Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RATIFICAÇÃO
EMBARGO DE OBRA NOVA
PRESSUPOSTOS
POSSE
NULIDADE DA DECISÃO
Sumário
I – O embargo de obra nova depende da verificação dos seguintes pressupostos: – que o requerente seja titular do direito de propriedade, singular ou comum, de qualquer outro direito real de gozo, ou de posse; – que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; - que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízo ao requerente. II – É concedido o direito de embargar relativamente a actos materiais que ofendam a posse, não pressupondo a coexistência, na pessoa do possuidor, da titularidade de um verdadeiro direito real.
III – Resultando da factualidade provada que os requerentes actuavam de facto, no que concerne à parcela de terreno em que tem lugar a obra inovatória, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (em regime de propriedade horizontal) verificando-se o «corpus» da posse, infere-se a existência de «animus».
IV – Não se cuidando de verificar da eventual procedência da providência com base na simples existência da posse – também invocada pelos requerentes – falhou a apreciação de uma questão submetida à apreciação do tribunal, verificando-se a nulidade prevista no art. 668, nº1-d) do CPC.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I – A e outros, intentaram o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra B.
Alegaram os requerentes, em resumo:
Os requerentes são donos e possuidores das fracções autónomas denominadas «B» e «I», do prédio urbano em regime de propriedade horizontal designado «Y».
O construtor daquele prédio veio a adquirir e a anexar a este uma língua de terreno no sentido leste/oeste, com cerca de 185 m2, aí implantando parques de estacionamento bem como a área de depósito de contentores do lixo.
Tal trato de terreno tem sido utilizado e fruído, desde a data da construção do prédio «Y », exclusivamente pelos condóminos deste, para seu proveito, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, de boa fé, de forma pública e pacífica, actuando pela forma correspondente ao direito de propriedade. Já antes o construtor e os antecessores procederam em termos similares.
Contudo, a requerida, nas duas últimas semanas tem utilizado aquela faixa de terreno demolindo um muro que constituía a partilha sul do mesmo e edificando ali uma porta de acesso ao seu prédio.
Tais trabalhos prejudicam o direito de propriedade sobre aquela parte comum do prédio e a posse dos requerentes.
Nesta conformidade os requerentes, no dia 17-10-2002, deslocaram-se àquela parte comum do prédio, acompanhados de três testemunhas e verbalmente disseram á requerida que suspendesse tais trabalhos e a utilização daquele trato de terreno, procedendo ao embargo extrajudicial das ditas obras.
Requereram a ratificação do mencionado embargo.
A requerida deduziu oposição alegando, essencialmente que o pedaço de terreno em causa não integra a área do prédio de que os requerentes são condóminos, qualquer pessoa o podendo utilizar e sendo considerado espaço público.
O processo seguiu os seus termos, vindo a final a ser proferida decisão que julgou a providência improcedente.
Dessa decisão agravaram os requerentes, formulando as seguintes conclusões:
1 - Os agravantes invocaram no seu requerimento inicial a titularidade de direito de compropriedade sobre uma parcela de terreno e para tanto alegaram a posse dos próprios, dos demais condóminos do Edifício "Y ", do construtor deste e dos antecessores, os quais exerceriam os actos materiais alegados nos artigos 11° a 16°.
2 - E que, por essa via, tinham adquirido, por usucapião, o invocado direito real de gozo.
3 - No artigo 24º do requerimento inicial os agravantes identificaram o direito de propriedade sobre aquela parte comum e a posse como sendo os direitos prejudicados pelas obras da agravada.
4 - Estes direitos integravam as duas causas de pedir formuladas no requerimento inicial, tanto que o conhecimento da primeira exigia o conhecimento da segunda.
5 - Tais causas de pedir - direito de compropriedade e posse - foram em definitivo admitidas pelo Tribunal" a quo".
6 - Na sentença recorrida conheceu-se unicamente da causa de pedir relativa à titularidade do direito de compropriedade e fê-lo negando-lhes tal direito, porquanto a posse exercida pelos agravantes não conduzia à aquisição, por usucapião, desse direito.
7 - Contudo, do iter lógico plasmado na sentença sob recurso decorre que o Tribunal" a quo" teve por pressuposto da sua decisão uma reconhecida situação de posse por parte dos agravantes.
8 - Dado que na fundamentação de direito da sentença afirma-se que agravantes “ utilizam a parcela em causa desdea construção do edifício, ou seja, há cerca de oito anos, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente", que trata-se de "...uma posse de boa fé, pacífica e pública" e que essa "posse (...) não é susceptível, por ora, de conduzir à aquisição de tal parcela por usucapião".
9 - O Tribunal, nesta parte, ateve-se à factualidade considerada provada em especial a transcrita nos pontos nos 6., 8. e 11. da fundamentação de facto da sentença, e aos factos considerados não provados, concretamente no constante nos pontos III) e IV) neste articulado transcritos.
10 - Do conjunto da factualidade tida por provada e por não provada e do seu exame crítico, resulta processualmente adquirido que os condóminos do edifício "Til Mar” - entre os quais os agravantes - têm utilizado a parcela de terreno, nomeadamente o estacionamento no sentido Leste-Oeste e a área de depósito de contentores do lixo, junto do seu extremo Leste.
11 - E que têm-no feito em seu proveito, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma pública e pacífica.
12 - Os actos materiais notórios que corporizam a demonstrada utilização da parcela de terreno consubstanciam uma actuação dos agravantes em termos correspondentes e similares ao direito de compropriedade que invocaram.
13 - Os agravantes têm exercido, fáctica e materialmente, a posse da parcela de terreno identificada nos pontos 8. a 10. da fundamentação de facto da sentença, posse essa de boa-fé, pacífica e pública.
14 - A posse de um direito real de gozo pode ser acautelada por via do
procedimento cautelar de ratificação de embargo extra judicial de obra nova.
15 - Assim, decidida a improcedência da primeira causa de pedir - o direito de compropriedade - devia o Tribunal" a quo" pronunciar-se se sobre a outra causa de pedir e questão invocada: a da posse dos agravantes.
16 - Nomeadamente, para julgar os agravantes titulares da posse e, por consequência, de um direito susceptível de ser acautelado pelo presente procedimento cautelar.
17 - Não tendo a mencionada questão sido conhecida, quando o devia ter sido, a sentença sob recurso é nula, nos termos do disposto no artigo 668°, n° 1 - al. d), do Código de Processo Civil.
18 - Se assim se não entender, seguro é que a fundamentação de facto e de direito da sentença, nomeadamente ao reconhecer a posse dos agravantes sobre a parcela de terreno, está em contradição lógica com a decisão.
19- A sentença sob recurso foi proferida no pressuposto de que os agravantes exerciam e exercem posse e a assunção dos factos e do direito a ela conducentes apontam no sentido de que os agravantes são titulares dessa mesma posse.
20 - Esta conclusão que se extrai da fundamentação da sentença não teve consequência na decisão, dado que aos agravantes não foi reconhecida a titularidade de qualquer direito e ordenada a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova.
21 - Assim, a sentença sob recurso é nula, nos termos do disposto no artigo 668°, n° 1 - al. c), do Código de Processo Civil.
22 – Ainda assim, dos autos decorre que a posse dos agravantes se encontra fáctica e processualmente demonstrada e adquirida e que estes são seus titulares.
23 - Ora, tal posse e tal titularidade devia ter sido considerada aquando da decisão sobre a concorrência dos requisitos da presente ratificação extrajudicial de embargo de obra nova, em especial no que tange à titularidade do direito respectivo.
24 - Ao não ter entendido assim, o Tribunal "a quo” violou as normas dos artigos 412, n° 1, do Código de Processo Civil e 1251º e 1268º do Código Civil.
25- Ante o ora concluído deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ratifique o embargo extrajudicial de obra nova.
A agravada contra-alegou nos termos constantes de fls. 146 e segs..
*
II - O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. As fracções "B" e "I" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado por "Y", encontram-se inscritas, respectivamente, a favor dos requerentes pelas inscrições nºs G19950929022 e G199507211021 (documento de fls. 84 a 88).
2. O prédio referido em 1. é constituído por um conjunto habitacional de dois blocos de construção contíguos, designados de poente para nascente por Bloco A e Bloco B, com um total de dezasseis habitações (oito por cada bloco) que constituem dezasseis unidades ou fracções autónomas destinadas a habitação; na zona Norte do edifício, ao nível do arruamento existem dois espaços destinados a estacionamento automóvel com a capacidade de cinco lugares cada, situados a nascente de cada acesso principal do imóvel, totalizando dez estacionamentos (documento de fls. 7 a 14).
3. As áreas de solo ocupadas pelos estacionamentos referidos em 2. são partes comuns do prédio urbano, mas destinadas ao uso exclusivo dos proprietários de determinadas fracções, conforme consta do título constitutivo de propriedade horizontal.
4. Por escritura pública com data de 7.04.1993, M, como procurador de L, declarou vender a T, um prédio constituído por uma porção de terreno destinada a construção urbana, sito..., com a área global de 600 m2.... (documento de fls. 42 a 44).
5. Por documento particular intitulado de «Contrato Promessa», com data de 24 de Fevereiro de 1993, M em representação de L, declarou prometer vender a T, que declarou prometer comprar, o prédio urbano, situado na Travessa das Voltas, nº 10, freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal, com a área global de 600 m2, sendo 20 m2 de superfície coberta, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 386 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.o 398; declarou ainda aquele que a sua representada cede, por mero efeito deste contrato, a sua posição num contrato promessa de compra e venda de uma porção de terreno sito a Norte do prédio ora prometido vender e comprar, porção essa que se destina a permitir a confrontação com a via pública deste prédio, comprometendo-se a diligenciar tudo quanto se mostrar necessário para a formalização da escritura pública definitiva (documento de fls. 20 e 21).
6. O prédio identificado em 4. não confrontava a Norte e primitivamente com a Travessa Costa Dias, uma vez que entre esta e aquele interpunha-se um trato de terreno, no sentido Leste - Oeste, com cerca de 185 m2.
7. A língua de terreno referida em 6. pertencia, inicialmente, a um outro prédio rústico situado a Norte da actual Travessa Costa Dias, que foi propriedade de D e mulher, e, posteriormente, dos respectivos herdeiros e era parte do descrito sob o artigo 730 da Secção "G" e que resultou da divisão deste prédio em razão da edificação de apartamentos e seu logradouro e pela abertura da estrada que liga a Rua do Til à Rua da Carne Azeda.
8. A parcela em causa foi afectada pelo construtor do edifício “Til Mar” a este mesmo edifício e nela vieram a ser implantados os parques de estacionamento do prédio, no sentido Sul - Norte, um estacionamento no sentido Leste - Oeste e a área de depósito dos contentores de lixo, junto ao seu extremo Leste.
9. Em tal área existem postes a demarcar os dez estacionamentos pertencentes ao edifício "Til Mar" e correntes que os vedam.
10. Na parte do estacionamento no sentido Leste - Oeste e do depósito dos contentores do lixo, o seu limite Sul era uma parede, com a altura de cerca de um metro, que se prolongava na diagonal até à Travessa Costa Dias .
11. Este pedaço de terreno tem sido utilizado, desde a data da construção do prédio "Til Mar", pelos condóminos deste mesmo prédio, para seu proveito, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma pública e pacífica.
12. A requerida, através de seus trabalhadores, no mês de Outubro de 2002, realizou obras de construção civil no prédio urbano situado ao Caminho das Voltas, nº ..., freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal, situado a Leste e a Sul do Edifício "Til Mar"
13. Para tanto utilizou em toda a sua extensão, a zona afectada ao estacionamento que fica situado no sentido Leste - Oeste referido em 8. para depósito de materiais de construção civil como areia, pedra e brita.
14. Demoliu, em toda a altura e na extensão do referido estacionamento o muro referido em 10.
15. No local onde existia a parte do muro demolido a requerida edificou suportes laterais com vista à colocação de uma porta.
16. O condomínio, os condóminos do edifício "Til Mar" e os ora requerentes nunca deram autorização para a utilização daquele espaço e derrube do muro.
17. Os requerentes, no passado dia 17 de Outubro de 2002, pelas 20 h e 30 min., deslocaram-se àquele local, acompanhados por três testemunhas, e, verbalmente, disseram à requerida para que suspendesse de imediato tais trabalhos e a utilização daquele pedaço de terreno, uma vez que o estava a fazer em parte comum do prédio urbano «Til Mar».
18. Os estacionamentos referidos em 2. encontram-se numerados de um a dez.
19. A requerida demoliu parte, e não toda a extensão, do muro sito a Norte da sua moradia.
20. M reclamou junto da Câmara Municipal do Funchal quanto à colocação de fiadas de blocos sobre o muro existente junto à sua moradia.
21. M apresentou reclamação à Câmara Municipal do Funchal no sentido de que a firma Tecnibrava, Lda, responsável pela construção do edifício "Til Mar", procedesse à remoção de um contentor e uma grua por forma a deixar o referido espaço de terreno desocupado.
*
III – 1 - Nos termos dos arts. 684, nº 3, 690, nº 1, 660, nº 2 e 713, nº 2, todos do CPC o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
No caso que nos ocupa, atento o teor das conclusões da alegação, as questões que fundamentalmente se colocam são a relativas às aludidas nulidades da decisão recorrida, bem como a da verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o embargo de obra nova (encontrando-se ambas aquelas questões interligadas, atentos os termos em que são colocadas).
*
III – 2 - Nos presentes autos foi requerida a ratificação judicial do embargo extrajudicial que tivera lugar.
O tribunal de 1ª instância considerou não verificado o primeiro pressuposto para a viabilidade da providência, por os requerentes não terem demonstrado poderem invocar um direito de propriedade, ou melhor, de compropriedade, sobre parte comum do imóvel, nem mesmo podendo alegar que em acção a intentar houvesse probabilidade de tal direito lhes ser reconhecido; ali se baseou para a improcedência da providência.
Vejamos.
O embargo de obra nova é a providência cautelar adequada a evitar a violação, ou a continuação da violação, dum direito, real ou pessoal, de gozo, ou da posse de uma coisa, por via de uma obra em curso (cfr. Lebre de Freitas, «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, pag. 136). Face ao disposto no nº 1 do art. 412 do CPC, tal procedimento cautelar depende da verificação dos seguintes pressupostos:
1 – que o requerente seja titular do direito de propriedade, singular ou comum, de qualquer outro direito real de gozo, ou de posse;
2 – que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;
3 – que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízo ao requerente (nesse sentido, Manuel Baptista Lopes, «Dos Procedimentos Cautelares», pag. 131).
Que o direito ofendido pela obra nova possa ser o direito de propriedade ou outro direito real de gozo não oferece dúvida. A par do direito de propriedade em sentido estrito, encontram-se abrangidos pela disposição em referência as situações de contitularidade que se reconduzam às regras da compropriedade ou ao regime de propriedade horizontal e direitos reais de gozo como os direitos de usufruto, de superfície ou de servidão predial.
Alude, porém, a lei, igualmente, à posse. «Não pressupondo necessariamente esta figura a coexistência, na pessoa do possuidor, de um verdadeiro direito real, apenas a expressa previsão normativa legitimaria a extensão da tutela cautelar a actos ofensivos da correspondente situação de facto.
Se esta alcança ampla protecção através das acções possessórias, natural é a concessão do direito de embargar dirigido a actos materiais que a ofendam» - Abrantes Geraldes, «Temas da Reforma do Processo Civil», vol. IV, pag. 242.
No caso que nos ocupa, alegaram os requerentes, quando do seu requerimento inicial, que os trabalhos a que se referem prejudicam o direito de propriedade sobre a parte comum do prédio a que se reportam – prédio de que são condóminos – prejudicando, também, «a posse dos requerentes, seus comproprietários» (art. 24 do requerimento inicial).
Os requerentes, não aludiram, tão só, a serem titulares de um direito de propriedade sobre uma determinada parte comum do prédio; referiram que são possuidoras da parcela em causa, sendo a sua posse prejudicada.
Ora, resulta da matéria de facto provada que:
- entre o prédio constituído por uma porção de terreno destinada a construção e onde veio a ser construído um edifício, dando lugar ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado por «Til Mar» e a Travessa Costa Dias interpunha-se um trato de terreno com cerca de 185 m2;
- os requerentes são condóminos daquele prédio em regime de propriedade horizontal, titulares respectivamente das fracções “B” e “I”;
- a referida parcela de 185 m 2 foi afectada pelo construtor do edifício “Til Mar” a este mesmo edifício e nela vieram a ser implantados os parques de estacionamento do prédio, no sentido Sul - Norte, um estacionamento no sentido Leste - Oeste e a área de depósito dos contentores de lixo, junto ao seu extremo Leste;
- na parte do estacionamento no sentido Leste - Oeste e do depósito dos contentores do lixo, o seu limite Sul era uma parede, com a altura de cerca de um metro, que se prolongava na diagonal até à Travessa Costa Dias;
- este pedaço de terreno tem sido utilizado, desde a data da construção do prédio "Til Mar", pelos condóminos deste mesmo prédio, para seu proveito, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma pública e pacífica.
Decorre do art. 1251 do CC que posse é o «poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real».
A actuação de facto correspondente ao exercício do direito por parte do possuidor constitui o corpus da posse; traduz-se no exercício efectivo de poderes materiais sobre a coisa (e mesmo na possibilidade física desse exercício), através de actos de detenção, ocupando-a se esta é um imóvel, bem como de actos de fruição.
Entende-se, porém, que para que exista posse tem de estar presente, para além daquele elemento objectivo, ou seja do corpus, um elemento subjectivo – o animus, elemento de natureza psicológica, correspondente á vontade de se comportar como titular do direito correspondente aos actos realizados, à intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela.. Tal elemento, ainda que não resultando ostensivamente do art. 1251 do CC derivará de outras disposições do Código, especialmente do art. 1253 (cfr. Mota Pinto, «Direitos Reais», pags. 180 e segs. e Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. III, pags. 5-6).
Contudo a lei faz presumir a existência do animus a quem exerça o corpus – nº 2 do art. 1252 – dizendo presumir-se a posse naquele que exerce o poder de facto.
« A prova do elemento subjectivo – “animus sibi habendi” – é feita por presunção, conforme flui do nº 2 do art. 1252...: trata-se de uma inferência feita pela própria lei, de sorte que o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, o facto conhecido, precisamente o elementos “corpus”» - acórdão do STJ de 27-5-99, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano VII, tomo 2, pag. 123.
«Não existe corpus sem animus nem animus sem corpus.
Corpus é o exercício do poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico-real.
Animus é essa intenção jurídico-real.
É inferível, exprime-se pelo poder de facto.
A intenção de domínio não tem de explicitar-se e muito menos por palavras.
O que importa é que se infira do próprio modo de actuação ou de utilização...» - acórdão do STJ de 9-1-97, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano V, tomo 1, pag. 37.
Como vimos, o trato de terreno a que nos reportamos, afectado pelo construtor do edifício «Til Mar» a este mesmo edifício, onde foram implantados os parques de estacionamento do prédio «Til Mar» e a área de depósito dos contentores do lixo, tem sido utilizado, desde a data da construção daquele prédio, pelos condóminos deste mesmo prédio, para seu proveito, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma pública e pacífica.
Não se provou que única e exclusivamente os condóminos do prédio «Til Mar» têm utilizado o trato de terreno em referência; porém, também não se provou que o mesmo seja utilizado por qualquer condutor que ali pretenda parar ou estacionar o carro e que tenha sido utilizado por outras pessoas. Ora, como decidiu a Relação do Porto no seu acórdão de 21-3-91 a cujo sumário se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, processo 0409990, mesmo para se verificar a aquisição por usucapião – e aqui apenas cuidamos de verificar da existência da posse embora a usucapião pressuponha, obviamente a existência daquela – os autores não tinham que alegar e provar a exclusividade da posse: bastava-lhes provar a posse.
Teremos, pois, de concluir, da factualidade provada que os condóminos do prédio «Til Mar», entre os quais os requerentes, actuavam, no que concerne àquela parcela de terreno por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade – em regime de propriedade horizontal.
E se existia «corpus» inferia-se, a existência de «animus», nos termos acima expressos.
Aliás, na decisão recorrida refere-se: «...na situação em causa, os condóminos apenas demonstraram que utilizam a parcela em causa desde a construção do edifício, ou seja, há cerca de oito anos, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente. Trata-se de uma posse de boa fé, pacífica e pública...Todavia a posse dos condóminos não é titulada... Assim, para que os condóminos possam adquirir por usucapião essa parcela, tal posse tem de durar, pelo menos quinze anos... Daqui decorre, com denotada evidência, que a posse dos requerentes e dos demais condóminos, incidente sobre a parcela de 185 m 2... não é susceptível, por ora, de conduzir à aquisição de tal parcela por usucapião.»
Conclui-se, pois, em termos da probabilidade séria exigível neste tipo de processo, que detinham aqueles condóminos a posse sobre a referida parcela de terreno.
*
III – 3 - A nulidade da omissão de pronúncia prevista no art. 668, nº1-d) do CPC, traduz-se no incumprimento por parte do julgador do dever prescrito no nº 2 do art. 660 do mesmo Código, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada. As mencionadas «questões», enquanto fundamento da nulidade da sentença, não abrangem os argumentos ou as razões jurídicas invocadas pelas partes.
Como nos diz Lebre de Freitas, «Código de Processo Civil, Anotado», II vol., pag. 646-647: «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido...A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir...»
E mais adiante, pag. 670: «Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado».
No caso que nos ocupa, fundamentando-se os requerentes também na posse, a decisão recorrida foi toda no sentido da verificação de eles serem (ou não) titulares do direito de propriedade (comum) sobre o trato de terreno em causa – mesmo as referências que nela são feitas à posse são-no na perspectiva da aquisição daquele direito por usucapião.
Não se cuidou de verificar da eventual procedência da providência com base na simples existência da posse (em conjugação com os demais elementos exigidos na lei). Deste modo, falhou a apreciação de uma questão submetida à apreciação do Tribunal e que não se encontrava prejudicada.
Nesta parte verificou-se, pois, a invocada nulidade .
*
III – 4 - Igualmente nos termos do nº 1-c) do art. 668 do CPC é nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja quando os fundamentos invocados na sentença ou acórdão devessem conduzir logicamente a uma decisão diferente daquela que foi proferida. Estaremos perante a referida nulidade se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pag. 141; Lebre de Freitas, obra citada, vol. II, pag. 670).
Porém, não se afigura que a decisão recorrida sofra do referido vício. É que, aparentemente, na decisão recorrida não se pressupôs que a simples posse pudesse fundamentar o embargo; daí, considerando-se embora a existência da posse, concluiu-se pela improcedência da providência.
*
III – 5 - Provou-se que na parte do estacionamento no sentido Leste - Oeste e do depósito dos contentores do lixo, o seu limite Sul era uma parede, com a altura de cerca de um metro, que se prolongava na diagonal até à Travessa Costa Dias .
Mais se provou que a requerida, através de seus trabalhadores, no mês de Outubro de 2002, realizou obras de construção civil no prédio urbano situado ao Caminho das Voltas, n.o 12, freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal, situado a Leste e a Sul do Edifício "Til Mar" e que para tanto: utilizou em toda a sua extensão, a zona afectada ao estacionamento que fica situado no sentido Leste - Oeste referido em 8. para depósito de materiais de construção civil como areia, pedra e brita; demoliu, em toda a altura e na extensão do referido estacionamento o referido muro. No local onde existia a parte do muro demolido a requerida edificou suportes laterais com vista à colocação de uma porta. O condomínio, os condóminos do edifício "Til Mar" e os ora requerentes nunca deram autorização para a utilização daquele espaço e derrube do muro.
De tal factualidade extrai-se que a requerida iniciou obra inovatória em relação ao estado anterior e ainda não concluída (em curso no dia em que foi embargada extrajudicialmente), ofensiva da posse dos requerentes e nessa medida ilícita, obra essa que lhes causa prejuízo, uma vez que o muro foi derrubado e o espaço que vem sendo utilizado pelo condomínio (designadamente para estacionamento) fica subtraído a essa utilização. Tenha-se em conta que consoante decorre do art. 1251 do CC o possuidor está, por definição, no uso e fruição daquilo que possui.
Verificados estão, pois, os 2º e 3º requisitos acima aludidos.
*
III – 6 - Os requerentes tinham dois modos de proceder: instaurar o procedimento cautelar, requerendo ao Tribunal que ordenasse a suspensão imediata da obra – embargo judicial; intimar verbalmente o dono da obra, perante duas testemunhas, para não a continuar, pedindo seguidamente a ratificação judicial – embargo extrajudicial. Escolheram esta última hipótese.
Verificados os pressupostos de que a lei a fazia depender, conclui-se pela nulidade da decisão recorrida e pela procedência das conclusões do agravo, nos termos acima apreciados.
*
IV - Face ao exposto, acordam os Juizes desta Relação em conceder provimento ao agravo, ratificando o embargo extrajudicial efectuado pelos requerentes.
Custas pela agravada.