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DESPACHO SANEADOR
REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
Sumário
I – A apelação, interposta do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição, subirá a final, dado que a prescrição, forma de extinção de um direito, não é uma questão cindível, para os efeitos do nº2 do art. 695º do CPC, relativamente ao direito que subsiste para apreciação na audiência de julgamento. II – O facto de a ré deixar transitar em julgado a sentença final, em que foi, no todo em parte, condenada, significa renúncia tácita ao recurso do despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de prescrição.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
(...)
A Ré interpôs recurso do despacho saneador, na parte em que rejeitou a excepção de prescrição e ainda a da incapacidade judiciária da A.
No que se refere ao conhecimento da excepção de incapacidade judiciária, o recurso foi recebido como agravo , mas dele veio a R. desistir .
No que tange à prescrição, foi o recurso recebido como apelação, a subir a final e nos próprios autos, com efeito suspensivo quanto à expedição do mesmo e meramente devolutivo quanto à sua interposição .
Foram oferecidas alegações, relativamente à apelação, e contra-alegações, defendendo a Ré a existência de prescrição e a revogação do despacho saneador e pugnando a A. pela manutenção desse despacho.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à A. a quantia indemnizatória líquida de Esc. 5.372.497$00 (cinco milhões, trezentos e setenta e dois mil quatrocentos e noventa e sete escudos), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal , contabilizados desde a data da citação até efectiva e integral liquidação.
Desta sentença, a R. interpôs recurso de apelação, que foi admitido, mas não tendo sido oferecidas alegações, veio tal recurso a ser julgado deserto, por despacho.
Antes, a R. formulara o seguinte requerimento:
«1.Em 15.06.99 a R. interpôs recurso de apelação do despacho saneador relativamente à prescrição do direito indemnizatório invocado pela A.
2. Sendo de mérito a decisão recorrida, o recurso foi correctamente recebido como de apelação, mas apenas com subida a final (despacho de fls. ).
3. Mais tarde, em 27.03.01 a R. interpôs novo recurso de apelação, mas agora da sentença final, o qual, não obstante admitido, ficou deserto por falta de alegações.
4. Em face do exposto, subsiste o primeiro recurso de apelação – restrito embora à questão excepcional da prescrição – pelo que actualmente já nada obsta a que o recurso suba imediatamente, conforme se requer, juntamente com os agravos que com ele devam subir.».
A A. pronunciou-se no sentido de ser de indeferir este requerimento, defendendo, designadamente, que a subida do recurso da decisão final era condição sine qua non da subida do outro recurso de apelação interposto do despacho saneador e que a postura da recorrente em deixar ficar deserto o recurso por falta de alegações tem que ser entendida como renúncia ao recurso de apelação da sentença final e, por sua vez, ao recurso de apelação do despacho saneador cuja subida dependia daquele.
No despacho de fs. 391 e segs., para além de se julgar deserto o recurso de apelação interposto da sentença final, julgou-se prejudicado, por caducidade, o recurso de apelação interposto a fs. 153, relativo à excepção de prescrição, indeferindo-se a requerida subida deste recurso.
Neste despacho considerou-se, além do mais, que «o comportamento omissivo da R./recorrente que deixa transitar em julgado a parte principal da sentença que reconheceu à A. o direito à indemnização (neste caso só o declarou uma vez que a mesma decisão considerou que esse direito indemnizatório tinha sido reconhecido por decisões anteriores) e que a condenou a indemnizar a demandante em determinada quantia indemnizatória líquida não pode deixar de ser considerada aceitação[1] tácita do recurso de apelação vertido sobre uma decisão parcial que julgou subsistente a obrigação de indemnização. Como aponta Alberto dos Reis, a propósito de questão idêntica., só desprezando a sentença, na parte já transitada em julgado, tais questões poderiam ser discutidas ou apreciadas", in "CPCivil Anotado", V, 1952, 466.
«Não nos restam dúvidas que a questão substantiva decidida a seu tempo no saneamento da causa – a prescrição do direito indemnizatório – não se configura como autónoma ou destacável das matérias que subsistiram como controvertidas, isto é não se pode cindir das questões que subsistiram para apreciação final...».
A R. reclamou deste despacho para o Senhor Presidente da Relação de Lisboa, mas não tendo havido conhecimento dessa reclamação pelas razões explanadas no douto despacho de fs. 628, veio a R. a convertê-la em agravo.
A R. alegou, em síntese, que:
O regime aplicável ao caso é o previsto no art. 695º, nº1 do CPC e não o do art. 735º, nº2, norma especial que consagra uma regime próprio dos agravos.
A apelação do saneador prevista no art. 695º, nº1 do CPC, sobe “a final” mas pelo seu próprio pé”, sem precisar que exista qualquer outro recurso que a “reboque” ou “arraste” consigo nessa subida.
Não tem qualquer sentido o Mº Juiz pretender condicionar a subida da primeira apelação a pedido prévio pela recorrente dentro dos 10 dias posteriores à deserção da segunda.
A apelação do saneador subirá sempre a final, sendo para o caso indiferente haver ou não outro recurso que a acompanhe. E em certas circunstâncias até poderá subir imediatamente (art. 695º, nº2 do CPC).
Se não houve alegações na segunda apelação, foi pela simples razão de o advogado signatário ter entendido que as soluções apresentadas na sentença final não ofereciam facilmente o flanco a críticas que justificassem a sua anulação ou revogação.
Mas daí até se dizer que, ao renunciar à segunda apelação, a recorrente também pretendeu renunciar tacitamente à primeira, vai uma enorme distância.
A “incindibilidade” de que falam os autores citados reporta-se apenas à opção prevista no art. 695º, nº1 do CPC que a lei concede ao apelante de requerer a subida imediata da apelação do saneador.
A melhor prova de que a prescrição é “destacável” reside no facto de o Tribunal ter julgado poder resolvê-la no saneador.
Termina, dizendo que dever ser ordenada a subida do primeiro recurso de apelação.
Contra-alegou a A. pugnando pela manutenção do despacho.
*
O objecto do recurso consiste em saber se o recurso de apelação do despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de prescrição deve subir e ser apreciado, apesar da deserção do recurso da sentença final.
*
II
Estabelece-se no art. 695º do CPC o seguinte:
«1. A apelação interposta do despacho saneador que, decidindo do mérito da causa, não ponha termo ao processo, apenas subirá a final.
2. Na hipótese prevista no número anterior, a apelação subirá, porém, imediatamente e em separado quando, sendo a decisão proferida cindível relativamente às questões que subsistem para apreciação, alguma das partes alegue, em qualquer estado do processo, que a retenção do recurso lhe causa prejuízo considerável; neste caso, é aplicável à execução provisória da decisão o disposto nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações.»
No Relatório do DL 329-A/95 de 12/12, explica-se:
«A apelação interposta do saneador que decide parcialmente do mérito da causa deixa de suspender o andamento desta, apenas subindo, em regra, a final, mas prevenindo-se a possibilidade de subida imediata e em separado de tal recurso, quando reportado a decisões cindíveis relativamente às questões que subsistem para apreciação final, sempre que haja prejuízo na respectiva retenção. Pretende, deste modo, levar-se ao seu lógico e pleno desenvolvimento a reforma intercalar de 1985, na parte em que eliminou o regime de subida imediata e nos próprios autos do recurso do despacho proferido sobre as reclamações do questionário, por esta via se propiciando a aceleração do processo e a obtenção de decisão final sobre o litígio.».
Quis-se, como se vê, que o recurso do despacho saneador que decida parcelarmente do mérito ( e, portanto, não ponha termo à causa) entorpeça o andamento do processo e retarde a decisão final.
Se a decisão proferida for cindível relativamente às questões que subsistam para julgamento, pode o recurso subir em separado quando alguma das partes alegue, em qualquer altura do processo, que a retenção do recurso lhe causa prejuízo considerável.
Amâncio Ferreira, no seu Manual de Recursos em Processo Civil, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 202, pág. 175, esclarece que se a decisão proferida no saneador for incindível relativamente às questões ainda não julgadas o recurso apenas subirá a final e nos próprios autos (art. 695º, nº1). Se a decisão for cindível, se alguma das partes alegar o aludido prejuízo considerável da retenção do recurso, então a apelação subirá imediatamente e em separado (art. 695º, nº2). E acrescenta:
«Pense-se na hipótese de um dos pedidos cumulados, autónomo em relação aos demais, ter sido julgado procedente no despacho saneador e contra o assim decidido ter apelado o réu e ao recurso ter sido atribuído efeito suspensivo; nesta circunstância, tem o autor recorrido interesse em obter o mais rapidamente possível uma decisão definitiva, que confirme o pedido julgado procedente no despacho saneador, a fim de poder executar o demandado.
Dado que a apelação, nesta vicissitude, sobe em separado, prosseguem, em paralelo, o processo principal, na 1ª instância, e o caderno em que subiu o recurso no tribunal ad quem».
Pelo mesmo diapasão alinha Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pág.533, ao dar também o exemplo dos pedidos cumulados.
Naturalmente que havendo pedidos cumulados, nos termos do art. 470º, nº1 do CPC, o julgamento de um deles no despacho saneador configurar-se-á como decisão cindível, por referência aos demais pedidos a apreciar, prosseguindo o processo para a apreciação destes independentemente da sorte do recurso que se interpuser daquela decisão parcelar ( e que, precisamente pela sua autonomia, pode, desde logo, subir, se se preencher o pressuposto previsto no nº 2 do art. 695º do CPC).
No caso que nos ocupa, concorda-se com o Mmº Juiz quando considerou que não estamos perante uma questão autónoma ou cindível. Na verdade, a prescrição, forma de extinção de um direito, não pode dissociar-se da sorte desse direito, que vai ser objecto de apreciação na audiência de julgamento. E se, na sentença final, o mesmo direito for reconhecido, no todo ou em parte, e o réu, condenado, deixar transitar em julgado essa sentença, será possível que se venha, após isso, a apreciar a problemática da prescrição, com a hipótese de se destruir o que foi decidido ?
Preceitua-se no art. 671º, nº1 do CPC:
«Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro. Têm o mesmo valor que esta decisão os despachos que recaiam sobre o mérito da causa.».
A sentença proferida no presente processo decidiu a relação material controvertida e com essa decisão se conformou a Ré ao deixá-la transitar. Ou seja, conformou-se com uma decisão que reconheceu o direito, ainda que parcialmente, à A.. Ora, isso só pode significar a renúncia tácita ao recurso de apelação do despacho saneador em que se decidiu que esse mesmo direito não estava prescrito (art. 681º, nºs 1 a 3 do CPC).
Pelo exposto, e sem necessidade de apreciação do raciocínio que, a título subsidiário, o Mmº Juiz fez, tendo como pano de fundo a regra do agravo prevista no nº2 do art. 735º do CPC, entende-se que se decidiu bem ao julgar-se prejudicado, por caducidade, o recurso de apelação interposto pela Ré no que concerne à decisão proferida no despacho saneador sobre a excepção de prescrição.
Sendo, assim, não há que conhecer desse recurso de apelação.
Nega-se, em consequência, provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.