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EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CAUSALIDADE
CUSTAS
Sumário
Tendo a extinção da instância cível ocorrido em virtude de decisão que declarou extinto o procedimento criminal, por prescrição, não se pode concluir que alguma das partes civis tenha dado causa às custas pelo que não é nenhuma delas responsável pelas mesmas, nos termos do artº 520º do CPP.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. No processo comum n.º 614 Juízo Criminal do Seixal foi proferido despacho que, julgando extinto pela prescrição o procedimento criminal contra o arguido (A), julgou igualmente extinta, por impossibilidade superveniente da lide, a instância cível e em consequência determinou o arquivamento dos autos, condenando a demandante nas custas relativas à parte cível.
Inconformada com esta decisão, a demandante “Modelo Continente AS” veio interpor recurso motivando-o com as conclusões:
1 - O procedimento criminal foi julgado extinto por prescrição, por isso foi declarada extinta a instância cível por impossibilidade da lide, desde logo por nesta vertente da causa não se ter sufragado o entendimento expendido no Acórdão 3/02 do STJ o qual no cenário dos autos determinaria o prosseguimento da acção na sua faceta cível;
2 - Mas tal conclusão a que se chegou quanto à acção cível não deveria ter dado lugar, por si só, à condenação em custas da demandante em virtude de a dita impossibilidade ser consequência da falência da acção penal e não de qualquer aspecto relacionado ou relacionável com o pedido cível : as instâncias assim têm decidido, isto é sem tributação em casos de contornos semelhantes ;
3 - É ver que a demandante, no quadro que vem desenhado, não deu causa às custas e só nessa hipóteses podia ela ser condenada no seu pagamento;
4 - A aceitar-se o entendimento ora posto em crise sempre constituiria uma limitação ao exercício da faculdade prevenida no art.º 71º CPP, dado a demandante se ver na necessidade de equacionar se valeria a pena accionar civilmente o demandado sabendo que sempre poderia vira a ser penalizada nessa sua pretensão mesmo antes de ser conhecida por eventual prescrição da acção penal;
4 - O presente despacho violou destarte os art.ºs446º e 447º CPC ex vi do art.º 4º CPP;
5 - Deve ser revogado e substituído por outro que julgando embora prescrito o procedimento criminal e extinta a instância cível ao arrepio de jurisprudência fixada no acórdão 3/02 do STJ isente do pagamento de custas nesta faceta da acusa os intervenientes processuais, nomeadamente a demandante (sublinhado nosso);
6 - Requer-se que, havendo lugar a alegações, elas sejam produzidas por escrito, nos termos do art.º 411ºn ,º4 CPP.
Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e efeito não suspensivo, respondeu o MºPº que conclui que o despacho recorrido deve ser substituído por outro que determine o prosseguimento do processo para conhecimento do pedido de indemnização civil.
A Exm.ª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta acompanha a posição assumida pelo MºPº no tribunal recorrido.
Colhidos os vistos legais procedeu-se a conferência.
2. O objecto de recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo da possibilidade de apreciação de questões de conhecimento oficioso, como acontece nomeadamente com os vícios da decisão a que alude o art.º 410º, n.º2 CPP ou com a apreciação de nulidades que não devam considerar-se sanadas.
Das conclusões de recurso resulta que o efeito pretendido pela recorrente é a revogação da decisão de condenação no pagamento das custas referentes à instância cível e não a alteração da decisão no tocante à extinção da instância cível, face à extinção do procedimento criminal pela prescrição. A recorrente conformou-se com esta última decisão contida no mesmo despacho de que consta a decisão com que não se conforma, ou seja com a decisão de condenação em custas (confronte-se Conclusão 5º - Parte sublinhada ).
Ao contrário do afirmado pelo MºPº em sede de resposta, a demandante não recorre do despacho que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal e extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância cível. O despacho em causa comporta três decisões: a de extinção do procedimento criminal, a de extinção da instância civil e a condenação da demandante em custas relativas à instância cível. E, não obstante a discordância da recorrente possa ser mais amplo, o que é certo é que o recurso interposto incide apenas sobre a decisão relativa à condenação no pagamento de custas.
Assim, a questão prévia suscitada pelo MºPº não será objecto da apreciação por parte desta instância uma vez que questões suscitadas pelos intervenientes processuais e que não impliquem conhecimento oficioso não são susceptíveis de determinar o objecto de recurso se não tiverem sido objecto de recurso interposto. São as questões suscitadas pelo recorrente, em sede das conclusões de recurso, que têm a função de delimitação do seu objecto; não as questões suscitadas por outros intervenientes fora do âmbito da sua própria motivação de recurso. Se os demais intervenientes se conformaram com o decidido, não tendo oportunamente interposto recurso, ou se o recorrente se conforma nessa parte com o decidido não terá a instância superior que reapreciar essa parte da decisão, tanto mais que a essa decisão é indiferente a apreciação da legalidade da sua causa.
Se a decisão que declarou extinta a instância cível foi proferida ao arrepio de jurisprudência fixada pelo STJ, embora fundamentada a divergência conforme resulta do art.º 445º, n.º3 CPP, deveria o MºPº ter obrigatoriamente recorrido da mesma, nos termos do art.º 446º CPP, interpondo o correspondente recurso.
Não o tendo feito, esgotou-se a possibilidade de apreciação da legalidade dessa decisão tanto mais que ela não foi questionada em sede de recurso ordinário, ao contrário do que o MºPº afirma.
3. Não podendo questionar a decisão que declarou extinta a instância cível, por efeito da extinção do procedimento criminal, o que há que decidir é se perante aquela deveria ou não ter havido condenação em custas da demandante.
A decisão recorrida, para o efeito, socorreu-se do disposto no art.º 447º CPC que fixa a regra de condenação em custas nos casos de impossibilidade e inutilidade superveniente da lide.
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deverá, em regra, como é sabido, ser deduzido no processo penal respectivo em obediência ao princípio da adesão consagrado no art.º 72º CPP.
Como tal, deduzido no âmbito de um processo penal, a chamada “instância“ cível passa a regular-se, no essencial, pelas regras do processo penal.
Para efeitos de aferição da responsabilidade por custas, o art.º 520º CPP relativamente a outros responsáveis, que não os assistentes ou arguidos, dispõe que pagam também custas as partes civis “... se dever entender que deram causa às custas, segundo as normas do processo civil”.
Assim, um dos critérios para tributação de outras pessoas, que não as “partes” em processo penal, como é o caso das partes civis, é o da causalidade, conforme resulta do referido preceito, devendo essa causalidade ser determinada de acordo com as regras do processo civil.
E no âmbito do processo civil essa causalidade é a que se encontra definida no art.º 446º CPC pois é este preceito que prevê uma regra de causalidade para efeito de imputação a uma das partes ( ou a ambas em determinada proporção ) da responsabilidade pelo pagamento das custas.
Entende-se que dá causa às custas a parte vencida na proporção em que o for. Paga as custas a parte que lhes deu causa, ou seja quem pleiteia sem fundamento, quem exerce uma actividade injustificada.
Porém, no art.º 447º CPC o legislador processual civil fixou uma regra que não se pode considerar uma regra de causalidade, tal como é imposto pela remissão determinada pelo art.º 520º CPP : a de que se a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide não resultar de facto imputável ao réu será o autor a pagar as custas. A lei não impõe que a responsabilidade do autor pelo pagamento de custas dependa de facto imputável ao autor. Impõe antes como regra que nesses casos será o autor a pagar as custas apenas não o sendo se a causa for imputável ao réu, apenas estabelecendo uma regra de imputabilidade quanto a este mas não quanto ao autor.
Diga-se pois que, em processo civil, no âmbito da impossibilidade e inutilidade supervenientes da lide, o legislador, no tocante à responsabilidade por custas, fixou uma regra de responsabilidade objectiva para o autor e uma regra de causalidade, mas apenas para o réu. Desconhecendo-se se foi o réu quem deu causa à acção sempre pagará as custas o autor seja ele, ou não, quem lhe deu causa, com o apontado sentido .
Porém, por força da redacção da disposição do art.º 520º CPP a lei processual penal fez depender da regra da causalidade a determinação da responsabilidade de qualquer parte civil no pedido enxertado em processo penal, pelo que não poderá haver lugar à aplicação do disposto no art.º 447º CPC.
Ao legislador processual penal não é indiferente, em caso algum, a responsabilidade pela instauração do pedido cível, só responsabilizando pelas custas aquele que lhes deu causa, o que escapa à regra do art.º 447º CPC que não previu que a impossibilidade ou inutilidade da lide pudesse ocorrer por razões objectivas indissociadas da vontade ou actuação das partes.
A lógica do sistema assenta na constatação de que são distintos os princípios fundamentais aplicáveis ao processo penal e ao processo civil.
Será de elementar bom senso não esquecer que, se se verifica uma ocorrência ligada às vissicitudes próprias do processo penal, como é o caso da extinção do procedimento criminal por prescrição, declarada extinta a instância cível – tanto mais ao arrepio de entendimento fixado por jurisprudência obrigatória que se tivesse sido seguida logo determinaria a quem seria imputável a responsabilidade pela instauração da acção – não se deveria ter imputado ao demandante nem ao demandado a responsabilidade pelas custas por não se poder determinar quem deu causa à acção e a quem é imputável a mesma e, como tal, responsável pelo pagamento das custas, não sendo aplicável o disposto no art.º 447º CPC por este não prever uma regra de causalidade, conforme imposto pelo art.º 520º a) do CPP.
Em síntese:
Tendo a extinção da instância cível ocorrido em virtude da decisão que declarou extinto o procedimento criminal, por prescrição, não se pode concluir que alguma das partes civis tenha dado causa às custas pelo que não é nenhuma delas responsável pelas mesmas, nos termos do art.º 520º CPP.
4. Pelo exposto, acordam os juízes em conceder provimento ao recurso revogando a condenação da demandante nas custas relativas ao pedido cível.
Sem custas .
Lisboa, 15/07/03
(Filomena Lima)
(Ana Sebastião)
(Pereira da Rocha)