SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

I - Para efeitos do art.º 712, do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, para o efeito, que tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pela Apelante.
II - Sendo a Autora uma empresa que tem por objecto a produção transporte e distribuição de energia eléctrica, goza, nessa medida, de um estatuto de utilidade pública e, encontrando-se reconhecida a utilidade pública das respectivas instalações eléctricas, atento ao disposto no art.o 51, do DL 43 335, de 19.11.60, tem o direito de atravessar prédios particulares com linhas aéreas e montar nesse prédios os necessários apoios.
III - Está em causa uma servidão, não submetida ao regime do C. das expropriações, que assume natureza especial e está dependente da prática de um acto da Administração - licença de estabelecimento da instalação respectiva, a obter de acordo com as disposições constantes do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo DL 26 852, de 30.7.36 com as alterações introduzidas pelo DL 446/76, de 05.06.76 e 344/89, de 13.05.89.
IV - Tal acto definidor da Administração é condição de eficácia de imposição ao proprietário do prédio onerado, pelo que a sua inexistência constitui uma agressão ao respectivo direito de propriedade deste.

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,
1. EDA – ELECTRICIDADE DOS AÇORES, SA propôs acção declarativa com processo ordinário contra (A) e (B) pedindo que lhe seja reconhecido o direito de entrar nos prédio dos Réus, com aviso e da forma que menor prejuízo lhes cause, para realização das manutenções e beneficiações que se computarem necessárias ao cumprimento do serviço público que lhe está acometido relacionados com o transporte e distribuição de electricidade e com a segurança e bom estado de conservação das instalações.   
    Faz assentar a acção no facto dos Réus se terem oposto à presença de duas linhas de transporte de energia de alta tensão (60 KV) – linha CT do Caldeirão – SE Lagoa e linha SE de Milhafres – SE de Lagoa, que se encontram implantadas no prédio propriedade dos mesmos, sendo certo que a implantação das referidas linhas (por si levada a cabo no âmbito da actividade de serviço público que lhe está cometida e onde se incluiu o dever de assegurar a manutenção periódica das instalações) foi efectuada com autorização daqueles (quanto à primeira linha) e sem a sua oposição (relativamente à segunda linha).
           
2. Após citação contestaram os Réus alegando, fundamentalmente, que implantação das duas linhas eléctricas no seu prédio foi efectuada pela Autora com a sua oposição e durante o período em que se encontravam ausentes de Ponta Delgada, a residir nos Estados Unidos.
         Alegaram que com a presente acção a Autora tem em vista, não a manutenção da linha eléctrica, mas o aproveitamento das instalações para fazer passar cabos de fibra óptica para as comunicações telefónicas e outras a fim de serem comercialmente exploradas por empresa sua associada –  Oniaçores, Lda.
 Sustentam os Réus a inexistência de qualquer direito da Autora, designadamente o direito de passagem, sobre o terreno de que são proprietários, por lhe não ser aplicável a declaração de utilidade pública (inaplicabilidade do DL 99/91, de 02.03, uma vez que é uma empresa de capitais públicos e o diploma em causa visa apenas as entidades privadas que se associem ao Estado na actividade de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica) e, ainda que tivesse sido declarada a utilidade pública, por a empresa não se ter socorrido, no caso, dos institutos da expropriação ou da constituição de servidão.
           Consideram pois os Réus que, não tendo a Autora obtido a sua prévia autorização para ocupação do prédio com vista ao licenciamento das linhas em causa, encontra-se a mesma a violar o seu direito de propriedade sobre o imóvel e, nessa medida, não só impede a procedência da acção, como legitima o pedido reconvencional para remoção das linhas em causa (bem como da torre que as apoiam) alterando o seu trajecto ou fazendo-as passar subterraneamente, e de condenação da Autora a pagar a importância mensal, não inferior a 60.000$00 (desde a implantação e até à remoção das linhas), pela ocupação ilícita que aquela vem fazendo do imóvel.
   Ainda em reconvenção e, para além da remoção das linhas, alegando danos decorrentes da incerteza dos efeitos nefastos decorrentes de se encontrarem a habitar uma casa onde, por cima, passam, a uma distância de 4 metros, as linhas de alta tensão (morte, caso a linha possa cair em cima do imóvel, dado estar em causa zona altamente sísmica, com chuvas torrenciais e ventos fortes, ou mesmo o embate de uma ave provocando curto-circuito e a queda da linha; efeitos magnéticos na saúde e nos equipamentos de natureza electrónica; ruído audível no interior da habitação semelhante a curto-circuito quando chove e ocorram ventos fortes; impossibilidade dos filhos poderem brincar com objectos, nomeadamente papagaios que possam tocar nas linhas), pedem ainda os Réus a condenação da Autora no pagamento de indemnização, a título de danos morais, num total de 1.000.000$00 e juros de mora.
3. Em resposta a Autora mantém o posicionamento assumido na petição inicial, suscitou incidente de valor relativamente à reconvenção deduzida e concluiu pela improcedência do pedido reconvencional.
4. Realizada audiência preliminar foi decidido o incidente de valor fixando o valor da acção em 12.000.000$00 e o valor da reconvenção de 8.500.000$00.
   Tendo-se mostrado infrutífera a tentativa de conciliação das partes, foi proferido saneador, fixado o factualismo assente e seleccionados os factos controvertidos a constar da base instrutória.

5. Realizadas as perícias requeridas foi efectuado julgamento com gravação da prova e após as partes apresentarem as respectivas alegações de direito, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido; parcialmente procedente a reconvenção, condenando a Autora a remover as duas linhas de alta tensão que atravessam a propriedade dos Réus, bem como a torre ou poste em que se apoiam, absolvendo-a dos restantes pedidos.
6. Inconformados, quer a Autora, quer os Réus apelaram da sentença.
7. Os Réus concluíram nas suas alegações:
a) Em datas não anteriores a 1987 (quanto à primeira linha) e não anterior a 1990 (quanto à segunda linha), a A, ora recorrida, entrou na propriedade dos RR e aí implantou duas linhas de transporte de energia eléctrica com 60 Kv cada (linhas de alta alta tensão);
b) Fê-lo sem que previamente obtivesse autorização dos RR, ora recorrentes (factos provados n.ºs 9, 10, 11 e 36)
c) E contra a vontade destes (factos provados n.ºs 12, 13)
d) Fê-lo, ainda, sem que para o efeito obtivesse o prévio licenciamento dessas instalações. Além do mais;
e) Nenhuma dessas instalações, até à data, foi objecto de uma declaração de utilidade pública (factos provados n.º 18). Acresce que;
f) Desde então, quer funcionários da A quer outras pessoas com ele relacionadas têm entrado no prédio dos RR e aí permanecido, o que já aconteceu por mais de vinte vezes;
g) Provado ficou ainda que "a passagem das linhas (...) importa uma desvalorização do prédio" dos RR (facto provado n.º 46);
h) A A não tem qualquer direito a implantar as instalações em causa no prédio dos RR, ou de aí entrar ou permanecer;
i) Ao fazê-lo, ofende o direito de propriedade dos RR, direito este consagrado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa e integrado nos direitos fundamentais, e com sede legal, ao nível do direito ordinário, no artigo 1305.º do Código Civil;
j) A ocupação que a A faz do prédio dos RR traduz-se numa restrição, ao direito de propriedade dos RR que a lei não comporta, quer porque não autorizada pelos RR, quer porque não licenciada, quer ainda porque não declarada de utilidade pública pelas entidades competentes;
k) A conduta ilícita e culposa da A faculta aos RR o direito a exigir, como exigiam, uma indemnização como ressarcimento dos danos que a ocupação que a A fez do seu prédio lhes causou, nos termos gerais da responsabilidade civil, ou, em alternativa, a título de enriquecimento sem causa da A.
l) Entendeu-se em primeira instância não ser devida uma tal indemnização, “já que os reconvintes não demonstraram ter sofrido danos em consequência da actuação da A ". Acontece que, nos autos, ficaram provados diversos factos dos quais resulta que houve utilização, não consentida, da propriedade dos RR, por parte da A., que utilizou e utiliza os terrenos para fazer passar as linhas de alta tenção, bem como para aí instalar os postes das mesmas, sendo certo que essas linhas fornecem energia a quase metade da Ilha de S. Miguel.
m) Ora, pelo fornecimento de energia a A. recebe contrapartidas, aliás que consubstancia o objecto da sua actividade comercial.
n) Obteve, por isso, um enriquecimento na fruição e uso do prédio em causa.
o) Ao ocupar uma propriedade deveria, em condições normais, liquidar uma renda por esse ocupação o que não aconteceu.
p) Ora, a liquidação de uma indemnização que equivale ao pagamento e uma renda mensal de 60.000$00 por cada mês de ocupação é equitativa.
q) Mesmo que se considere que não existem elementos em quantidade e objecto que permitam ao meritíssimo juiz fixar uma indemnização por danos patrimoniais, estando provado e assenta a existência dos mesmos teria a sentença que relegar o pagamento dos mesmos em sede de liquidação de execução de sentença.
r) Conforme o disposto no Art.o 661 n.o 2 do C.P.Civil.
s) Mesmo que se entenda não existir enriquecimento sem causa sempre haverá responsabilidade civil e dever por parte da A. de indemnizar os RR.
t) Atendendo ao preceituado no artigo 483.º do Código Civil, são pressupostos dessa responsabilidade: a existência de um facto ilícito, imputável ao lesante a título de dolo ou negligência; a existência de um dano;
u) No caso vertente, o facto ilícito traduz-se na ocupação indevida pela A do prédio dos RR.
v) Sendo os danos os já referidos e apurados sob em 14, 20, 38, 39, 40, 42 e, sobretudo, 46 dos factos tidos como provados (desvalorização do prédio dos RR);
w) Quanto a este último dano, cuja existência é inequívoca, é, de resto, unânime o entendimento de que a presença de tais linhas acarreta uma desvalorização do terreno onde as mesmas se encontram implantadas, desvalorização essa que é indemnizável e que no caso presente se deverá reportar ao período da ocupação indevida;
x) Devendo, no caso presente, reflectir a perda de utilidade que deriva da impossibilidade de habitar a casa dos RR. enquanto durar a ocupação;
y) Além disso, conforme dispõe o artigo 564.º do C.C. "o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão";
z) Têm, ainda, os RR o direito a serem indemnizados pelo valor do uso do prédio que a A fez;
aa) Tendo esta beneficiado e enriquecido ilegitimamente com tal ocupação, atentos os factos provados sob os n.ºs 22, 23, 25, impossibilitando os RR de habitar na sua casa e diminuindo o valor do prédio destes;
bb) Se se considerar que não foi possível apurar qual o exacto valor do enriquecimento obtido pela A com esta ocupação, pelo que deverá a indemnização correspondente ser arbitrada de acordo com a equidade ou, em alternativa, ser liquidada em execução de sentença, nos termos do disposto no n.o 2 do artigo 661.º do C.P.C..E de resto;
     Indemnização por danos morais:
cc)  Provado ficou que as instalações da A existentes no seu prédio impedem que os seus filhos  brinquem "com papagaios ou quaisquer outros brinquedos que possam tocar na linha" (factos provados n.º 20);
dd) Provado ficou que "em caso de sismo, existe o risco de as linhas (...) caírem sobre a casa dos RR" (factos provados n.º 38), causando a morte dos que ali se encontrarem (factos provados n.º 39);
ee) Provado ficou que "podem ocorrer curtos circuitos em virtude de aves pousarem nessas linhas" (factos provados n.º 40):
ff) E que as referidas linhas, quanto chove intensamente ou quando faz vento, emitem um ruído semelhante ao de um curto circuito, audível em casa dos RR (factos provados n.º 41,42 e 43);
gg) Provadas ficaram ainda outras graves limitações ao direito de propriedade dos RR, quer ainda aos seus direitos de personalidade.
     Nomeadamente;
hh) Conforme se pode ler na douta sentença (por referência aos factos provados sob o n.º 45) provado ficou também que "a passagem dos fios" de alta tensão "cria campos electromagnéticos, geradores de perigo real para a saúde de quem vive na casa dos RR".
ii) Da actividade da A resulta igualmente uma ofensa aos direitos de personalidade dos RR;
jj) Qualquer cidadão tem direito a ver tutelados, entre outros, o seu direito à vida (aqui na sua vertente direito à qualidade de vida), direito à saúde, ao bem-estar ao repouso e à segurança;
kk) Ora, no caso em apreço a A criou uma situação de perigo para os direitos de personalidade dos RR;
ll) Privando-os de habitar a casa construída, atentos os factos apurados e provados e identificados sob os n.ºs 37 a 45.;
mm) E provocando-lhes os danos apurados sob os n.ºs 47 e 48 dos factos provados;
nn) Danos esses, pela sua gravidade, indemnizáveis a titulo de danos morais, nos termos do Art° 496 do C. Civil.
oo) A actuação da A é ainda violadora de direitos titulados pelos RR em matéria de ambiente (direitos esses que não deixam de se inscrever nos direitos de personalidade);
pp) Desde logo, é a C.R.P. que determina que "todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (artigo 66.°, n.º 1);
qq) Por tudo, têm os RR o direito a pedir, uma indemnização pelos danos já provocados;
rr) Ao não fixá-la, a sentença recorrida ignorou os factos tidos como provados;
ss) Não fazendo a correcta aplicação dos artigos 496 do C.C., 493.°, n.º 2 564.° e 565.° do C. C.

8. A Autora, nas suas alegações, deduziu as seguintes conclusões:
1.  As respostas aos quesitos 17 a 22 devem considerar-se não escritas e, nessa medida, não tidas em consideração na decisão final.
2. Só devem ser especificados ou quesitados factos materiais simples e não juízos de valor ou conclusões extraídas de realidades concretas. Neste sentido Ac. do STJ de 6.10.81, BMJ 310-259.
3. Tais quesitos não se reportam à realidade concreta da linha CT de Caldeirão - SE de Lagoa ou à linha SE de Milhafres - SE de Lagoa.
4. Tais quesitos reportam-se a todas as linhas eléctricas de 60 kV.
5. Assim, tais quesitos não se reportam a factos materiais simples mas a abstrações ou conclusões extraídas de múltiplas realidades concretas.
6. Nesta conformidade os quesitos 17 a 22 violam o disposto no art° 511 do CPC, sendo nulos, razão porque devem considerar-se as respostas aos mesmos não escritas.
7. Tanto mais que a redacção aos quesitos condicionou a produção de toda a prova, designadamente a prova pericial e testemunhal.
8. Sobretudo a prova pericial foi orientada para se pronunciar sobre as redes eléctricas em geral e não sobre as redes eléctricas objecto do litígio.
9. Sem prejuízo do exposto, deve realçar-se que na resposta a tais quesitos e ainda ao quesito 29º houve um claro erro de apreciação por parte do Sr. Juiz "a quo".
10. Os quesitos 18 a 22 reportam-se às redes eléctricas em geral, razão porque as respectivas respostas devem também elas reportar-se às redes eléctricas em geral.
11. Nesta conformidade a prova relevante e com razão de ciência para a resposta a estes quesitos é a prova com formação e informação técnica, ou seja, a prova pericial e o depoimento das testemunhas com formação específica.
12. As perícias requeridas sobre tal matéria de facto tiveram o objecto definido por despacho de fls. 41 e 41 v., objecto que se realça veementemente.
13. O perito (P) elaborou o relatório de fls. 92 e prestou os esclarecimentos em audiência de julgamento de 23.10.01, conforme acta de fls. 154 v., esclarecimentos esses gravados em suporte magnético do n° 02 ao 200 da I cassete.
14. Sobre a matéria do quesito 170 o Sr. perito sustenta:
a) - "aves de grande porte, (por exemplo gaivotas) em determinadas
condições, poderão provocar curto-circuitos nas linhas aéreas de 60 kV. Salienta-se que não basta o mero contacto, sendo necessário a verificação de determinadas condições."
b) - "a probabilidade de ocorrência, a probabilidade técnica de ocorrência de um problema desses é zero. Se me perguntassem, a probabilidade matemática é zero? Não é, portanto, eu posso sempre imaginar um dado contexto em que isso possa ocorrer. E daí essa minha ressalva no texto. De qualquer forma, em termos de probabilidade técnica... isto é, em termos de risco de ocorrência de um determinado acontecimento, eu, para esta situação, diria que é nula a probabilidade de ocorrência. "
c) - "Advogada - A questão é: vamos supor que, se é um milhafre e se o contacto dessa ave com a linha não é susceptível de criar esses curto- circuito?
Engº - A resposta é zero, a resposta técnica da probabilidade é zero, na perspectiva do que eu disse. Portanto é extremamente baixa a ocorrência de circunstâncias que levem a que a presença de uma ave dessas conduza a um incidente, a um curto-circuito."
d) - " Advogada - Quais são, desculpe lá a insistência, esse conjunto de circunstâncias que o sr. Engº acha que dão zero?
Engº - o milhafre não via a linha. O n° 2 tinha que cruzar a linha numa determinada situação, para que ocorresse o curto-circuito... portanto são duas circunstâncias muito pouco prováveis."
15. Por outro lado, ainda sobre a matéria de facto do quesito 17°, a testemunha (K) em audiência de julgamento de 20.11.01, conforme acta de fls. 164 v., em depoimento gravado em suporte magnético do n° 200 ao 600 da VI cassete, refere:
"Advogada - Por exemplo uma ave bate contra a linha, vamos supor... imagine que uma ave bate contra aquela linha, o que é que pode acontecer?
(K) - Não sei, tenho um bocado de receio pronunciar-me sobre isso porque acho que um milhafre...não tem uma estrutura.. não há uma descarga, a massa de elctromecânica não provoca um defeito grande...
Advogada - Não provoca um defeito grande, então o que é que provoca?
(K) - Alguma perturbação da linha em termos de exploração da linha.
16. Considerando esta prova produzida não é verdade que podem ocorrer curtos circuitos em virtude de aves pousarem nas linhas eléctricas, sendo, por isso, não verdadeira a resposta dada à matéria de facto.
17. Uma ave pousada ou a pousar na linha não provoca curtos circuitos.
18. Quanto aos quesitos 18 a 20 o mesmo Sr. perito sustenta:
a) - "As linhas aéreas emitem ruído acústico devido ao vento e ao efeito de coroa. Só a realização de registos locais permitiria determinar se o nível de ruído é danoso para os residentes."
b) -"Os curto-circuitos são também geradores de ruído. Tratando-se, contudo, de fenómenos de natureza muito esporádica e de duração muito curta, julgamos não ser de valorar os eventuais danos provocados pelo ruído que originam."
c) - "Relativamente a situações de tempestade, o vento, ao entrar em contacto com os condutores, pode provocar ruído, isso agora, em relação à sua intensidade, só perante uma situação concreta e realizando medições é que se poderá quantificar. Depende de ventos predominantes, depende da exposição da linha em relação aos ventos e depende da própria construção da linha. Quer dizer: uma linha de 60 Kvolts, há várias, metodologias, ou tipologias de linhas. Portanto, é uma pergunta que não posso dar uma resposta exacta, na medida em que eu estou aqui a tentar estabelecer uma relação de causa e efeito e não conheço nem o tipo de vento da zona nem a sua intensidade, nem o tipo de construção da linha, nem a exposição da linha relativamente a esses ventos predominantes."
e) - (...) o que está em causa aqui é o aspecto mecânico. Portanto, na linha, eu posso desligar a linha, isto é não tenho nem tensão da linha nem corrente, portanto é um elemento absolutamente passivo, um objecto que está ali passivo e mesmo assim o impacto ou o efeito do vento é o mesmo, ou seja, eu posso dizer que o mecanismo a que está associado o ruído emitido por uma linha, na ocorrência de uma tempestade é da mesma natureza, portanto o mecanismo que está por detrás desse ruído é mesma natureza do ruído do mar, de uma linha telefónica, de um mastro de bandeira, enfim, de qualquer estrutura que esteja exposta ao vento, e por razões mecânicas exclusivamente
emite ruído. Advogado e) -" O ruído do próprio imóvel, que se situa... "
perito - "Sim. A sair por uma chaminé... Portanto é um mecanismo de natureza mecânica. Não tem a ver com o facto da estrutura suportar ou não o transporte da energia."
19. A citada testemunha (K) refere: "Advogada - Fala-se aqui de um ruído intermitente, separado por poucos segundos, que se mantém repetidamente enquanto dura a tempestada ou a tensão. Não falamos dessa situação. . .
(K) - A tensão está sempre na linha, agora esse tipo de defeito... porque numa situação normal não deve existir..."
20. Da análise do relatório do perito, dos seus esclarecimentos e do depoimento da testemunha (K), apenas se pode dar como assente que: o ruído produzido por linhas de 60 kV é um ruído exclusivamente mecânico resultante da resistência ao vento da sua estrutura.
21. Alteradas as respostas aos quesitos 18° a 20°, terá igualmente que ser alterada a resposta ao quesito 21 °, quer por estarem intimamente conexadas, quer porque o que determina as alterações daquelas sustentam também a alteração desta.
22. Sobre a matéria do quesito 22° da base instrutória relativa aos efeitos electromagnéticos, para além do relatório do perito (P), foi elaborado relatório pericial por (W)
23. (P) no seu relatório de fls. 92 refere que "só a realização de registos e inspecções locais permitiria emitir pareceres".
24. perito (W) aprecia no seu relatório pericial de fls. 70 a 73 a problemática em geral dos efeitos electromagnéticos.
25. Importa desde logo realçar um lapso ostensivo que este relatório contém.
26. 0 relatório pericial reporta-se no penúltimo parágrafo aos valores recomendados pelo ICNIRP - International Comission on Non- lonizing Radiation Protection.
27. Os valores constantes do relatório não correspondem aos valores recomendados pela citada instituição. As unidades de medição do campo eléctrico estão erradas.
28. Na verdade, a unidade de medição do campo magnético tem vários submúltiplos. É usual medir os campos em uT (microteslas), mas também se podem medir em mT (militesias), sendo esta medida utilizada com frequência na literatura americana. Uma militesia (mT) corresponde a mil microteslas, isto é, 1 mT=1 000 uT.
29. No Relatório o Sr. Perito confundiu estas unidades de contagem. Assim, o Sr. Perito utilizou equivocadamente como critério no seu parecer, como sendo os valores recomendados pelo ICNIRP, valores 1000 superiores aos efectivamente recomendados.
30. Esta confusão levou o Sr. Perito a tirar conclusões e a fazer raciocínios desadequados da situação concreta.
31. Todavia, o Sr. Perito em nenhum momento se refere à situação concreta respondendo, assim, ao objecto da perícia.
32. Nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento de 23.10.01, a fls. 154 v. e 155, gravados em suporte magnético do n° 200 ao 600 da I cassete, quando instado se tomou em consideração as características da rede eléctrica e os efeitos concretos electromagnéticos que dela surgem, o mesmo perito respondeu:
"Não, de facto, em termos desse pormenor não foi", "para já tem que haver uma medição do potencial de exposição, de facto, a uma situação tão curta de 4m como está a referir, tinha que se ter feito medições do potencial de calculo de campos electromagnéticos, as microtécias/(microtelas) é a unidade internacional utilizada para medir a potência desses mesmos campos electromagnéticos. .
33. Ora, numa questão estão os peritos de acordo: para responder em concreto ao objecto da perícia seriam necessárias medições.
34. Ora, um problema é os efeitos electromagnéticos em geral, outro distinto é os efeitos electromagnéticos no caso concreto.
35. Qual o campo electromagnético das redes em causa? Ficou esta questão sem resposta.
36. Trata-se de uma questão fundamental para se poder esclarecer em concreto os efeitos electromagnéticos e as suas consequências.
37. Regulamento de Segurança das linhas Eléctricas em Alta Tensão dispõe no seu art° 29º uma distância mínima aos edifícios de 4 metros.
38. Trata-se de uma distância que integra e condiciona a servidão administrativa de passagem de linhas correspondendo a uma zona de segurança, a uma zona de ninguém.
39. Sendo uma zona de ninguém, é um espaço que as pessoas não podem invadir, razão porque não estarão expostos ou sujeitos aos efeitos electromagnéticos aí existentes.
40. Não foi demonstrado que os efeitos electromagnéticos se prolongavam para além da distância de segurança.
41. Ora, caso esses efeitos electromagnéticos não ultrapassem essa distância, então são inócuos porque confinados a uma zona de ninguém.
42. O que importa é uma resposta concreta e clara relativa às redes eléctricas em causa. Importa apurar se os efeitos electromagnéticos de tais redes podem ou não ser perniciosos para a saúde dos residentes na casa da habitação pertença dos RR.
43. Esta questão deve ser encarada de frente, não usando meias palavras que abrem caminho a raciocínios especulativos e que fogem da realidade.
44. Sr. Juiz ao responder ao quesito refugia-se em generalidades não concretizadas susceptíveis de conclusões especulativas que distorcem absurdamente a realidade dos factos.
45. Sr. Juiz "a quo" caiu nesse pecado ao elaborar a sentença com base na generalidade que fixou.
46. Na verdade, acaba por citar um Acórdão respeitante a linhas de 400 kV com uma potência cerca de 7 vezes superior das linhas em causa e com características e particularidades próprias.
47. Sr. Juiz acaba por tratar de modo igual o que é distinto.
48. Sr. Juiz acaba por escrever sobre o que não sabe porque a perícia ou a prova testemunhal não o esclareceu suficientemente.
49. Trata-se de uma situação tanto mais grave quanto a medição de efeitos electromagnéticos em concreto é uma operação simples de reduzidos custos e que não justificam o despacho de fls. 80 a 90.
50. Na verdade, os efeitos electromagnéticos são fenómenos físicos susceptíveis de medição em microtelas e que se dissipam com a distância.
51. Assim, é fácil determinar se tais efeitos se dissipam por exemplo numa distância de 2,30m, 1 ,50m ou 3,20 metros.
52. Porque não foram medidos os efeitos electromagnéticos não se apurou a que distância é que os mesmos se dissipam.
53. Conselho de Ministros da União Europeia em sessão plenária dos Ministros da Saúde dos Estados Membros aprovou uma "Recomendação relativa à limitação da exposição da população nos campos electromagnéticos (O Hz - 300 GHz).
54. Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde tem uma publicação que se encontra traduzida para português que trata os efeitos electromagnéticos.
55. As instalações da EDA são projectadas e verificadas tendo em atenção os valores recomendados internacionalmente.
56. A EDA mandou proceder à medição dos efeitos electromagnéticos associados às linhas em causa.
57. As linhas garantem o pleno respeito por níveis de referências propostos na Recomendação da EU.
58. De acordo com os cálculos de projecto, mesmo na situação mais desfavorável correspondente à presença de uma pessoa de pé no telhado do edifício, o valor de exposição ao campo magnético gerado pela corrente máxima que pode passar na linha é inferior a Y2 de 100 uT, que é o nível de referência da recomendação para o campo magnético.
59. Acresce que o campo magnético das linhas em causa dissipa-se dentro da distância de segurança de 4 metros da própria linha.
60. Sobre a matéria de facto do quesito 29°, sobretudo sobre o custo da alteração do traçado por remoção das linhas do prédio dos RR pronunciou-se a testemunha (J) engenheiro, em audiência de julgamento de 23.10.01, conforme acta de fls. 155 v., depoimento esse gravado no suporte magnético do n° 900 ao 490 da I cassete e até ao n.º2OO da II cassete, de cujo teor transcrevemos o seguinte:
Advogado - "(...) Participou em algumas reuniões que terão sido feitas no âmbito da EDA, na EDA, no sentido de saber qual era, na sequência do pedido feito pelo senhor (A), quais eram os custos em que importavam a alteração do pedido que tinha sido então efectuado?
Engenheiro - Sim.
Advogado - E não se recorda, quem participou nessas reuniões?
Engenheiro - Já foi há alguns anos, não posso precisar. Mas o Engenheiro (AC), inicialmente, estive eu, esteve o senhor (A), posteriormente, não me recordo.
Advogado - Na sequência dessas reuniões, não fizeram algum estudo no sentido de fazer face ao pedido feito pelo senhor (A) de alterar as estruturas que estavam na sua propriedade, quais seriam as despesas que teriam que se suportar para efectuar essas mudanças?
Engenheiro - Em relação às linhas de 60 K v. Penso que na altura estimamos isso por cada uma de 60.000 contos, por isso 120.000 contos.
Advogado - E isso incluiria que tipo de custos?
Engenheiro - Portanto para construir 3 ou 4 vãos novos, teríamos que fazer a implementação de mais apoios, para desviar da construção, isso inclui os maciços em betão, os próprios apoios da estrutura são caros, porque o material eléctrico é novo e as linhas também são novas."
"Advogado - A EDA para esse tipo de trabalho tem pessoal, mão de obra e meios para efectuar isso ou tem que sub-contratar?
Engenheiro - Neste momento não temos. Nós fiscalizamos, fazemos o projecto e depois entramos em concurso. Não temos neste momento meios mecânicos para fazer isso."
"Advogada - o senhor fala aí em 120.000 contos.
Engenheiro - 60 para cada linha.
Advogada - E fala nisso com que base? Fizeram algum concurso, alguma consulta?
Engenheiro - Não. A referência são os preços que as empresas apresentam nos nossos concursos."
61. Deve pois considerar-se provado a matéria de facto do quesito 29°.
62. Não podem, assim, deixar de ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 18° a 22° e 29° em conformidade com a prova produzida, ao abrigo do ano 712º, n.º1, al. a) do C.P.C. e nos termos do n.º2 da mesma norma.
63. Tanto mais que as respostas dadas são deficientes e obscuras, permitindo conclusões que nos levam à especulação e nos afastam da realidade dos factos.
64. Aliás, a própria sentença é um exemplo paradigmático de quão deficientes são as respostas dadas: o Sr. Juiz "a quo" faz raciocínios silogisticos cujas conclusões nada têm a ver com a realidade.
65. Todavia, se a Relação entender adequado produzir-se prova complementar, então deve anular a decisão e ordenar a repetição do julgamento quanto à matéria de facto em causa, ao abrigo do disposto no ano 712°, n° 4, do CPC.
66. A Relação pode, em alternativa, ao abrigo do disposto no n.º3 do citado art°712°, determinar a renovação dos meios de prova, solução que se pode justificar sobretudo no que se reporta aos esclarecimentos sobre o relatório subscrito pelo perito médico-legal para tornar claro o lapso ostensivo existente no relatório.
67. Contudo, ao abrigo n.º 4 do ano 712 da mesma disposição, a Relação deve mandar promover à ampliação da matéria de facto ainda que dentro da matéria dos articulados, de modo a que os quesitos da base instrutória se reportem expressamente às redes eléctricas controvertidas.
68. Não nos parece adequado que se invoquem problemas prático-logísticos para inviabilizar quer a redacção em concreto dos quesitos, quer a produção de prova sobre os mesmos.
69. Quanto à al. L) dos factos assentes é junta com estas alegações licença de estabelecimento da linha aérea a 60kV Caldeirão - Subestação Lagoa, Concelhos de Ribeira Grande, Lagoa e Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel.
70. Tal documento demonstra concludentemente que a realidade actual é diferente da matéria da facto dada como assente.
71. Nestas circunstâncias, exige-se, pois, a alteração da matéria dada como assente, ao abrigo do disposto no art°712° n.º1, al. c) do C.P.C., de modo a consignar-se o facto de a linha já beneficiar de licença de estabelecimento concedida em 30.01.2002.
72. A decisão proferida não pode deixar de ser revogada.
73. A constituição de servidões administrativas de passagens de linhas eléctricas não se subordina ao regime previsto no Código das Expropriações aprovado pela Lei n° 168/99, de 18.9.
74. A constituição de servidões administrativas de passagens de linhas eléctricas subordina-se ao regime estabelecido no Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas aprovado pelo D.L. n° 26.852, de 30.07.36, com as alterações introduzidas pelos D.Ls. n.ºs 446/76, de 5.6 e 344/89, de 13.5 e no Decreto-Lei n.º43 335, de 19.1160.
75. Nestas circunstâncias a EDA não tem que despoletar a declaração de utilidade pública da servidão e a consequente posse administrativa em obediência ao disposto nos art°s 10 e ss. do Código das Expropriações (Lei no168/99, de 19 de Setembro).
76. Ao aplicar o regime estabelecido no Código das Expropriações à constituição de servidões administrativas de passagem de linhas eléctricas a sentença viola o regime legal específico supra mencionado.
77. A EDA - EP foi constituída na sequência do Decreto Regional n° 16/80/A, de 21/8, através do Decreto Regulamentar Regional n.º 034/81/A, de 18/7.
78. Dispõe o Decreto Regional n° 16/80/A, de 21/8:
art° 10, n.º1 - O Governo Regional dos Açores promoverá a constituição de uma empresa pública regional com a designação de Empresa de Electricidade dos Açores (EDA) (...)
art° 50 - A empresa assumirá todos os direitos e obriQacões derivados de actos e contratos nos precisos termos em que se encontram celebrados pela Empresa Insular de Electricidade e pelas autarquias locais. servicos municipalizados e federacões de municípios Que actualmente tem a seu cargo o estabelecimento e exploracão do servico público de electricidade (...).
79. Por força dos diplomas citados a EDA, EP sucedeu, designadamente à EIE - Empresa Insular de Electricidade (Ponta Delgada), SARL e à Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel, em todos os seus direitos e obrigações.
80. A Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel foi criada através do D.L. n° 40.904 de Dezembro de 1956. Dispõe este D.L:
art.º2 - É criada a Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel, sendo-lhe cometida (...) a exploração (...) das redes de distribuição em alta e baixa tensão na mesma ilha abrangendo-se nesta designação as linhas de ligação entre centrais e destas com os centros de distribuição ou de consumo.
art° 21º - É reconhecida a utilidade pública às instalações eléctricas de produção e distribuição a cargo da Federação, sendo-lhes conferidos os direitos consignados no art° 160 do Regulamento para a concessão e estabelecimento de Instalações Eléctricas de Interesse Público, aprovado pelo Decreto n° 14 829 de 5 de Janeiro de 1928, e outros direitos que sejam inerentes à utilidade pública.
81. Nestas circunstâncias as instalações eléctricas da EDA beneficiam de declaração de utilidade pública por força do estatuto jurídico da Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel do qual a EDA beneficia.
82. Dispõe o Decreto Regulamentar Regional n.º 344/81/A, de 18/7:
Art° 20 - O serviço público cometido à EDA, EP, será explorado em regime de exclusivo por tempo indeterminado.
art° 8º - Mantêm-se em benefício da EDA - EP. as regalias reconhecidas por Lei às concessionárias do servico público de produção. transporte e distribuição de energia eléctrica. nomeadamente as atribuídas pelos D.L.s nos 43.335. de 19 de Novembro de 1960, 46.031, de 14 de Novembro de 1964, e 46.917, de 23 de Março de 1966.
83. A EDA é também concessionária do Estado de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para os Açores, por força do contrato de concessão junto a tis., elaborado em obediência a minuta aprovada pela resolução n.º181/00, de 12.10
84. 0 D.L. n° 43.335, de 19.11.60 estabeleceu as regras que a partir de então presidiram à electrificação nacional, designadamente à actividade de transporte e distribuição de energia eléctrica, definindo igualmente regras quanto à constituição de servidões de passagem de linhas.
85. No seu artigo 1º este D.L. define o conceito de rede eléctrica nacional, aí englobando na sua alínea b) as linhas de alta tensão de transporte, interligação ou grande distribuição.
86. No seu artigo 3º acrescenta que as instalações abrangidas pela alínea b) do art° 1 carecem de concessão do Estado e beneficiarão de declaração de utilidade pública.
87. artigo 51º do mesmo diploma dispõe que a declaração de utilidade pública confere ao concessionário designadamente o direito de atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios, direito que só poderá ser exercido quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n° 26.852, de 30 de Julho de 1936."
88. Encontra-se provado que a EDA instalou uma linhas de transporte de energia eléctrica com 60 kV linha "SE de Milhafres - SE da Lagoa" no prédio dos RR, linha que beneficia de licença de estabelecimento e de exploração.
89. Nestas circunstâncias a instalação eléctrica em causa beneficia de declaração de utilidade pública e encontra-se licenciada.
90. Assim, a EDA tem o direito à servidão de passagem de linhas que onera o prédio dos RR.
91. Sendo legítimo o estabelecimento da linha no prédio dos RR não têm estes o direito a obter a sua remoção.
92. Pe1o contrário, a linha "CT do Ca1deirão - SE da Lagoa" à data do julgamento não estava licenciada.
93. Resulta da matéria dada como provada que a referida linha foi estabelecida sem licenciamento.
94. Por outro lado, também resulta de tal matéria de facto que a linha foi estabelecida sem autorização dos R. R. ou dos anteriores proprietários.
95. Nesta medida a EDA violou o direito de propriedade dos R.R., incorrendo em responsabilidade civil.
96. Estabelecida a linhas sem licenciamento, há lugar ao pagamento de indemnização por violação do direito de propriedade em função dos prejuízos que tal estabelecimento tenha provocado, caso existam.
97. Todavia, o Que verdadeiramente está em questão é saber se o proprietário que viu o seu direito de propriedade violado tem o direito de obter a remocão da linha eléctrica.
98. Na resposta a esta questão deve realçar-se que a EDA já obteve licença de estabelecimento da dita linha, concedida em 31.01.02, na sequência de licenciamento requerido em 2001.
99. A certidão comprovativa do licenciamento foi junta ao abrigo do disposto no art° 706º do CPC, dado que certifica facto posterior à data da realização da audiência, discussão e julgamento, não tendo, por isso sido possível à parte a sua junção anterior.
100. Esta certidão constitui documento autêntico ao abrigo do disposto nos art° 369 e ss. do C. Civil.
101. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade respectiva, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções de tal entidade cfr. 371º do C.Civil.
102. A junção de tal certidão aos autos implica que o Tribunal Superior não possa deixar de conhecer os factos demonstrados pelo documento e de os ter em consideração na decisão.
103. Licenciada a linha tem direito a EDA à servidão administrativa correspondente, nos termos que já analisámos para a outra rede eléctrica também em causa.
104. Demonstrada a existência das servidões administrativas a favor da EDA não se encontrará afectado ilegitimamente o direito de propriedade dos RR, motivo pelo qual a reconvenção tem que soçobrar.
105. Acresce que a constituição da servidão administrativa não é sindicável pelos Tribunais comuns dado que estes são para o efeito incompetentes em razão da matéria.
106. processo de constituição da servidão de linhas é um processo administrativo que culmina com a licença de estabelecimento, acto administrativo apenas sindicável pelos Tribunais Administrativos através de recurso contencioso de anu1ação para os Tribunais Administrativos de Círculo.
107. Constituída a servidão resta aos RR o direito à indemnização a que alude as normas do Regulamento de licenças e do DL n° 43.335, de 19.11.60 e nos termos nela previstos.
108. Se, por hipótese académica, admitíssemos o direito de obter a remoção das linhas aos RR, cairíamos na ridícula situação de a EDA ser obrigada a desmontar uma linha em relação à qual já tinha direito de a montar. A EDA teria de a desmontar para cumprir decisão judicial e, posteriormente, com base na licença entretanto obtida, montá-la-ia de seguida. A decisão judicial seria contra-legem, dado que punha em causa o licenciamento e o direito juridicamente constituído entretanto adquirido pela EDA.
109. A sentença não considera e viola a declaração de utilidade pública dos componentes da rede eléctrica nacional consignada no art°3° do Decreto-Lei n° 43.335, de 16.11.60, declaração essa que abrange as redes eléctricas em causa enquanto linhas de transporte de energia eléctrica a 60 kV. Na verdade, dado que a EDA beneficia do estatuto de concessionária de transporte e de distribuição de energia eléctrica , as suas instalações regem-se pela citada disposição.
110. A sentença não considera e viola a declaração de utilidade pública das redes eléctricas decorrente do art°21° do D.L. n° 40.904 de Dezembro de 1956 que constituiu a Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel e cujos direitos foram transmitidos à EDA pelo disposto no art° 5° do Decreto Regional n° 16/80/A, de 21/8;
111. A sentença aplica a uma instalação que beneficia de declaração de utilidade pública uma regra específica das instalações de utilidade particular, impondo-lhe a obtenção prévia de autorização dos proprietários decorrente do disposto no n° 3, art°16° do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, na redacção dada pelo D.L.n.º446/76 de 5/6.
112. Ora, para o estabelecimento de redes eléctricas de 60kV, tratando-se de instalações de utilidade pública, não necessitam de obtenção de autorização dos proprietários. Pelo contrário, se estes se opuserem pode a EDA socorrer-se do processo de intimação administrativa estabelecido no Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas para executar as obras de estabelecimento das linhas
113. Face ao exposto deve a sentença ser revogada em conformidade com as conclusões
Normas violadas
art°s 511° e 653° do CPC' ,
 Art°s 1° a 31° e 41° a 58° do DL 26.852, de 30.07.36, com as alterações introduzidas pelo DL 446/76, de 5.6 e 344/89, de 13.5;
Art°s 1305° e 1311° do C. Civil;
Ano 38° do DL 182/95;
Art°s 1°,3°, 5° e 51° do DL 43.335, de 19.11.60;
Art° 5° do Dec. Regional 16/80/A, de 21.8;
Art°s 2° e 8° do Dec. Legisl. Regional 34/81 IA, de 18.7;
D.L. 79/97, de 8.4.
Art.ºs 2°,21° e 22° do D.L. 40904, de Dez./56;
Dec. Leg. Regional 56/96/A, de 1.8;
Contrato de concessão de fls. a fls. , outorgado em obediência à Resolução 181/00, de 12.10;
D.L. 69/02, de 25.3.

9. Em contra alegações quer a Autora, quer os Réus pugnam pela improcedência dos recursos respectivos.

II – Enquadramento fáctico
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:         
1- Descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Grande sob o n.º 00425/220988 da freguesia do Pico da Pedra, concelho da Ribeira Grande, e por aquisição por compra inscrita pela apresentação n.º 14/220988 a favor de (A), casado com (B), encontra-se registada a aquisição de um prédio rústico sito ao Pico de Água, Cerrados da Eira, com 174,40 ares de terra, inscrito na matriz sob o artigo 0012, secção I.
2- No prédio referido em 1., a A. instalou duas linhas de transporte de energia eléctrica com 60 kV cada, concretamente a linha “CT do Caldeirão – SE da Lagoa” e a linha “SE de Milhafres – SE da Lagoa”.
3- Tais linhas assentam numa torre que a A. colocou também no referido prédio, passando por cima deste numa extensão superior a 100 metros e numa largura de 20 metros.
4- As linhas referidas em 2. foram instaladas pela A. não antes de 1987, a primeira, e não antes de 1990, a segunda.
5- Em 10 de Setembro de 1986, os RR. outorgaram um contrato promessa de compra e venda com (M) e (N) anteriores proprietários do prédio referido em 1., altura em que logo pagaram àqueles a integralidade do preço acertado (2.600.000$00) e logo tomando posse do prédio.
6- Ao outorgarem o contrato referido em 5., os RR. foram movidos pela intenção de naquele prédio virem a construir a sua casa de morada de família, pois regressariam dos E. U. A. onde se encontravam emigrados.
7- Em 25 de Agosto de 1988, na Secretaria Notarial de Ponta Delgada – 2.º Cartório, foi outorgada a escritura da compra e venda prometida conforme referida em 5..
8- Em 14 de Novembro de 1990, a A. fez publicar no Diário dos Açores os éditos relativos ao projecto de estabelecimento da segunda linha referida em 2., sendo que em 11 de Dezembro desse ano subscreveu através de um seu director declaração de se obrigar a obter dos proprietários ou entidades competentes autorizações necessárias à instalação projectada, e com ela instruiu o pedido de licença de estabelecimento daquela linha, dirigido à Direcção Regional de Energia (DRE) em 17 de Dezembro do mesmo ano.
9- A DRE concedeu licença de exploração da segunda linha referida em 2. em 10 de Dezembro de 1999, consignando no texto do respectivo documento, relativamente às condições especiais do licenciamento, que “quaisquer reclamações devidas a ocupação indevida de terrenos serão da única e exclusiva responsabilidade da EDA, EP, devido a não ter sido dado cumprimento ao disposto no ponto 3 do art.º 16.º do DL n.º 26852, de 30 de Julho de 1936”.
10-A instalação da segunda linha referida em 2. fez-se sem que qualquer eventual autorização dos RR. ou anteriores proprietários do imóvel referido em 1. fosse prestada por escrito.
11-A primeira linha referida em 2. não se encontra licenciada e até 9 de Maio de 2000 não foi solicitada à DRE licenciamento dela ou de sua exploração.
12-Pelo menos em 28 de Outubro de 1993, o R. remeteu à A. a carta junta a fls. 30 do apenso de providência cautelar, informando-a de que se opunha à manutenção das estruturas referidas em b) e c) no seu prédio.
13-Em 1996, altura em que começaram a construir a casa referida em 6., os RR. opuseram-se novamente à permanência das instalações referidas em 2. e 3. no seu terreno.
14-Em Outubro de 2000, tal casa encontrava-se em fase final de construção sendo que as linhas referidas em 2. lhe passavam por cima, a uma distância de 4 metros.
15-Até à data, a A. não removeu aquelas instalações, recusando sempre os pedidos dos RR. nesse sentido.
16-É tecnicamente viável para a A. remover do prédio dos RR. a torre referida em 3. e as linhas aéreas que suporta, quer alterando o seu trajecto, quer inserindo-as subterraneamente.
17-Uma das empresas a quem foi licenciada a exploração de ligações telefónicas regionais e nacionais através de rede fixa foi a “Oni, S. A.”, com sede em Lisboa.
18-À data de 9 de Maio de 2000, as instalações referidas em 2. e 3., como aliás as estruturas afectas aos serviços prestados pela A., não tinham sido objecto de declaração de utilidade pública administrativa por banda das autoridades regionais.
19-O território da Região Autónoma dos Açores caracteriza-se por elevada sismicidade, sendo frequentes precipitações intensas e ventos fortes.
20-As instalações referidas em 2. e 3. impedem que os filhos dos RR. brinquem no prédio referido em 1. com papagaios ou quaisquer outros brinquedos que possam tocar na linha.
21-Desde a instalação das estruturas referidas em 2. e 3., funcionários da A. ou outra pessoas ao seu serviço por mais de 20 vezes entraram no prédio referido em 1..
22-A instalação daquelas linhas permitiu à autora o fornecimento de energia eléctrica para toda a zona de Lagoa e Água de Pau, energia essa que a A. cobra.
23-A A. nunca pagou aos RR. qualquer prestação pela instalação e manutenção das estruturas referidas em 2. e 3..
24-Por mais de 10 vezes que os RR. se dirigiram às instalações da A. tentando obter a resolução do seu problema com as referidas linhas eléctricas, tendo chegado mesmo a tentar obter apoio popular para pressioná-la.
25-A A. pretende aproveitar as instalações referidas em 2. e 3. para pôr ali a fazer passar igualmente cabos de fibra óptica.
26-A instalação desses novos cabos foi efectuada em regime de empreitada pela empresa Siemens.
27-Que, por seu lado, a solicitou em regime de sub-empreitada à empresa CME – Construções Técnicas, S. A..
28-Também trabalhadores desta última tendo por diversas vezes tentado entrar no prédio referido em 1..
29-Estando já instalados esses cabos nos outros postos eléctricos daquela linha, mas ficando enrolados no que se situa no prédio referido em 1., face à oposição dos RR. quanto à sua colocação.
30-Em Dezembro de 1999, os RR. acordaram com a A. conceder-lhe um prazo de 3 anos para alterar o traçado das linhas referidas em 2., removendo-as do prédio referido em 1..
31-Proposta que a A. não aceitou, manifestando que o assunto se resolveria em tribunal.
32-A A. é uma sociedade anónima de capitais públicos, cujo objecto principal é a produção, a aquisição, o transporte, distribuição e venda de energia eléctrica, bem como o exercício de outras actividades relacionadas com aquelas.
33-Antes da instalação da primeira linha referida em 2., funcionários da A. contactaram os anteriores proprietários do prédio referido em 1. (M) e (N), com vista a pedir autorização para implantar aquela.
34-A instalação da segunda linha referida em 2. só foi efectuada em 1991.
35-Sem oposição dos RR. ou de quem os representasse.
36-As instalações referidas em 2. foram colocadas sem qualquer autorização, mesmo verbal, dos RR..
37-Aquando da instalação das linhas, os RR. encontravam-se ausentes nos E. U. A..
38-Em caso de sismo, existe o risco de as linhas referidas em 2. caírem sobre a casa construída pelos RR..
39-Nesse caso, podendo ser causada a morte dos que ali se encontrarem.
40-Podem ocorrer curto-circuitos em virtude de aves pousarem nessas linhas.
41-Em caso de chuva ou ventos fortes, ou de muita carga nas linhas e por força de efeitos de indução causados por esses factores, aquelas emitem um ruído semelhante ao de um curto-circuito.
42-Ruído esse audível para quem esteja na casa construída pelos RR..
43-E que apesar de intermitente, separado por poucos segundos, se mantém repetidamente enquanto dura a tempestade ou tensão.
44-Causando inquietação a quem viver na casa dos RR..
45-As linhas eléctricas de 60 kV criam nas imediações campos magnéticos, que afectam alguns equipamentos electrónicos e que podem ter efeitos nocivos para a saúde de quem a eles esteja exposto com regularidade.
46-A passagem das linhas referidas em 2. importa desvalorização do prédio referido em 1..
47-A permanência das instalações referidos em 2. e 3. no prédio referido em 1. tem provocado ansiedade nos RR..
48-Decorrente da incerteza em que vivem de ter de habitar uma casa sobre a qual passam as linhas referidas em 2..

III – Enquadramento jurídico
Sabendo-se que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões das alegações, tendo em conta o posicionamento assumido pelos Recorrentes nas apelações interpostas, são as seguintes as questões suscitadas nos respectivos recursos:
Apelação dos Réus
üdireito a indemnização pela ocupação ilícita que a Autora faz do prédio com a implantação das linhas de transporte de energia eléctrica
ü direito a indemnização por danos morais
Apelação da Autora
üerro de julgamento da matéria de facto e deficiente formulação das respostas aos quesitos (17º a 22º e 29º)
üinsuficiência da matéria de facto
ü(in)existência, por parte dos Réus, do direito à remoção das linhas eléctricas
Atentas as questões submetidas à apreciação deste tribunal, uma vez que a solução de alguma delas poderá condicionar a decisão a dar a outras, mostra-se conveniente proceder ao conhecimento das mesmas tendo em conta o seu encadeamento lógico (e não em termos de análise de cada um dos recursos em causa).
         
1.o direito da Autora de ocupação do prédio dos Réus consubstanciado na implantação das linhas de transporte de energia eléctrica
Entendeu-se na decisão recorrida que a legitimidade da Autora para a instalação no prédio dos Réus das linhas de transporte de energia eléctrica dependia da autorização destes para o efeito ou, não a tendo, de prévia declaração de utilidade pública, nos termos previstos no Código das Expropriações.
        Alicerça a sentença este entendimento interpretando os art.ºs 51, do DL 43 335, de 19.11.60, e 16º, n.º3, do DL 446/76 de 5.06 (que alterou o DL 26 852 de 30/7/36), no sentido de que o estatuto de utilidade pública da Autora lhe não permite apropriar-se de um prédio ou nele constituir servidão, mas tão só despoletar a declaração de utilidade pública do prédio ou dessa servidão.
          Insurge-se a Autora contra tal posicionamento sustentando:
1. não se encontrarem sujeitas ao regime do Código das Expropriações a constituição de servidões administrativas de passagens de linhas eléctricas, mas ao regime estabelecido pelo DL 26 852, de 30/7/36 (com as alterações introduzidas pelos DLs n.º 446/76, de 5/6 e 344/89, de 13.5) e pelo DL 43 335, de 19.11.60 (art.º 3º), estando em causa um processo administrativo que culmina com a obtenção da licença de estabelecimento.
2. beneficiarem as suas instalações eléctricas (designadamente as em causa nos autos) da declaração de utilidade pública, atento ao estatuto jurídico da Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel (art.º 21, do DL 40904 de Dezembro de 1956), uma vez que sucedeu nos direitos e obrigações desta (art.º 5, do Decreto Regional de 16/80/A, de 21/8).
3. encontrar-se constituída a servidão relativamente à linha CT do Caldeirão-SE da Lagoa (aquela que à data não se encontrava licenciada)   com a obtenção da licença de estabelecimento.
Vejamos.

1.1 Em causa nos autos está a implantação de duas linhas de transporte de energia em alta tensão (60 KV) - linha de CT do Caldeirão - SE de Lagoa e linha SE de Milhafres - SE de Lagoa, levada a cabo pela Autora não antes de 1987, a primeira, e não antes de 1990, a segunda  (ponto 4 da matéria de facto dada como provada).
        O DL 26 852, de 30 de Julho de 1936 (alterado pelo DL 446/76, de 5 de Junho e 344/89, de 13 de Maio) que fixa as normas a seguir para o licenciamento de todas as instalações destinadas a produção, transporte, distribuição ou utilização de energia eléctrica dispõe no seu art.º 15 (na redacção dada pelo acima citado DL 446/76) que salvo o caso previsto no n.º2 do artigo 16º[1], o pedido de licença para o estabelecimento de uma instalação eléctrica de serviço público será feito em requerimento (...) e deverá ser acompanhado do respectivo projecto que compreenderá todos os elementos necessários para dar uma ideia perfeita e exacta da natureza, importância e função da mesma instalação, e serão elaborados em conformidade com a natureza, importância e destino das instalações projectadas (n.º 1).               
          Preceitua o n.º3 do art.º 16, do mesmo diploma legal (redacção do DL 446/76[2]), que além destes documentos, sempre que, para a execução das instalações, seja necessária a ocupação de quaisquer domínios públicos ou particulares e as instalações não gozem de declaração de utilidade pública, deverá o requerente apresentar declaração escrita em papel selado e reconhecida por notário público, de que se obriga a obter as autorizações para ocupação desses domínios, dadas pelos proprietários ou entidades competentes ou seus legítimos representantes, e de que só depois de obtidas essas autorizações procederá à montagem da instalação projectada.  
       Por sua vez o DL 43 335, de 19 de Novembro de 1960, diploma que procurou pôr em vigor em toda a sua extensão e dando forma e corpo à doutrina da Lei 2002 de 26 de Dezembro de 1944 lei que definiu toda a execução da política nacional de electrificação[3] dispõe no seu art.º 51, que a declaração de utilidade pública confere ao concessionário o direito de atravessar prédios particulares com canais condutas caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas e montar nesses prédios os necessários apoios (n.º4), ressalvando o parágrafo 1º do mesmo artigo que Estes direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Julho de 1936.      
  A estão que se coloca é pois a de saber se perante estas disposições, particularmente do estatuído no referido art.º 51, do DL 43 335, de 19.11.60, decorre a indispensabilidade da Autora se socorrer do instituto da expropriação para fazer passar pelo terreno dos Réus as referidas linhas de transporte de energia eléctrica, atenta à não concordância por parte destes no estabelecimento de tais instalações.
         Desde já se adianta no sentido de se entender que deve ser dada resposta negativa a tal questão.

1.2 A Autora – EDA Electricidade dos Açores, SA resultou da transformação em sociedade anónima[4] da então Empresa de Electricidade dos Açores, EP, que foi criada pelo Decreto Regional n.º 16/80/A, de 21.08 tendo por objecto a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica na Região Autónoma dos Açores, sendo certo que a mesma sucedeu, entre outras, à EIE – Empresa Insular de Electricidade (Ponta Delgada), SARL e à Federação dos Municípios da ilha de S. Miguel, em todos os respectivos direitos e obrigações – cfr. art.º 5º do referido Decreto Regional 16/80/A[5].
          A referida Federação dos Municípios da ilha de S. Miguel, por sua vez, foi criada pelo DL 40 904, de 15.12.56, tendo-lhe sido cometida a execução do plano referido no artigo anterior[6], na parte relativa à produção e distribuição de energia eléctrica (art.º 2), reconhecendo a lei a utilidade pública às instalações eléctricas de produção e distribuição de energia a seu cargo e, bem assim, os direitos consignados no artigo 16.º do Regulamento para a Concessão e Estabelecimento de Instalações Eléctricas de Interesse Público, aprovado pelo Decreto n.º 14 829, de 5 de Janeiro de 1928, e outros direitos que sejam inerentes à utilidade pública (art.º 21).        

Nesta medida, há que concluir que a Autora, resultando da transformação da EDA, EP, a qual, por sua vez, sucedeu nos direitos e obrigações da Federação dos Municípios da ilha de S. Miguel, beneficia, no que se refere às suas instalações eléctricas, do reconhecimento de utilidade pública[7].
          Acresce que o Decreto Regional n.º 34/81/A, de 18 de Julho, dispõe no seu art.º 8 que a EDA EP, beneficia das regalias reconhecidas por Lei às concessionárias do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nomeadamente as atribuídas pelos DLs. nºs 43 335, de 19.11.60, 46 031, de 14.11.64 e 46 917, de 23.03.66.
Por conseguinte, sendo a Autora uma empresa (que por transformação da EDA, EP) que tem por objecto a produção transporte e distribuição de energia eléctrica, gozando, nessa medida, de um estatuto de utilidade pública e encontrando-se reconhecida a utilidade pública das respectivas instalações eléctricas, conforme vimos, atento ao disposto no art.º 51, do DL 43 335, de 19.11.60, tem o direito de atravessar prédios particulares com linhas aéreas e montar nesse prédios os necessários apoios[8].
Decorre pois do citado preceito (e, aliás, encontra-se expressamente afirmado no preâmbulo do DL em referência – A legislação vigente, que impõe aos proprietários, com algumas restrições, o dever de suportar a servidão de passagem de linhas mediante justa indemnização dos prejuízos causados, garante-lhes, no entanto, o direito de exigirem a remoção dos elementos da linha sempre que pretendam fazer quaisquer obras de construção ou ampliação), o direito de constituir servidões necessárias à realização dos seus fins[9], servidões derivadas directamente da lei – servidões administrativas[10].        
Porém tal servidão, não submetida ao regime do C. das Expropriações, assume natureza especial pois a sua constituição, embora resultante e imposta por lei, não é de efeito imediato, exigindo-se ainda a prática de um acto da Administração – licença de estabelecimento da instalação respectiva[11], licença a obter de acordo com as disposições constantes do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo DL 26 852, de 30.7.36 com as alterações introduzidas pelo DL 446/76, de 05.06.76 e 344/89, de 13.05.89.
Nestes casos, a servidão exige um acto definidor da Administração e, só após o mesmo é que poderá ser imposta[12].
          Assim sendo, de acordo com o preceituado no art.º 16, n.º3, do citado DL 26852 (redacção do DL 446/76), nos termos do qual se impõe a necessidade de apresentar, junto com o requerimento de pedido de licença, declaração escrita em papel selado e reconhecida por notário público, de que se obriga a obter as autorizações para a ocupação desses domínios dadas pelos proprietários ou entidades competentes ou seus legítimos representantes, a exigência de autorização dos proprietários apenas se aplica às situações em que as instalações a executar (com necessidade de ocupação dos domínios público ou particular) não gozem de declaração de utilidade pública. Consequentemente, uma vez que as instalações em causa nos autos gozam de declaração de utilidade pública, não carecia a Autora da autorização dos Réus para efeito de obtenção do respectivo licenciamento.

1.3 Constituída a servidão administrativa, o respectivo exercício, isto é, o direito de servidão, compreenderá tudo o que se mostrar necessário ao uso e conservação do bem de domínio tendo por medida a utilidade pública  - Basta que a utilidade pública inerente à coisa dominante seja normalmente satisfeita, não se podendo exigir ao titular serviente sacrifícios desnecessários (...) deve ser sacrificado o estritamente necessário para a satisfação do interesse público[13] - designadamente o direito de entrar no prédio serviente (com pré-aviso e da forma que menor prejuízo cause) para realização das manutenções e beneficiações necessárias ao cumprimento do respectivo serviço público, neste caso, ao transporte e distribuição de electricidade com segurança e bom estado de conservação das instalações, conforme peticionado pela Autora.  
Verificando-se pois que o direito de servidão – direito da concessionária fazer atravessar no prédio do particular linha de transporte de energia eléctrica aérea e montar no mesmo os necessários apoios –, não obstante não carecer da autorização do proprietário do prédio serviente (neste caso, dos Réus[14]), está condicionado, em termos de eficácia de imposição (ao proprietário do prédio onerado), à obtenção de licença de estabelecimento, importa determinar qual a consequência da inexistência de tal licenciamento.   
          Na situação sub judice, constata-se que, contrariamente ao que acontece relativamente à linha SE de Milhafres – SE da Lagoa[15], com servidão devidamente constituída, a linha implantada no prédio dos Réus  CT do Caldeirão – SE Lagoa, foi estabelecida sem licenciamento (cfr. ponto 11 da matéria de facto provada constante da sentença - A primeira linha referida em 2. não se encontra licenciada e até 9 de Maio de 2000 não foi solicitada à DRE licenciamento dela ou de sua exploração).
Nestas circunstâncias, ainda que existente[16], a servidão ao não se encontrar regulamente constituída, carecendo de um acto da administração definidor, não podia legitimamente ser imposta, consubstanciando a sua implantação uma agressão ao direito de propriedade dos Réus.
Verifica-se, contudo, que a Autora já obteve (em 30.01.02) a licença de estabelecimento quanto à referida linha (circunstancialismo decorrente do documento de fls. 226 a 228 dos autos a ter em conta por este tribunal em termos de alteração, por ampliação, da matéria de facto fixada em 1ª instância, nos termos do art.º 712, n.º1, al. a), do CPC), encontrando-se assim regularmente constituída a servidão; consequentemente, tal direito compreenderá tudo o que se mostrar necessário ao uso e conservação do bem de domínio tendo por medida a utilidade pública[17].

2. o direito dos Réus à remoção das linhas e do suporte que as apoia[18]
Na sentença recorrida a Autora foi condenada a remover as duas linhas de alta tensão que atravessam a propriedade dos Réus e, bem assim, a torre ou poste que as apoia.
Tal decisão teve por fundamento a violação por parte da Autora do direito de propriedade dos Réus dada a ausência de autorização destes para o efeito ou da prévia declaração de utilidade pública, nos termos previstos no Código das Expropriações.
De acordo com o que acima referimos, a Autora, relativamente às duas linhas aéreas (e respectivo poste de apoio) implantadas no prédio dos Réus, beneficia do direito de servidão, nos termos do art.º 51, n.º2, do DL 43 335, de 19.11.60 – direito da concessionária fazer atravessar no prédio do particular linha de transporte de energia eléctrica aérea e montar no mesmo os necessários apoios.
Tais servidões já se encontram regularmente constituídas porque obtida a necessária licença de estabelecimento, pelo que se impõe legalmente aos Réus, enquanto proprietários do prédio onerado, o dever de suportar a servidão de passagem das referidas linhas aéreas de transporte de energia eléctrica munidas do respectivo apoio[19], não tendo, assim, qualquer direito à remoção das mesmas com fundamento na violação do direito de propriedade[20].
Por conseguinte, a circunstância de só posteriormente à implantação das referidas linhas ter sido obtida pela Autora a regularização (constituição para alguns) da servidão por efeito do respectivo licenciamento (consubstanciando, por isso a instalação das linhas um exercício abusivo do direito de servidão, com a consequente violação do direito de propriedade dos Réus) apenas assume relevância em termos de direito a indemnização[21] e, não, quanto à pretendida remoção das linhas.   
3. o direito de indemnização dos Réus pela ocupação ilícita do prédio por parte da Autora
Em reconvenção pediram os Réus que a Autora fosse condenada no pagamento de indemnização não inferior a 60.000$00 mensais, por enriquecimento sem causa, face à ocupação indevida do seu terreno com a implantação das linhas de transporte de energia eléctrica.
       Na sentença foi julgado improcedente tal pedido quer por não ter sido demonstrado o empobrecimento correspondente ao eventual enriquecimento da Autora com a ocupação indevida do prédio dos Réus (a entender-se adequado o instituto do enriquecimento sem causa à situação), quer por não ter sido provado um dos pressupostos da responsabilidade civil – dano.
          Insurgem-se os Réus contra tal decisão defendendo que não só se encontram demonstrados nos autos os danos decorrentes da ocupação ilícita por parte da Autora, designadamente a desvalorização do prédio, como se impõe atribuir uma indemnização pelo valor do uso do prédio feito pela Autora – enriquecimento ilegítimo com tal ocupação.              
        Por sua vez e em contra alegações defende a Autora que os Réus não lograram provar um dos requisitos do enriquecimento sem causa – o respectivo empobrecimento em consequência da sua conduta.
          Vejamos.

3.1. De acordo com o que entendimento assumido, tendo a Autora obtido o licenciamento das duas linhas aéreas de transporte de energia eléctrica em causa nos autos tem a seu favor regularmente constituído o direito de servidão sobre as mesmas e, por conseguinte, impende sobre os Réus o dever de suportar a servidão de passagem das referidas linhas aéreas e respectivo apoio[22].
Tendo porém a Autora procedido à instalação dessas linhas sem que se encontrasse munida das necessárias licenças, ocorreu numa ocupação não autorizada e ilegítima do terreno dos Réus, violando por isso o direito de propriedade destes[23].
Por conseguinte, a questão da indemnização por ocupação ilegítima está circunscrita ao período de ocupação até ao licenciamento de cada uma das linhas em causa.

3.2 O enriquecimento sem causa, enquanto fonte autónoma de obrigações, encontra-se previsto na nossa lei no art.º 473, n.º1, do Código Civil, onde se dispõe: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
  De acordo com o referido preceito constituem pressupostos (cumulativos) do instituto:
Þ existência de um enriquecimento
Þ que esse enriquecimento seja obtido à custa de outrem
Þ ausência de causa justificativa
O enriquecimento traduz-se na vantagem ou valorização de ordem patrimonial, podendo ser alcançado por várias formas (aumento do activo, diminuição do passivo, poupança de despesas).
Quanto à ausência de causa justificativa, não definindo a lei o conceito de causa do enriquecimento, há que ter em conta o estatuído no n.º2 do art.º 473 segundo o qual “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou[24].
De acordo com as indicações da lei, embora tendo presente que a noção de causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe serve de fonte[25], é possível formular uma linha directriz quanto à noção de enriquecimento injusto. Assim e conforme refere Antunes Varela, o enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro.[26]              
É sobre o autor que impende o ónus de alegar e demonstrar a falta de causa do enriquecimento enquanto requisito do direito à restituição, não bastando para o efeito que se não prove a existência de uma causa de atribuição patrimonial.
Se a delimitação dos conceitos de enriquecimento e de ausência de causa justificativa não tem suscitado especial controvérsia na doutrina e na jurisprudência, a determinação do sentido de obtenção do enriquecimento à custa de outrem, entendido enquanto exigência de empobrecimento, não é pacífica.
Independentemente das concepções doutrinais que pretendem explicar o instituto em referência, é possível afirmar que, tradicionalmente, o empobrecimento como requisito do enriquecimento sem causa é identificado com o conceito de diminuição patrimonial (dano em sentido próprio[27]).
Nesta concepção, o enriquecimento de alguém era causal de uma desvantagem patrimonial de outrem, pelo que se impunha a demonstração da deslocação patrimonial, ou seja, a exigência da prova da efectiva diminuição patrimonial como elemento indispensável da obrigação de restituição.
          Nas situações de uso e fruição de bens alheios o entendimento da deslocação patrimonial em sentido estrito[28] reconduzia, na prática, à inaplicabilidade do instituto, passando por isso a ser entendido com um alcance paralelo ao do lucro cessante exigindo-se, como requisito da obrigação de restituição, a verificação de uma “ausência de ganho” na esfera do empobrecido.
Ainda assim tal concepção era limitativa, pois que não poderia abranger todas as situações que urgia contemplar, designadamente as denominadas de enriquecimento por intervenção e enriquecimento por prestação, sendo que, ao socorrer-se da noção de dano (na modalidade de lucro cessante) do domínio da responsabilidade civil, determinava o esvaziamento do conteúdo do instituto, desvirtuando a sua própria função.
    Consideramos pois que a evolução da doutrina e da jurisprudência aponta, necessariamente, para a omissão do dano do âmbito do enriquecimento sem causa[29], na medida em que a sua finalidade tem por relevo central “reprimir o enriquecimento injustificado e não o de compensar danos sofridos[30].
          Impõe-se pois concluir que o requisito legal à custa de outrem não pode assumir o conceito de diminuição patrimonial, ainda que sob a forma de lucro cessante, enquanto exigência de um empobrecimento causal ao enriquecimento, antes deverá ser definido, conforme refere Menezes Leitão, “como a imputação do enriquecimento à esfera de outra pessoa, sendo essa imputação que justifica que alguém tenha de restituir o enriquecimento que se gerou no seu património[31].
Assim sendo, e uma vez que tal imputação poderá resultar de diversas formas, não está em causa um conceito unitário, “tendo configuração e relevância diversas nas várias categorias de enriquecimento sem causa, podendo mesmo ser dispensado no enriquecimento por prestação (...) não se podendo continuar a apresentá-lo como um pressuposto unitário deste instituto (...) o que leva a reconhecer que é precisamente o conceito de enriquecimento o facto aglutinador deste instituto.[32]           
Nesta mesma linha de pensamento se insere o entendimento defendido por Antunes Varela ao reportar-se às situações de uso e fruição de direitos reais, designadamente ao caso de instalação em casa alheia, levando-o a concluir que “Tudo quanto estes bens sejam capazes de render ou produzir pertence, em princípio (...) ao respectivo titular. A pessoa que, intrometendo-se nos bens jurídicos alheios, consegue vantagem patrimonial, obtém-na à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos donde a vantagem procede[33].
  Por conseguinte, há que interpretar o conceito legal enriquecimento à custa de outrem com o alcance de vantagem patrimonial (reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito) obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem.                 

3.3 No caso concreto encontra-se evidenciada que a ocupação mantida pela Autora no imóvel dos Réus após a instalação das linhas aéreas de transporte de energia eléctrica e até lhe ser concedido o licenciamento de cada uma delas foi ilegítima[34].
Tal utilização não autorizada e gratuita do imóvel constituiu para a Autora uma vantagem patrimonial[35], designadamente sob a forma de poupança de despesa já que a constituição deste tipo de servidão pode dar lugar ao pagamento de indemnização nos termos do art.º 37, do DL 43 335, de 19.11.60.
A vantagem patrimonial em causa possui necessariamente expressão económica embora o seu quantitativo não tenha sido apurado[36], impondo-se, nessa medida, que o quantum seja relegado para execução de sentença, nos termos do art.º 661, n.º2, do CPC.
Encontra-se pois provado o enriquecimento da Autora e a ausência de causa para o mesmo.
    No que se refere ao requisito do enriquecimento à custa de outrem, sabendo-se que o seu alcance não se identifica necessariamente com a noção de empobrecimento, no sentido de desvantagem patrimonial (conforme parece estar subjacente à decisão recorrida), há que concluir pela sua verificação.
Com efeito, na sequência do posicionamento assumido no que se reporta à interpretação do conceito legal “à custa de outrem”, estando em causa a utilização de um bem alheio sobre o qual os Réus detêm o direito de propriedade, há que considerar que a vantagem patrimonial da Autora (decorrente do uso e fruição do imóvel que, segundo o conteúdo da destinação do direito de propriedade, estava reservada aos Réus enquanto donos do imóvel) foi obtida à custa dos proprietários do imóvel, ou seja, obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem.
Procedem, nesta parte, as alegações dos Réus.

4. erro de julgamento da matéria de facto e a sua (in)sucifiência
Quanto a este aspecto insurge-se a Autora contra a matéria de facto relativa aos quesitos 17º a 22º e 29º e à alínea L) da especificação aduzindo as seguintes razões:
- por os quesitos em causa violarem o disposto no art.º 511, do CPC, ao se reportarem a abstracções e a conclusões de realidades diversas das concretamente em causa nos autos
- por não resultar da prova produzida nos autos a matéria constante das respostas aos quesitos 17º a 20º e 29º
- alteração da matéria de facto constante da alínea L) da especificação face à junção da certidão da licença de estabelecimento da linha aérea Caldeirão – SE Lagoa. 

4.1 Considera a Autora que os quesitos 17º a 22º ao não se referirem à situação concreta dos autos – linhas instaladas no prédio dos Réus – violam o art.º 511, do CPC por se reportarem a abstracções.
Em causa estão os quesitos com o seguinte teor, que foram elaborados de acordo com a matéria alegada pelos Réus na contestação/reconvenção:
Quesito 17º - A verificação de curto-circuitos e queda de linhas aéreas de 60 KV podem ser originados por simples aves?
Quesito 18º - Em caso de chuva ou ventos fortes, ou muita carga nas linhas, e por força de efeitos de indução causados por esses factores, aquelas emitem um ruído semelhante ao de um curto-circuito?
Quesito 19º - Ruído esse audível para quem esteja na casa construída pelos Réus?
Quesito 20º - E apesar de intermitente, separado por poucos segundos, se mantém repetidamente enquanto dura a tempestade ou a tensão?     
Quesito 21º - O que impedirá os Réus e seus filhos de descansarem, causando-lhes inquietação?
Quesito 22º - As linhas aéreas de 60 KV criam nas respectivas imediações campos magnéticos que afectam equipamentos electrónicos e são prejudiciais à saúde?
A tais quesitos, que não foram objecto de reclamação pelas partes, o tribunal respondeu da seguinte forma:
Quesito 17º - provado apenas que podem ocorrer curto circuitos em virtude de aves pousarem nessas linhas.
Quesito 19º a 20º - provados.
Quesito 21º - provado apenas que tais fenómenos causarão inquietação a quem viver na casa dos Réus.     
Quesito 22º - provado que as linhas eléctricas de 60 KV criam nas imediações campos magnéticos, que afectam alguns equipamentos electrónicos e que podem ter efeitos nocivos para a saúde de quem a eles esteja exposto com regularidade.  

4.1.1 Dispõe o n.º1 do art.º 511 do CPC, que o juiz ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.
Resulta desde logo do citado preceito a necessidade de se fixar a base instrutória de acordo com o factualismo alegado, e não, com conceitos ou conclusões, designadamente de direito.    
Contrariamente ao que parece decorrer do posicionamento da Autora no que respeita à formulação dos quesitos em referência, entendemos que os mesmos não contêm (e, nessa medida, as respectivas respostas que lhe foram dadas pelo tribunal[37]) matéria conclusiva de modo a impor que se considere não escrita a resposta dada pelo tribunal, por aplicação do n.º 4 do art.º 646 do CPC, visto não estarem em causa “questões de direito” aludidas no referido preceito.
Conforme salienta Alberto dos Reis[38], a distinção entre conceito de direito e facto é um dos problemas mais delicados do direito processual civil, embora, do ponto de vista teórico, se mostre fácil de enunciar os critérios gerias de orientação para a delimitação de tais conceitos[39].   
Em termos práticos, porém,  proceder a tal distinção revela-se tarefa embaraçosa especialmente porque a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em larga medida da estrutura da norma aplicável e dos termos da causa.
Cremos que se mostra de particular utilidade prática, designadamente para os efeitos que aqui nos propomos, o entendimento que considera facto “tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, se o apuramento dessas realidades se realiza à margem da aplicação directa da lei, ou seja, tratando-se de averiguar factos cuja existência não dependa da interpretação a dar a qualquer norma jurídica[40]
Por conseguinte e reportando-nos ao caso concreto, sabendo-se que a matéria de facto não se encontra exclusivamente delimitada a ocorrências da vida real, mas abrange igualmente o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas e das coisas, impõe-se ainda realçar que nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) caberá “distinguir aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homem prudens, do homem comum, e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador.
Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto (...) os segundo estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei [41].
Ainda que se entendesse que subjacente às respostas do tribunal aos quesitos em referência se encontrava algum juízo de valor sobre factos, não se justificava a cominação do art.º 646, n.º4, do CPC, para tais respostas já que as mesmas representam circunstâncias concretamente definidas a influir na vida dos Réus relativas ao facto das linhas aéreas de transporte de energia eléctrica instaladas pela Autora no prédio dos Réus passarem por cima (a 4 metros de distância) da casa de habitação ali construída.     

4.1.2 Igualmente carece a Autora de razão quando pugna pela inconsideração das respostas aos referidos quesitos por se não reportarem à realidade dos autos, mas dizerem respeito à generalidade das linhas de 60 KV.
       Conforme já salientado, a elaboração dos quesitos em referência foi efectuada de acordo com a matéria articulada pelos Réus na sua reconvenção tendo por finalidade apurar, de acordo com o posicionamento dos mesmos, dos prejuízos decorrentes da localização das linhas aéreas de transporte de energia eléctrica – por cima do imóvel urbano para habitação dos Réus.
     Desta forma, sendo ponto incontroverso no processo que as linhas em causa são linhas aéreas de transporte de energia eléctrica com 60 KV (alínea b) da especificação), e uma vez que nada foi alegado nem demonstrado nos autos quanto à existência de qualquer especificidade ou diferenciação entre as linhas aéreas de transporte de energia eléctrica objecto do presente pleito e as demais de 60 KV, não merecem qualquer censura as respostas dadas aos quesitos, sendo certo que só a matéria de facto constante das respostas aos quesitos 17º, 18º e 22º é reportada à generalidade das linhas aéreas de transporte de energia eléctrica com 60 KV (de que as em causa nos autos fazem parte, sublinhe-se), já que o factualismo contido nas respostas aos quesitos 19º, 20º e 21º se reporta à situação particular do processo.
  Por outro lado, para além de não se encontrar minimamente indiciado no processo que a redacção dos quesitos tenha condicionado negativamente a produção de prova, faleceria por completo desde logo tal argumento uma vez que, conforme já referido, não foi demonstrada no processo qualquer particularidade das linhas sob litígio relativamente a todas as outras com igual característica – aéreas de transporte de energia eléctrica com 60 KV.   
          Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões da Autora.

4.2 Defende ainda a Autora que a prova produzida nos autos impunha resposta diversa da dada aos quesitos 17º a 22º e 29º, imputando à 1ª instância erro na apreciação da matéria de facto.
  Estriba o seu entendimento fazendo apelo quer aos relatórios periciais levados a cabo no processo e bem assim aos esclarecimentos dados pelos peritos, quer no depoimento das testemunhas (K), (R) e (G).
  Constando dos autos os relatórios das perícias realizadas e uma vez que a audiência de julgamento foi gravada mostra-se possível o acesso às declarações que foram prestadas quer pelos peritos quer pelas testemunhas referenciadas pela Apelante.
             
4.2.1 Dispõe o art.º 712, n.º2, do CPC, que a Relação pode alterar a matéria de facto se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º- A, a decisão com base neles proferida.
          Este poder quanto à alteração da matéria de facto transforma a Relação num tribunal de instância, mas não permite um novo e integral julgamento em segunda instância, pois que “transporta consigo o risco de se atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade.
(...)Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores[42].
Com efeito, tendo em conta que, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas constante do art.º 655, do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, mostra-se evidente que na formação da referida convicção entram elementos que, necessariamente, não são perceptíveis numa gravação áudio da prova.
Conforme foi decidido no Acórdão de 03.10.2002 da Relação de Coimbra, nestes casos, o tribunal não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação de prova – com os demais elementos constantes dos autos, poder exibir perante si[43].
         Por conseguinte, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, para o efeito, que tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pela Apelante.
 
4.2.2 No que se refere ao quesito 17º, onde se perguntava, A verificação de curto-circuitos e queda de linhas aéreas de 60 KV podem ser originados por simples aves, o tribunal deu uma resposta restritiva dando como provado que podem ocorrer curto circuitos em virtude de aves pousarem nessas linhas.
          Relativamente à matéria a que se reportava o referido quesito pronunciou-se (P) (em resultado da perícia solicitada a Labelec- Estudos, Desenvolvimento e Actividades Laboratórios, SA,  - fls.92) que relativamente a tal respeito fez consignar no relatório elaborado “Aves de grande porte (por exemplo gaivotas), em determinadas condições, poderão provocar curto-circuitos nas linhas de 60 KV. Salienta-se que não basta o mero contacto, sendo necessário a verificação de determinadas condições”.
O perito foi ouvido em audiência de julgamento aí prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados.
Tendo em linha de conta tais esclarecimentos relativamente a esta questão, contrariamente ao defendido pela Autora, desde já se adianta que não há que alterar a resposta dada ao quesito, uma vez que a mesma se mostra adequada.
Com efeito, embora a Autora faça ênfase no facto do Sr. perito referir ser de zero a resposta técnica da probabilidade relativamente ao contacto de ave (exemplo de um milhafre) com a linha, o certo é que, na sequência do que o mesmo havia feito constar no seu relatório, admitiu a possibilidade de ocorrer tal incidente em duas circunstâncias[44]: a ave não ver a linha e cruzá-la numa determinada situação – tendo chegado a referir ser habitual introduzir elementos para permitir maior visualização das estruturas a fim das linhas serem facilmente perceptíveis pelas aves que se movimentam na zona.
Desta forma, atento a tal posicionamento (que não se mostra adequadamente contrariado pelo depoimento da testemunha (K)), não há que alterar a resposta dada pelo tribunal ao referido quesito, configurando-se a mesma de acordo com os elementos fornecidos pelo processo, não se evidenciando qualquer erro na apreciação da referida matéria de modo a possibilitar a pretendida modificação.

4.2.3 Insurge-se igualmente a Autora relativamente às respostas dadas aos quesitos 18º a 20º defendendo que atento os elementos de prova (relatório de peritagem e audição do respectivo perito[45] e levando em linha de conta o posicionamento das testemunhas (R) e (K) relativamente à questão) apenas poderia ter sido dado como assente que o ruído produzido por linhas de 60 KV é um ruído exclusivamente mecânico resultante da resistência ao vento da sua estrutura.
       Pretende ainda que, em consequência dessa alteração se proceda à anulação ou alteração da resposta ao quesito 21º.
Aos quesitos em causa, onde se perguntava:
Quesito 18º - Em caso de chuva ou ventos fortes, ou muita carga nas linhas, e por força de efeitos de indução causados por esses factores, aquelas emitem um ruído semelhante ao de um curto-circuito?
Quesito 19º - Ruído esse audível para quem esteja na casa construída pelos Réus?
Quesito 20º - E apesar de intermitente, separado por poucos segundos, se mantém repetidamente enquanto dura a tempestade ou a tensão?  
o tribunal respondeu afirmativamente, dando tal matéria como provada.
À matéria dos referidos quesitos, para além do que consta do relatório resultante da perícia realizada e do que foi esclarecido pelo perito, foram inquiridas as seguintes testemunhas: (R) (tão só ao quesito 18º), (V), (K) , (MG) e (H).
Não obstante as testemunhas (R) e (K) Moniz nada terem esclarecido relativamente a esta matéria, atendendo ao teor depoimento das testemunhas (MG) (visitou a casa dos Réus pelo menos umas quatro vezes) e (H) (conhece as linhas a que se reportam os autos, sustentando o seu depoimento atenta a sua qualificação profissional – Fiscal de Electricidade do Governo – e por ter trabalhado para a EDA), conjugado com o teor do relatório do perito e com os esclarecimentos por ele prestados, os argumentos apresentados pela Recorrente em defesa da sua pretensão revelam-se manifestamente incapazes de abalar a convicção extraída pelo tribunal a quo ao responder positivamente aos quesitos em referência[46].
Ouvidas as gravações da prova produzida em audiência, nomeadamente os depoimentos acima invocados, não merecem censura as motivações das respostas aos quesitos nas quais, relativamente a tal respeito, consta:
 “A convicção em que estribou o apuramento da matéria de facto supra consignada formo-se a partir das testemunhas (...) (MG), amiga e colega de trabalho da ré que constatou os efeitos que sentem na casa daquela provocados pelas linhas e a ansiedade em que os réus têm vivido o problema, e (H), que foi fiscal de electricidade do Governo Regional e proprietário de um empresa que se dedicava à montagem de linhas de alta tensão, que se pronunciou sobre (...) os perigos que elas
Verifica-se pois que as respostas dadas aos quesitos foram sustentadas em convicção que se mostra adequada face aos elementos fornecidos pelo processo, não se evidenciando qualquer erro na apreciação da matéria factual de modo a possibilitar a pretendida modificação das respostas dadas.
        Consequentemente, há que manter a matéria de facto apurada em 1ª instância relativamente aos quesitos em referência[47].

4.2.4 Defende ainda a Autora que, relativamente ao quesito 22º, onde se perguntava se As linhas aéreas de 60 KV criam nas respectivas imediações campos magnéticos que afectam equipamentos electrónicos e são prejudiciais à saúde, tendo o tribunal respondido - provado que as linhas eléctricas de 60 KV criam nas imediações campos magnéticos, que afectam alguns equipamentos electrónicos e que podem ter efeitos nocivos para a saúde de quem a eles esteja exposto com regularidade – ficou por apurar qual o campo electromagnético das redes eléctrica em causa, designadamente se o mesmo se estende para além dos 4 metros de distância mínima imposta por lei nas redes de 60 KV relativamente aos edifícios (Decreto-Regulamentar n.º 1/92, de 18/02).
Concluiu ainda a Apelante no sentido de que a resposta a este quesito é obscura e deficiente encontrando-se contrariada por prova produzida nos autos indicando para o efeito:
a) o relatório elaborado pelo perito (P) (fls. 92) onde se fez constar “A presença de uma linha nas condições apresentadas, não é susceptível de provocar danos em equipamentos eléctricos e ou electrónicos”;
b) o relatório pericial realizado pelo Instituto de Medicina Legal subscrito pelo Prof. (W) (fls. 70 a 73), onde, no entender da Apelante, ocorre lapso nas unidades de medição do campo eléctrico.
Na análise dos elementos de prova em referência nos autos há que ter presente que a matéria em causa - efeitos sobre a saúde dos campos electromagnéticos –, além de impor uma apreciação de cariz técnico-científico, constitui área de recente investigação onde ainda não foi possível chegar a conclusões seguras.
Nesta medida, para efeitos de avaliar da suficiência do factualismo dado como provado, há que ter em conta o alcance da pretensão dos Réus -   o pedido de condenação da Autora a remover as referidas linhas em termos de alteração do seu trajecto ou inserindo-as subterraneamente de forma a não passarem por cima do imóvel urbano.
Os elementos de prova que constam do processo apontam, indubitavelmente, no sentido da existência de eventuais riscos para a saúde resultantes da exposição a campos electromagnéticos. Por outro lado e contrariamente ao afirmado pela Autora, face ao teor dos relatórios periciais coadjuvados pelos esclarecimentos prestados pelos Sr. peritos resulta que, efectivamente, as linhas de alta tensão como aquelas em questão nos autos (de transporte de energia eléctrica de 60 KV) criam nas imediações campos magnéticos que afectam equipamentos electrónicos e podem ter efeitos nocivos para a saúde a quem a eles se encontre exposto regularmente.
Importa, porém precisar não só qual o alcance dessas “imediações”, como determinar, na situação em concreto (linhas aéreas de transporte de energia eléctrica de 60 KV que passam por cima da casa de habitação de família com crianças, linhas que se encontram colocadas à distância, embora regulamentar, de 4 metros). qual o respectivo potencial de exposição já que, segundo as declarações do perito (W), está em causa uma realidade passível de medição (cfr. declarações do mesmo ao lhe ser colocada a questão concreta dos autos - “tinha que se ter feito medições do potencial de cálculo de campos electromagnéticos”).
Desta forma e ainda que a resposta ao quesito se mostre adequada face aos meios probatórios constantes dos autos revela-se, através desses mesmos meios, que o tribunal a quo deveria ter desenvolvido as diligências probatórias adequadas no sentido de apurar tais elementos tidos por indispensáveis para poder ser dada resposta cabal e devidamente concretizada ao quesito em referência.
      Do que acabámos de expor transparece que não foi esgotado todo o labor que é possível desenvolver nos autos com vista ao conhecimento da referida matéria.
Na verdade, sabendo-se que a nossa lei consagra o direito fundamental à integridade física e a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, manifestado no direito à saúde e à qualidade de vida e ao bem-estar[48], o conhecimento da pretensão dos Réus[49] impõe que seja concretamente apurada a caracterização do campo electromagnético das linhas eléctricas em causa, pois que, só nessas circunstâncias, se poderá determinar e avaliar que efeitos (nocivos) sobre a saúde, o bem–estar e a tranquilidade dos Réus decorrem da exposição a esse campo, ou seja, a existência e grau de lesão (ou ameaça de lesão) do direito subjectivo dos Réus ao ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado.
Revela-se pois deficiente a resposta dada ao quesito 22º e mostra-se indispensável a ampliação da matéria de facto no sentido assinalado.
Importará pois que se produza prova sobre a referida matéria (vertida no artigo 56º da contestação conjugado com o respectivo artigo 48º de modo a concretizá-la à situação das linhas em causa nos autos), sem  prejuízo do tribunal utilizar o expediente a que se reporta o n.º3 do art.º 264 do CPC, caso venha a ser entendido como necessário[50].
4.2.5 Defende a Autora que a matéria do quesito 29º deveria ser dada como provada atendendo ao depoimento prestado pela testemunha (J)
Vejamos.
No quesito 29º perguntava-se Qualquer das operações referidas em q) importaria para a autora um custo superior a 100.000.000$00?, tendo o tribunal dado resposta de Não provado.
Para além da testemunha (funcionária da Autora) mencionada pela Apelante para sustentar a resposta positiva ao referido quesito, foi igualmente ouvida, a tal matéria, a testemunha (H) que foi fiscal da electricidade do Governo Regional e dono de uma empresa que se dedicava à montagem de linhas eléctricas).      
Na fundamentação das respostas aos quesitos o tribunal referiu a tal respeito (...) (H), que foi fiscal de electricidade do Governo Regional e proprietário de uma empresa que se dedicava à montagem de linhas de alta tensão, que se pronunciou sobre os custos do desvio das linhas e os perigos que estas comportam (...).
Atento ao teor dos depoimentos das testemunhas em referência verifica-se que as declarações de (H) não só não coincidem como divergem largamente, em termos de quantitativo, do que foi declarado pela testemunha (J).  Por outro lado, não existindo quaisquer outros elementos probatórios relevantes relativamente à questão dos custos de desvio das linhas em causa e tendo em conta a justificação apresentada pela testemunha (J) para a sua afirmação[51], consideramos que o respectivo depoimento revela-se manifestamente incapaz de abalar a convicção extraída pelo tribunal a quo ao responder negativamente ao quesito e que se encontra fundamentada nos termos assinalámos.
Importa uma vez mais sublinhar que ocorre uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em 1ª instância e o julgamento da matéria de facto a efectuar pelo tribunal de recurso nestas circunstâncias.
Com efeito, a sensibilidade à forma como a prova testemunhal é produzida em audiência é fundamentada num conhecimento das reacções humanas e na análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da  testemunha só possível de obter através da imediação, isto é, da relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes e que definem o núcleo essencial do acto de julgamento em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura do julgador.
Por conseguinte, sempre que a posição do julgador se centraliza nos elementos que se prendem directamente com a imediação da prova testemunhal, o tribunal de recurso não tem possibilidade de sindicar tal convicção, excepto se a mesma se mostrar contrária às regras da experiência da lógica e dos conhecimentos científicos, o que não acontece na situação sob apreciação[52].
Não há assim que alterar a resposta dada pelo tribunal a quo ao referido quesito.

4.2.6 Entende ainda a Autora que o documento de fls. 226 a 228 demonstrando a concessão de licença de estabelecimento da linha aérea Caldeirão determina que se alterada a matéria de facto constante da alínea L).
Conforme já referido, resulta dos autos (face à junção de documento superveniente) que a Autora já obteve (em 30.01.02) a licença de estabelecimento quanto à referida linha impondo-se que tal circunstancialismo seja atendido por este tribunal.
Assim e nos termos do art.º 712, n.º1, al. a), do CPC), há que proceder à alteração da referida alínea por ampliação da matéria de facto nela fixada em 1ª instância, passando a mesma a ter o seguinte teor:
A primeira linha referida em b) não se encontrava licenciada à data da sua implantação, tendo a Autora obtido a respectiva licença de estabelecimento em 30.01.02.

IV – Decisão
Nestes termos, acordam os Juizes deste Tribunal da Relação de Lisboa nos seguintes termos:
a. julgar parcialmente procedente a apelação dos Réus revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a Autora do pedido de indemnização pela ocupação ilícita do imóvel, condenando esta a pagar aos mesmos indemnização em montante a liquidar em execução de sentença;
b. em anular, quanto ao mais e nos termos do n.º4 do art.º 712, do CPC, a sentença proferida a fim de se proceder à ampliação da matéria de facto relativamente ao ponto assinalado em 4.2.4.
          Quanto à condenação em custas:
a) no que respeita ao pedido de indemnização julgado agora procedente, as custas da acção serão, provisoriamente, em partes iguais, pela Autora e Réus fazendo-se o rateio definitivo, de acordo com a sucumbência, na execução de sentença; ainda nesta parte, as custas do recurso serão suportadas pela Autora;
b) no mais, custas pelo vencido final.


 Lisboa,  26 de Junho de 2003  
  Graça Amaral
  Ezaguy Martins
Maria José Mouro
_______________________________________________


[1] Que se reporta às redes de tracção eléctrica urbana.
[2] Na redacção anterior preceituava o parágrafo 5 do art.º16 que Além destes documentos, sempre que, para a execução das obras projectadas, seja necessária a ocupação de quaisquer domínios públicos ou particulares e a respectiva concessão não tenha sido dada com declaração de utilidade pública, deverá o requerente apresentar declaração escrita em papel selado e reconhecida por notário público de que se obriga a obter as autorizações para a ocupação desses domínios dadas pelos proprietários ou entidades competentes ou seus legítimos representantes, e de que só depois de obtidas essas autorizações procederá à montagem da instalação projectada.     
[3] Preâmbulo do DL em referência.
[4] Operada pelo DL 79/97 de 08.4.
[5] Nos termos do qual A empresa assumirá todos os direitos e obrigações derivados de actos e contratos nos precisos termos em que se encontram celebrados pela Empresa Insular de Electricidade e pelas autarquias locais, serviços municipalizados e federações de municípios que actualmente têm a ser cargo o estabelecimento e exploração do serviço público de electricidade ...”
[6] Obras do plano geral dos aproveitamentos hidráulicos e de electrificação da ilha de S. Miguel (art.º 1).
[7] Mostrando-se assim inócua para tal efeito a matéria constante do ponto 18 do factualismo provado considerado na sentença - À data de 9 de Maio de 2000, as instalações referidas em 2. e 3., como aliás as estruturas afectas aos serviços prestados pela A., não tinham sido objecto de declaração de utilidade pública administrativa por banda das autoridades regionais.
[8] Note-se que a Resolução n.º 181/2000, de 12-10, aprovou o Contrato de Concessão do Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica, verificando-se, por isso, que a Autora é concessionária, em regime de serviço público e com declaração de utilidade pública das suas actividades. 
[9] No sentido de que, relativamente ao estabelecimento de linhas eléctricas, a entidade concessionária de serviço público tem o direito de, atento ao art.º 51, do DL 43 335, de 19.11.66, constituir servidões necessárias à realização dos seus fins, servidões que derivam directamente da lei, cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina 1990, pág. 1060, Acórdão do STJ de 06.10.72, BMJ n.º , pág. 117, Acórdão da Relação do Porto de 22.10.81, CJ 81, tomo IV, pág. 205, Acórdão da Relação de Coimbra de 08.04.2003, a cujo sumário se pode aceder por http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb, Acórdão da Relação do Porto de 19.12.2002, a cujo sumário se pode aceder por http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb.
[10] Definida como encargo imposto sobre um imóvel em benefício de uma coisa, por virtude da utilidade pública – António Pereira da Costa, Servidões Administrativas, Outras restrições de utilidade pública, Elcla Editora, 1992, pág. 22
[11] Conforme preceitua o parágrafo primeiro do art.º 51, do DL 43 335, Estes direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Julho de 1936 . No mesmo sentido aponta o art.º 31, do mesmo diploma legal – os concessionários serão obrigados ao cumprimento das leis e regulamentos em vigor, não só em relação ao licenciamento de todas as instalações ....
[12] Cfr. Marcelo Caetano, obra citada, pág. 1054 e ss, Relativamente a este aspecto parece-nos que a conclusão a que chegou António Pereira da Costa de que a servidão é prevista na lei mas é constituída através de acto administrativo (...) Antes de tais actos existirá apenas um poder potestativo (obra citada) enferma de algum equívoco quanto ao efeito a dar ao acto administrativo, pois que o mesmo não poderá ser considerado de constitutivo do direito (dado que a servidão decorre da lei), mas enquanto requisito de eficácia.  
[13] António Pereira da Costa, obra citada, pág. 44.
[14] Mostra-se inócua e, por isso, destituída de qualquer efeito, a condição de licenciamento da linha de Milhares no âmbito da qual ficou consignado que as reclamações devidas a ocupação indevida de terrenos serão única e exclusiva da responsabilidade da EDA, EP, devido a não ter sido dado cumprimento ao disposto no ponto 3 do art.º 16.º do DL n.º 26852, de 30 de Julho de 1936.ponto 9 da matéria de facto provada constante da sentença.   
[15] Beneficiando de licença de estabelecimento e exploração concedida em Dezembro de 1999 – cfr. ponto 9 da matéria de facto provada constante da sentença.
[16] Para aqueles que defendem que o acto administrativo é necessário para a constituição da servidão, estaria em causa uma servidão em abstracto autorizada por lei, concedendo ao beneficiário um direito potestativo de imposição de uma sujeição. 
[17] O que determinaria, desde logo, a procedência do pedido da Autora caso o mesmo se não encontrasse dependente do conhecimento do pedido de alteração do trajecto das linhas deduzido pelos Réus.
[18] Apenas se abordará, por ora, o direito à remoção das linhas sustentado na violação do direito de propriedade, sendo certo que os Réus deduziram ainda pedido de alteração do trajecto das linhas sustentado nos perigos que delas decorre atenta à sua localização.    
[19] O dever de suportar a respectiva servidão encontra-se condicionado ao eventual direito dos Réus à alteração do trajecto das mesmas caso seja demonstrado que a sua localização viola o direito dos mesmos a um ambiente humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
[20] Saliente-se que o direito de exigir a remoção das linhas por parte dos proprietários onerados com a respectiva servidão encontra-se restringido às situações a que se reporta o art.º 43º do DL 43 335 (quando o afastamento ou substituição das linhas for necessário para a realização de obras de ampliação em edifícios existentes, desde que delas não resulte alteração do fim a que os mesmos se destinam) e, em certas situações, condicionado ao pagamento de prévia indemnização ao concessionário – parágrafo único do referido preceito.
[21] Cfr. art.º 52, do DL 43 335 de 19.11.60.
[22] Contrariamente à regra (as servidões administrativas não dão direito a indemnização) a lei prevê expressamente nestes casos o direito a indemnização - art.º 37 do DL 43 335, de 19.11.60 – direito que se encontra circunscrito aos precisos termos por ela declarados – daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas.  
[23] De acordo com o art.º 1305, do C. Civil o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas. São assim admitidas restrições a tal direito desde que previstas na lei e dignas de tutela, privando por isso o respectivo titular do direito do pleno gozo do mesmo. Por conseguinte, só a servidão regularmente constituída assume a natureza de restrição ao direito de propriedade prevista na lei. Até essa altura, está em causa uma ocupação não legítima.      
[24] Enumeração não taxativa de situações que determinam a obrigação de restituir.  
[25] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 1982, volume I, pág. 404.
[26]Obra citada, pág. 408. 
[27] Contudo o conceito de dano é diverso do entendido no âmbito da responsabilidade civil, pois que nesta sede o mesmo corresponde à “frustração de uma utilidade que era objecto da tutela jurídica, devendo a indemnização ser estabelecida através da reconstituição dessa utilidade (art. 562º C.C) ou mediante a alteração da situação patrimonial actual do lesado para a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, n.º2 do Código Civil). No âmbito do enriquecimento sem causa, pelo contrário, o empobrecimento era tradicionalmente entendido como a perda resultante da deslocação de um bem entre dois patrimónios, sendo assim determinável mediante critérios distintos dos que vigoravam para a responsabilidade civil, cuja aplicação estava excluída, mesmo por analogia” – O enriquecimento sem causa no direito civil, Menezes Leitão, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 176, pág. 864.    
[28] O empobrecimento era obtido pela verificação da desvalorização do património resultante da perda de direitos que a deslocação patrimonial acarretou por correspondência com a valorização do património do enriquecido proveniente da aquisição dos mesmos direitos.
[29] Afastando-se pois da figura da responsabilidade civil.
[30] Menezes Leitão, obra citada, pág. 876.
[31] Obra citada, pág. 876.
[32] Menezes Leitão, obra citada, pág. 876/877.
[33] Obra citada, pág. 414.
[34] Na situação sob apreciação, caso os Réus tivessem demonstrado a existência de danos em consequência da ocupação ilegítima por parte da Autora, a intervenção desta em bem alheio integrava, igualmente, os pressupostos da responsabilidade civil.  
[35] Pelo fornecimento de energia a Autora possui contrapartida, sendo o mesmo objecto da sua actividade comercial.
[36] Carece de qualquer base de apoio o montante indicado pelos Réus de 60.000$00.
[37] Estando em causa no recurso a validade das respectivas respostas atento ao disposto no art.º 646, n.º4, do CPC, nos termos do qual se têm por não escritas as respostas sobre questões de direito.
[38] Código de Processo Civil anotado, III volume, pág. 206.
[39] Segundo o mesmo autor, “É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudança operadas no mundo exterior. É  questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”, obra citada, pág. 206/207.
[40] Acórdão do STJ de 02-12-92, processo n.º 3400.           
[41] Antunes Varela em comentário ao Acórdão do STJ de 08.11.84, RLJ, 122, pág. 209 e ss. Cfr. nesse sentido Acórdão do STJ de 04-05-2000, Revista n.º 246/00,  2.ª Secção, onde foi considerado que a adjectivação de um determinado produto, integrando um mero juízo de facto, apesar de conclusivo, na medida em que não apela para a especializada formação jurídica do julgador, não poderia a sua resposta ser dada como não escrita, nos termos do art.º 646 n.º 4, do CPC, por não encerrar uma resposta a uma questão de direito.
[42] Abrantes Geraldes, pág. 263 e ss.
[43] CJ 2002, tomo 4, pág. 27
[44] Conforme foi salientado pelo próprio perito, o mesmo encontra justificação para a sua resposta de probabilidade zero no facto de ser extremamente baixa a ocorrência de circunstâncias que levem a que a presença de uma ave conduza a um incidente, a um curto-circuito.   
[45] (P) em resultado da perícia solicitada a Labelec- Estudos, Desenvolvimento e Actividades Laboratórios, SA.
[46] Refira-se que quer o relatório do perito quer ainda os esclarecimentos por ele prestados não infirmam, de modo algum, o que resulta apurado e que decorre do depoimento das testemunhas (MG) e (H), já que, para além do que consta do relatório - “As linhas aéreas emitem ruído acústico devido ao vento e ao efeito coroa. Só a realização de registo locais permitiria determinar se o nível de ruído é danoso para os residentes. Os curto-cirtuitos são também geradores de ruído. Tratando-se, contudo, de fenómenos de natureza muito esporádica e de duração muito curta, julgamos não ser de valorar os eventuais danos provocados pelo ruído que originam” – pelo mesmo foi referido que, relativamente a situações de tempestade, o vento ao entrar em contacto com os condutores pode provocar ruído, embora a respectiva intensidade só pudesse ser determinada na situação concreta e em face a mediações.  
               Importa ainda realçar, atenta a pretensão dos Réus e os fundamentos em que a alicerçam, que se mostram suficientes os elementos dos autos para determinar se o ruído das linhas é audível por aqueles (sendo assim dispensável a realização de medições no local para avaliação do concreto nível do referido ruído, uma vez que não está em causa qualquer comportamento ilícito por violação das normas constantes do Regulamento Geral sobre o Ruído em vigor).     
[47] E, bem assim, quanto à resposta dada ao quesito 21º. 
[48]Ao estado de saúde físico e psíquico é inerente um determinado “ambiente” que constitui condição do normal funcionamento do corpo e cujas violações integram verdadeiros comportamentos ilícitos. Este “ambiente” é embuido de uma realidade multifacetada de condições a preservar cuja tutela jurídica tem vindo a autonomizar-se do contexto da tutela tradicional dos direitos de personalidade (art.º 70, do C. Civil), assumindo valorização própria (art.ºs art.ºs 66, n.º1, 25, 64, da CRP e  art.ºs 2 e 5, Lei 11/87, de 7.4, Lei de Bases do Ambiente) reconhecendo-lhe a Lei Constitucional a relevância de direitos subjectivos fundamentais (enquanto direitos de natureza análoga aos direitos e liberdades e garantias, beneficiando do regime especial do art.º 18, da CRP, e, por isso, de aplicação imediata). Esta nova perspectiva de encarar tais realidades impõe que no domínio da tutela civil em que nos movemos na situação dos autos, o esquema restitutivo deste sistema seja adequadamente enquadrado em função dos princípios estruturantes que norteiam o direito do ambiente, sendo o da prevenção um dos primordiais a valorar – art.º da Lei de Bases do Ambiente.
[49] No que se refere ao pedido de alteração do trajecto das linhas e, bem assim, para efeitos de avaliação do pedido de indemnização por danos morais.
[50] O poder-dever do juiz quanto à ampliação da matéria de facto no decurso da audiência a que alude o art.º 650, n.º2, alínea f), do CPC, reporta-se não apenas aos factos articulados pelas partes e que por lapso não foram incluídos na base instrutória, mas também de factos essenciais não articulados que se mostrem concretizadores da matéria alegada e que emergem da própria discussão da causa – neste sentido cfr. Lopes do Rego em comentário aos artigos 650º e 264, ambos do CPC, respectivamente pág. 429, 430 e 200 a 203. Relativamente à possibilidade de aquisição processual dos factos concretizadores da alegação pela parte, refere o mesmo autor que a mesma “carece de ser conexionada com os mecanismos de aperfeiçoamento dos articulados (...) ultrapassada a fase da audiência preliminar e a possibilidade de formulação de um convite ao aperfeiçoamento da matéria articulada, não é possível provocar e obter tal “aperfeiçoamento” em sede de pura alegação de factos, admitindo-se apenas que, quando os factos omitidos venham a ser revelados ou adquiridos através d prova produzida em julgamento, o tribunal os tome em consideração na sentença, com respeito integral pelos princípios dispositivo e do contraditório”.     

[51] Os cento e vinte mil contos de custo pelas duas linhas (sessenta mil para cada uma) foram indicados, no dizer da testemunha, de acordo com os preços que as empresas apresentam nos nossos concursos.   
[52] Veja-se que no caso o tribunal a quo  procedeu à análise da prova produzida, concluindo (ainda que implicitamente) que o testemunho com vista à defesa da tese da Autora não foi convincente, baseando-se, para o efeito, na credibilização do depoimento de outra testemunha que depôs relativamente à mesma matéria.