PODER JURISDICIONAL DO JUIZ
PROFERIMENTO DA SENTENÇA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS DA SENTENÇA
REFORMA DA SENTENÇA
Sumário


“I. Nos termos do art. 613º do CPC proferida uma sentença (ou um despacho – cfr. nº 3 do mesmo preceito legal) fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa; porém, é lícito, ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença “… nos termos dos artigos seguintes…”- art. 613º, nº 2 do CPC;
2. Se, numa acção executiva, o executado vem invocar, em novo Requerimento, exactamente a mesma questão que já havia sido anteriormente decidida no mesmo processo, sem invocar qualquer pedido de rectificação, de arguição de nulidade, ou de reforma da primeira decisão proferida (cfr. art. 613º, nº 2 do CPC), tem que se entender que o Tribunal não pode “rever a decisão proferida”, por se ter esgotado o poder jurisdicional (art. 613º, nº1 do CPC) - até porque aquela primeira decisão tinha sido objecto de Recurso.”

Texto Integral


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s): -AA;


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O presente Recurso vem interposto da seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância em 23.4.2015:
“Através de requerimentos juntos aos autos veio o executado, em nome próprio, e depois através do seu ilustre mandatário que a eles aderiu, colocar em causa a regularidade do mandato conferido à ilustre mandatária da Exequente.
A esses requerimentos e por ter sido notificada veio pronunciar-se a Exequente nos termos documentados nos autos.
Os intervenientes acidentais que vieram aos autos lavrar termos de protesto alegando que os bens penhorados são de sua propriedade vieram requerer a emissão de certidões nos termos documentados nos autos.
Cumpre decidir, pois a tal nada obsta.
Proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, nos termos do art. 613, nº 1, do N.C.P.C.. Assim, apenas lhe é lícito, nesse caso, rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas e reformar a sentença (quanto a custas e multa), por força do nº 2 do dispositivo citado. Podem, ainda, as partes requerer a reforma da sentença quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou constem do processo documentos ou elementos que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja considerado (cfr. art. 616, nº 2, do N.C.P.C.).
Refere o art.613.º, n.º3 do NCPC que “O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.
Quanto à matéria da regularidade do mandato novamente trazida aos autos pelo executado não tem a signatária poderes de jurisdição para apreciar tal questão por já ter sido proferida decisão quanto a essa matéria, conforme consta de fls.135, sendo certo que tal decisão foi objecto de recurso nos termos do douto articulado de fls.152 a 184, não se olvidando que foi proferido douto despacho de admissão do mesmo, com efeito devolutivo (cfr. fls.187).
Assim sendo, nada mais se impõe decidir quanto à questão suscitada.”
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Consta efectivamente dos autos a fls. 43, v. (fls. 135), a seguinte decisão já anteriormente proferida:
“Fls. 124 que teve o contraditório a fls. 129 e ss. indefere-se ao requerido por falta de fundamento legal, sendo regular o mandato da exequente.”
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Ora, o Recorrente veio interpor o presente Recurso daquela primeira decisão, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“C) Conclusões:
A - Da não apreciação da falta de mandato forense da causídica Dr. BB, para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos de execução.

Em síntese,
A-1 - Em 07-01-2015 com a referência Citius n.º 153687, requer o Recorrente a emissão de certidões do documento ou documentos que na óptica do próprio Tribunal, em primeiro lugar conferissem mandato regular à própria exequente, CC Lda, em segundo lugar conferissem mandato forense à causídica do Exequente, Dr. BB, e, em terceiro lugar que conferissem mandato à agente de execução DD.
A-2 - O Tribunal, em 19-01-2015 com a referência citius 27276054, vem emitir o documento com o qual considera atribuído o mandato forense à causídica da Exequente, Dr. BB, e não emitindo quaisquer documentos referentes aos outros dois pedidos requeridos.
A-3 - Na posse de tal documento, o Recorrente estava então em condições de se pronunciar e de exercer o contraditório e alegar em sua razão.
A-4 - Foi o que fez em requerimento que dirigiu ao Tribunal em 13-03-2015 sob a referência citius n.º 308880, no qual se demonstrou não existir mandato forense da causídica da Exequente, Dr. BB, e mais, que a mesma havia sido já devidamente notificada pelo Tribunal para superar tal irregularidade em 25-03-2009 nos autos declarativos principais então 239/2008/-JP, posteriormente 504/10.7TBVRL, não o tendo procedido em conformidade, com o aí ordenado.
A-5 - Em consequência, requereu o Recorrente, no mesmo requerimento de 13-03-2015 sob a referência citius n.º 308880, que fosse dado sem efeito tudo quanto foi praticado pela causídica Dr.ª BB e pela agente de execução DD, por estrita determinação do n.º 2 do artigo 48º do CPC.
A-6 - O Tribunal vem, agora, em 23-04-2015 com a referência citius n.º 27828433, decidir não apreciar a questão da falta de mandato forense da causídica Dr. BB, para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos de execução.
A-7 – Para tal, invoca o despacho com a referência citius n.º 3352578, a fls 135, e estriba o Tribunal a sua posição no 1 e 2 do artigo 613º do CPC, para não apreciar e logo decidir da falta de mandato forense da causídica Dr. BB, para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos de execução, alegando a falta de poderes de jurisdição para apreciar tal questão por já ter sido proferida decisão quanto a essa matéria.
A-8 - O despacho ora recorrido, não define claramente e inequivocamente, pois não transcreve, não cita, não individualiza a apreciação em concreto que decide da questão da existência e atribuição do mandato forense da advogada Dr. BB para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos
A-9 - Deveria ainda citar os documentos que lhe atribuem tal mandato, de forma a cumprir o sentido normativo do artigo 154º do CPC, mesmo que repetindo os fundamentos expressos no despacho que proferiu tal decisão pois é com esta limitação de primordial determinação, que se vê aqui o recorrente, confrontado, pois não consegue definir claramente o objecto do recurso, por não conhecer o objecto da fundamentação da decisão que considera existir mandato forense da Ilustre Advogada Dr. BB para representar a exequente CC Lda,
A-10 - Ao não fazê-lo está o despacho, ora recorrido, neste vector, ferido de nulidade por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 154º do CPC, como o determina a alínea b) do n.º1 do artigo 615º do CPC, por remissão do n.º 3 do artigo 613 do CPC, além de se revestir de inconstitucionalidade formal e material já que não observa o disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais.
A-11 - Em sede de despacho com a referência citius n.º 3352578, a fls 135, o que se encontra, na sua segunda página nas linhas 5 e 6 , é que o despacho indefere a requerida junção aos autos dos documentos requeridos.
A-12 - E mais, em nossa modesta opinião e com o necessário e devido respeito por interpretação diversa, o despacho em causa, só se pronuncia sobre o mandato da própria exequente, CC Lda, e não sobre o necessário mandato forense da causídica Dr. BB, que são coisas bem distintas.
A-13 – Assim sendo, em nossa modesta opinião e com o necessário e devido respeito por interpretação diversa, razões não subjazem para a invocação da falta de poderes de jurisdição do Tribunal por invocação do artigo 613º do CPC.
A-14 - Indeferido o requerido pelo Recorrente, em requerimento com referência citius n.º 1050128 de 08-04-2014, indeferimento que a Exequente comungou, ficou definitivamente em situação irregular o mandato da exequente, CC Lda, e definitivamente em falta o necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, e ainda irregular o mandato da agente de execução DD.
A-15 - Mas, mesmo que por mera hipótese, tivesse sido proferida uma decisão, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda.
A-16 - Porquanto é precisamente o artigo 613º do CPC que o determina, quando no seu n.º 3 estipula: “ O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias aplicações aos despachos “.
A-17 - O n.º 2 do artigo 613º do CPC, determina ser licito ao juiz rectificar erros, nos termos do n.º 1 do artigo 614º do CPC, que seria manifestamente o caso, pois estaríamos perante um erro de lapso manifesto, melhor explanado em “ 27- A “ e ss. No que resulta inequivocamente a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, pelo que sempre se poderia corrigir no presente despacho ora recorrido, por lapso manifesto.
A-18 - Mesmo que tivesse sido proferida uma decisão, sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição porquanto a total falta de fundamento da decisão é causa de nulidade, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, sendo consequentemente reformável o despacho quer por aplicação da aliena a) do n.º 2, quer por aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 616º do CPC, com as necessárias adaptações.

A-19 - O mesmo acontecia ainda que tivesse sido proferida uma decisão, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, porquanto a total falta de fundamento da decisão é causa de nulidade, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, sendo consequentemente reformável o despacho quer por aplicação da aliena a) do n.º 2, quer por aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 616º do CPC.

A-20 - Mesmo que tivesse sido proferida uma decisão, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, porquanto da conjugação do n.º 1 do artigo 614º por se verificar um lapso manifesto, com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615º por se verificar uma obscuridade que tornou a decisão intelegivel, e ainda com a alínea b) do n.º 2 do artigo 616º por existirem nos autos principais e nos presentes documentos, que além da confissão por omissão da Exequente melhor expressa em “ 11- A “ , que só por si implicam decisão diversa da proferida, todos os artigos do CPC, resultava numa necessária e devida e obrigatória reforma do despacho em causa, mas nunca conduziria ao contrário à falta de poderes jurisdicionais.

A-21 - Do que antecede, resulta que o presente despacho está ferido de nulidade, além do mais, por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, porquanto o juiz deixou de pronunciar-se apreciar a questão da falta de mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda.

A-22 - A interpretação dada ao artigo 613º CPC segundo o qual o Juiz não tem poderes jurisdicionais para reformular despachos feridos de lapsos manifestos, ou ainda para reformular despachos sem fundamento de facto e de direito ou ainda despachos que por obscuros tornam ininteligíveis, e assim excluir a aplicação do n.º 2 do artigo 48º do CPC viola o dever da obrigatoriedade de fundamentação das decisões, explanadas no artigo 154º do CPC, a que todas as decisões dos tribunais estão obrigadas por imposição do n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, e ainda o princípio da legalidade a que os tribunais estão obrigados por determinação constitucional do seu artigo 203º e 204º, constituindo tais violações outras tantas inconstitucionalidades que desde já se invocam.

A-23 - O presente despacho está ferido de nulidade, além do mais, também por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º porquanto o juiz deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar da falta de mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos de execução.

B - Do não levantamento da penhora requerida ao abrigo do n.º 1 e 2 do artigo 763º do CPC.
B-1 – O Recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 763º do CPC requereu à Agente de Execução, por carta registada com aviso de recepção o levantamento da penhora, por preenchidos os pressupostos.
B-2 – A Agente de Execução não exprime uma decisão concreta e formal a que estava obrigada por determinação do n.º 2 do artigo 763º do CPC.
B-3 – A Agente de Execução vem do requerido pelo Recorrente dar conhecimento ao Tribunal, requerendo a sua intervenção.
B-4 – Tendo tido o Tribunal conhecimento oficioso em 22-01-2015, deveria ter-se pronunciado e decidido sobre tal matéria o que não fez.
B-5 – Pese embora a Agente de Execução não profira decisão concreta e formal alguma sobre o requerido levantamento de penhora, pelo Recorrente nos termos do n.º 1 do artigo 763º do CPC, insurge-se contra o pedido porquanto por ter sido proferido despacho em 15-05-2014, quase um ano antes, a indeferir uma pretensão idêntica, e por via disso considera não ser legitimo o requerido pelo Recorrente.
B-6 – Em nosso humilde entender, e com o necessário e devido respeito por interpretação diversa, uma vez reunidos os pressupostos do n.º 1 do artigo 763º do CPC, o Recorrente pode voltar a suscitar a sua aplicação.
B-7 – Pese embora a Agente de Execução não profira decisão concreta e formal alguma sobre o requerido levantamento de penhora, a Agente de Execução não identifica um só acto concreto, uma só efectiva diligência concreta para a realização do pagamento efectivo do crédito, como o alude o n.º 1 do artigo 763º do CPC, e atribuiu tal falta à falha do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais ( CITIUS ).
B-8 – Em nosso humilde entender, e com o necessário e devido respeito por interpretação diversa, por todas as razões e mais algumas parece-nos desconchavado tal argumento.
B-9 – Assim, nada obsta a que não tenha sido já decretado o levantamento da penhora, requerido nos termos do n.º 1 do artigo 763º do CPC com as consequências previstas no n.º 3 do mesmo artigo. É do mais elementar direito.
B-10 – O presente despacho está ferido de nulidade, além do mais, também por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º porquanto o juiz deixou de pronunciar-se sobre a questão que devia apreciar do levantamento da penhora solicitada pelo Recorrente nos termos dos n.º 1, 2 e 3 do artigo 763º do CPC.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, considerar-se que não se encontra esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, e deste modo revogar-se o despacho recorrido por ser nulo, substituindo-o por um outro em que se determine:
A) – A falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos de execução.
B) – Em consequência sejam declarados sem efeito todos os atos praticados pela Exma. Advogada Dr. BB, com todas as consequências legais daí inerentes.
C) – Se determine o levantamento da penhora requerida pelo Recorrente. “
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
- A primeira questão a resolver consiste em saber se se verifica, como entende o Tribunal Recorrido, uma situação de esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º, nº1 do CPC), tendo em conta a decisão aqui posta em crise e a anteriormente proferida no mesmo processo, situação que impede que o Tribunal possa novamente pronunciar-se sobre o Mandato Forense conferido pela exequente à sua Exma. Mandatária;
- A segunda questão a resolver é a de saber se se verifica alguma das nulidades processuais invocadas pelo Recorrente;
1. Nulidade por falta de fundamentação (art. 615º, nº 1, al. b) do CPC);
2. Nulidade por obscuridade, já que a decisão é inteligível (?) - quererá a Recorrente alegar que é ininteligível (art. 615º, nº 1, al. c) do CPC)
3. Nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC)
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais já atrás consignados no relatório do presente Acórdão e o teor da decisão proferida que já se transcreveu na integralidade atrás (que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais).
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu, a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se se verifica, como entendeu o Tribunal Recorrido, uma situação de esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º, nº1 do CPC), tendo em conta a decisão aqui posta em crise e a anteriormente proferida no mesmo processo.
Entende a Recorrente que não, alegando:
“-o despacho em causa (o anteriormente proferido), só se pronuncia sobre o mandato da própria exequente, CC Lda, e não sobre o necessário mandato forense da causídica Dr. BB, que são coisas bem distintas.
-resulta dos autos a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, pelo que sempre se poderia corrigir no presente despacho ora recorrido, o anterior despacho, por se tratar de lapso manifesto (art. 613º do CPC);
- Mesmo que tivesse sido proferida uma decisão, sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição porquanto a total falta de fundamento da decisão é causa de nulidade, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, sendo consequentemente reformável o despacho quer por aplicação da aliena a) do n.º 2, quer por aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 616º do CPC, com as necessárias adaptações.
-- Mesmo que tivesse sido proferida uma decisão, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, porquanto da conjugação do n.º 1 do artigo 614º por se verificar um lapso manifesto, com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615º por se verificar uma obscuridade que tornou a decisão intelegivel, e ainda com a alínea b) do n.º 2 do artigo 616º por existirem nos autos principais e nos presentes documentos, que além da confissão por omissão da Exequente melhor expressa em “ 11- A “ , que só por si implicam decisão diversa da proferida, todos os artigos do CPC, resultava numa necessária e devida e obrigatória reforma do despacho em causa, mas nunca conduziria ao contrário à falta de poderes jurisdicionais.
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Não há dúvidas que a anterior decisão proferida nos presentes autos pronunciou-se exactamente sobre a mesma questão processual que constituiu o objecto da decisão aqui posta em crise, ou seja, sobre a questão de saber se o Mandato Forense conferido pela exequente CC Lda à Exma. Advogada Drª. BB é irregular (vício de falta de mandato).
Na verdade, contrariamente ao argumento da Recorrente, o Mandato Forense sobre o qual se pronunciam ambos os despachos é o mesmo, não existindo qualquer fundamento para fazer a distinção que a Recorrente faz no Recurso (ponto 1)- que se julga ser até incompreensível.
Nesta medida, a questão que se coloca é a de saber se a primeira decisão proferida no presente Processo- em que se indeferiu o requerimento do executado, por se considerar “regular o Mandato da exequente”-, é impeditiva de nova pronúncia por parte do Tribunal Recorrido no âmbito do presente processo.
Entende o Recorrente que não.
Vejamos se tem razão.
Conforme decorre do disposto no art. 613º do CPC proferida uma sentença (ou um despacho – cfr. nº 3 do mesmo preceito legal) “… fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa…”.
Isto significa que “um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere- quer conclua com a absolvição a instância, quer condene no pedido ou dele absolva, o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida…”(1).
O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no citado art. 613º do CPC, significa que o “juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.
Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.”(2).

“Este princípio justifica-se por uma razão doutrinal.
O juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.
Justifica-se também por uma razão pragmática. Consiste esta na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.”(3) .
É certo que, mesmo depois de proferida a decisão “… é lícito, porém, ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes…”- art. 613º, nº 2 do CPC.
No entanto, como iremos ver mais à frente, o Recorrente, no requerimento que apresentou- e sobre o qual recaiu a decisão aqui posta em crise-, bem sabendo que já havia sido proferida decisão, neste processo, sobre a mesma questão na sequência de seu anterior Requerimento, “limitou-se” a levantar a mesma questão sem invocar, expressa ou implicitamente, este preceito processual.
Por outro lado, importa ter em atenção que, noutra perspectiva, o trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art. 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.
Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cfr. art. 620.º, n.º 1 do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art. 619º do CPC.
Do caso julgado decorrem, como é também sabido, dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida -efeito negativo- e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado(4).
Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art. 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito).
Da transcrição dos despachos aqui em causa resulta claro que a questão que o executado pretendia novamente levantar, já tinha sido decidida na primeira decisão proferida (embora ainda não transitada em julgado).
Como se referiu de acordo, com o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art. 620.º, n.º 1 do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art. 619º do CPC.
Na verdade, se uma decisão se pronuncia sobre uma questão processual de determinada forma e, podendo ser impugnada, não é objecto de reclamação ou de recurso ordinário, forma-se sobre essa questão caso julgado formal que obsta a que, mais tarde, se emita nova decisão sobre ela no mesmo processo
Com efeito, de harmonia com o que, sob a epígrafe “Caso julgado formal”, prevê-se no art. 620º do CPC - excluídos os que versam as decisões previstas no art. 630º do CPC, de que não é admissível recorrer - os despachos (e as sentenças), que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Assim, se, em determinado processo, já tiver sido proferida decisão sobre determinada questão processual, que transitou em julgado, e vem a ser proferida posteriormente, no mesmo processo, uma nova decisão sobre a mesma questão concreta da relação processual que foi objecto dessa 1ª decisão e que também transita, diz-nos o art. 625º do CPC, que se cumprirá, como se disse, a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.
Esta disposição legal reforça a ideia de que o caso julgado formal previsto no 620º do CPC se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual.
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que, “… o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o Juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo Tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa…”(5).
Na verdade, o caso julgado formal “só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida- mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal…”(6).
Nesta conformidade, importa concluir que “…as decisões de forma desfrutam de força vinculativa de caso julgado apenas dentro do processo…”(7).
Ora, no caso “sub judicio”, o despacho recorrido, ao considerar que não se podia pronunciar sobre a questão novamente levantada pelo executado, e que já tinha sido objecto da primeira decisão, deu estrito cumprimento ao que se acaba de expor.
Na verdade, tendo proferido, na sequência de um primeiro Requerimento do executado, uma primeira decisão- em que considerou que era regular o Mandato Forense-, o poder jurisdicional do Tribunal sobre essa questão processual esgotou-se, nos termos do art. 613º, nº 1 e 3 do CPC.
O executado, no novo Requerimento, levantando exactamente a mesma questão, fê-lo de uma forma autónoma, não invocando qualquer pedido de rectificação, de arguição de nulidade, ou de reforma da decisão proferida (cfr. art. 613º, nº2 do CPC).
Nessa medida, não estando verificada qualquer uma das situações prevista no nº 2 do citado art. 613º do CPC, bem andou o Tribunal em considerar que não podia “rever a decisão proferida” por se ter esgotado o poder jurisdicional- até porque aquela tinha sido objecto de Recurso.
Finalmente, importa ainda considerar, para este efeito, que, no momento em que aquela primeira decisão transite em julgado, formar-se-á caso julgado, e nessa medida, conforme decorre do exposto, terá aquela primeira decisão força obrigatória, dentro do processo, obstando a que o Tribunal possa nesta mesma acção, alterar a decisão proferida.
Nesta conformidade, pode-se, assim, concluir que, por todas estas razões, o primeiro despacho que foi proferido no presente processo, impedia, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, que no presente processo o Tribunal voltasse a pronunciar-se sobre a mesma questão processual, tendo em conta o teor do novo Requerimento do executado.
Na verdade, não há duvidas que bem andou o Tribunal Recorrido em proferir a decisão aqui posta em crise, uma vez que a mesma respeita integralmente o comando legal estabelecido no art. 613, nº 1 do CPC, e o (futuro) caso julgado formal que irá ser produzido pela primeira decisão proferida.
A tudo isto não constitui obviamente obstáculo a argumentação do Recorrente quando invoca a possibilidade de poder o aludido despacho ser rectificado, por se tratar de “manifesto lapso” –art. 613º do CPC (e, assim, por essa via, o Tribunal poder ainda pronunciar-se sobre o Requerimento do executado).
Na verdade, como se disse, mesmo depois de proferida a decisão “É lícito, porém, ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes…”- art. 613º, nº 2 do CPC.
Ora, se é certo que é isto que decorre da Lei, a verdade é que a pronúncia do Tribunal aqui posta em crise, tendo sido proferida na sequência de novo requerimento do executado (em que nada se invoca nesse sentido), não contende com a aplicação deste preceito legal.
Com efeito, esquece o Recorrente que qualquer uma das hipóteses previstas no citado nº 2 do art. 613º do CPC só pode ocorrer “nos termos dos artigos seguintes”.
Assim, a rectificação da decisão proferida só pode ser efectuada nos termos do art. 614º do CPC.
A arguição (e suprimento) das alegadas nulidades só pode ser efectuada nos termos do art. 615º do CPC
E a reforma da decisão só tem lugar quando se verifiquem as situações previstas no art. 616º do CPC.
Ora, o Requerimento do executado, sobre o qual a decisão recorrida se pronunciou, não invoca, nem dá obediência a qualquer uma destas situações expressamente previstas no CPC- v. o respectivo teor junto a fls. 69 e ss.
Na verdade, decorre do mesmo que o executado, sem formular qualquer pedido de rectificação, sem arguir qualquer nulidade, sem requerer a reforma da anterior decisão proferida, veio “simplesmente” requerer novamente que seja dado sem efeito tudo o que foi praticado pela Sra. Advogada, uma vez que não se mostra conferido pela exequente àquela qualquer Mandato forense válido e eficaz.
Nessa medida, a questão que o Recorrente levanta no aludido Requerimento é exactamente a mesma que havia sido decidida na primeira decisão, pelo que não há dúvidas que, sob pena de violação dos citados arts. 613º e ss. do CPC, o Tribunal Recorrido não podia pronunciar-se novamente, no mesmo processo, sobre aquele novo Requerimento do executado.
Aliás, como decorre também dos autos, o aqui Recorrente, apresentou inclusivamente Recurso daquela primeira decisão, pelo que qualquer pedido de rectificação, nulidade, ou reforma da decisão teria que ter sido efectuado no âmbito da correspondente instância Recursiva, conforme resulta da expressão “nos termos dos artigos seguintes”, que remete para os citados preceitos legais que esclarecem a tramitação que devia ter seguida pelo executado, se pretendia invocar a existência de erros materiais, de nulidades, ou a reforma daquela primeira decisão proferida.
Nesta conformidade, e pelo exposto, sem necessidade de mais alongadas considerações, julga-se, esta parte, do presente Recurso totalmente improcedente.
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Quanto às arguidas nulidades da decisão aqui posta em crise:
1. Invoca o Recorrente a nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 154º do CPC, como o determina a alínea b) do n.º1 do artigo 615º do CPC, por remissão do n.º 3 do artigo 613 do CPC, além de se revestir de inconstitucionalidade formal e material já que não observa o disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais.
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Para tanto, alega:
“ - O despacho ora recorrido, não define claramente e inequivocamente, pois não transcreve, não cita, não individualiza a apreciação em concreto que decide da questão da existência e atribuição do mandato forense da advogada Dr. BB para representar a exequente CC Lda, nos presentes autos
- Deveria ainda citar os documentos que lhe atribuem tal mandato, de forma a cumprir o sentido normativo do artigo 154º do CPC, mesmo que repetindo os fundamentos expressos no despacho que proferiu tal decisão pois é com esta limitação de primordial determinação, que se vê aqui o recorrente, confrontado, pois não consegue definir claramente o objecto do recurso, por não conhecer o objecto da fundamentação da decisão que considera existir mandato forense da Ilustre Advogada Dr. BB para representar a exequente CC Lda,
- Ao não fazê-lo está o despacho, ora recorrido, neste vector, ferido de nulidade por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 154º do CPC, como o determina a alínea b) do n.º1 do artigo 615º do CPC, por remissão do n.º 3 do artigo 613 do CPC, além de se revestir de inconstitucionalidade formal e material já que não observa o disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais.
- A interpretação dada ao artigo 613º CPC segundo o qual o Juiz não tem poderes jurisdicionais para reformular despachos feridos de lapsos manifestos, ou ainda para reformular despachos sem fundamento de facto e de direito ou ainda despachos que por obscuros tornam ininteligíveis, e assim excluir a aplicação do n.º 2 do artigo 48º do CPC viola o dever da obrigatoriedade de fundamentação das decisões, explanadas no artigo 154º do CPC, a que todas as decisões dos tribunais estão obrigadas por imposição do n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, e ainda o princípio da legalidade a que os tribunais estão obrigados por determinação constitucional do seu artigo 203º e 204º, constituindo tais violações outras tantas inconstitucionalidades que desde já se invocam.
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Cumpre decidir.
Compulsada a decisão aqui posta em crise pode-se afirmar, de uma forma inequívoca, que a mesma não se encontra viciada por falta de fundamentação, pois que este vício só se verifica quando se constata existir total ausência de fundamentação, o que não é seguramente o caso concreto da decisão aqui questionada.
Na verdade, quanto à arguição deste vício de nulidade, importa dizer que à excepção dos actos meramente ordenadores do processo e dos despachos de mero expediente, compete ao juiz fundamentar todas as decisões tomadas: art. 154º nº 1 do CPC (“As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre justificadas”).
A relevância de tal fundamentação fica demonstrada com o facto de a lei cominar com a nulidade a sentença que não obedeça a tal comando: art. 615º nº 1 al. b) do CPC.
Mesmo que o CPC não o referisse, essa necessidade de fundamentação resultaria por imposição directa do art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP): “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Será esta fundamentação que assegurará ao cidadão o controlo da decisão e permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Essa fundamentação deve ser expressa e, ainda que sucinta, deve ser suficiente para permitir o controlo do acto.
Ora, no caso concreto, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou a decisão proferida, quer em termos factuais, quer em termos jurídicos, permitindo essa fundamentação que as partes a controlassem e, consequentemente, que o presente Tribunal se pronunciasse sobre a decisão proferida.
Na verdade, e conforme resulta da decisão proferida, na parte aqui posta em crise, o Tribunal recorrido entendeu que não se podia pronunciar sobre o novo Requerimento apresentado pelo executado porque se verificava uma situação em que encontrava esgotado o poder jurisdicional nos termos do art. 613º do CPC, pelo que estava impedido de se pronunciar novamente sobre a argumentação do Recorrente.
Ora, sendo esse o fundamento da decisão recorrida, torna-se evidente que o Tribunal não tinha que apresentar fundamentação quanto à argumentação que o executado tinha (novamente) apresentado quanto à questão já decidida em anterior despacho, pois que, tendo-se esgotado o poder jurisdicional, o Tribunal estava impedido de se pronunciar sobre essa argumentação.
Não há, assim, dúvidas que o Tribunal fundamentou a sua decisão, não se verificando o vício de falta de fundamentação que o Recorrente invoca.
Não pode, assim, o presente Tribunal reconhecer o vício imputado à decisão pelo Recorrente.
De igual forma, e conforme decorre do exposto, também não existe qualquer violação de qualquer preceito constitucional, nomeadamente, os invocados pelo Recorrente, já que a decisão proferida mostra-se devidamente fundamentada, e como decorrência dessa fundamentação, o Tribunal estava impedido de rever a decisão que anteriormente tinha sido proferida neste mesmo processo, não tendo que reponderar a argumentação que o executado insiste em pretender ver reconhecida fora da sede processual própria (que é o Recurso da primeira decisão proferida).
Por outro lado, constata-se que o executado não formulou o seu requerimento no âmbito do nº 2 do art. 613º do CPC (nem dos preceitos legais seguintes para onde remete aquele preceito legal), pelo que não tinha o Tribunal que se pronunciar neste âmbito, tanto mais que as questões enunciadas já tinham sido apreciadas na primeira decisão proferida e serão apreciadas em sede da respectiva instância de recurso.
Além disso, em nenhum parágrafo da decisão aqui posta em crise, o Tribunal Recorrido manifestou o entendimento de que “…o Juiz não tem poderes jurisdicionais para reformular despachos feridos de lapsos manifestos, ou ainda para reformular despachos sem fundamento de facto e de direito ou ainda despachos que por obscuros tornam ininteligíveis…”, já que se trata de questão que nem sequer havia sido levantada em sede de Primeira Instância.
Improcedem, pois, as nulidades e as inconstitucionalidades invocadas.
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2. Invoca o Recorrente a nulidade da decisão proferida por força da alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC.

Para tanto alega:
“- Mesmo que tivesse sido proferida uma decisão, o Tribunal continuava a ter poderes de jurisdição sobre a falta do necessário mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda, porquanto da conjugação do n.º 1 do artigo 614º por se verificar um lapso manifesto, com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615º por se verificar uma obscuridade que tornou a decisão inteligível, e ainda com a alínea b) do n.º 2 do artigo 616º por existirem nos autos principais e nos presentes documentos, que além da confissão por omissão da Exequente melhor expressa em “ 11- A “ , que só por si implicam decisão diversa da proferida, todos os artigos do CPC, resultava numa necessária e devida e obrigatória reforma do despacho em causa, mas nunca conduziria ao contrário à falta de poderes jurisdicionais.
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Cumpre decidir.
É manifesto que o Recorrente não tem razão.
Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. c)- do CPC, é “nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”.
Quanto à primeira hipótese (contradição entre os fundamentos e a decisão), ela bem se compreende, pois, os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, funcionam, na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário.
Tratar-se-á, portanto, dito de outra forma, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão, sendo esta última consequência lógica daquelas.
Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
Por outro lado, quanto à segunda hipótese (obscuridade ou ambiguidade da sentença ou do despacho), ela ocorrerá sempre que a sentença (ou o despacho) seja obscuro ou ambíguo, ou seja, quando contenha algum passo cujo sentido não seja inteligível, ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, não se sabendo o que o juiz quis dizer, na primeira situação, e hesitando-se entre dois sentidos diferentes e, porventura, opostos, na segunda.
Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.
Neste sentido, o despacho/sentença será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste objectivamente a interpretações diferentes.
Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pelo ora Recorrente, é patente, a nosso ver, que o sobredito vício também não existe.
Na verdade, a decisão proferida é perfeitamente inteligível, não padecendo de qualquer obscuridade ou ambiguidade.
Com efeito, depois de verificados os respectivos pressupostos, entendeu o Tribunal recorrido que, quanto à questão novamente levantada pelo executado, estava impedido de voltar a pronunciar-se sobre a mesma, uma vez que se havia esgotado o poder jurisdicional (art. 613º, nº 1 do CPC).
Nessa medida, não se podendo pronunciar novamente sobre a questão processual que o executado pretendia levantar, não pode existir a obscuridade que o Recorrente invoca como vício de nulidade.
Julga-se, pois, improcedente esta parte do Recurso.
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3. Invoca, finalmente, o Recorrente a nulidade da decisão proferida por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
- porquanto o juiz deixou de pronunciar-se apreciar a questão da falta de mandato forense da causídica Dr. BB para representar a exequente CC Lda.
- porquanto o juiz deixou de pronunciar-se sobre a questão que devia apreciar do levantamento da penhora solicitada pelo Recorrente nos termos dos n.º 1, 2 e 3 do artigo 763º do CPC.
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Cumpre decidir.
Entende, finalmente, o Recorrente que a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia- al. d), 1ª parte, do nº 1 do art. 615.° CPC.
Vejamos se assim é.
Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (1ª parte).
A previsão deste artigo está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Como sempre se tem dito neste âmbito, importa não confundir as questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões, neste ou naquele sentido.
Como se infere do exposto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas.
Coisa diferente destas questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 608.º, n.º 2 do CPC.
Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia(8).
A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento (error in iudicando), mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.
Feito este enquadramento, cabe referir que a decisão recorrida não padece, manifestamente, do aludido vício, na estrita medida em que, tendo em conta o fundamento invocado- esgotamento do poder jurisdicional- ficou obviamente prejudicada qualquer apreciação sobre qualquer uma das questões que o Recorrente pretendia, de uma forma repetida, colocar ao Tribunal Recorrido.
Se o Tribunal recorrido entendeu- e bem, como se viu- que não podia pronunciar-se sobre as questões colocadas pelo executado no seu requerimento, obviamente não pode haver omissão de pronúncia no sentido atrás explicitado.
Tanto basta para, sem necessidade de mais alongadas considerações, se considerar improcedente a arguição desta nulidade pelo Recorrente.
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Aqui chegados, e por todo o exposto, importa, pois, concluir pela Improcedência total do Recurso deduzido pelo executado AA.
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III - DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
- o Recurso interposto pelo Recorrente AA totalmente improcedente.
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Custas pelo Recorrente (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 18 de Maio de 2017


(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)

(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)

(Dra. Rita Maria Pereira Romeira)


(1) Lebre de Freitas, in “CPC anotado”, Vol II (em anotação ao art. 666º do anterior CPC), pág. 697.
(2) Cf. José Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 126;
(3) Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127.
(4)Segundo o Prof. Alberto dos Reis, in “CPC anotado”, vol. III, págs. 92-93, o caso julgado exerce uma função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade), e uma função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.
(5) Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 704.
(6) Remédio Marques, in “A acção declarativa à luz do Código revisto”, pág. 644.
(7) Remédio Marques, in “A acção declarativa à luz do Código revisto”, pág. 646;- excepto no caso previsto no nº1 do art. 101º do CPC.
(8) Vide, neste sentido, por todos, AC STJ 8.02.2011, MOREIRA ALVES, e AC RG de 24.11.2014, FILIPE CAROÇO, ambos in www.dgsi.pt .