que o tribunal recorrido fez.
Todavia, isso não configura a nulidade, estatuída na alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil, pois que, como acima se referiu a Srª juiz do processo especificou na decisão os factos provados e não provados e deles fez a subsunção jurídica que achou por correcta e com a qual, como se torna evidente, a recorrente pode discordar, não pode é dizer-se que, por assim ser, a sentença é nula.
Portanto, ao contrário do que afirma a recorrente, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º
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Improcedem, assim, as referidas conclusões.
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Nas conclusões 31ª a 35ª a apelante assaca à decisão proferida pelo tribunal recorrido a nulidade da alínea c) do artigo 615.º do CPCivil.

De acordo com a alínea c) do nº 1 do citado artigo 615º a sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ”.
A previsão da norma contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
A propósito desta nulidade diz, Lebre de Freitas[21] “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se”.
E, como é jurisprudência pacífica, esta nulidade só se verifica quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença.
Como refere Antunes Varela[22] “Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º nº 1 al. c), há um vício real de raciocínio do julgador (…): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.[23]
Todavia, analisada a sentença, não se divisa qualquer oposição entre a decisão e os seus fundamentos.
A decisão proferida está em concordância com a fundamentação que o tribunal recorrido nela verteu, nem ela, por outro lado sofre de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
É que, ainda que existe uma deficiente avaliação da dinâmica do acidente por parte do tribunal recorrido ela não está em oposição com a decisão que veio a ser proferida e, como tal, tanto basta para se concluir que a sentença não padece da invocada nulidade.
Poderemos, como noutro passo já se referiu, encontrarmo-nos perante o erro de julgamento mas não perante oposição geradora de nulidade.
A nulidade por contradição intrínseca só ocorre quando a colisão se verificar entre os fundamentos e a parte decisória ou dispositiva da sentença.
Como assim, temos, pois, de concluir não se verificar a nulidade da sentença com base no fundamento invocado pela recorrente.
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Desta forma, improcedem as conclusões 31ª a 35ª formuladas pela recorrente.
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A segunda questão colocada neste recurso prende-se com:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões a recorrente impugnou a decisão da matéria de facto tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPCivil.
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Autora apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos pontos 1º, 14º, 15º, 17º, 23º, 48º da fundamentação factual.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[24]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[25]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[26]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[27]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos Réus apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles pretendidos.
Como já noutro passo se referiu, a apelante entende que os pontos 1º, 14º, 15º, 17º, 23º, 48º dos factos dados como estão incorrectamente julgados.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O ponto 1º dos factos provados tem a seguinte redacção:
No dia 25/06/2011, cerca das 03,15 horas, na A1, ao Km 258,909, sentido norte– sul, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo automóvel da marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-JB-.., descapotável e com a capota aberta na altura.”
Entende a recorrente que o tribunal devia ter dado como provado que na altura a viatura em causa circulava com a capota fechada.
Para o efeito convoca o depoimento das testemunhas N… e S….
É verdade que ambas as referidas testemunhas referem no seu depoimento que a viatura em questão levava, no momento do acidente, a capota fechada, sendo que, refere também a recorrente, o primeiro dos depoimentos foi tido em consideração pelo tribunal recorrido na sua motivação da decisão de facto.
Diga-se, desde logo, que esse depoimento foi também valorado pelo tribunal para prova de outros factos, como sejam o 1, 2, 3, 4, 5, 8 e 13, sem que ele seja referido para prova do segmento posto em causa pela recorrente.
Nesse conspecto, o tribunal recorrido, valorou sim o depoimento da testemunha M…, cabo da GNR, que exercia funções no NICAV do Destacamento de Trânsito de Aveiro que elaborou o relatório junto fls. 676/722 e que referiu que quando chegou ao local o carro estava com a capota aberta.
E repare-se que a explicação por ele dada se mostra consentânea com a realidade da situação. Com efeito, se viesse aberta como referem as referidas testemunhas N… e S…, com a violência do embate como era possível recolhê-la?
É que não basta, para que se altere a resposta dada a determinado facto, que a recorrente se limite a transcrever simples excerto do que as testemunhas afirmaram, pois que, a lei impõe ao recorrente que indique o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Com efeito, trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Coisa que a recorrente, manifestamente, não fez.
Como assim, a recorrente não convoca quaisquer elementos probatórios nem aduz argumentos para que se descredibilize o depoimento da autoridade policial que esteve no local do acidente na noite em que ocorreu.
Mantém-se, por isso, o facto descrito em 1ª da fundamentação factual tal qual o tribunal recorrido o deu como provado.
*
A ponto 14. dos factos provados tem a seguinte redacção:
“A velocidade não precisamente apurada mas bem superior a 120 km/hora”.
Entende a recorrente que este facto devia ter sido dado como não provado.
Analisando.
Importa, desde logo, dizer que a expressão “bem” aí vertida se trata de um conceito indeterminado e vago que nenhum relevo assume no facto que de algum modo pretendia traduzir, isto é, a que velocidade circulava o veículo JB no momento do sinistro.
Não obstante, será que é de sufragar o entendimento propugnado pela recorrente de que tal facto não deveria ter sido dado como provado?
Dúvidas não existem de que nos autos não consta qualquer elemento probatório do qual se possa extrair qual era a velocidade concreta a que o JB circulava antes do rebentamento do pneu.
Na verdade, raramente nestes casos se consegue estabelecer a velocidade exacta a que seguia determinado veículo antes do sinistro.
Todavia, há que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos probatórios produzidos no processo e atendíveis independentemente da sua proveniência.
E, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, o julgador poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º).
A noção de presunção consta do artigo 349.º: “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um tacto desconhecido”.
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência”.[28]
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar”.[29]
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.[30]
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
Tendo presentes as noções acabadas de expor, cumpre, então saber se não existem elementos nos autos que nos permitam dizer, não a que velocidade, em concreto, seguia o JB mas, pelo menos, afirmar que seria superior oi inferior a X km/hora.
E para isso analisemos, desde logo, o auto de participação do acidente cuja cópia se encontra junta aos autos a fols. 577/583.[31]
Como dele resulta existem marcas de tela do rodado traseiro do JB a tentar sai do pneumático numa extensão de 77,40m (nº 9 da legendagem constante de fols. 583 feita ao croqui do acidente existente a fols. 582,-já veremos um pouco mais à frente que não foram convocados meios probatórios pela apelante que permitam alterar o facto descrito em 23º da fundamentação factual no sentido de que essas marcas não são do pneumático como aí se encontra dado como provado mas sim da jante), depois existem marcas de derrapagem do mesmo veículo numa extensão superior a 100m (nº 10 da referida legendagem), pois que, no croqui do acidente (fols. 582) estão assinalados as distâncias do Km 258 da AE1 em metros, sendo que, essas marcas começam ao pouco antes do quilómetro 258,900 e só acabam já para lá do quilómetro 258, 600 junto ao talude.
Por velocidade, entende-se o espaço ou distância percorrida numa certa unidade de tempo (segundo/minuto/hora), sendo a medida corrente de quilómetros/por hora. Relacionada com a velocidade está a questão da travagem. O rasto de travagem reflecte o espaço percorrido entre o início da blocagem das rodas do veículo automóvel e a imobilização deste, fornecendo a travagem. A esta distância deve ser adicionado o chamado tempo de reflexo ou tempo de reacção que consiste no lapso decorrido entre o momento em que o condutor vê ou se apercebe do obstáculo até ao momento em que acciona o sistema de travagem. Este tempo está calculado em ¾ de segundo para o chamado condutor normal, equivalendo à distância percorrida pelo veículo em três quartos de segundo.
A distância de reacção adicionada à distância de travagem fornece a distância de paragem do veículo, sendo que, os peritos traduzem essa distância de paragem através da seguinte fórmula:
d= V2
2 g a
V=Velocidade
a= coeficiente de aderência
g= aceleração da gravidade, ou seja, o equivalente a 9,81.
Considerando tais factores existem tabelas exemplificativas que apresentam as distâncias de travagem e paragem dos veículos automóveis.
Assim se a velocidade (km/h) distância de travagem (m):
-30 km/h 4,5 m
-50 km/h 12,5 m
-70 km/h 24,5 m
-90 km/h 40,5 m.
É claro que os valores acima mencionados apenas são válidos em condições de travagem óptimas, sendo que a distância de travagem depende:
- Do estado da via (chuva, neve, gelo, qualidade do revestimento, etc.);
- Da configuração dos locais (subida, descida, etc.);
- Do estado dos pneus;
- Do estado dos travões;
- Do volume do veículo;
- Da carga.
No caso em apreço, quanto ao estado da viatura está apenas provado nos autos que, os dois pneus do rodado da retaguarda do veículo ..-JB-.. apresentavam na zona de rodagem desenhos com altura inferior a 1,6 mm nos relevos principais (facto descrito em 27º da fundamentação factual), ou seja, em contravenção com o permitido legalmente (artigo 6.º do Decreto Regulamentar nº 7/98 de 6/05).
No que concerne ao estado da via está provado que no local do acidente, e no sentido norte–sul, a A1 tem faixa de rodagem em piso betuminoso, com 11,10 metros de largura, permitindo 3 vias de trânsito, com um traçado recto, imediatamente antecedido de ligeira curva à esquerda, com perfil em patamar (facto descrito em 9º da fundamentação factual).
Para além disso e como resulta do Boletim Climatológico do Instituto de Metereologia[32] durante o mês de Junho de 2011 verificou-se um período de 3 dias (25 a 27, sendo que, o acidente ocorreu em 25 de Junho desse ano) com valores muito altos da temperatura máxima do ar com valores superiores a 40ºC, sendo mesmo os dias mais quentes que ocorreram em 2011 (até 30 de Junho), o mês foi classificado de seco a extremamente seco em quase todo o território.
Acresce que, para além dos rastos de travagem nas extensões supra referidas, os restantes vestígios (porta lateral esquerda, rodado esquerdo traseiro, bateria e outros artefactos indiferenciados) estavam espalhados por centenas de metros como o evidenciam as fotografias juntas aos autos a fols. 705 a 707 e 710 e 711 o que, concatenado com o grau de destruição da viatura e as lesões graves sofridas pelos três dos quatro ocupantes (em dois deles foram causa da sua morte), revela bem que, aquando do despiste em consequência do rebentamento do pneu, o veículo em causa não podia circular apenas à velocidade imposta para o local, isto é, a 120 km/hora.
E contra isso não se argumente que os rastos de travagem são tão extensos porque o veículo estava a apenas a travar em duas rodas do lado direito.
Acontece que, tal facto não está provado nos autos, pois que, o que está provado é que, no seguimento da travagem, a banda de rodagem deste pneu desprendeu-se da carcaça e que, aquando do embate do veículo na caleira, os rodados esquerdos separam-se do veículo (factos descritos em 16º e 19º da fundamentação factual e que não foram impugnados).
Aliás, nas fotografias de fls. 695 a 698º são visíveis quatro pontos de apoio (fixação) do veículo no alcatrão até próximo da caleira, embora a partir de certa altura as marcas do lado esquerdo traseiro não sejam do pneu mas sim da jante, o que mesmo assim não deixa de causar atrito embora menos do que se tivesse pneu.
Não obstante, essa circunstância (falta de pneu do lado esquerdo traseiro) isso não justifica, só por si, a referida extensão da derrapagem, que nunca, certamente, seria dessa dimensão se o veículo seguisse dentro dos limites de velocidade impostos para o local.
Como assim, sopesando o quadro factual supra descrito, as características e a natureza do veículo-BMW, modelo …, carro de alta cilindrada e potência-, as tabelas exemplificativas das distâncias de travagem acima referidas e fazendo apelo aos quadros valorativos das presunções judiciais nos moldes supra expostos temos de concluir que, na altura do despiste, o JB circulava a uma velocidade superior a 120 km/hora.[33]
*
Face ao assim afirmado e atento o disposto no artigo 607.º, nºs 3 e 4 do CPCivil aplicável ex vi artigo 663.º ao presente acórdão, e 662.º, nº 1 do mesmo diploma legal altera-se[34] a redacção do ponto 14. da fundamentação factual nos seguintes termos:
“A velocidade não concretamente apurada mas que era superior a 120 km/hora”.
*
A ponto 15. dos factos provados tem a seguinte redacção:
Quando transitava nas imediações do km 258,909, ao finalizar uma curva à esquerda, o pneumático traseiro do lado esquerdo furou e, depois, rebentou”.
Entende a recorrente que o tribunal devia ter dado como provado apenas que o pneumático em causa rebentou e não também que furou.
Cremos que, neste segmento, assiste razão à recorrente.
Com efeito, nenhuma prova resulta dos autos, seja documental ou testemunhal, a partir da qual se possa concluir que o pneumático em causa havia furado antes de rebentar, pois que, o pó branco a que faz referência a testemunha M… onde o tribunal recorrido se ancorou faz mais sentido que exista ou tenha sido deixado no pavimento em consequência do rebentamento e não de um furo.
Aliás, o próprio relatório do NICAV também conclui pelo rebentamento, embora refira que o pneu estava em perda de pressão sobreaqueceu e depois estoirou.
Acontece que, no referido relatório não é indicado qualquer facto ou qualquer outro elemento que possa corroborar essa asserção, isto é, que o referido pneu estivesse em perda de pressão decorrente de um furo.
*
Por conseguinte altera-se a redacção do citado ponto factual nos seguintes termos:
“Quando transitava nas imediações do km 258,909, ao finalizar uma curva à esquerda, o pneumático traseiro do lado esquerdo rebentou”.
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A ponto 17. dos factos provados tem a seguinte redacção:
O veículo entrou em derrapagem com derivação para a direita, rodopiou sobre si mesmo, e foi embater, já com a frente voltada para o lado de onde procedia, com os rodados do lado esquerdo na caleira de drenagem de águas pluviais, situada do lado direito (sentido norte–sul)”.
Entende a recorrente que o tribunal devia ter dado como provado que o veículo entrou em derrapagem com derivação para a direita rodopiou sobre si mesmo, e foi embater, já com a traseira voltada para o lado de onde procedia.
Mas será esta matéria factual juridicamente relevante, qualquer que seja a decisão que sobre a mesma venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar?
A resposta é, como nos parece evidente, negativa.
Na verdade, não se vê, em termos de subsunção jurídica, qual a relevância do citado facto.
Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava antes da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e a que corresponde actualmente o artigo 130º do vigente Código de Processo Civil, aprovado pela lei que antes se citou).
Como refere Abrantes Geraldes,[35] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
No mesmo sentido cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.4.2012, processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, e da Relação de Guimarães de 10.09.2015, processo n.º 639/13.4TTBRG.G1.[36]
Por esse motivo, abstemo-nos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente ao facto em questão.
*
O ponto 23. da fundamentação factual tem a seguinte redacção:
No alinhamento do km 258,909, verificou-se existir uma marca contínua do pneumático, do rodado traseiro esquerdo, no pavimento da via mais à esquerda, passando a marcas de derrapagem ao km 258,823, com derivação para o lado da berma direita e que terminou, na caleira de drenagem das águas pluviais, ao km 258,689, com a consequente entrada do veículo no talude e com a sua posterior imobilização, na berma direita, ao km 258,572
Entende a apelante que deveria ser dado como provado que “No alinhamento do km 258,909, verificou-se existir uma marca contínua de jante do rodado esquerdo (…)”.
Para o efeito convoca o depoimento da testemunha S… referindo ainda que do relatório e fotografias do NICAV não resulta esse facto.
O depoimento da testemunha S…, na passagem transcrita, nada refere sobre esse facto.
Porém, ao contrário do que refere a apelante, o depoimento da testemunha M… e as fotografias anexas ao relatório do NICAV são perfeitamente esclarecedoras sobre o facto em causa.
O que a referida testemunha refere no seu depoimento é que no pavimento da via mais à esquerda ficou primeiramente uma marca de pó branco, que ele refere ser do rebentamento do pneu e que terá assinalado no pavimento correspondendo à fotografia nº 5 junta a fols. 695, sendo aí, como ele refere o início do acidente, dizemos nós, do rebentamento do pneu.
Depois na fotografia nº 6 de fols. 695 a referida testemunha refere que ela assinala as marcas do pneu traseiro na via do veículo JB.
Em seguida nas fotografias nºs 7 e 8 de fols. 696 estão assinaladas o início das marcas de localização na caleira da banda de rodagem do pneu traseiro do lado esquerdo.
Nas fotografias nºs 9 e 10 de fols. 697 estão assinaladas as marcas de travagem e derrapagem com derivação para a direita produzidas pelos pneus do veículo JB.
Nas fotografias nºs 11 e 12 estão assinaladas as marcas de travagem e derrapagem com derivação para a direita produzidas pelos pneus do veículo JB, bem como marcas de raspagem da jante do rodado esquerdo.
Portanto, as marcas de raspagem da junte na via não aparecem logo, como defende a apelante no momento exacto do rebentamento do pneu, elas aparecem muito mais à frente.
Aliás, nunca o rebentamento do pneu leva de imediato, como parece entender a recorrente, a que o contacto com a via seja feito com a jante, pois que, entre o rebentamento do pneu e o contacto da jante com a via, medeia o tempo necessário até que banda do pneu se desgaste na totalidade, a menos claro está, que no instante do rebentamento do pneu a respectiva banda se solte na sua totalidade da jante, coisa que não está provada nos autos.
Ora, nesse intervalo de tempo as marcas que ficam no pavimento não são as da junte mas sim as do pneu.
Como assim, não existe qualquer contradição entre esse facto e o facto descrito em 15., nem a apelante convocou qualquer meio probatório que infirme a motivação em que tribunal se baseou para dar como assente o facto em questão, razão pela qual se deve manter na fundamentação factual tal qual o deu como provado o tribunal recorrido.
*
A ponto 48. dos factos provados tem a seguinte redacção:
“Também existia afecto entre o I… e o pai, embora tivessem um relacionamento mais distante em virtude de este residir em Angola”.
A recorrente entende que tal facto não devia ter sido dado como provado.
Na motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido valorou o depoimento da testemunha Y…, que afirmou viver maritalmente há sete anos com o irmão do I… mais referindo que este havia ido uma ou duas vezes a Angola visitar o pai.
Ora, pese embora o teor do depoimento das testemunhas convocadas pela recorrente-T… e P…-para infirmar este facto, o certo é que não se pode, a partir deles, afirmar que não existia afecto entre o falecido I… e o pai.
Na verdade, o afecto por um progenitor nunca se perde, embora possa não ser, face à distância que por vezes separa as famílias, tão intenso como em relação aos outros familiares (mãe, irmãos etc.) com quem diariamente ou frequentemente nos relacionamos.
Evidentemente que isso já assim não será, se a relação entre pais e filhos tiver sido corroída ou desgastada por episódios que não se enquadrem no relacionamento normal e familiar, coisa que, dos autos não resulta.
Assim, as visitas que o I… fez ao pai em Angola só podem significar que entre eles havia, não obstante, a distância que os separava, afecto.
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Cremos, pois que, por essa razão, o ponto em causa deve manter-se no rol dos factos provados.
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Improcede, assim, as conclusões nºs 36ª a 41ª e 51ª a 59ª formuladas pela recorrente, ou seja, e no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, apenas se alteram, nos termos sobreditos, os factos descritos em 14. e 15. da fundamentação factual.
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A terceira questão colocada neste recurso prende-se com:

c)- saber se a subsunção jurídica feita pelo tribunal recorrido da factualidade que resultou assente nos autos se mostra, ou não, correctamente efectuada.

1. A questão da culpa

Como resulta da decisão recorrida a Srª juiz do processo concluiu pela culpa efectiva do condutor do JB D… na produção do acidente.
Deste entendimento dissente a apelante.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Respigando este segmento da decisão recorrida ela estriba-se, essencialmente, na circunstância de o veículo JB circular com velocidade superior ao limite legalmente permitido, para daí concluir que o condutor do referido veículo teve culpa efectiva, na produção do acidente.
Dúvidas não existem de que está assente nos autos que o JB circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas superior 120km/hora (facto descrito em 14º da fundamentação factual).
Mas será que esse facto, só por si, é o bastante para dele se extrair a culpa efectiva do condutor do JB na produção do acidente?
Atentemos.
Está provado nos autos que:
a)- quando o JB transitava nas imediações do km 258,909, ao finalizar uma curva à esquerda, o pneumático traseiro do lado esquerdo rebentou;
c)- No seguimento da travagem, a banda de rodagem deste pneu desprendeu-se da carcaça do pneumático;
d)- O veículo entrou em derrapagem com derivação para a direita, rodopiou sobre si mesmo, e foi embater, já com a frente voltada para o lado de onde procedia, com os rodados do lado esquerdo na caleira de drenagem de águas pluviais, situada do lado direito (sentido norte–sul);
e)- De seguida, entrou no talude, tendo aí capotado e acabou por se imobilizar na berma direita (sentido norte–sul), em posição oblíqua à via e com a parte frontal orientada para a faixa de rodagem (factos descritos em 15º a 18º da fundamentação factual).
Desta factualidade decorre, sem qualquer margem para tergiversações, que a causa do despiste do JB se deveu ao rebentamento do pneu.
Ora, sendo esta a causa do despiste do veículo, não se descortina como se pode afirmar que o condutor do JB tem culpa na produção do acidente porque circulava a uma velocidade superior a 120km/hora, ou seja, em contravenção ao disposto no artigo 27.º, nº 1 do CE.
Na verdade, essa asserção só se podia tirar se estivesse provado nos autos que o rebentamento do pneu se deveu ao excesso de velocidade com que o referido veículo circulava.
Acontece que, essa realidade factual não está assente nos autos.
Mas será que da restante factualidade que nos autos se mostra provada é possível extrair, com recurso às presunções naturais nos termos já noutro passo referidos, esse facto?
Não nos parece, salvo melhor entendimento, que tal se mostre possível.
É pacífico que o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.
O nexo de causalidade que se exige apresenta-se, a um tempo, como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.
Vem-se entendendo que o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.
Hão-de ser, deste modo, as circunstâncias a definir a adequação da causa, mas sem perder de vista que para a produção do dano pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem de ser necessariamente directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano–causalidade indirecta.
Pode também acontecer que a lesão resulte de duas ou mais causas, que vários factos tenham contribuído para a produção do mesmo dano, isto é, que haja um concurso real de causas, o que sucede, designadamente, quando nenhum dos factos, singularmente considerado, é suficiente, só por si, para produzir o efeito danoso, mas o primeiro é causa adequada do facto que se lhe sucede, praticado por outro sujeito.
Relevará, nessa aferição global da adequação, a necessidade de, num juízo de prognose posterior objectiva, formulado a partir das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de um observador experiente, se poder afirmar que certo facto do lesado, quando em colaboração com outro ou outros, provocaria ou favoreceria a espécie de dano em causa, surgindo este, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto.[37]
Ora, sabe-se que, face ao Assento de 21 de Novembro de 1979, o disposto no artigo 493º nº 2 do Código Civil, não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre, razão pela qual a condução do automóvel não é considerada perigosa para fazer presumir a culpa em quem a exerce.
Por outro lado, segundo o artigo 487º nº 1 do mesmo diploma é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa em contrário, excepção esta de que não nos ocuparemos por não interessar à discussão da causa.
Mas em que condições satisfaz o lesado o ónus da prova da culpa nos acidentes de viação?
Não há dúvida de que o lesado cumpre aquele ónus se demonstrar ter o lesante praticado voluntariamente actos integradores de negligência simples-v.g., omissão dos deveres normais gerais de diligência-ou, de negligência presumida-violação de preceitos destinados proteger interesses alheios.[38]
Onde as dúvidas surgem é se deverá ter-se como provada a culpa quando o lesado apenas consegue demonstrar uma situação objectiva de culpa, no campo da negligência presumida-v. g., apenas resulta provado que o condutor lesante causou o dano estando fora da sua meia faixa de rodagem e invadido a contrária, ou por, seguindo atrás do veículo lesado, nele ter embatido.
Nestes casos meramente objectivos de violação de um preceito de disciplina de trânsito, a culpa, a existir, não pode ser afirmada pela forma positiva correspondente àqueles outros em que apurado ficou ter a averiguada conduta resultado da vontade do lesante.
Está visto que, provado ter aquela conduta resultado de um evento imprevisto e adequado a tal-v.g. ter-se partido a manga de eixo, rebentamento de um pneu, ocorrer súbita ineficácia de travões-não pode falar-se em culpa.
Mas, entre esta hipótese e aquela outra da prova positiva da culpa, existe uma gama de casos em que a verificação ou não da culpa há-de resultar da ponderação de outras circunstâncias.
E a primeira destas será a de que a regra do nº 1 do artigo 487º deve ser entendida “cum grano salis” sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável.[39]
Para que tal não aconteça, como diz Manuel de Andrade[40], é que se tem defendido que, nas acções por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele “será frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova da primeira aparência (presunção simples)”.
De acordo com este pensamento, é que Vaz Serra[41] abonando-se em Eneccerus-Lehman refere que “a jurisprudência tem facilitado a prova da culpa: basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tornem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua. Com isto, destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que ao admitir-se a prova prima facie, só se dá uma facilidade para produção da prova e não uma total inversão do encargo da prova”.
As presunções simples, também chamadas judiciais ou de experiência, ao contrário das legais, isto é, das estabelecidas na lei, segundo esclarece, Pires de Lima e Antunes Varela[42], “assentam no simples raciocínio de quem julga, inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana...cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova”.
Quer dizer: se a prova prima facie ou por presunção judicial, produzida pelo lesado, apontar, nos termos que temos vindo a referir, no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contraprova, ou seja, “fazer a prova que invalide aquela, que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa), sem que, no entanto, careça de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva)”.[43]
Se aproximarmos as precedentes considerações do que normalmente acontece nos acidentes de viação, temos à partida que considerar o acto de conduzir viatura um acto voluntário, voluntariedade que, sendo normal, em princípio se repercute em todo o seu desenvolvimento, a menos que um facto anormal, no sentido excepcional, intervenha no processo.
Significa isto que o facto de conduzir permita tirar a ilação de ele traduzir uma actuação normalmente voluntária, mesmo quando revista a forma contravencional, a menos que através dos factos alegados e provados se crie, pelo menos, uma situação de incerteza sobre a verificação daquela normalidade.
Por isso mesmo que, contrariamente ao defendido por Eduardo Correia[44], não se aceite ser de presumir a negligência nas contravenções-temos como acertada a corrente jurisprudencial segundo a qual, em princípio procede com culpa o condutor que, em contravenção aos preceitos estradais causar danos.[45]
*
Isto dito, dúvidas não existem de que, a responsabilidade do condutor do JB só poderá derivar da circunstância de circular a velocidade superior a 120km/hora.
Portanto, o que releva, neste conspecto, é apreciar o reflexo da velocidade instantânea imprimida ao veículo em causa e que infringia o limite máximo fixado pela legislação estradal.
E, nessa apreciação, há-de levar-se em linha de conta a análise da dinâmica do acidente por forma a surpreender o respectivo processo causal em ordem à determinação da existência de uma única causa ou duas ou mais concausas.
Ora, é certo que o veículo JB transitava com velocidade instantânea objectivamente excessiva, o que constituindo violação da norma do CE implica, em regra, presunção juris tantum de culpa (negligência), em concreto, do respectivo condutor, autor da contra-ordenação.
Porém, a validade da regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções.[46]
Como supra referido, em tese geral, em termos de adequação, o facto apenas pode considerar-se causal na medida em que, considerado no desenvolvimento do processo que conduziu ao dano e em face das regras da experiência comum, modifique o “círculo de riscos” da verificação do dano.
Acontece que, tendo em conta a dinâmica do acidente e o concreto circunstancialismo que contribuiu para a sua produção, temos por incontornável a conclusão que a sua causa naturalística se situa no referido rebentamento do pneu e não no excesso de velocidade com o JB circulava.
Com efeito, as normas que estabelecem limites de velocidade instantânea em função dos vários tipos de via, visam genericamente proteger o interesse de circulação com segurança dos vários utentes em atenção à respectiva localização ou características.
Ausente, como causa do evento, qualquer outra irregularidade na circulação do JB, não se vê que a circunstância de a velocidade ser superior ao máximo instantâneo em abstracto estabelecido para o local, interfira, na concreta circunstância com o círculo de interesses que a norma limitativa da mesma visa proteger.
É certo que está provado nos autos que os dois pneus do rodado da retaguarda do veículo ..-JB-.. apresentavam na zona de rodagem desenhos com altura inferior a 1,6 mm nos relevos principais (facto descrito em 27.) e, portanto, em contravenção ao estabelecido no nº 1 do art. 6.º do Decreto Regulamentar nº 7/98, de 06/05.
Mas foi devido a esse facto e à velocidade superior ao legalmente permitido que era imprimida ao JB que ocorreu o rebentamento do pneu?
Não se vislumbra como se possa extrair semelhante conclusão.
Efectivamente, embora os dois pneus do rodado da retaguarda padecessem dessa irregularidade a verdade é que também está provado nos autos que o referido veículo estava equipado, nos rodados da frente, com pneus “Hankook” 245/45ZR19 e à retaguarda com pneus “Pirelli” 275/40R19 (isto é, 275 mm de largura, radiais, montados em jante de 19 polegadas, com índice de carga 102 (850 kg) e projectados para uma velocidade máxima de 300 km/hora, sendo que, eram pneus de dimensões diversas das inscritas no livrete mas respeitando, entre os conjuntos jante/pneu dianteiros e traseiros, diferença proporcional idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo (factos descritos em 25. e 26. da fundamentação factual).
Significa, portanto, que os pneus que equipavam o JB eram os adequados para as características do veículo e, pese embora os rodados de trás tivessem na zona de rodagem uma altura inferior à legal, o certo é que eles estavam projectados para uma velocidade máxima de 300 km/hora, razão pela qual se nos afigura ser temerária a conclusão de que foi devido à velocidade que era imprimida que o pneu do lado esquerdo traseiro rebentou.
O rebentamento, pode ter sido provocado por qualquer causa ou mesmo artefacto (pedaço de metal, pedra pontiaguda etc.) existente na via.
De todo o exposto, decorre, que se não estivesse provado nos autos que o despiste se deveu ao rebentamento do pneu, sem dúvida que seria de atribuir a culpa pela produção do acidente, nos termos supra referidos, ao condutor do referido veículo, pois que, circulando em manifesta infracção ao disposto no já citado artigo 27.º, nº 1 do CE (velocidade acima da legalmente imposta para o local) e, portanto, com excesso de velocidade, era legítimo presumir que o despiste se deveu a imperícia do condutor que, por circular naquelas condições, não logrou controlar o veículo.
Todavia, estando provado nos autos que foi o rebentamento do pneu que provou o despiste do JB não se poderá assacar qualquer culpa na eclodir do acidente ao seu condutor.
O rebentamento do pneu é um evento imprevisto não dominável que leva, por regra, à perda do controle do veículo, daí que não se compreende a afirmação feita na decisão recorrida de que: “(…) nada retira à culpa do D… que devia conduzir de acordo com as características do veículo que lhe era entregue, não usando a potência bruta dele, notável, até aos limites. Um carro daquela categoria e estrutura aguentava, sem grandes sobressaltos, o rebentamento de um pneu se circulasse nos limites legais de velocidade”.
Como se pode afirmar que mesmo circulando o veículo JB à velocidade de 120 km/hora ela aguentava o rebentamento do pneu sem entrar em despiste?
Evidentemente que se trata de uma afirmação sem qualquer suporte na matéria factual que nos autos resultou demonstrada, e sem qualquer eco no devir que está subjacente às dinâmicas dos acidentes de viação.
É que, importa não olvidar, como decorre do facto descrito em 15. da fundamentação factual, que o rebentamento do pneu ocorre quando o veículo JB está a finalizar uma curva à esquerda, ou seja, o rebentamento não se dá em plena linha recta, o que mais dificultava o controlo do veículo.
Mas ainda que assim não fosse, o rebentamento de um pneu, mesmo circulando o veículo dentro dos limites de velocidade impostos para o local, pode levar à perda de controlo do veículo pelos mais variados motivos, pois que, a dinâmica de circulação a partir dessa ocorrência torna-se imprevista e incerta e que muito dependerá, estamos certos, da destreza, perícia e até mesmo do “sangue frio” do condutor.
Significa, pois, que o rebentamento de um pneu terá sempre de ser considerado um facto que interrompe a dinâmica que poderia estar subjacente a qualquer outra infracção e mesmo ao excesso de velocidade.
*
Procedem, desta forma, as conclusões nº 60ª a 87ª formuladas pela recorrente.
*
As restantes questões colocadas no recurso pela recorrente, relativas aos montantes indemnizatórios pela perda da vida do malogrado I… e danos morais sofridos pelos respectivos progenitores, bem como à contribuição daquele para o agravamento dos danos, já sobre elas nos pronunciamos na decisão dos recursos anteriores, razão pela qual remetemos para os considerandos aí produzidos.
*
Termos em que improcedem as conclusões 88ª a 110ª formuladas pela recorrente.
*
4. Recurso da Ré H…, Ldª

A primeira questão que neste recurso vem colocada consiste em:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Neste segmento entende a apelante que estão incorrectamente julgados os factos 56º e 57º dos factos provados e al. h) dos factos não provados.
Os factos 56º e 57º têm, respectivamente, a seguinte redacção:
Entre o D… e o gerente da Ré H…, L.da, estabeleceu-se um acordo mediante o qual este disponibilizava ao D… veículos de alta gama e cilindrada do Stand da Ré H…, para que o D… neles se fizesse transportar”.
Em contrapartida o D… fazia publicidade ao stand da Ré H…, mediante autocolantes colocados no veículo por aquela sociedade”.
Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido e quanto aos referidos pontos discorreu do seguinte modo:
Factos Provados nºs. 56 e 57: depoimento das testemunhas: - N…, que disse que o D… lhe contou que muitos dos carros com que andava eram emprestados. Lembra-se de um Hummer que tinha nas portas o nome do Stand. No dia do acidente o D… falou consigo por SMS e perguntou-lhe que carro devia levar; - O…, que disse que o D… ia muitas vezes buscar carros emprestados ao Stand da H…. Em contrapartida fazia publicidade gratuita ao Stand, pois os carros traziam autocolantes com o logotipo do Stand; - P…, que disse que o D… tinha um “protocolo” com um Stand e ia lá buscar veículos com os quais se apresentava depois no contexto de “presenças” (espectáculos).
A recorrente para infirmar a prova assim produzida ancora-se, essencialmente, na circunstância de que, a viatura ..-JB-.. não tinha à data da ocorrência do sinistro qualquer publicidade ao stand com a designação de “F…” convocando, para o efeito, o depoimento das testemunhas M… e L…, agentes do NICAV e da Brigada de Trânsito da G.N.R. que foram os primeiros intervenientes a chegar ao local do sinistro e ainda de Q….
Acontece que, não é por o JB não ter qualquer referência a publicidade do stand “F…”, isso seja o bastante para que a matéria factual constante dos citados pontos 56º e 57º se dê como não provada.
Da mesma forma que, também não é por a testemunha Q… não ter referido no seu depoimento a existência de qualquer acordo ou protocolo entre a Ré H… e o falecido D…, que ele não existisse, aliás, nem na passagem da gravação indicada pela recorrente do depoimento da testemunha em questão, lhe foi feita qualquer instância sobre a existência do referido acordo.
A não prova dos mencionados pontos factuais teria de filiar-se num outro tipo de elementos probatórios que retirassem credibilidade ao depoimento das testemunhas que neste conspecto o tribunal valorou.
Ora, esses elementos probatórios a recorrente não os elencou, pois que, o depoimento das duas primeiras testemunhas revela-se, neste âmbito, perfeitamente irrelevante e inócuo por não terem qualquer conhecimento das relações negociais que pudessem existir entre o falecido D… e o stand “F…”, e a mesma irrelevância se verifica no depoimento da testemunha Q…, pois que, como já referido, na passagem da gravação indicada não foi questionado sobre o acordo a que se referem os factos em causa.
No mais a recorrente limitou-se a tecer meras considerações sobre o gosto pela velocidade do falecido D… e que nenhum relevo têm para a prova dos citados pontos factuais.
*
Decorre, assim, do exposto que a recorrente não convocou quaisquer elementos probatório que impusessem a alteração de dar como não provados os citados pontos factuais, improcedendo, assim, as conclusões 1ª a 22ª formuladas pela recorrente.
*
A alínea h) dos factos não provados tem a seguinte redacção:
A H…, Lda. (anteriormente designada F…, Lda.) tivesse vendido o BMW … de matrícula ..-JB-.. ao D…”.
Para prova deste facto a recorrente convoca o depoimento da testemunha Q….
Acontece que, o depoimento da referida testemunha sobre a suposta venda não tem qualquer consistência.
Com efeito, o referido depoimento revela-se inverosímil quando refere que o veículo tinha sido anteriormente vendido ao D…, mas que lhe foi entregar o veículo às 23,00 horas, sem seguro e sem documentos após ter recebido um telefonema do Sr. Z… a ordenar a entrega do veículo.
Acresce que, quando questionado sobre a afirmação por ele produzida de que o carro tinha sido vendido ao falecido D…, limitou-se a dizer que o tinha visto de volta do carro e que tinha pedido para lhe meterem uns vidros e umas jantes.
Ora, como a partir destas afirmações se pode dar como demonstrada a venda do veículo JB?
Então o facto de se andar à volta de um carro num stand e mesmo pedindo para que lhe sejam postas umas jantes e uns vidros, faz presumir a sua a venda?
A solicitação desses actos não podem ter origem noutra relação que não seja uma venda?
Acresce que, a testemunha L…, afirmou no seu depoimento que no dia seguinte apareceu no Posto da GNR o dono do Stand e disse que o carro era dele.
Como assim, à míngua de outros elementos probatórios indicados pela recorrente, e não podendo ser valorado, pelas razões indicadas, o depoimento da testemunha Q… e tendo em conta o afirmado pela testemunha L… no seu depoimento, não existe fundamento para que se dê como provado o facto em causa.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões nºs 25ª a 39ª formuladas pela recorrente.
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A segunda questão colocada no recurso desta apelante prende-se com:

b)- saber se o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do JB

Ora, esse segmento recursivo já foi analisado no recurso interposto pela Herança aberta por morte de D…, para cujas considerações se remete, pois que as conclusões formuladas a este respeito pela ora apelante em nada alteram o aí decidido.
A esse respeito, apenas se dirá que o que releva, para a decisão do pleito, são os factos que resultaram provados nos autos e a respectiva subsunção jurídica que deles se faça e não a opinião das testemunha ouvidas.
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Improcedem, assim, as conclusões nºs 42ª a 62ª formuladas pela recorrente.
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A terceira questão colocada neste recurso tem que ver com:

c)- saber de quem era a propriedade do veículo JB

Entende a recorrente a recorrente que, apesar do JB, à data do acidente, se encontrar registado no seu nome, ela já não era sua propriedade por ter sido vendido ao D….
Acontece que, nos autos não resultou provado que a propriedade do veículo já havia sido transferida para o D… por virtude de qualquer contrato de compra e venda.
Assim sendo, e quanto a este segmento recursivo havemos de levar em linha de consideração apenas a matéria factual que nos autos se encontra assente. E, dessa matéria, o que resulta é que a propriedade do BMW de matrícula ..-JB-.. se encontrava, à data do acidente, registada em nome da Ré H…, Lda (facto descrito em 55º da fundamentação factual).
Ora, nos termos do artigo 7.º do CRPredial, aplicável ao registo de automóveis ex vi artigo 29.º do D. Lei 54/75 de 12/02, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Trata-se, é certo, de uma presunção iuris tantum que nos termos do artigo 350.º,nº 2 pode ser ilidida mediante prova em contrário mas que, todavia, a Ré apelante não o fez.
Resulta, pois, do exposto, que o veículo JB era, à data do acidente propriedade da Ré apelante.
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Improcedem, por isso, as conclusões nºs 63ª a 82ª formuladas pela apelante.
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A quarta a questão que importa apreciar e decidir consiste:

d)- em saber se entre o D… e a Ré H…, Lda existia uma relação de comissão.

Na sentença recorrida propendeu-se para o entendimento de que, tal relação de comissão se verificava.
Deste entendimento dissente a Ré recorrente.
Analisando.
No âmbito do recurso interposto pela Herança aberta por morte de D… já se decidiu que este não tinha tido culpa na eclosão do acidente, pois que, como aí se referiu o despiste do JB se deveu ao rebentamento de um pneu.
Ora, não existindo culpa do condutor do JB para a verificação do sinistro, de nada releva a existência ou não de uma relação de comissão entre o falecido D… e a Ré H…, Ldª.
Efectivamente, a referida relação de comissão, apenas tinha interesse se não se tivesse provado a não culpa do referido D… na produção do acidente, pois que, nesse caso funcionaria a presunção de culpa estabelecida no artigo 503.º, nº 3 do CCivil.
Acontece que, não tendo o condutor do JB tido culpa no eclodir do acidente, de nada releva apurar a existência de citada relação de comissão, já que o que, então, nos fica é apenas a responsabilidade do proprietário do veículo verificada que esteja a factie species do artigo 503.º, nº 1 do CCivil.
Ora, subordinado à epígrafe “Acidentes causados por veículos”, dispõe o artº 503º do Cód. Civil:
1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do art. 489.º.
3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do nº 1.
Tendo em consideração que a Ré apelante H…, Ldª era, à data do sinistro, a proprietária do automóvel JB como acima se decidiu, a questão que agora se coloca é a de saber se, naquela data, tinha a direcção efectiva do referido veículo e o utilizava no seu próprio interesse, pois que, só se a resposta for afirmativa, ou seja, se for entendido que a Ré apelante tinha a direcção efectiva do JB e o utilizava no seu próprio interesse, é que ela será civilmente responsável, desde que não se verifique, claro está a hipótese prevista na parte final do artigo 505.º do CCivil.
Responsabilidade essa que terá, pois, natureza objectiva por se basear apenas no risco.
Ora, citado artigo 503.º, nº 1 responsabiliza, objectivamente, o proprietário do veículo pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, seja o veículo conduzido por ele seja o veículo conduzido por comissário, desde que a utilização seja feita:
a) sob a sua direcção efectiva e
b) no seu próprio interesse.
Estes dois requisitos são cumulativos.
A expressão legal tiver a direcção efectiva do veículodestina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva, por se tratar das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontrem investidas, tomar providências para que o veículo funcione sem causar danos”.[47]
Portanto, tem a direcção efectiva do veículo aquele que pode dispor dele, no momento, conforme bem entender, conduzindo-o ou facultando a sua condução a terceiro sem se demitir de controlar a sua circulação, sem se alhear do uso dado pelo terceiro a quem o faculta.
Por regra, tem a direcção efectiva do veículo o proprietário deste. A propriedade faz presumir a direcção efectiva e o interesse na utilização do veículo pelo seu proprietário. Sendo tais requisitos de verificação cumulativa é, pois, sobre o proprietário do veículo que incide o ónus de demonstrar o contrário.[48]
É de admitir a existência de uma verdadeira presunção legal de direcção efectiva e interessada do veículo a favor do seu proprietário”, já que “o conceito de direcção efectiva e interessada cabe perfeita e legalmente dentro do conceito do direito de propriedade”.[49]
Por outro lado, o veículo circula no interesse de quem tira vantagens da sua circulação. O interesse não tem de ser necessariamente económico. Pode ser de outra ordem, designadamente espiritual, de simples gentileza, como será o caso de um pai emprestar o seu veículo a um filho para este ir a uma festa.
No tocante à utilização no próprio interesse, não tem a mesma “que ser necessariamente uma utilização proveitosa ou lucrativa, em sentido económico; pode haver nela um mero interesse de gentileza, como quando se cede a viatura a um amigo, um interesse meramente recreativo, o que não deixa de constituir aquela posição favorável à satisfação de uma necessidade» na definição dada ao interesse por CARNELUTTI.
Normalmente, quem empresta a viatura a um amigo, gratuitamente, fá-lo, portanto, no seu interesse; e, porque não deixa de manter a direcção efectiva, responde solidariamente com aquele por danos causados nessa viagem”.[50]
Segundo anotam Pires de Lima e Antunes Varela[51] “o segundo requisito-utilização no próprio interesse-visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem”.
Discute-se se, em caso de comodato de veículo, tem a direcção efectiva do veículo o comodante ou o comodatário.
Evidentemente que, como refere Vaz Serra[52], “O saber se no empréstimo do veículo a direcção efectiva deste e o interesse na sua utilização pertencem ao respectivo proprietário depende do que tiver concretamente ocorrido em cada caso”.
Contudo, no que tange ao proprietário do veículo que o empresta, a direcção efectiva e a utilização no próprio interesse presumem-se naturalmente, incumbindo ao comodante, se assim não for, ilidir essa presunção.[53]
Parece que é de seguir a orientação que entende que o empréstimo do veículo é uma das faculdades do proprietário (artigo 1305.º). Portanto, por regra, no comodato, o veículo continua a circular no interesse e sob a direcção do proprietário.[54]
Só não será assim, passando a direcção efectiva do veículo para o comodatário “se o comodante dá ao comodatário grande amplitude na sua utilização e lhe exige responsabilidade na sua conservação e reparação”.[55]
O contrato de comodato é, atenta a noção do artigo 1129.º, um contrato unilateral (pelo menos, bilateral imperfeito) e gratuito.[56]
Isto dito, no caso sub judice está provado nos autos que:
- “Entre o D… e o gerente da Ré H…, L.da, estabeleceu-se um acordo mediante o qual este disponibilizava ao D… veículos de alta gama e cilindrada do Stand da Ré H…, para que o D… neles se fizesse transportar”;
- “Em contrapartida o D… fazia publicidade ao stand da Ré H…, mediante autocolantes colocados no veículo por aquela sociedade” (factos descritos em 56º e 57º).
Tal como bem se refere na decisão recorrida, perante esta factualidade poderia, pôr-se em dúvida que existisse, no caso em apreço, a gratuitidade uma vez que existia uma espécie de contrapartida para a cedência do uso dos veículos, e que era a obrigação de o D… fazer publicidade ao Stand da H…, Lda, mediante autocolantes desta nos veículos que lhe emprestava, todavia, como aí se refere, não se trata de uma verdadeira contrapartida, capaz de converter o comodato em empréstimo retribuído ou oneroso.
Com efeito, não se vê como se possa integrar a simples circunstância de o D… circular com veículos da H…, Lda, portadores autocolantes a publicitar o Stand, no conceito de prestações dos artigos 397.º e 398.º do CCivil, mesmo de conteúdo negativo, uma vez que a “prestação” consistia simplesmente em circular com veículos portadores dos autocolantes colocados pela empresa.
Apesar da omissão da lei, o comodato, como todas as liberalidades, admite modo e motivação remuneratória”.[57]
No caso presente, o D… tinha o encargo de circular com os veículos que a H…, Lda lhe emprestava sem lhes retirar os autocolantes do Stand da empresa. Tratava-se de um encargo sem natureza patrimonial, que não pode qualificar-se como contrapartida económica, pelo menos.
Quer dizer, o acordo celebrado entre a H…, Lda, e o D… não perdia a sua natureza de contrato gratuito, de empréstimo, de cedência gratuita dos veículos integrando a noção do artigo 1129.º.
Como sobre o D… não impendiam outras obrigações que as de guardar, conservar a coisa e restitui-la findo o tempo ou o fim do empréstimo, temos que os veículos circulavam sob a direcção e no interesse do comodante, ou seja, da Ré H…, Lda, nos termos supra referidos, pois, a finalidade da sua circulação era feita no exclusivo interesse daquela, tendo em vista a publicidade do seu stand.
E contra isto não se argumente que, no JB não estavam, à data do sinistro, colocados quaisquer autocolantes publicitários da Ré apelante.
Desde logo, importa dizer que esse facto não esta provado nos autos. Porém, mesmo que estivesse provado, isso não significava que pelo facto de, àquela data, o referido veiculo não ter a referida publicidade ela não viesse mais tarde a ser colocada, o que, como se torna evidente, em nada contende como acordo que haviam firmado.
Mas, mesmo admitindo que essa publicidade não viesse a ser colocada, sempre incumbiria, como já supra se referiu, à Ré apelante como proprietária do veículo o ónus de provar não ter a direcção efectiva nem o veículo circular no seu interesse o que, manifestamente não fez, face ao quadro factual que nos autos se encontra provado, sendo certo, como supra já se referiu, que a propriedade do veículo faz presumir (presunção natural) a direcção efectiva e a circulação no interesse do respectivo proprietário.
Isto dito, a Ré apelante responde objectivamente nos termos do já artigo 503.º, nº 1 do CCivil.
Efectivamente, para que seja excluída a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do citado normativo é necessário que o acidente deva considerar-se imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou que resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (artigo 505.º, do CCivil), sendo que, neste normativo não se coloca um problema de culpa, mas de causalidade, pois “trata-se de saber se os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro”.[58]
Ora, estando provado nos autos, como já noutro passo se referiu, que na origem do sinistro não está um facto praticado pelo condutor do JB ou por terceiro, mas sim o rebentamento de um pneu que acarretou a perda do domínio do veículo, eventualidade inerente ao seu funcionamento e, como tal, compreendida no risco, como se tem geralmente entendido[59], a responsabilidade da Ré recorrente é, pois, como afirmado, objectiva nos termos do artigo 503.º, nº 1 do CCivil.
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Destarte, improcedem as conclusões nºs 83ª a 130ª formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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Aqui chegados, importa concluir que, não podendo ser atribuída qualquer culpa, efectiva ou presumida, na eclosão do sinistro, ao malogrado D…, responsável, em termos objectivos nos termos que se deixaram descritos, pelos danos decorrentes do mesmo é apenas a Ré H…, Lda como proprietária do veículo JB e o Fundo de Garantia Automóvel.
Como assim, haverá que revogar-se a decisão recorrida na parte em que condenou a Herança aberta por óbito do D… solidariamente com a Ré H…, Lda e Fundo de Garantia Automóvel a pagar aos Autores o montante de € 117.000,00, bem como a sua condenação solidária, com as referidas Rés a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia € 2.515,32.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
a)- julgar a apelação interposta pela Ré Herança aberta por óbito do D… parcialmente procedente por provada e consequentemente revogando a decisão recorrida, absolve-se a referida Ré dos pedidos contra si formulados pelos Autores B… e C…;
b)-Julgar as apelações interpostas pelos Autores, Ré H…, Lda e Fundo de Garantia Automóvel improcedentes por não provados e, consequentemente, manter a condenação solidária da Ré H…, Lda e Fundo de Garantia Automóvel a pagar aos Autores o montante de € 117.000,00 (cento e dezassete mil euros), bem como ao Instituto ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia € 2.515,32 (dois mil quinhentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos).
c)- manter o restante decidido.
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Custas das apelações interpostas pelos Autores, Ré H…, Ldª e Fundo de Garantia Automóvel por cada um deles e custas da apelação interposta pela Herança aberta por óbito do D… na proporção do decaimento por ela e restantes Rés (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 14 de Março de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Rita Romeira
Caimoto Jácome
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[1] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª Almedina, pág. 49.
[2] Antunes Varela, ob. citada pág. 54.
[3] Obra citada pág. 55.
[4] Diploma a que pertencerão as restantes normas citadas sem menção de origem.
[5] Segundo o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pg. 646, há na concessão do direito indemnizatório previsto no artigo 495º nº 3 “uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante”; idem, Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pg. 401 e Dario M. de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 264 e segs.
[6] Obra e vol. cit., pg. 647.
[7] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Responsabilidade Civil”, vol. II, pg. 15, e sendo suficiente para a sua atribuição a simples previsibilidade futura de que iriam ser exigidos alimentos ao lesado (art. 564º, nº 2) cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 379 e Ribeiro Faria, Obrigações, vol. I, p. 527, nota 3. No mesmo sentido Acórdãos do STJ de 08/05/2008 proc. 08B726, relatado pelo Cons. Serra Baptista, disponível in www.dgsi.pt/jstj, que decidiu que o terceiro reflexamente lesado “tem direito a indemnização pelo facto de poder exigir alimentos ao lesado”, “podendo a própria necessidade de alimentos ser futura”, “apenas tendo que ser previsível”; de 20/10/2009 proc. 85/07.9TCGMR.G1, relatado pelo Cons. Nuno Cameira, disponível no mesmo “sítio” que decidiu que “parece certo que o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo art. 495º, nº 3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos; basta demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir”; e desta Relação do Porto de 09/02/2009 proc. 0835934, relatado pela Des. Deolinda Varão, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, que declarou perfilhar a posição do Prof. Antunes Varela, no sentido de que “basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos”; e de 24/11/2005, proc. 0534035, relatado pelo Des. Pinto de Almeida, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que “é de todo indiferente (…) que eventualmente não fossem pagos alimentos anteriormente”, pois “o que releva é a possibilidade de eles serem exigidos”-contra, defendendo que a indemnização depende da prova da necessidade de alimentos, presente ou futura, por banda daquele que invoca esse direito, decidiram, os Acs. do STJ de 16/03/1999 BMJ nº 485–386/396, de 25/02/2002, in Col. Jur. Ano X, pág. 62/64 (Relator Silva Paixão) de 21/05/2009, proc. 213/09.0YFLSB e de 17/12/2009, proc. 77/06.5TBAND.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj.
[8] Cfr. Adriano Vaz Serra in Revista de Legislação e de Jurisprudência (RLJ), Ano 108, pág. 185.
[9] Cfr. Antunes Varela, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1968, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, pág. 43 e segs., pág. 60.
[10] Fica assim, apreciada esta questão que também o FGA colocou no seu recurso.
[11] Cfr. BMJ, n. 365-13.
[12] Cfr. BMJ, n. 365-13.
[13] Veja-se, dando disso notícia, o Ac. S.T.J. de 17/12/2009, disponível no sítio www.dgsi.pt.
[14] In www.dgsi.pt.
[15] Veja-se também o Ac. S.T.J. de 31/01/2012.
[16] A este propósito é bem elucidativa a resposta dada por E. A.Posner/C.R.Sunstein, “Dolllars and death”, Chic. Law Review, 2005, 2, 545, citados por Manuel Maria Veloso nas Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, quanto à pergunta do quantum a pagar: “considerando uma função preventiva ou disuasora (deterrence), o agente deve pagar o montante que a vítima estaria disposta a pagar para evitar o risco gerado pelas acções do lesante, comprando alarmes de incêndio ou Volvos, dividida por esse risco”.
[17] Cfr. BMJ 357, 399.
[18] Cfr. Ac. do STJ já citado de 31/01/2012.
[19] Neste sentido, ver Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 669.
[20] Cfr. Antunes Varela, obra citada pág. 670.
[21] In “Código de Processo Civil Anotado”, volº 2, Coimbra, 2001, pág. 670.
[22] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 671.
[23] No mesmo sentido escreve Alberto dos Réis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141 “(…) o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
[24] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[25] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[26] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Cfr., v.g. Vaz Serra, “Direito Probatório Material”, in BMJ, nº 112, pág. 190.
[29] Cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207.
[30] Cfr. Vaz Serra, ob. e loc. cit.
[31] Como escreve Luís Filipe Pereira de Sousa in Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina 2012, pág. 267 “A participação do acidente é um documento autêntico na precisa medida em que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração. E, nos termos do artigo 371.º nº 1 do C.Civil, tal documento faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade pública, assim como dos factos que nele é atestado com base nas percepções do agente da autoridade. O Documento prova plenamente que foram objecto das acções ou percepções do documentador, de que ele se certificou com os seus sentidos (…). Assim se o agente da autoridade efectua medições de rastos de travagem e os localiza, mede e anota a largura da faixa de rodagem, anota os sinais de trânsito e a sua localização, anota o local onde os veículos ficaram imobilizados após o acidente, descreve os danos externos visíveis nos veículos, todos estes factos passam a estar abrangidos pela força probatória pela do documento autêntico em causa. Tal força probatória será desvirtuada, ilidida mediante a arguição e prova da falsidade ideológica / a largura não é x mas y, o rasto de travagem não e 10 mas de 20 etc.) ou falsidade material do documento (v.g., o agente fez constar do croquis o rasto de travagem quando nem chegou a medi-lo).
[32] Consultável em http:www.ipma.pt
[33] No que tange à prova da velocidade não é necessário, para tal efeito, fazer uso de um velocímetro.
Efectivamente, em sede de prova, não está em causa uma certeza matemática, mas uma certeza empírica, relativa, histórica, que é suficiente para as necessidades da vida e que se reconduz a um alto grau de probabilidade. Não precisa o julgador de ter uma certeza absoluta do facto a provar, mas apenas um grau de probabilidade tão elevada que baste para as necessidades da vida-cfr. Manuel de Andrade, Rev. Leg. Jur., Ano 88º-301 e Vaz Serra, B.M.J. 110º-82.
[34] A Relação nestes casos limita-se a aplicar as regras vinculativas extraídas do direito probatório, devendo, por isso, integrar na decisão o facto que considere provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado, alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte, cfr. Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil Novo Regime, 3ª Ed., Almedina, pág. 310.
[35] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297.
[36] In www.dgsi.pt.
[37] Cfr. Brandão Proença in "A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério da Imputação do Dano Extracontratual" pág. 445).
[38] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed. pág. 447 e seguintes.
[39] Cfr. neste sentido Ac. do S.T.J. de 11/04/1981 B.M.J. nº 307, pág. 191.
[40] Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 192.
[41] B.M.J. Nº 68, pág. 87.
[42] Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed. pág. 312.
[43] Cfr. Manuel de Andrade obra citada pág. 215 e 216; Antunes Varela, Miguel Bezerra, S. Nora, Manual de Processo Civil Ed. 1984, pág. 486 a 488.
[44] Direito Criminal, Vol. I, pág. 223.
[45] Cfr. entre outros Acs. do S.T.J. de 8/01/1970, de 28/05/1974, de 14/05/1981, 14/10/1982, de 5/07/1984, de 6/01/1987, de 03/903/1990 in respectivamente B.M.J., nº 193 pág. 326, nº 237 pág. 231, nº 307 pág. 191, nº 320 pág. 422, nº 339 pág. 364, nº 363 pág. 488 e nº 395 pág. 534 e da Relação do Porto de 7/11/1991 in Col. Jur. Ano VXI, Tomo V, pág. 182, e ainda os Acs. do STJ de 01-02-2000 (Rel. Silva Paixão); de 04-07-2002 (Rel. Ferreira Girão); 26-06-2003 (Rel. Santos Bernardino); 22-04-2004 (Rel. Ferreira de Almeida) e de 19-10-2004 (Rel. Oliveira Barros).
[46] Cfr. Acs. STJ de 6/1/87 e 7/11/2000, in BMJ 363º-488 e CJ VIII-III-104.
[47] 13 - Pires de Lima e Antunes Varela-Código Civil Anotado, Vol. I 4ª ed., 1987, Coimbra Ed. pág. 513
[48] Cfr. neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ, de 06/12/2000, de 20/02/2001 de 21-01-2014 in, respectivamente, CJ/S, Ano IX-III-141/143, Ano IX-I-127/131 e www.dgsi.pt.
[49] Cfr. S.T.J. de 27-10-88, Bol. 469 e de 6-11-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 141.
[50] Dário Martins de Almeida, Manual dos Acidentes de Viação, 3ª edição, pág. 317.
[51] Obra citada pág. 514.
[52] V. Serra, RLJ, 114º-286.
[53] Emprestado certo veículo, é ao comodante, réu na acção, que incumbe a prova da transferência para o comodatário da respectiva direcção efectiva.”-Ac. STJ de 25/10/1983, BMJ, 330, 511.
[54] Cfr. neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 03/06/1975-BMJ nº 248/399 e de 03/02/1976- BMJ nº 254/185.
[55] Cfr. Acórdão do STJ, de 25/02/1982-RLJ, Ano 118-154/159 com anotação do Prof. Antunes Varela.
[56] Acórdão do STJ, de 25/02/1982-RLJ, Ano 118-154/159 com anotação do Prof. Antunes Varela.
[57] Carlos Ferreira de Almeida-Contratos, Vol. III (2012, Almedina) pág. 58.
[58] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 491 e mais doutrina e jurisprudência aí citada.
[59] Vide, nomeadamente, A. Varela, Das Obrigações em geral, I, 4ª edição, Almedina, págs. 589 e 602, Vaz Serra in RLJ, Ano 118, pág. 209 Dário Martins de Almeida, obra citada pág. 318 e, entre outros, acórdão do STJ de 09.01.1997-processo 96B50 in www.dgsi.pt.