ACIDENTE DE TRABALHO
EXAME POR JUNTA MÉDICA
ADVOGADO
INCAPACIDADE PERMANENTE
Sumário

I – O carácter secreto dos exames médicos realizados em processual judicial emergente de acidentes de trabalho não obsta a que o examinando se faça acompanhar de advogado, se assim o requerer.
II – O advogado tem o direito de acompanhar o patrocinado e este pode ser acompanhado pelo advogado perante todas as autoridades públicas ou privadas.
III – Apesar de atribuída ao sinistrado numa IPATH, nada impede que às lesões por ele apresentadas sejam aplicados os factores correctivos previstos na instrução geral nº 5 constante do preâmbulo da TNI e, nomeadamente, a aplicação do factor 1,5 uma vez que se verificam os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) da referida instrução, em especial o facto de o sinistrado ter mais de 50 anos de idade.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
(...)
III - Fundamentação de direito

Estão interpostos dois recursos pelo sinistrado, um de agravo e outro de apelação, pelo que cumpre apreciá-los pela ordem da sua interposição (art. 710º nº 1 do CPC).
Recurso de agravo.
As questões que emergem das conclusões deste recurso são as de saber se o advogado, mandatário constituído do sinistrado, devia ser admitido a estar presente na junta médica e se as respostas dos peritos médicos intervenientes na junta médica estão devidamente fundamentadas.
Quanto à questão de saber se o advogado constituído pelo sinistrado deveria ser admitido a estar presente na junta médica, a decisão recorrida entendeu negativamente fundamentando-se no disposto no art. 139º nº 1 do CPT onde se refere que o exame por junta médica é secreto.
E, de facto, o carácter secreto da junta médica está expressamente afirmado pelo actual CPT, aprovado pelo Dec-lei 480/99 de 9.11, na medida em que prevê expressamente que quer o exame médico singular, quer o exame por junta médica são secretos (art. 105º nº4 e 139º nº 1), como, aliás já se acontecia no CPT/81 (art. 108º nº 3).
Mas, a nosso ver, o carácter secreto atribuído aos exames médicos e, nomeadamente, à junta médica significa apenas que tais exames não são públicos, como é próprio dos actos judiciais.
Com efeito, a razão de ser desta cautela da lei, tem de encontrar-se na preservação da intimidade e do pudor do próprio sinistrado e obtém-se através da sua realização em dependência do tribunal que permita esse recato e com a exclusiva presença das pessoas que ao acto têm de assistir por dever de ofício.
Acontece que o advogado constituído é uma dessas pessoas que pode acompanhar o sinistrado, se este o desejar, inclusive à junta médica, até porque o carácter secreto dessa diligência é estabelecido em favor do próprio sinistrado.
Por outro lado, de acordo com os Estatutos da Ordem dos Advogados - art. 54º e 78º - o advogado tem o direito de acompanhar o patrocinado e este de ser acompanhado por advogado perante todas as autoridades públicas ou privadas.
Assim, a nosso ver, o despacho que não admitiu o mandatário a comparecer o sinistrado na junta médica ofendeu o art. 20º nº 2 do Constituição Portuguesa e os art. 54º ou 78º do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo um acto nulo.
A nulidade deste acto, porém, deve considerar-se sanada, uma vez que, não só não foi arguida durante a diligência e enquanto esta não terminou, nos termos do art. 205º nº 1 do CPC, como, nessa mesma diligência, o próprio sinistrado declarou prescindir da presença do seu mandatário, quando isso lhe foi perguntado pela Mª Juiz, conforme consta da acta.
Por outro lado, a presença do mandatário na junta médica traduz-se num acto de simples presença, de conforto e acompanhamento do sinistrado, já que não pode intervir activamente na diligência, pois a junta médica consiste na observação do sinistrado pelos peritos médicos, na discussão entre estes e nas respostas aos quesitos que foram previamente formulados pelas partes, sendo certo que qualquer esclarecimento ou dúvida sobre o laudo dos peritos médicos poderá ser questionada pelo mandatário, após a notificação do resultado do exame, devendo o Juiz obter dos peritos os esclarecimentos pretendidos, nos termos do nº 3 do art. 587º do CPC, pelo que, a nosso ver, a não presença do mandatário do sinistrado na junta médica não podia ter influência no exame ou na decisão da causa, razão pela qual não constitui nulidade, de acordo com o disposto no art. 201º nº 1 do CPC:
Assim, embora não se aceitem os fundamentos do despacho recorrido, considera-se sanada a eventual nulidade cometida pelo mesmo despacho.
Alega também o recorrente que o relatório dos peritos médicos é desprovido de fundamentação, no que concerne à retirada da bonificação de 1,5, pelo que o laudo é nulo.
Apesar desta nulidade não haver sido arguida pelo interessado perante o tribunal recorrido, o que implica que a eventual nulidade esteja sanada (art. 201º nº 1, 203º nº 1 e 205º do CPC), sempre diremos que esta alegação do recorrente não tem qualquer fundamento, pois o relatório da junta médica está suficientemente fundamentado quanto à questão da retirada da bonificação de 1,5.
Com efeito, verifica-se que a junta médica classificou as lesões do sinistrado exactamente nos mesmos artigos na TNI que o exame singular, a saber:
Cap. III 5.2.3.1.a) ---- 0, 60;
Cap. I 7.2.2.1.a) -------0, 03
Mas, no exame singular, o perito médico declarou: "por o considerarmos incapaz para o desempenho da sua profissão estes valores são multiplicados pelo factor 1,5".
A junta médica, depois de descrever as lesões do sinistrado, classificou-as exactamente nos mesmos itens da TNI que o exame singular, mas atribuiu ao sinistrado incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), e depois a junta médica declarou: "verifica-se e decide a junta por unanimidade que a incapacidade absoluta não deverá ser corrigida com o factor de bonificação de 1,5, dado que foi considerado como possuidor de uma IPATH".
E este é, exactamente, o fundamento da decisão da retirada do factor 1,5 pela junta médica.
O relatório da junta médica está, pois, devidamente fundamentado.
Improcedem, assim, todas as conclusões deste recurso de agravo.
Quanto à apelação.
O objecto deste recurso, tal como emerge das respectivas conclusões, consiste em saber se a incapacidade atribuída ao sinistrado deve ser corrigida com o factor de bonificação de 1,5, previsto na al. b) do nº 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades.
Refere a Instrução Geral da Tabela Nacional de Incapacidades, no seu nº 5 o seguinte: "na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5 , se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais;
b) A incapacidade será igualmente corrigida com a multiplicação pelo factor 1,5 quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalente), se a estética for inerente ou indispensável ao desempenho do posto de trabalho e se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais (não acumulável com a alínea anterior)."
A bonificação de 1,5 prevista nestas instruções tem a ver sempre com o reflexo que certas lesões possam ter sobre o desempenho do posto de trabalho, quer pela perda ou diminuição de função imprescindível a esse desempenho, quer pela alteração do aspecto físico nos casos em que a estética é inerente ou indispensável a esse desempenho e com o facto da vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, quer ainda por o sinistrado ter mais de 50 aos de idade.
Acontece que a TNI não previu no seu clausulado os casos de incapacidade permanente absoluta para todo o qualquer trabalho, assim como de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), que, no entanto, são situações especiais de incapacidade, previstas no art. 17 nº 1 al. a) e b) da Lei nº 100/97 (Lei dos acidentes de trabalho), e que conferem o direito a pensões aí especialmente estabelecidas.
No caso de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho a pensão é estabelecida numa percentagem fixa da retribuição.
Mas no caso da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a pensão ficará compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
Na averiguação desta maior ou menor capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível é que é normal recorrer-se aos coeficientes de desvalorização previstos na TNI para as lesões efectivamente apresentadas pelo sinistrado.
Ora, a averiguação da desvalorização apresentada pelo sinistrado é efectuada segundo os coeficientes de desvalorização previstos na TNI sendo que estes devem ser aferidos e aplicados de acordo com as instruções que constam do preâmbulo da mesma TNI e, por isso, não vemos razão para que também não sejam aplicados os factores correctivos constantes do nº 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, acima referida.
É que o que está em causa é apenas apurar a maior ou menor capacidade residual do sinistrado para o exercício de outra profissão compatível, a fim de se concretizar o montante da pensão, dentro dos limites de 50% e 70% da retribuição, a que alude o art. 17º nº 1 al. b) da Lei nº 100/97 de 13.09.
A nosso ver, a aplicação dos factores previstos na instrução 5ª da TNI não é incompatível com a atribuição de IPATH (incapacidade permanente para o trabalho habitual), porque aquela aplicação fica-se pela averiguação da maior ou menor capacidade residual do sinistrado para o exercício de outra profissão compatível, sendo que a pensão ficará, em qualquer caso, sempre compreendida entre os limites de 50% e 70% da retribuição do sinistrado à data do acidente.
Assim, salvo o devido respeito, permitimo-nos discordar da decisão recorrida, por entendermos que apesar de ser atribuída ao sinistrado a IPATH nada impede que às lesões por ele apresentadas sejam aplicados os factores correctivos previstos na instrução geral nº 5 constante do preâmbulo da TNI e, nomeadamente, a aplicação do factor de 1,5 uma vez que se verificam os pressupostos previstos na al. a) e b) da referida instrução, em especial o facto de o sinistrado ter mais de 50 anos de idade, o que só por si, constitui um fundamento para aplicação do referido factor.
Deste modo, tendo sido atribuída ao sinistrado a IPP de 61,2%, aplicando o factor de bonificação de 1,5, tal como fez o perito médico do tribunal, dá como resultado a atribuição ao sinistrado da IPP de 91,8%. O que significa que a sua capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível é praticamente nula, devendo, por isso, a pensão a atribuir ao sinistrado fixar-se, praticamente, no limite de 70% da retribuição.
Assim, auferindo o sinistrado a retribuição de 320.000$00 X 14 meses, considerando o disposto no art. 17º nº 1 al. b) da Lei nº 100/97 de 13.09, tem direito a receber da Seguradora a pensão anual e vitalícia de € 15.275,83, com efeitos a partir de 24.07.2001.
Nestes termos, procede o recurso de apelação, devendo alterar-se o montante da pensão atribuído ao sinistrado na decisão recorrida.
IV - Decisão:
Pelo exposto, acorda-se:
A) em negar provimento ao recurso de agravo;
B) em dar provimento ao recurso de apelação e, em consequência, fixa-se o montante da pensão anual e vitalícia em € 15.275,83, a partir de 24.07.2001, confirmando-se, quanto ao mais, a decisão recorrida.
Sem custas o recurso de agravo, por delas estar isento o sinistrado (art. 2º nº 1 al. l) do CCJ); e custas do recurso de apelação pela Seguradora.
Lisboa, 24/09/03
(Seara Paixão)
(Ferreira Marques)
(Maria João Romba)