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ACÇÃO DE DESPEJO
PERDA DA COISA LOCADA
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO DO NEGÓCIO
PROPRIEDADE COMERCIAL
Sumário
Sem necessidade de declaração, verifica-se a caducidade do contrato de locação quando exista perda da coisa, designadamente quando, por virtude de incêndio, o locado deixar de poder ser habitado. Extinto o contrato, se a coisa locada não for restituída ao senhorio, o arrendatário é obrigado a pagar-lhe uma quantia igual à renda que vinha sendo paga, a título de indemnização. O recebimento dessas quantias não determina a renovação do contrato caducado. O senhorio é obrigado a fazer no local arrendado as reparações destinadas a evitar a sua perda ou deterioração, mas não é obrigado a repô-lo no estado em que se encontrava antes do incêndio que tornou impossível o seu uso por parte do arrendatário.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
A e mulher, residentes em Lisboa, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B e mulher, residentes na Parede, formulando os seguintes pedidos:
1- Fosse declarada a caducidade do contrato de arrendamento que identificam e, consequentemente, os Réus condenados a entregarem aos Autores a respectiva fracção, livre e devoluta;
2 - Fossem os Réus condenados a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia de Esc. 3.771.100$00, pelos prejuízos decorrentes do incêndio que ocorreu na referida fracção e correspondente à parte dos danos não coberta pela indemnização, liquidada ao abrigo do contrato de seguro contra incêndio;
3 - A condenação dos Réus a liquidarem aos Autores, nos termos do artº 1045º, nº 2 do Código Civil, o valor, em dobro, correspondente à quantia paga, a título de renda - Esc.7.644$00 - desde 1 de Setembro de 1994, até à restituição da fracção, que, no momento da apresentação da petição em Juízo, ascenderia a Esc. 733.824$00;
4- A condenação dos Réus a liquidarem aos Autores, a título de indemnização, pelos danos emergentes e lucros cessantes, resultantes da não restituição da fracção:
a) o valor correspondente à reparação dos danos causados nas fracções que compõem o prédio, provenientes das infiltrações de água nas mesmas, provocados pela impossibilidade de reparação da fracção e reconstrução da cobertura, no montante de Esc. 7.200.000$00;
b) o montante correspondente ao valor locativo do imóvel e não inferior a Esc. 135.000$00 mensais, desde 1 de Janeiro de 1995, até à efectiva entrega aos Autores do locado e que, na data da apresentação da petição, já totalizariam Esc. 6.075.000$00;
Para tanto, no essencial, alegaram que:
- Os Autores são os únicos herdeiros de todos os bens da propriedade do referido João, entre os quais se inclui a fracção correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito, em Lisboa ....
- Assumiram, assim, os Autores a posição de senhorios, no contrato de arrendamento que teve por objecto a mencionada fracção, celebrado a 25 de Novembro de 1953;
- Sucede que, a 29 de Maio de 1994, ocorreu um incêndio num dos quartos daquela fracção, o qual se propagou às restantes dependências de mesma e ao sótão, tendo destruído quase na totalidade essa fracção autónoma;
- Tal incêndio teve origem numa tomada, à qual se encontrava ligada uma televisão, e que, por não estar nas devidas condições, entrou em sobrecarga, provocando um curto-circuito;
- Daí que esse incêndio seja imputável aos Réus, por violação, por parte destes, dos deveres de cuidado, manutenção e vigilância a que estavam obrigados, por força do contrato de arrendamento, respondendo, consequentemente, por todos os danos causados à fracção e ao prédio, na qual aquela se integra;
- Como, à data do incêndio, tais danos ascendiam a cerca de Esc. 10.450.190$00, deduzido o valor recebido, a título de indemnização, por parte da respectiva Seguradora, no valor de Esc. 6.679.090$00, os autores reclamam dos Réus a quantia de Esc. 3.771.100$00;
- Os Réus recusam-se a entregar as chaves do andar, impedindo, assim, que fossem feitas as necessárias obras de reconstrução e reparação do imóvel, sendo que tais obras demorariam dois meses e meio;
- Dada a não restituição da fracção pelos RR aos AA, viram-se estes impossibilitados de proceder a novo arrendamento, estando privados de auferir os respectivos rendimentos;
- Considerando-se o valor locativo de Esc. 135.000$00, pretendem que a indemnização a pagar pelos Réus contemple o valor das rendas que deixaram de receber, desde 01.01.95 e até à efectiva entrega da fracção e que, à data da apresentação da petição, contabilizaram em Esc. 6.075.000$00.
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Citados os Réus, estes contestaram, alegando, em síntese, que:
- Aceitam que ocorreu um incêndio, com origem no quarto de trás da casa, e que destruiu o tecto desse quarto e se propagou ao sótão e ao telhado;
- Contudo, esse incêndio não ocorreu por causa imputável aos Réus, nem ficou destruída a quase totalidade do locado;
- Após o incêndio, os senhorios continuaram a receber as rendas, até Janeiro de 1997, e até procederam às actualizações anuais daquelas, nos termos da lei, e, posteriormente, sem que nada o justificasse, optaram por defender a tese de que o arrendamento tinha caducado, negando-se a receber as rendas;
- Os senhorios devem realizar as necessárias obras de reparação do locado de forma a que os RR o possam habitar.
Concluindo, pediram que fossem julgados improcedentes os pedidos formulados pelos autores e procedente o pedido reconvencional, condenando-se os autores a mandar efectuar as reparações necessárias à reposição do andar no estado anterior ao do incêndio.
Procedeu-se a audiência de julgamento. E por despacho de fls.292 a 295, foram dadas as respostas à matéria de facto contida na base instrutória, não tendo havido qualquer reclamação.
Proferida a sentença (fls.298 a 308) foi a acção julgada parcialmente procedente, com a seguinte decisão:
"1- Condeno os Réus a pagarem aos Autores a quantia de Esc. 3.771.000$00, a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes do incêndio;
2 - Absolvo os Réus de todos os restantes pedidos formulados;
3 - Julgo procedente o pedido reconvencional e, consequentemente, condeno os Autores a mandarem efectuar todas as reparações necessárias à reposição do andar locado, no estado anterior ao existente antes do incêndio".
Inconformados com esta decisão, dela apelaram os Autores e os Réus.
(...)
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- Os Autores são os únicos herdeiros de todos os bens da propriedade de João..., entre os quais se inclui a fracção correspondente ao 2º andar direito do prédio em regime de propriedade vertical, sito ...em Lisboa...
2- Entre o Réu marido e o anterior proprietário do imóvel foi celebrado, em 25 de Novembro de 1953, o contrato de arrendamento com as cláusulas constantes do documento de fls.20-22, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3- Em 29 de Maio de 1994, ocorreu um incêndio no locado, que teve início no quarto de trás daquela fracção.
4- Na sequência do contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros ..., esta pagou aos Autores a quantia de Esc. 6.679.000$00, a título de indemnização.
5- Desde a data do incêndio, os Réus recusam entregar as chaves do locado aos Autores, não obstante terem deixado de usar e fruir a fracção em causa.
6- Em Novembro de 1994, os Autores remeteram aos Réus a carta para avisarem a actualização da renda para o ano seguinte - conforme doc. de fls. 63, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7- Em Novembro de 1995, os Autores remeteram aos Réus nova carta para avisarem a actualização da renda para o ano de 1996 - conforme doc. de fls. 76, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8- Os Autores continuaram a receber as rendas pagas pelos Réus, até Dezembro de 1994.
9- O pedido das chaves, por parte dos Autores, em consequência da caducidade do contrato de arrendamento, teve por resposta, por parte dos Réus, o envio de uma declaração para os Autores assinarem, no sentido de que as chaves seriam entregues, única e exclusivamente, para efeitos de os Autores procederem a obras de reparação na fracção, assumindo estes o compromisso de as devolverem posteriormente ( Doc.9).
10- Responderam os Autores com a carta que constitui o doc. de fls. 32.
11- Desde a data do incêndio, os Réus têm vindo a proceder ao pagamento da renda conforme docs. de fls. 56-101.
12- À data do incêndio, a renda era de Esc. 7. 644$00.
13- 0 incêndio propagou-se ao sótão.
14- Em consequência do incêndio referido em 3, as paredes ficaram enegrecidas, as portas, janelas, aduelas e aros ficaram danificados.
15- Os tectos dos vários compartimentos ficaram abaulados, com partes em falta e outras em vias de aluírem.
16- O sótão ruiu na sua quase totalidade e o que resta ficou calcinado.
17- Grande parte da cobertura ruiu e as zonas existentes ficaram calcinadas e com os vigamentos carbonizados.
18- Do quarto de trás o incêndio transmitiu-se ao sótão e deste ao telhado.
19- No telhado, alguns barrotes queimaram-se e outros encontram-se chamuscados, tendo-se partido cerca de 250 telhas.
20- Ardeu ainda o papel de parede, as aduelas e os aros das portas do quarto de trás e postigo de ligação com o quarto interior e o próprio tecto.
21 - O chão não ardeu.
22- As paredes necessitam de serem reparadas e pintadas e os tectos preparados, estocados e pintados.
23- Em consequência do incêndio, ficou afectada a instalação eléctrica.
24- O referido incêndio teve origem numa tomada, à qual se encontrava ligada uma televisão.
25- À data do incêndio, os danos provocados ascenderam a Esc. 10.450.000$00.
26- Os Réus não entregaram as chaves da casa para que os Autores procedessem à realização das obras de reparação dos estragos causados pelo incêndio.
27- Para evitar as infiltrações de águas das chuvas, foi colocada uma cobertura de lona sobre o telhado do prédio.
28- As infiltrações de águas das chuvas, não evitadas pela colocação da lona a que se refere a resposta anterior, causaram danos no prédio, de montante não apurado.
29- As obras necessárias à reconstrução do locado demoram dois meses e meio.
30- O valor locativo mensal da fracção situa-se entre 81.650$00 e 120.000$00.
O DIREITO.
(...)
II
Sendo o objecto e o âmbito dos recursos limitados pelas respectivas conclusões (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do C.P.C.) no essencial, são as seguintes as questões a resolver:
a) Relativamente à apelação dos autores:
- A questão do alegado erro na apreciação da prova, ou erro de julgamento, nomeadamente, em relação às respostas aos quesitos 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 10º, 16º e 19º da base instrutória;
- A invocada caducidade do contrato de arrendamento, por impossibilidade do gozo e utilização do imóvel pelos Réus, atentos os fins a que se destinava, em consequência do incêndio ocorrido no locado, e a sua eventual renovação.
- Pedido de indemnização por alegados danos emergentes e lucros cessantes.
- A procedência (ou não) do pedido reconvencional.
b) Relativamente à apelação destes (Réus):
- Também, o alegado erro na apreciação da prova, quer documental, quer testemunhal, designadamente, quanto à resposta ao quesito 13º da base instrutória;
- Procedência ou improcedência do pedido reconvencional.
- Pedido em que os réus foram condenados a pagar aos AA. (3.771.100$00) a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes do incêndio
- A alegada prescrição do direito à indemnização pedida pelos autores.
III
Vejamos a apelação dos AA.
(...)
2. No tocante à caducidade do contrato arrendamento:
Relativamente a essa matéria, dispõe o artº 66º, nº 1 do R. A. U. ( D.L. nº 321-B/90, de 15 de Outubro) que, “ sem prejuízo do disposto quanto aos regimes especiais, o arrendamento caduca nos casos fixados pelo artº 1051º do Código Civil (diploma a que se referem as disposições, a seguir, indicadas, sem menção de outra origem), estabelecendo a alínea e) deste último preceito que “o contrato de locação caduca pela perda da coisa locada”.
Como tem vindo a ser entendido pela doutrina e jurisprudência, e em relação à interpretação daquele normativo, há que distinguir-se entre a perda total e a perda parcial da coisa locada, sendo que apenas aquela integra a situação de caducidade do respectivo contrato de locação.
Todavia, a análise e distinção dessas situações não poderá ser feita através de um critério naturalístico, isto é, de um critério físico. Com efeito, para tal, necessário se torna considerar o conceito de contrato de locação, previsto no art. 1022º, bem como os fins a que a coisa locada se destina (art. 1027º). Portanto, a perda é total quando, em virtude de causa não imputável ao locador, o arrendado se tornar impossível para o fim contratado. Será apenas parcial quando o locatário pode ainda gozar, total ou parcialmente, a coisa arrendada para o fim a que se destinava, tal como ficou em consequência do incêndio.
Assim, “estando o locador obrigado pelo contrato a proporcionar ao locatário o gozo da coisa locada para um certo fim, pode afirmar-se que há perda total do imóvel arrendado quando o estado em que este ficou, como consequência de uma causa não imputável ao locador, por exemplo um incêndio, torna impossível o uso do mesmo pelo locatário para o fim convencionado” .“Haverá perda parcial quando o locatário pode ainda gozar, no todo ou em parte, a coisa arrendada para o fim a que a mesma foi contratualmente destinada” (v., neste sentido, Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, Almedina, 5ª ed., pag.s 418/419 e, ainda, Acórdão da Relação de Coimbra, de 9/11/89, Col. Jurisp., 1989, tomo V, pág. 103).
Portanto, verifica-se a caducidade do contrato de locação pela perda da coisa, quando esta não possa ser, total ou parcialmente, utilizada pelo locatário.
No caso sub judice, e como se mostra dos factos dados como provados, em consequência do aludido incêndio, as paredes do locado ficaram enegrecidas, as portas, janelas, aduelas e aros ficaram danificados; os tectos dos vários compartimentos ficaram abaulados, com partes em falta e outras em vias de aluírem; o sótão ruiu na sua quase totalidade e o que resta ficou calcinado; grande parte da cobertura ruiu e as zonas existentes ficaram calcinadas e com os vigamentos carbonizados; do quarto de trás, o incêndio transmitiu-se ao sótão e deste ao telhado; no telhado, alguns barrotes queimaram-se e outros encontram-se chamuscados, tendo-se partido cerca de 250 telhas. Além disso, também a instalação eléctrica do andar ficou afectada.
Aliás, dos relatórios de fls. 24, 25 e 40 facilmente se conclui que o andar não ficou em condições de ser habitado.
Por virtude de toda aquela situação, e destinando-se a casa a habitação dos réus, estes deixaram de poder continuar a viver no locado.
Com efeito, considerando-se o estado em que ficou aquela casa, ter-se-á de concluir que, em consequência do incêndio, ocorreu a perda total da fracção em questão (que é o que importa considerar), visto que tornou impossível o seu uso para o fim que foi objecto do contrato de arrendamento.
Aliás, como ficou provado, desde a data do incêndio, os Réus recusam entregar as chaves do locado aos autores, não obstante terem deixado de usar e fruir a fracção em causa.
Portanto, os RR não voltaram a ocupar o andar em virtude dos estragos resultantes do incêndio.
Alegam estes que deixaram de viver no andar após o incêndio apenas porque os autores não executaram as obras de conservação e de consolidação do prédio, sendo a impossibilidade dessa utilização meramente provisória, razão pela qual não se teria verificado a caducidade do arrendamento.
A verdade é que, como melhor se verá, os AA não estavam obrigados a realizar essas obras. A reconstrução do prédio incendiado não faz reviver o contrato de arrendamento, o qual ficou desde logo extinto.
3. Na sentença recorrida considerou-se que o contrato caducou em virtude da perda da coisa locada, nos termos do artigo 1051º, al. e).
Porém também se decidiu que o mesmo se renovou nos termos do artigo 1056º.
E isto porque, mesmo já depois do incêndio, e dos efeitos dele decorrentes, os senhorios do andar arrendado (ora AA.) continuaram a receber as rendas do locado, sendo que, por carta de 22 de Novembro de 1994, aqueles procederam ainda à sua actualização, para o ano de 1995, havendo continuado a receber as rendas, durante todo esse ano (de 1995), havendo voltado novamente a remeter aos réus uma carta, em Novembro de 1995, notificando estes da actualização da renda para o ano de 1996, sendo que ainda foi recebida pelo menos a renda referente ao mês de Janeiro desse ano (1996).
Além disso, tendo o incêndio ocorrido em Maio de 1994, durante o ano seguinte nunca o senhorio teria tomado qualquer atitude que demonstrasse oposição a que os RR continuassem a usufruir o locado. Pelo contrário, recebeu rendas, emitiu recibos e actualizou rendas.
Refere-se ainda na douta sentença que estes factos levaram os RR a crer que os AA não iriam exercer o direito de considerar caduco o contrato. E acrescenta-se: “a atitude dos AA configura-se como um venire contra factum proprium, ou seja, numa conduta anterior que, objectivamente, interpretada face à lei, bons costumes e boa fé, legitima a convicção de que o direito não seria exercido”.
E conclui-se no sentido de que, se o pedido de declaração de caducidade do contrato de arrendamento não estivesse abrangido pelo disposto no artigo 1056º do CC, violaria o disposto no artigo 334º do CC, pelo que deveria improceder.
Parece-nos, contudo, não ser assim.
Como se disse, o contrato caduca nos casos referidos no artigo 1051º.
Mas, nos casos previstos nas suas alíneas d) e) e f) a caducidade opera ope legis (ipso iure), ou seja, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, privada ou jurisdicional, tendente a extingui-la. É que a caducidade é a extinção automática do contrato, como mera consequência de algum evento a que a lei atribui esse efeito. E daí que o juiz nem declare a caducidade do acto, limitando-se a constatá-la.
Nos restantes casos referidos na lei (excepto por morte do inquilino, como é óbvio, ou extinção do locatário, salvo convenção em contrário) se, não obstante a caducidade, o locatário se mantiver no gozo da coisa locada pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado nas condições previstas no artigo 1054º. É que nestes casos o efeito extintivo só funciona “ope iudicis”. Quer dizer que a cessação do contrato não resulta do próprio evento que a determina, sendo necessário que o senhorio obtenha a respectiva declaração judicial (e daí a possibilidade da renovação destes contratos se o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, ao contrário do que acontece com os casos em que a caducidade opera ipso iure (em que não há necessidade de declaração judicial nesse sentido)
Para que se verifique esta renovação torna-se, pois, necessário que:
a)o locatário se mantenha no gozo da coisa locada, após a caducidade do arrendamento, pelo prazo de um ano;
b) Sem oposição do locador.
Ora, como vimos, os RR não se mantiveram na fracção arrendada após o incêndio, justamente porque não podiam fazê-lo em virtude do estado de degradação em que ficou.
Também já vimos que, neste caso, a caducidade opera ope legis.
Por isso, extinguiu-se imediatamente a obrigação do locador (art. 790º nº 1 do CC).
Pinto Furtado[1] escreve a este respeito: “os casos de caducidade esparsos pelas als. e) (perda da coisa locada) e f) (expropriação por utilidade pública que se não compadeça com a subsistência do contrato) do artigo 1051º- 1 do CC reconduzem-se à hipótese de direito geral da impossibilidade objectiva da prestação como causa de extinção das obrigações (art. 790-1 CC) de que não representam mais do que simples aplicações particulares”.
No mesmo sentido Pedro Romano Martinez in “Direito das Obrigações” (contratos) pág. 228.
As hipóteses previstas nestes casos não podem conduzir à renovação do contrato por falta de oposição do senhorio. E daí que não tenha cabimento a invocação da figura do abuso de direito. Aliás, só se pode falar em abuso de direito, quando se conclui pela existência deste.
Uma das obrigações do locador é assegurar ao locatário o gozo da coisa para o fim a que se destina (art. 1031º, b)). A verdade é que, em virtude do incêndio, sem culpa do locador, a fracção ficou inabitável e, por isso, o senhorio viu-se impossibilitado de proporcionar esse gozo.
Entretanto, é obrigação do locatário “restituir a coisa locada findo o contrato” (art. 1038º, i).
Quer isto dizer que, caducado o contrato, o inquilino deveria ter procedido à entrega do andar, o que não fez. É que, a perda da coisa locada produz, em qualquer caso, a caducidade com efeitos imediatos. “Em qualquer hipótese, a perda da coisa locada é um evento que se não compadece com o efeito retardado da caducidade do contrato” ( Pinto Furtado, in obra citada, pag. 435).
A perda da coisa locada impõe necessariamente a caducidade do contrato, nos termos gerais do artigo 790º, nº 1 do CC, pois a prestação tornou-se impossível por causa não imputável ao devedor. E se a perda é total, a obrigação do locador extingue-se desde logo. Deste modo (e para este efeito) não tem interesse averiguar o 2º requisito referido: fala de oposição do locador.
Estando o contrato extinto, o recebimento das rendas não pode ter a virtualidade de o fazer renascer. E nem se pode falar em novo contrato, por carência de objecto.
Conclui-se, pois, no sentido de que o contrato de arrendamento caducou, nos termos da alínea e) do artigo 1051º, à data do incêndio, em virtude de não poder ser habitado pelos RR, tornando-se, por isso, impossível a prestação do senhorio, e o recebimento das rendas em data posterior não conduz à sua renovação.
IV
Como vimos os AA pedem ainda:
1. A condenação dos Réus a pagarem aos Autores, nos termos do art. 1045º, nº 2 do Código Civil, o valor, em dobro, correspondente à quantia paga, a título de renda – Esc.7.644$00 – desde 1 de Setembro de 1994, até à restituição da fracção, que, no momento da apresentação da petição em Juízo, ascenderia a Esc. 733.824$00;
2. A condenação dos Réus a liquidarem aos Autores, a título de indemnização, pelos danos emergentes e lucros cessantes, resultantes da não restituição da fracção:
a) o valor correspondente à reparação dos danos causados nas fracções que compõem o prédio, provenientes das infiltrações de água nas mesmas, provocados pela impossibilidade de reparação da fracção e reconstrução da cobertura, no montante de Esc. 7.200.000$00;
b) o montante correspondente ao valor locativo do imóvel e não inferior a Esc. 135.000$00 mensais, desde 1 de Janeiro de 1995, até à efectiva entrega aos Autores do locado e que, na data da apresentação da petição, já totalizava Esc. 6.075.000$00.
Sobre esta questão foi decidido na sentença recorrida que não havia lugar a qualquer indemnização, em virtude de sobre os RR (por lapso escreveu-se autores) não impender qualquer dever de restituir o locado “já que, como ficou exposto, o contrato de arrendamento renovou-se, nos termos dos artigos 1056º e 1054º do C. Civil”.
Acontece porém, como se disse, que o contrato não pode considerar-se renovado, pelo que os RR devem proceder à sua entrega.
A questão está em saber se estes devem ser condenados a pagar aquelas ou outras quantias e desde quando.
Parece-nos que sobre esta questão há que ter em consideração os seguintes factos dados como provados:
Desde a data do incêndio, os Réus recusam entregar as chaves do locado aos Autores, não obstante terem deixado de usar e fruir a fracção em causa.
Em Novembro de 1994, os Autores remeteram aos Réus a carta para avisarem a actualização da renda para o ano seguinte
Em Novembro de 1995, os Autores remeteram aos Réus nova carta para avisarem a actualização da renda para o ano de 1996
O pedido das chaves, por parte dos Autores, em consequência da caducidade do contrato de arrendamento, teve por resposta, por parte dos Réus, o envio de uma declaração para os Autores assinarem, no sentido de que as chaves seriam entregues, única e exclusivamente, para efeitos de os Autores procederem a obras de reparação na fracção, assumindo estes o compromisso de as devolverem posteriormente.
Responderam os Autores com a carta de fls. 32.
Desde a data do incêndio, os Réus têm vindo a proceder ao pagamento da renda conforme docs. de fls. 56-101.
Os Réus não entregaram as chaves da casa para que os Autores procedessem à realização das obras de reparação dos estragos causados pelo incêndio.
Para evitar as infiltrações de águas das chuvas, foi colocada uma cobertura de lona sobre o telhado do prédio.
As infiltrações de águas das chuvas, não evitadas pela colocação da lona a que se refere a resposta anterior, causaram danos no prédio, de montante não apurado.
O valor locativo mensal da fracção situa-se entre 81.650$00 e 120.000$00.
Alegam os AA que desde a data do incêndio, os RR se recusaram a entregar as chaves da fracção.
E consta efectivamente da alínea E) da especificação que desde a data do incêndio, os Réus recusam entregar as chaves do locado aos Autores, não obstante terem deixado de usar e fruir a fracção em causa.
E provou-se ainda que o pedido das chaves, por parte dos Autores, em consequência da caducidade do contrato de arrendamento, teve por resposta, por parte dos Réus, o envio de uma declaração para os Autores assinarem, no sentido de que as chaves seriam entregues, única e exclusivamente, para efeitos de os Autores procederem a obras de reparação na fracção, assumindo estes o compromisso de as devolverem posteriormente, a que os AA responderam com a carta de fls. 32.
No entanto, como melhor se verá, a questão relativa à entrega das chaves não ficou muito clara, não obstante o que consta daquela alínea E)
Nos termos do artigo 1045º :
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignarem deposito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Portanto, se, por qualquer razão, a coisa locada não for restituída ao senhorio, logo que extinto o contrato, o arrendatário é obrigado a pagar-lhe quantia igual à renda que vinha sendo paga, como se o contrato continuasse em vigor, mas agora a título de indemnização (excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida). E bem se compreende esta solução, uma vez que o locatário continua a utilizar a coisa locada (por isso se trata de uma indemnização específica pela não restituição do prédio, portanto, de natureza contratual)[2].
Mas, logo que o locatário se constitua em mora, essa indemnização será elevada para o dobro. E os RR, não obstante a caducidade do arrendamento não entregaram a fracção ao senhorio.
Mas, ao contrário do que foi dado como provado, à data do incêndio, a renda era de 6.784$00 (fls. 56); em 1995 foi de 7.242$00 (fls. 64); e em 1996 é que era de 7.644$
Portanto os RR deverão pagar aos autores estas quantias, em dobro, tal como se refere no artigo 23 da PI e III do pedido (mas naqueles montantes em 1994 e 1995), desde 01.09.94 e até entrega efectiva (descontando-se as quantias já pagas)
Mais delicada é a questão relativa ao pedido feito supra sob o nº 2, ou seja, a título de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes, resultantes para os AA em virtude da não restituição atempada da fracção.
A referida indemnização, nos termos do artigo 1045º (pagamento da renda) parece não excluir a responsabilidade civil por outros danos, nos termos gerais.
Com efeito, como se decidiu no acórdão da RP, de 30.06.97 (CJ Ao 97, III, 225) (citado pelos AA) aquela indemnização não impede o (ex) senhorio de fazer valer contra o (ex) locatário os princípios da responsabilidade civil se a conduta deste, ao não lhe restituir o prédio findo o contrato, lhe causar danos.
Valerão aqui os princípios da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483º.
Em sentido diferente parece ter decidido o acórdão RP de 04.10.88 (CJ Ano 88, tomo IV, pag. 183) (e arestos nele citados), onde se faz uma abordagem da evolução da legislação e da jurisprudência sobre a matéria em causa.
O acórdão do STJ de 13.10.98 (disponível na Internet- mas apenas o sumário) decidiu: A indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada tem natureza contratual e apenas está de pendente do condicionalismo previsto no artigo 1045º do CC.
Quanto ao pagamento da “nova renda” (ou seja, ao “valor locativo actual”) que os autores poderiam obter após a reconstrução do prédio, parece-nos duvidoso que a acção pudesse proceder, uma vez que existe sanção específica para o efeito, como se viu, e os RR serão condenados a pagar o valor das rendas em dobro (art.1045º citado).
A verdade é que os ora apelantes nem sequer alegaram que pretendiam e que conseguiam arrendar o andar. Apenas se provou que “o valor locativo mensal da fracção situa-se entre 81.650$00 e 120.000$00”, o que é diferente. Os senhorios apenas alegaram que “dada a não restituição da fracção pelos RR, os AA viram-se igualmente impossibilitados de, após a sua reconstrução e reparação, procederem a novo arrendamento pelo que se viram privados de auferir do respectivo rendimento”.
Consequentemente, este pedido não poderá proceder (e também pelas razões que a seguir serão referidas em relação ao outro pedido de indemnização).
Quanto ao outro pedido: o valor correspondente à reparação dos danos causados nas fracções que compõem o prédio, provenientes das infiltrações de água nas mesmas, provocados pela impossibilidade de reparação da fracção e reconstrução da cobertura, no montante de Esc. 7.200.000$00.
Os AA alegam que se viram impossibilitados de proceder à reconstrução e cobertura do prédio, ficando este, por isso, sujeito à acção directa da chuva, sofrendo danos no montante de 7.200.000$00.
Antes de mais dir-se-á que a condenação apenas poderia ter lugar nos termos do artigo 661º do CPC, pois somente ficou provado: As infiltrações de águas das chuvas, não evitadas pela colocação da lona a que se refere a resposta anterior, causaram danos no prédio, de montante não apurado.
Mas há que ter em consideração o caso concreto, o qual sofreu vicissitudes várias e que, por isso, nos parece que, se se concluísse pela existência do requerido direito, se verificaria o seu abuso por parte dos AA no recebimento das quantias a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 334º.
Com efeito:
- E certo que se provou que desde a data do incêndio, os réus se recusam entregar as chaves do locado aos autores, não obstante terem deixado de usar e fruir a fracção em causa.
- A verdade é que o senhorio continuou a receber as rendas e a assinar os recibos, tendo mesmo procedido à sua actualização para os anos de 1995 e 1996. E embora venha provado que o senhorio continuou a receber as rendas até Dezembro de 1994, parece-nos que se trata de um lapso, pois, por um lado, estão juntos aos autos recibos de renda até Dezembro de 1995 (e de fls. 76 consta que se procedeu à actualização das rendas para 1996) e só consta dos autos que as rendas tenham sido recusadas em janeiro de 1997 ( de resto, os RR alegam que só em janeiro de 97 os AA deixaram de receber as rendas).
- Não se diz expressamente qual a data em que o senhorio exigiu do réu a entrega das chaves. E documentalmente apenas se prova que só em 20.01.97 foi exigida a entrega do andar ( e esta acção só foi proposta em 01.10.98). É nessa carta que os AA informam o R de que passarão a devolver os cheques para pagamento da renda (devolvendo mesmo um cheque com data de 20.01.97, no montante de 7.644$00 – renda actualizada para o ano de 1996).
- Como resulta dos docs. 9 e 10 (fls. 30 a 32) os RR disponibilizaram-se a entregar as chaves aos AA para que estes pudessem proceder à realização das obras (embora exigissem a sua devolução após a feitura dessas mesmas obras). De resto, os RR alegam que eles próprios fizeram algumas obras após o incêndio (artigos 24 a 28 da contestação).
Como estabelece o referido artigo 334º, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desde direito.
Ora, perante os factos referidos, parece-nos que os AA criaram nos RR a convicção de que o andar seria reparado e que eles poderia habitá-lo de novo (questão que não tem a ver coma renovação do contrato nos termos referidos em 1ª instância e a que já nos referimos).****
Por outro lado, parece-nos que, não obstante o referido, os AA até poderiam ter feito as obras, uma vez que o andar não se encontrava ocupado e os RR quiseram entregar as chaves para a sua realização.
Conclui-se, pois, no sentido de que o pedido não procede nesta parte.
V Quanto à procedência do pedido reconvencional dos réus:
Como já acima se referiu, estes pediram a condenação dos AA. a procederem à reconstrução do imóvel, de forma a que este pudesse tornar-se habitável, pelo menos em condições idênticas àquelas em que se encontrava, antes do incêndio.
Nessa parte reconheceu-se na douta sentença que a jurisprudência tem entendido que a reconstrução do prédio arrendado e destruído por um incêndio casual não pode ser imposta ao senhorio (invocando para tanto o acórdão da Relação de Évora, de 3/7/1980, B.M.J. 302-327).
Todavia, também se entendeu que neste caso se tratava de uma situação específica em que se verificou a renovação do contrato de arrendamento e em que o senhorio continuou a receber as rendas durante alguns meses.
Consequentemente, dada a renovação desse contrato, em conformidade com o disposto no art. 1031º, alínea b), o senhorio também seria obrigado a assegurar aos locatários, aqui apelantes, o gozo do locado, para os fins a que se destinava (habitação).
Porém, como dissemos, entende-se que o contrato não se renovou.
Como estabelece a alínea b) do artigo 1031º, é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que a mesma se destina. Para isso deverá realizar as reparações necessárias para assegurar o gozo da coisa locada, quer estas resultem do desgaste do tempo, quer resultem de caso fortuito ou de força maior.
Mas já não será obrigado a realizar obras resultantes de acto de terceiros ou do próprio inquilino.
E assim, decidiu o acórdão desta Relação, de 07.06.90 (CJ Ano 1990-3-137):
I - O senhorio não responde pelas obras de conservação do locado que não resultem de uma prudente utilização do mesmo; II- O arrendatário, em caso de destruição parcial do arrendado, consequência de incêndio, não é obrigado a proceder à sua reconstrução se a perda da coisa lhe não for imputável, nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela; III- O artigo 1044º do CC estabelece uma presunção de culpa por parte do locatário; IV- Em consequência, incide sobre este o ónus da prova de que a perda da coisa ocorreu sem culpa sua, devendo-se a caso fortuito ou de força maior ou qualquer outra causa que lhe seja alheia.
O senhorio é efectivamente obrigado a fazer no local arrendado as reparações destinadas a evitar a sua perda ou deterioração (artºs, 1031º b) e 1036º, nº 1). Todavia, não é obrigado a repô-lo no estado em que se encontrava antes de, por causa que não lhe é imputável, tornar impossível o seu uso por parte do arrendatário.
Tendo caducado o direito ao arrendamento nenhuma justificação haveria para que o senhorio realizasse as obras a fim de o inquilino reocupar a fracção.
VI
B) No que concerne à apelação dos Réus.
(...)
Finalmente, no que respeita ao montante indemnizatório em que os réus foram condenados a pagar aos AA. (3.771.100$00) a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes do incêndio e correspondente à parte dos danos não coberta pela indemnização liquidada ao abrigo do contrato de seguro contra incêndio), haverá que referir-se que, em conformidade com o disposto no artº 1044º, “o locatário responde pela perda ou deterioração da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela”.
Assim, em princípio, o arrendatário é responsável pela perda ou deterioração da coisa não imputáveis a uma prudente utilização. Mas já não o será se ele, ou terceiros a quem tenha permitido a sua utilização, não tiver dado causa a tais deteriorações.
Estabelece este preceito legal uma presunção de culpa por parte do locatário, o que significa que se presume ser ele responsável pela perda ou deterioração da coisa locada, neste caso pelo incêndio no local arrendado.
Tinha, pois, o ora réu/apelante o ónus de ilidir tal presunção, isto é, provar que a perda da coisa, ou seja os danos causados com o incêndio, ocorreram sem culpa sua.
No entanto, como resulta dos factos assentes, aqueles não lograram provar, para esse efeito, qualquer facto relevante, verificando-se precisamente o contrário. Daí que não tenham afastado a presunção de culpa que sobre eles recaía. Não provaram nomeadamente as origens do incêndio.
Assim, uma vez que os danos causados no locado ascenderam ao montante de 10.450.000$00 e os AA. receberam da Seguradora, por força do contrato de seguro existente, a quantia de 6.679.000$00, a título de ressarcimento daqueles danos, têm os Réus de pagar àqueles a importância de 3.771.000$00.
Alegam os Réus que competia aos AA. manterem actualizado o respectivo contrato de seguro, de modo a cobrir todos os riscos que pudessem decorrer do aludido incêndio.
Todavia, e salvo melhor opinião, essa questão nada tem que ver com o caso sub judice em que se não fez qualquer prova no sentido de que o incêndio fosse imputável aos autores ou que fossem eles responsáveis pelas suas consequências. Trata-se de uma questão a que são alheios.
E, quanto à invocada prescrição, independentemente da sua verificação, a verdade é que os Réus não a invocaram no tempo e local próprios (designadamente, na contestação, onde deve ser deduzida toda a defesa – artigo 489º do CPC). Além disso, tratando-se de um facto novo, que não é de conhecimento oficioso, não poderia ser apreciado em sede de recurso.
Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação dos RR e parcialmente procedente a apelação dos autores e em consequência:
a)Condenam-se os RR a restituírem aos autores a identificada fracção, livre e devoluta;
b)Condenam-se o RR a pagar aos AA, a título de indemnização, a quantia em euros correspondente a esc. 3.771.100$00, pelos prejuízos decorrentes do incêndio que ocorreu na referida fracção e correspondente à parte dos danos não coberta pela indemnização paga ao abrigo do contrato de seguro.
c)Condenam-se os RR a pagarem aos AA, nos termos do artigo 1045º do CC , o montante das aludidas rendas, em dobro, desde 01.09.94 e até entrega efectiva do andar( descontando-se as já pagas).
d) Absolvem-se os RR do pedido de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes que teriam resultado da não restituição atempada da fracção arrendada.
e) Absolvem-se os AA do pedido reconvencional.
Custas em ambas as instâncias por AA a RR na proporção do vencido
[1] Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, pag. 454. [2] Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 1045º do CC.
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Na parte que interessa ser aqui referido, há que sublinhar-se que, já depois do referido incêndio, e dos efeitos dele decorrentes, os senhorios do andar arrendado/AA. continuaram a receber as rendas do locado, sendo que, por carta de 22 de Novembro de 1994, aqueles procederam ainda a sua actualização, para o ano de 1995, havendo continuado a receber as rendas, durante todo esse ano (de 1995), havendo voltado novamente a remeter aos réus uma carta, em Novembro de 1995, notificando estes da actualização da renda para o ano de 1996, sendo que ainda foi recebida a renda referente ao mês de Janeiro desse ano (1996).
É certo que - e sendo esta uma questão fundamental - após o incêndio, e por virtude do estado em que ficou o imóvel, os réus deixaram de ali habitar efectivamente. Mas a verdade é que, sem qualquer oposição dos senhorios/AA., antes pelo contrário, continuaram a dele poderem dispor inteiramente, isto é, sem qualquer restrição, ainda que nas condições em que se encontrava, o que, como se disse, se comprova claramente pela conduta destes, já acima descrita; ou seja, por banda dos réus/inquilinos, estes, ao agirem daquela forma, designadamente, quanto ao pagamento de todas as rendas do locado, durante todo aquele período de tempo (mais de dezoito meses), e sublinhe-se, com as actualizações pretendidas pelos AA./senhorios, e que por estes também foram aceites/recebidas, mostraram, inequivocamente, que continuavam a querer dispor do arrendado e, assim, a continuação e/ou renovação do respectivo contrato de arrendamento.
Não se tratou, pois, e apenas, do recebimento, por parte dos AA./senhorios do imóvel, de um ou outro recebimento pontual de rendas, embora já após a ocorrência do incendio (como parece quererem os AA. fazer alusão), mas sim de uma situação continuada e duradoura, sem qualquer interrupção (durante mais de dezoito meses), incluindo-se, como já se salientou, quanto aos aumentos de renda (estes decorrentes das respectivas actualizações legais e por aqueles requeridos/reclamados), o que não pode ser entendido como "um lapso", quanto aqueles aumentos de renda, isto, aliás, independentemente do facto de não haver sido dada como provada, nessa parte, a alegação dos AA.
Os Réus criaram, portanto, uma expectativa legitima, no sentido de que, não obstante o locado haver ficado naquelas condições (motivadas pelo incêndio), os AA./senhorios viriam a realizar as obras indispensáveis para tornar novamente habitável o arrendado.
Ora, relativamente a esta matéria, dispõe o art. 1056° que "Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado nas condições do art. 1054°". No caso em apreço, dado que, como se disse, o incêndio ocorreu em Maio de 1994, durante muito mais de um ano, nunca os senhorios do andar em causa tomaram qualquer atitude, que demonstrasse qualquer oposição, quanto aos réus continuarem a usufruir do locado. Neste sentido, há que sublinhar-se que, como se disse, os senhorios não só continuaram a receber, durante todo aquele período de tempo, as rendas do locado, como também procederam a sua actualização para os anos de 1995 e 1996.
Daí que, legitimamente, e no seguimento do já acima referido, tivessem criado nos réus, também aqui apelantes, a convicção segura de que aqueles não iriam exercer o direito de considerarem caduco o contrato de arrendamento. Por isso, a atitude dos AA./senhorios e apelantes configura-se como um venire contra factum proprium, isto é, numa conduta anterior que, objectivamente interpretada face a lei substantiva, aos bons costumes e boa fé, legitima a convicção de que o direito não seria exercido e que, portanto, se verificava a renovação do contrato (v., nomeadamente, Acórdão da Relação de Évora, de 19/4/90, B.M.J., 396°-453 e Vaz Serra, in Rev.. Legisl. Jurisp., 104°-383);
Destarte, entende-se que houve renovação do contrato de arrendamento, com os efeitos legais daí decorrentes.
E, não obstante os réus/locatários não terem continuado a viver/habitar ali, não pode entender-se/concluir-se que - naquelas circunstâncias específicas, note-se - não existia o objecto do arrendamento, sendo que a renovação do contrato não implicava, necessariamente, que, nessa altura, tivessem de ali habitar, situação que se encontrava "suspensa", como se disse, até a realização das obras pelos senhorios.
De resto, um entendimento contrário ao supra expendido, dado que os AA. conheciam, desde logo, todos os factos relativos ao aludido incêndio, bem como aos efeitos dele decorrentes, dir-se-ia que, de harmonia com o disposto no art. 334°, e como também é referido na sentença apelada, integraria uma situação de efectivo abuso de direito (o qual, para além de haver sido invocado pelos réus/apelantes, também é do conhecimento oficioso do Tribunal).
No tocante a procedência do pedido reconvencional dos réus:
Como já acima se referiu, estes pediram a condenação dos AA. a procederem a reconstrução do imóvel, de forma a que este possa ser habitável, pelo menos, em condições idênticas aquelas em que se encontrava, antes do incêndio.
Nessa parte, e como também resulta de alguma jurisprudência que se conhece, dir-se-á que, em princípio, o senhorio não será obrigado a proceder a reconstrução do prédio arrendado, que foi objecto de incêndio, quando este não é imputável aquele (v., neste sentido, Acórdão da Relação de Évora, de 3/7/1980, B.M.J. 302-327).
Todavia, neste caso, trata-se de uma situação específica em que, como já acima se viu, se verifica a continuação e/ou renovação do contrato de arrendamento que vinha existindo.
Consequentemente, dada a renovação desse contrato, em conformidade com o disposto no art. 1031°, alínea b), o senhorio também é obrigado a assegurar aos locatários/inquilinos, aqui apelantes, o gozo do locado, para os fins a que se destina (habitação).
Com efeito, mesmo no caso de se tratar de "grandes reparações", ou outras despesas essenciais, tal como se configura a situação em apreço, ainda assim, e estando na origem da situação a ocorrência de um caso fortuito/acidental, que não pode ser analisado sem a sua directa ligação, como se disse, a renovação do contrato de arrendamento, o senhorio é obrigado a proceder as que forem indispensáveis, visando assegurar o gozo da coisa locada, atentos os fins contratuais (v., designadamente, Acórdãos da Relação de Coimbra, de 10/10/89, B.M.J., 390°-471; da Relação do Porto, de 22/3/90, Col. Jurisp., 1990, tomo 2, pág.210).
Por outro lado, há que salientar-se que, neste caso concreto, também não poderá invocar-se um desequilíbrio, uma substancial desproporção, entre as prestações de ambas as partes (os AA. assegurarem as condições necessárias aos Réus para estes continuarem a habitar no locado e estes o pagamento das respectivas retribuições/rendas), dado que, como também se mostra provado - visto que os danos provocados ascenderam a 10.450.000$00, sem prejuízo de, em termos actuais, eventualmente, poder verificar-se alguma alteração (quiçá para mais) - aqueles já receberam da respectiva Seguradora do prédio, a título de ressarcimento dos referidos e respectivos prejuízos/danos, o montante de 6.679.000$00 e como, a seguir, também vai ser mencionado, deverão os réus ser condenados no pagamento aqueles da parte restante.
Atente-se que os AA. receberam aquela quantia da seguradora apenas em consequência da ocorrência daquele incêndio, nao se entendendo que pretendessem receber dos Réus a totalidade do valor correspondente aos danos, visto, nessa parte, só a Seguradora caberia, se caso disso, note-se, vir a accionar estes, no âmbito de um eventual direito de regresso.
Daí que, com fundamento no facto de ser imposta aos AA. a obrigação de procederem aquelas reparações, não possa ser invocada, com fundamento aceitável e plausível, nenhuma situação que configure abuso de direito (art° 334°).
É claro que, no caso de, após a realização daquelas obras, se poder vir a verificar uma situação que possa justificar um aumento de rendas, o que se vislumbra como provável, a verdade é que tal questão não tem de ser aqui, sequer - como também não existem fundamentos concretos para tal -, apreciada; trata-se, sim, de uma outra situação que só na altura própria poderá ser equacionada, que não nos presentes autos.
E, quanto aos restantes factos/argumentos invocados pelos AA./apelantes nas conclusões, obviamente que aqueles já se encontram prejudicados pelas soluções supra expendidas (art. 660°, n° 2 do C.P.C.).
Finalmente, no que respeita ao montante indemnizatório em que os Réus foram condenados a pagar aos AA., haverá que referir-se que, em conformidade com o disposto no art. 1044°, "O locatário responde pela perda ou deterioração da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela".
Destarte, tinha o locatário - aqui Réus/apelantes - o ónus de provar que a perda da coisa, isto é, os danos causados com o incêndio, ocorreram sem culpa sua. No entanto, como claramente resulta dos factos assentes, aqueles não lograram provar, para esse efeito, qualquer facto relevante, verificando-se precisamente o contrário. Daí que não tenham afastado a presunção de culpa que sobre eles recaia.
Assim, uma vez que os danos causados no locado ascenderam ao montante de 10.450.000$00, e visto que, como também já acima se disse, os AA. receberam da Seguradora, por força do contrato de seguro existente, a quantia de 6.679.000$00, a título de ressarcimento daqueles danos/prejuízos, é claro que tem os Réus/apelantes de pagar aqueles a importância de 3.771.000$00.
Alegam os Réus que cumpria aos AA. manterem actualizado o respectivo contrato de seguro, de modo a cobrir todos os riscos que pudessem decorrer do aludido incêndio.
Todavia, essa questão só poderia colocar-se, no caso de se mostrar provado que foram aqueles que deram causa a qualquer situação que tivesse dado origem ao incêndio, ou que existisse presunção de culpa contra eles, o que, como se verifica do já expendido, não é o caso em apreço.
E, quanto a invocada prescrição, embora seja de entender-se que, neste caso, não se verifica essa excepção peremptória, a verdade é que, na oportunidade (designadamente, na contestação), os Réus não a invocaram; por isso, tratando-se de um facto novo, nesta fase processual, não pode esta Relação apreciá-lo.
Em conclusão: entende-se que, nos termos indicados, deveria ser confirmada a sentença apelada.