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EXECUÇÃO
CRÉDITO LABORAL
PENHORA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRESPASSE
GARANTIA REAL
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
I- O n° 2 do art. 37° da LCT não confere aos trabalhadores qualquer garantia real sobre o estabelecimento, não Ihes permitindo, sem mais, instaurar execução contra o adquirente do estabelecimento e penhorar bens a ele pertencentes, mas apenas prevê um mecanismo de transmissão de obrigações. II- Para que o credor possa obter o pagamento do seu crédito por força do estabelecimento, terá de se munir de título executivo. III- Na falta, por exemplo, de negócio jurídico em que o adquirente do estabelecimento reconheça a dívida (nomeadamente documento que titule o trespasse em que estejam discriminadas as quantias em dívida aos ex-trabalhadores da transmitente) e que constitua título nos termos do art, 46° al. b) a d) do C PC, o trabalhador terá de obter sentença condenatória do adquirente, ou seja, terá de demandar judicialmente o trespassário do estabelecimento a fim de o convencer da existência da dívida e assim se munir do título que lhe permita executar o respectivo património. Só assim se respeitará o princípio do contraditório. IV- É irrelevante perante o transmissário que o crédito do trabalhador esteja judicialmente reconhecido perante o transmitente (art. 522° CC).
Texto Integral
Acordam na Secção Social do tribunal da relação de Lisboa:
I - (A) residente na , Amadora, requereu em processo executivo intentado contra a “(B) a penhora:
b) o direito ao trespasse e ao arrendamento das lojas n.°x e y do Centro Comercial , notificando–se, ainda, nos termos legais, a Administração do Centro que a A. julga ser a senhoria;
c) no caso de não se tratar de um arrendamento, mas sim um outro direito de fruição do espaço, atenta a estrutura legal dos centros comerciais, então que seja penhorado esse direito, com a denominação que tiver;
d) o direito ao trespasse e ao arrendamento do andar sito na Av. 1, em Lisboa, notificando–se, após identificação pela Executada, o senhorio nos termos legais.
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Com base neste requerimento, o M.mo Juiz do tribunal recorrido, proferiu despacho a ordenar a penhora do estabelecimento identificado no requerimento acima referido, em que se integra o direito ao arrendamento das respectivas instalações (cfr. fls. 5).
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Efectuada a diligência da penhora, fez-se constar do respectivo auto que “a executada trespassou as instalações à (B), segundo informação confirmada pela Administração do Centro (cfr. fls. 33).
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Notificada a executada do conteúdo deste auto, veio a mesma requerer a efectivação da penhora do direito ao trespasse e ao arrendamento, ou do direito de fruição inerente, se outro título houver, na pessoa da actual proprietária do mesmo estabelecimento, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 34 e 35.
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Foi de seguida proferido o seguinte despacho: «O regime de solidariedade previsto no art.º 37.º n. 2 da LCT não obsta a que, na falta de outro título com força executiva (v.g., negócio jurídico em que o adquirente reconheça as dívidas), o adquirente do estabelecimento deva ser convencido, por acção judicial, da existência da referida obrigação. Ora, a actual proprietária do estabelecimento não interveio na acção em que se funda o título executivo da presente execução. Pelo exposto, não ordeno a requerida penhora do estabelecimento.»
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A exequente não se conformou com tal decisão e dela interpôs recurso de agravo, concluindo, assim, as suas alegações:
I – Qualquer decisão jurídica deve ser fundamentada, demonstrando de forma clara a motivação da mesma, sendo que, em Direito, a mesma decorre do processo lógico–dedutivo, denominado silogismo judiciário;
II – Aquém e além desse processo, encontram–se as normas do bom senso e da coerência, para que, através de interpretações sucessivas se alcancem, com a mesma norma, efeitos opostos;
III – Em sede de arresto, e no presente processo, não foi o mesmo deferido, porquanto se entendeu, e assim se decidiu, não existir perigo de dissipação dos bens, na justa medida em que o crédito seguiria a transmissão temida a realizar (e que se realizou, efectivamente);
IV– Ao assim interpretar a norma, o Tribunal não teve em mente nem uma nova acção nem um chamamento ao processo, mas, isso sim, o regime especial, próprio, de constituição da solidariedade previsto no artigo 37.° da LCT;
V– Esse regime nasce da própria Lei, fazendo recair sobre o adquirente certas obrigações que, a não serem cumpridas, é imperioso terem um efeito útil, sob pena de o Legislador ter criado um regime especial oco, o que não é, certamente, demonstração de coerência;
VI– Em virtude desse regime, e como bem se interpretou em sede de arresto, não há que convencer um novo actor, criando aqui um “triângulo amoroso” de acções, em que o A. agiria contra o cedente e agora carece de uma nova acção contra o adquirente;
VII– O único sentido coerente a extrair da disposição normativa, artigo 37.º , n.° 2 da LCT, é o de que se traduz numa ineficácia relativa da transmissão, porque esta se encontra vinculada à garantia do credor;
VIII – É legalmente admissível a penhora de bens pertencentes a terceiros, nos termos do artigo 818.° do Código Civil, desde que estes estejam vinculados à garantia de um crédito;
IX– Assim sendo, por violação do disposto no artigo 37.°, n.° 2, da LCT, deverá a presente decisão ser revogada, por ilegal, sendo substituída por outra, que ordene a penhora do estabelecimento.
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A recorrida não apresentou contra-alegações.
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O M.mo Juiz do tribunal recorrido sustentou, mui doutamente, o despacho recorrido, conforme consta de fls. 49 a 51.
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O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal da Relação, emitiu douto parecer em que concluiu, não existir in casu “ título bastante contra o trespassário”.
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II - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
O M.mo Juiz do tribunal recorrido escreveu, mui doutamente no seu despacho de sustentação:
«Resulta dos artigos 817.º e 818.º do Código Civil que está vedado ao credor fazer apreender bens alheios que não existam na esfera jurídica do devedor, quando não estejam vinculados à garantia do crédito, nem sejam objecto de acto praticado em seu prejuízo, precedentemente impugnado. Em consonância, a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título executivo tenha a posição de devedor (art.º 55.º n.º 1 do Código de Processo Civil) e apenas estão sujeitos à execução os bens do devedor (artigo 821.º n. 1 do Código de Processo Civil). Só nos casos especialmente previstos na lei podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele (art.º 821.º n.º 2 do Código de Processo Civil). Assim, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor (art.º 56.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
No auto de diligência junto a fls. 8 desta execução, consta a informação de que a executada “trespassou as instalações”, no final do ano de 2001, à (B), informação essa que a exequente não questionou e deu por boa. Ora, admitindo que o “trespasse das instalações” correspondeu à transmissão do estabelecimento comercial, a verdade é que tal estabelecimento, por força do trespasse, passou a pertencer a terceiro, e já não à executada. O crédito da executada não beneficia de garantia real sobre o estabelecimento. É certo que o art.º 37.º n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Dec.–Lei n.º 49.408, de 24.11.1969 – LCT – dispõe que o adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até ao momento da transmissão, devendo para o efeito ser efectuado o aviso referido no n.º 3 do mesmo artigo. Este preceito, porém, não confere ao trabalhador o direito de, sem mais, instaurar execução contra o adquirente do estabelecimento e penhorar bens a ele pertencentes, nomeadamente o estabelecimento. Este preceito não confere aos créditos do trabalhador uma garantia real incidente sobre o estabelecimento comercial. Este preceito apenas prevê um mecanismo de transmissão de obrigações. Mas para que o credor possa obter o pagamento do seu crédito por força do património do devedor, maxime por força do estabelecimento comercial, terá de se munir do respectivo título executivo. Na falta, por exemplo, de negócio jurídico em que o adquirente reconheça a dívida (nomeadamente, documento que titule o trespasse, em que estejam discriminadas as quantias devidas aos ex–trabalhadores do transmitente), e que constitua título executivo nos termos previstos no art.º 46.°, alíneas b) a d) do Código de Processo Civil, o trabalhador terá de obter sentença condenatória do adquirente, ou seja, terá de demandar judicialmente o trespassário do estabelecimento, a fim de o convencer da existência da dívida e assim se munir de título que lhe permita executar o respectivo património. Só assim se respeitará o princípio do contraditório (art.º 3.º do Código de Processo Civil), essencial num estado de direito. O facto de o crédito da trabalhadora perante o transmitente estar já judicialmente reconhecido é, perante o transmissário, irrelevante (art. 522.º do Código Civil).
No despacho que indeferiu o procedimento cautelar de arresto (o qual, aliás, não tem qualquer influência fora do estrito âmbito do procedimento – art. 383.º n.º 4 do Código de Processo Civil) nada se disse que contrarie o supra exposto: apenas se lembrou que, perante o direito substantivo, o adquirente do estabelecimento comercial seria solidariamente responsável pelas dívidas laborais do transmitente, nos termos constantes no art.º 37.º da LCT; mas nada se expendeu no sentido de que poderiam ser ultrapassados os pressupostos processuais necessários à concretização desse direito.»
Concordamos inteiramente com este douto despacho de sustentação do M.mo Juiz do tribunal recorrido, ao qual, damos a nossa inteira adesão.
Só nos resta reforçar a ideia de que a execução só pode incidir sobre bens de terceiro, nos termos do art.º 818.º do Código Civil, em duas situações:
quando estejam vinculados à garantia do crédito;
quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor
que haja este procedentemente impugnado (cfr. o que escrevem, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, em anotação ao citado art.º 818.º, pág. 66)
Ora, a 2.º situação está desde logo afastado dado que a exequente (credora) não alegou qualquer acto de impugnação no que se refere ao trespasse do estabelecimento.
E, no que respeita à 1.ª situação, temos como certo que o art.º 37.º da LCT ao contemplar a “transmissão de estabelecimento”, por razões de segurança e estabilidade de emprego, não confere aos trabalhadores qualquer garantia real sobre o mesmo.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.
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III – DECISÃO:
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao agravo e, em consequência, em confirmar, o despacho recorrido.
Custas legais pela recorrente, tendo porém, em consideração que a mesma beneficia do apoio judiciário (fls. 62 e 63).
(processado e revisto pelo relator)
Lisboa, 2/7/03
Sarmento Botelho
Simão Quelhas
Ribeiro de Almeida