ACÇÃO DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
VENDA JUDICIAL
Sumário

O trespasse de estabelecimento comercial não envolve a constituição do trespassário na responsabilidade pelo passivo, a menos que tenha havido declaração de vontade, por parte dele, nesse sentido.
Efectuada no âmbito de processo executivo movido contra o arrendatário a penhora “do direito ao trespasse e arrendamento”, tal não interfere no direito do senhorio de receber as rendas.
O adquirente do direito ao “trespasse e arrendamento” entretanto vendido na acção executiva não é responsável pelo pagamento das rendas anteriores à venda judicial, improcedendo a acção de despejo contra si intentada com fundamento na falta de pagamento das rendas em data anterior a essa venda.
Nesta conformidade não poderá o senhorio recusar o pagamento das rendas pelo novo arrendatário, com esse mesmo fundamento.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

A propôs contra M acção declarativa de condenação (despejo), com processo ordinário.

Para tanto, o A. invoca a qualidade de proprietário de um conjunto de armazéns situado em Sintra
Desse conjunto, os armazéns assinalados pelos nºs 1, 2, e 5 foram dados de arrendamento pela antiga proprietária, mãe do ora A. a quem este sucedeu por morte, a S.
Os estabelecimentos que a arrendatária S tinha istalados nos referidos armazéns vieram a ser penhorados pela Repartição de Finanças de Sintra e adquiridos por E, que, por via dessa aquisição, ficou constituída na qualidade de locatária desses espaços.
Entretanto, a partir de 1/7/95, E deixou de pagar quaisquer rendas pela utilização dos aludidos armazéns, as quais se cifravam então em 42.009$00 para o armazém nº 5 e em 59.096$00 para os armazéns nºs 1 e 2 conjuntamente, não tendo sido posteriormente objecto de aumento.
Por ofício de 16/12/99 da 1ª Repartição de Finanças de Sintra, o A. veio a tomar conhecimento que, em 11/11/99, os estabelecimentos da E sitos nos armazéns em causa haviam sido penhorados no âmbito de uma execução fiscal.
Por requerimento que deu entrada em 30/12/99 na mesma Repartição de Finanças, o ora A. comunicou que as rendas devidas pela ocupação dos referenciados armazéns não eram pagas desde Julho de 1995 e que tal situação constituía fundamento de despejo.
Em 6/4/2000, o A. comunicou à referida Repartição de Finanças que se mantinham em atraso todas as rendas até esse mês.
Por fim, o A. veio a ser notificado da aquisição pela ora R. do estabelecimento sito nos armazéns nºs 1 e 2.
Na sequência dessa aquisição, a R. comunicou ao A., por carta datada de 27/6/2000, que adquirira o estabelecimento e solicitou a emissão de recibos em seu nome, ao que o A. respondeu, em 3/7/2000, comunicando o valor da renda, o local de pagamento e as rendas que se encontravam em dívida.
 A R. enviou ao A. a quantia correspondente a uma renda e ao valor que disse ser de caução, num total de 100.464$00, pagamento esse que o A. devolveu, por se encontrarem rendas anteriores em dívida.
Em 27/7/2000, o A. foi notificado do depósito pela R. na CGD da quantia de 150.695$00, englobando uma renda (sem indicar o mês), caução e indemnização no valor  de 50%.
Tendo em atenção que o senhorio tem o direito de recusar o recebimento das rendas, nos termos do art. 1041º nº 3 do CC, enquanto houver rendas em atraso, o depósito da renda é, nas circunstâncias em que foi efectuado, irrelevante.                      
Considera o A. que a situação descrita é de molde a justificar a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, no momento e local próprios, ou de depósito liberatório, nos termos do art. 64º al. a) do RAU.

Em termina o autor pedindo:
A) que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento relativo aos referidos armazéns nº 1 e 2, por falta de pagamento das rendas vencidas no ano anterior à propositura da acção, isto é desde Agosto de 1999; 
B) a condenação da R. no pagamento à A. das rendas vencidas desde 1/7/95 e não pagas até à entrega do arrendado, as quais, até Agosto de 2000 inclusive, somam 3.723.048$
C) A declaração do depósito de rendas efectuado pela R. como insubsistente e irrelevante.
**
A R. contestou, sustentando, no essencial, que, com a aquisição da posição da arrendatária dos armazéns em causa, não se lhe transmitiu o passivo da anterior locatária.
Tal transmissão, defende a R., só ocorre quando o adquirente tenha assumido a obrigação de pagamento do passivo, o que não sucedeu no caso em apreço.
Portanto, a R., por via da aludida aquisição, não ficou constituída devedora das rendas anteriormente vencidas, que a primitiva arrendatária tenha deixado de pagar e que só a esta podem ser exigidas.
Assim sendo, não assistia ao A. o direito de recusar a renda cujo pagamento lhe foi oferecido pela R., pelo que esta, em face dessa recusa, procedeu ao depósito das rendas na CGD conforme lhe incumbia.
Conclui, pugnando pela improcedência da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.

O A. impugnou os depósitos efectuados pela ré.

No despacho saneador foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

Desta decisão recorreu o autor, que formulou as seguintes conclusões:

1 – O recorrente formulou, na acção dois pedidos distintos:
- um primeiro, na condenação da recorrida inquilina na resolução do contrato de arrendamento de dois armazéns, titulado por escritura de 1 de Setembro de 1978, de que a recorrida passou a ser titular por aquisição do estabelecimento comercial, em  que se integravam, por venda judicial em junho de 2000, como fundamento quer na falta de pagamento de rendas após a venda judicial, quer por o posterior depósito delas não ser liberatório, já que a oferta de pagamento de rendas  pode ser licitamente recusada pelo recorrente senhorio, como o foi, nos termos do art. 1041º  nº 3 do código civil, por existirem rendas em divida, ainda que devidas pelo inquilino trespassante:
- Outro, na condenação da actual inquilina no pagamento das rendas vencidas e não pagas até à data da venda judicial (e naturalmente nas rendas posteriores) de que passou a ser devedora em virtude de ter adquirido o estabelecimento, abrangendo tal arrendamento, por trespasse ou por venda judicial (artº 115º do RAU) estando tais rendas nele incluídas...
2 – Os pedidos são distintos e autónomos um do outro, e envolvem questões diferentes, que todavia a sentença recorrida não considerou e decidiu apenas um.
3 – A aquisição de um estabelecimento em processo executivo reconduz-se no essencial e para o que  caso interesse , à figura negocial do trespasse.
4 – Mesmo que se admita que com  o trespasse não houve transmissão do passivo, a verdade é  que, infringindo o inquilino o contrato de arrendamento, a transmissão da sua posição contratual de inquilino não impede o senhorio de obter a resolução do contrato de arrendamento, com base em infracção anterior a sua transmissão.
5 – No que respeita especificamente ao pagamento das rendas, este é a primeira e principal obrigação do inquilino, é o direito mais importante do senhorio, é essencial e estruturante do próprio contacto de arrendamento.
Por isso, no caso da infracção ao arrendamento constituir falta de pagamento de rendas, a lei foi mais longe, conferindo não só essa possibilidade de reacção pela acção de despejo, mas também conferindo ao senhorio expressamente, o direito de se poder opor ao recebimento de novas rendas, se outras anteriores estiverem em falta (artº 1041º, nº 3 do CC).
Tal direito é válido para qualquer inquilino titular do arrendamento, pois a lei não o restringiu
6 – No caso de cedência, por trespasse, ou venda judicial, como é óbvio e por definição, tal direito do senhorio só é materialmente oponível e só tem como destinatário, o cessionário, o transmissário.
De outra forma seria mesmo um contra-senso o senhorio  ser obrigado a aceitar as rendas do novo inquilino, o trespassário, e simultaneamente ter o direito de fazer extinguir o mesmo contrato de arrendamento que passou a cumprir por falta de pagamento de rendas anteriores, do trespassante, quando a lei, justamente, lhe permite recusar o recebimento de novas rendas por as anteriores estarem em falta...
Não pode entender-se que o mesmo contrato de arrendamento, mantendo o  mesmo titular, o senhorio, se tem como cumprido ou não cumprido, quanto ao pagamento das rendas, consoante o outro contraente, o inquilino, for um, o transmitente, ou for outro, o transmissário.
É o próprio contrato em si que é que se tem por cumprido ou não cumprido, independentemente do inquilino que é em dado momento o titular.
7 – A possibilidade de o senhorio recusar o recebimento de rendas pelo novo inquilino decorre ainda do facto de ele ser um sucessor do transmitente que adquire um contrato não cumprido e com características que ele possuía, como tem sido decidido pelo STJ, pelo seu Acórdão de 10.05.1988, sumariando na Tribuna da Justiça, nº 34, pag. 42, que “transmitido o direito ao arrendamento por trespasse, o adquirente sucede ao transmitente, mantendo o arrendamento todos os vícios de que porventura venha inquinado”.
Igualmente “transferido por trespasse o estabelecimento comercial, a posição de arrendatário transmitiu-se para o trespassário tal como ela existia no trespassante, portanto com todos os direitos e deveres” (acórdão da Relação do Porto de 26.09.91, BMJ 409-871).
8 – Por outro lado, havendo penhora de estabelecimento comercial, (p. ex. Ac. R.L. 20.02.70, J.R. 16-63, Ac. da R.E. de 23.01.86, B.M.J. 355- 451, A.R.L. 06.07.89, C.J. 1989, 4º-119, Ac. S.T.J. 30.04.91, B.M.J. 406-580) o senhorio continua a ter o direito ao recebimento das rendas, e o seu não pagamento permite a resolução do arrendamento pelo senhorio, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas, antes ou depois da penhora, mesmo que o arrendamento venha a ser arrematado judicialmente.
9 – O recorrente, na qualidade de senhorio, foi notificado no processo executivo da penhora do estabelecimento industrial, tendo, como lho impunha o art. 856º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, dado conhecimento, no processo e no prazo legal, que a inquilina executada não pagava as rendas pelo arrendamento dos dois armazéns que integravam o estabelecimento penhorado, informação que, aliás, reiterou o processo.
Pelo que também por este motivo a transmissão judicial do arrendamento assumiu o conteúdo que no próprio processo continha.
10 – Penhorado o estabelecimento comercial do inquilino do recorrente , foi nele designado como depositário judicial o gerente da recorrida, e este no exercício das suas funções não procedeu ao pagamento de qualquer renda, pelo que também por este facto há incumprimento do contrato.
Todavia, é precisamente a sua sociedade de que o depositário é sócio gerente que adquire o estabelecimento, incluindo o referido arrendamento e oferece o pagamento, o que é claramente abusivo.
11 – O segundo pedido formulado pelo recorrente, independente do primeiro, consiste na condenação da recorrida no pagamento de todas as rendas em atraso até à venda judicial por lhe terem sido transmitidas como efeito do trespasse.
 O trespasse é a transferência do estabelecimento comercial ou industrial, entendido como “universitas juris”. É essencial para haver trespasse a transmissão do estabelecimento como universalidade, isto é como complexo ou unidade económica, como um todo.
Os elementos do passivo são também incluídos na transmissão, se não forem expressamente incluídos, designadamente os que forem a contrapartida dos activos.
Não havendo concordância do credor, ou não sendo prestada a sua ratificação, o antigo devedor não fica exonerado (art. 595º, nº 2 do Cód. Civil).
12 – A decisão recorrida violou o disposto no art. 64º – 1, alínea a) e art. 22º – 1 do R.A.U., o 1041º – 3 do Cód. Civil, e o art. 115º do R.A.U., pelo que, em provimento do recurso, se requer a sua revogação e substituição por outra que condene a recorrida na resolução do arrendamento em causa por não existir pagamento válido das rendas após a aquisição judicial do estabelecimento, não sendo liberatórios os depósitos de rendas feitos posteriormente, bem como condenando a recorrida nas rendas vencidas até à venda judicial, por incluídas nesta venda.

A apelada pede a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.


Com base no acordo das partes e nos documentos juntos a fls. 8 a 26, 33 a 49 e 65 a 69, em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos, que não vêm postos em causa e são de aceitar:

1. O A. é dono de um conjunto de armazéns ......todos eles contíguos e cuja localização resulta da planta junta a fls. 8, que aqui se dá por reproduzida.
2.Tais armazéns são designados pelos nº 1, 2, 3, 5 e 7 e mostram-se descritos na respectiva matriz urbana sob os arts... respectivamente.
3. Por contrato datado de 4/3/80, A deu de arrendamento a S o armazém nº 5, pelo período de um ano e com início em 1/12/79, para o exercício da indústria e armazenagem de materiais e equipamentos de construção civil, tendo as partes convencionado o foro da comarca de Lisboa como o competente para os litígios emergentes desse contrato.
4. Por contrato datado de 1/9/78, Al deu de arrendamento a S os armazéns nºs 1 e 2, pelo período de um ano renovável, para o exercício da indústria de materiais de construção civil, mediante uma renda única para os dois armazéns, tendo as partes convencionado o foro da comarca de Lisboa como o competente para os litígios emergentes desse contrato
5. O A. sucedeu a sua mãe, por óbito desta, na propriedade do referidos armazéns, em 3/5/90
6. A renda pela utilização dos armazéns nºs 1 e 2, conjuntamente, monta em Agosto de 2000 em 59.096$00
7. No âmbito da execução fiscal nº 1562-98/102573.2 e respectivos apensos, em que foi executada E foi penhorado o estabelecimento industrial destinado a armazém, sito na Estrada..., no edifício inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Terrugem, sob os artigos ... propriedade de F a quem é devida a renda mensal de 59.096$00, o qual estabelecimento inclui todo o recheio, móveis, utensílios e equipamentos, nomeadamente um aspirador, um empilhador (avariado), duas máquinas misturadoras com cubas, dois carros de mão com motor e um sem motor, uma balança para até 150 kgs e outra para até 50 kgs
8. Foi constituído fiel depositário do bem penhorado Luís, gerente da ora R
9. Em 14/6/2000, no âmbito da mesma execução fiscal, a R. adquiriu o estabelecimento sito nos aludidos armazéns nºs 1 e 2, pelo preço de 2.389.000$00, os quais lhe foram adjudicados.
10. Por carta datada de 27/6/2000, a R. comunicou ao A. que havia adquirido o estabelecimento, pedindo a emissão de recibos de rendas em seu nome.
11. Por carta datada de 4/7/2000, a R. remeteu ao A. um cheque no valor de 100.464$00, destinado ao pagamento de renda e caução relativas aos armazéns nºs 1 e 2, sem indicação de mês.
12. O A., por carta datada de 12/7/2000, devolveu à R. o cheque que esta lhe remetera, recusando a sua aceitação, por se encontrarem rendas anteriores em dívida.
13. Em 27/7/2000, foi o A. notificado do depósito pela R. na CGD do montante de 150.695$00, relativo a renda mensal, caução e indemnização de 50%.
14. A R. efectuou os depósitos titulados pelos documentos reproduzidos a fls. 65 a 69, cujo teor se dá por transcrita.

O DIREITO.
I
Nos termos do art. 64º al. a) do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15/10, constitui fundamento da resolução do contrato de arrendamento a falta do pagamento da renda, por parte do locatário, no tempo e lugar próprios, ou da constituição de depósito liberatório.
Por seu turno, o art. 1041º nº 3 do CC confere ao locador o direito de recusar o recebimento das  rendas, enquanto não lhe tiverem sido pagas as que estiverem em atraso acrescidas de uma indemnização correspondente a 50% do seu valor.
E resulta dos factos provados que a R., em 14/6/2000, no âmbito de uma execução fiscal, adquiriu o estabelecimento sito nos aludidos armazéns nºs 1 e 2, os quais lhe foram adjudicados, ficando, por isso, constituída na qualidade de arrendatária desses mesmos espaços.
Foi referido na douta sentença:
A aquisição, em venda executiva, de um estabelecimento comercial deve ser reconduzida à figura negocial do trespasse.
O trespasse é um negócio complexo, através do qual se transmite a titularidade de um estabelecimento comercial, enquanto universalidade jurídica, podendo incluir, quando o estabelecimento transmitido funcione em espaço arrendado, a transmissão da posição contratual do trespassante no respectivo arrendamento – art. 115º do RAU.
O que importa averiguar é se o trespassário, ao adquirir o estabelecimento, fica, pelo simples efeito de tal aquisição, constituído na obrigação de solver o passivo contraído pelo trespassante.
A jurisprudência tem vindo a responder a tal questão no sentido de que a responsabilidade pelo passivo não se transmite automaticamente por efeito do trepasse, mas antes exige, para poder ter lugar, uma assunção, por parte do adquirente – vd. nesse sentido Acórdãos da Relação do Porto de 14/1/93 (CJ, 1993, tomo 2º, pág. 178) e do STJ 30/4/96 (CJ/STJ, 1996, tomo 2º, pág. 42).
E na verdade foi decidido neste último acórdão do STJ: 
I - Não são sinónimos a transmissão do activo do estabelecimento e a transmissão deste como universalidade; e, em nenhuma universalidade, como tal, se dá o fenómeno de ficar obrigado a pagar o passivo quem adquirir o activo.
IV - Igualmente se não transmite o passivo do estabelecimento se não houve contrato entre o transmissário e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
Neste mesmo sentido pode ver-se Aragão Seia (aliás, relator deste acórdão) in “Arrendamento Urbano”, pag 542.
Também neste sentido foi decidido no  acórdão do STJ de 15.03.94 (CJ-stj, ano II, 1º, 159): “a transmissão do estabelecimento pelo trespasse não implica igualmente a transmissão do passivo, salvo se o adquirente assumir a obrigação do seu pagamento”. 
A este propósito escreveu o Cons. Aragão Seia na citada obra: “caso à parte constitui a dívida de rendas das instalações do estabelecimento ao tempo do trespasse válido e eficaz em relação ao senhorio, que não é da responsabilidade do trespassário, mas sim do transmitente. Deve ser-lhe exigida em processo próprio. O passivo não pode ser transmitido  sem o consentimento do credor- artºs. 424º, e 595º, nº 1 do CC.”
Depreende-se do que fica dito que o trespasse não envolve a constituição do trespassário na responsabilidade pelo passivo, a menos que tenha havido declaração de vontade, por parte dele, nesse sentido.
Se é assim no caso da transmissão do estabelecimento comercial por meio de trespasse, por maioria de razão o será na venda desse estabelecimento em processo judicial.
Entretanto, o apelante cita o ac. TRP de 26.09.91 (BMJ 409-871) no sentido de que transferido por trespasse o estabelecimento comercial, a posição de arrendatário transmite-se para o trespassário tal como ela existia no trespassante, portanto com todos os direitos e deveres. E cita ainda outras decisões da jurisprudência no sentido de que o senhorio continua a ter direito ao recebimento das rendas, e que o seu não pagamento permite a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas, antes ou depois da penhora, mesmo que o arrendamento venha a ser arrematado judicialmente.
Todavia, nenhuma dessas decisões versa caso igual a este, ou seja,  uma acção proposta contra o adquirente do estabelecimento comercial no âmbito de uma execução fiscal por dívidas anteriores à data da arrematação (in casu, mais concretamente, a venda foi feita por proposta em carta fechada e o fundamento da acção é a falta de pagamento de rendas em data anterior à adjudicação ao adquirente do direito penhorado)
A questão que se coloca é a seguinte:
No âmbito de uma execução fiscal foi penhorado um estabelecimento comercial do qual faz parte o direito ao arrendamento (fls. 33)
As rendas não eram pagas desde data anterior à penhora, facto de que o senhorio deu conhecimento à Repartição de Finanças em data anterior à venda (fls. 32);
Em 14/6/2000, no âmbito da referida execução fiscal, a R. adquiriu o aludido estabelecimento por proposta em carta fechada.
Por carta datada de 27/6/2000, a R. comunicou ao A. que havia adquirido o estabelecimento, pedindo a emissão de recibos de rendas em seu nome;
por carta datada de 4/7/2000, a R. remeteu ao A. um cheque no valor de 100.464$00, destinado ao pagamento da renda e caução relativas aos armazéns que lhe foram adjudicados;
A A., por carta datada de 12/7/2000, devolveu à R. o cheque que esta lhe remetera, recusando o seu recebimento com o fundamento de se encontrarem em dívida rendas anteriormente vencidas;
Depois de efectuada a venda foi proposta a presente acção de despejo contra o comprador, com fundamento na falta de pagamento daquelas rendas;
II
Será o comprador responsável pelo pagamento das rendas relativamente a data anterior à venda judicial? E neste caso poderia a acção de despejo  ser julgada procedente com esse fundamento?
Vejamos.
Como estabelece o nº 1 do artigo 115º do RAU “é permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência de autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial”.
O trespasse do estabelecimento comercial é um negócio jurídico de direito privado entre trespassante e trespassário. Pelo contrário, no caso sub judice o dono do estabelecimento não teve qualquer intervenção na venda. Porém, havia sido notificado da penhora, na qualidade de senhorio, o qual se pronunciou, apenas dizendo (na parte que agora interessa) que as rendas não eram pagas desde 1995 (fls. 28 e 29).
Portanto, não estamos perante um caso de venda de direito litigioso (artº 858º do CPC). Além disso poderia o senhorio ter exercido o direito de preferência  (artº 116º do RAU e 896º do CPC).
É discutível a natureza jurídica da venda em execução. E tem-se mesmo entendido que, no essencial, é equiparada à venda privada como nos dá conta o acórdão do STJ de 15.03.94 já referido e Lebre de Freitas in “A Acção Executiva” pág 283 e 284. E em data já muito antiga pode ver-se Alberto dos Reis  in  ROA, Ano 1º (3º e 4º trimestres) pág. 410 a 450. Todavia, Lebre de Freitas, depois de estabelecer algumas diferenças, conclui que se trata de um contrato especial de compra e venda com características de acto de direito público.
Parece-nos que efectivamente existem algumas diferenças importantes.
Na venda judicial, esta é feita pelo tribunal (órgão do Estado, no exercício da função judicial) apresentando-se, por isso, como um acto de direito público, para a qual pouco ou nada conta a vontade do vendedor; na venda privada impera a vontade das partes, podendo estas, dentro dos limites da lei, incluir no contrato as cláusulas que lhes aprouver (artº 406º do CC); veja-se, por exemplo, o preceituado no artigo 824º, nº 1 do CC: “a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida” ; daí que o comprador passe a ser titular desse direito, nomeadamente, no caso sub judice, o direito ao arrendamento. Todavia, o nº 2 do mesmo artigo estabelece as circunstâncias em que os bens são transmitidos. E dele resulta que na venda em execução o comprador pode adquirir  mais direitos do que o vendedor lhe poderia transmitir na venda privada. Outra diferença importante verifica-se, por exemplo, nas causas de anulação da venda (arts. 908º e 909º do CPC).

Na venda judicial, “o direito ao trespasse e arrendamento” do estabelecimento transfere-se para o arrematante no acto da praça, quando exista, e, genericamente, no acto da alienação. Desde então ficará o arrematante investido na qualidade de arrendatário, com os direitos e obrigações inerentes. Por isso se entende que o conteúdo da nomeação à penhora do direito ao arrendamento e trespasse dum estabelecimento comercial é o próprio estabelecimento enquanto unidade jurídica, como resulta agora do artigo 862º-A do CPC na redacção de 1995 (DL 329-A/95).
Todavia, essa transmissão  só se opera no momento da venda. Portanto, o arrematante só nessa data é responsável pelo pagamento das rendas, in casu após a aludida adjudicação, em 14.06.2000.
Mas, salvo melhor opinião, não podemos equiparar para este  efeito, a venda judicial com o trespasse do estabelecimento comercial, enquanto negócio jurídico, sujeito à vontade das partes.
“O trespasse não foi durante muito tempo definido em termos uniformes, nem na legislação nem na doutrina comercialista. Hoje, porém, a doutrina, mais esclarecida, identifica o trespasse como a transmissão definitiva, por acto entre vivos (seja a título oneroso, seja a título gratuito) da titularidade do estabelecimento comercial” (Antunes Varela in RLJ Ano 115- 253 - nota 1
Assim, o trespasse é um acto formal, de natureza comercial, através do qual se opera a transferência do estabelecimento comercial, na sua totalidade, como uma universalidade de direito, abrangendo todos os elementos que o integram, sendo a transmissão da posição de arrendatário, quando exista, uma sua consequência normal.
“Penhorar o estabelecimento, seja qual for o exacto alcance analítico da providência requerida, significa, em bom rigor, penhorar o direito do executado sobre o estabelecimento”. “Penhorar o estabelecimento comercial é colocar à ordem do tribunal, para os fins específicos da execução, a propriedade do estabelecimento (ou o direito sui generis do titular do estabelecimento) pertencente ao executado” [1].
Na mesma obra (pág 265) refere o mesmo autor citando Barbosa de Magalhães: «a penhora efectuar-se-á...considerando o estabelecimento como uma universalidade e, portanto, pela apreensão do estabelecimento e sua entrega a um depositário; e tanto o tribunal como ele deverão tomar todas as providências e praticar todos os actos necessários para que essa apreensão seja efectiva, consoante a natureza dos bens de que o estabelecimento se componha. Seguidamente, conclui o autor, faz-se a transmissão do estabelecimento em globo (trespasse) ou são vendidos separadamente os seus elementos  componentes».
Com efeito, nada obsta a que o exequente possa promover o trespasse do estabelecimento para, à custa dele, se fizer pagar do seu crédito, requerendo a sua penhora enquanto unidade jurídica. Neste caso, a penhora abrangerá o estabelecimento globalmente, como unidade jurídica, e também como unidade económica (então far-se-á a apreensão e a posterior transmissão do estabelecimento como um todo). É que o estabelecimento comercial é considerado não apenas uma unidade económica, mas também uma unidade jurídica.
Decidiu-se no acórdão do STJ de 25.1.92 (BMJ 421- 359): “a penhora em execução fiscal do direito ao arrendamento importa uma situação de indisponibilidade ou ineficácia relativa, mercê da qual não pode o executado (arrendatário) dispor daquele direito em prejuízo do exequente. Assim, a falta de pagamento da renda não releva em relação a este”. E nele se citam Alberto dos Reis e Anselmo de Castro in, respectivamente,  “Processo de Execução”, II, pág. 101 e “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial (1970), pág. 151.
Na verdade, a penhora tem como efeito a criação de um estado de indisponibilidade relativa, por virtude do qual o executado fica impedido de praticar eficazmente, em relação aos bens penhorados, actos que prejudiquem a finalidade da execução. Daí que se considerem ineficazes, em relação ao exequente (e não só), os actos praticados pelo executado que possam comprometer o fim da execução. É que a penhora é uma providência de afectação por virtude da qual os bens penhorados são colocados à disposição do tribunal, com vista à satisfação do crédito exequendo.
Com efeito determina o artigo 819º do CC: “sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados”. Por isso, embora o executado, mesmo depois da penhora continue a poder dispor dos bens, tais actos são ineficazes em relação ao exequente.
Mas, antes da venda judicial e após a penhora  pode o senhorio intentar acção de despejo contra o executado  ou mesmo contra o fiel depositário, uma vez que não é aplicável o artigo 820º do CC. Efectivamente, a penhora do estabelecimento comercial não impede o senhorio de intentar a competente acção de despejo, desde que tenha fundamentos para pedir a resolução do contrato de arrendamento.
É que, mesmo depois da penhora, os direitos do senhorio mantêm-se, apenas sendo afectados os direitos do inquilino.
Mas isso nada tem que ver com o comprador, o qual não estabeleceu qualquer relação jurídica com qualquer deles, limitando-se a adquirir o direito penhorado na execução fiscal. E, como dissemos, o senhorio foi notificado do “auto de abertura de proposta e venda judicial de bens”.
Após a aquisição, ficou a ré constituída na qualidade de arrendatária desse mesmo espaço.
A questão que se coloca é a de saber se a R., por força dessa transmissão, ficou igualmente investida na qualidade de devedora das rendas anteriormente vencidas e que a então locatária tenha deixado de pagar.

Diz a apelante e com razão:
«No que respeita especificamente ao pagamento das rendas, este é a primeira e principal obrigação do inquilino, é o direito mais importante do senhorio, é essencial e estruturante do próprio contacto de arrendamento. Por isso, no caso da infracção ao arrendamento constituir falta de pagamento de rendas, a lei foi mais longe, conferindo não só essa possibilidade de reacção pela acção de despejo, mas também conferindo ao senhorio expressamente, o direito de se poder opor ao recebimento de novas rendas, se outras anteriores estiverem em falta (artº 1041º, nº 3 do CC)».
Mas depois acrescenta: tal direito é válido para qualquer inquilino titular do arrendamento, pois a lei não o restringiu.
Porém, salvo melhor opinião, em relação ao comprador em acção executiva, tal só sucede após a venda, não sendo ele responsável pelas rendas vencidas anteriormente. Antes desta data, por um lado, não usufruía o comprador o local arrendado e, por outro, não assumiu, nem tinha que assumir, o pagamento das rendas anteriores, ao contrário do que poderia suceder com o trespasse, que é um negócio jurídico privado em que impera a vontade das partes.

A penhora “do direito ao trespasse e arrendamento” não interfere no direito do senhorio a receber as rendas e, por isso, se o executado não as pagar, aquele, na qualidade de titular do direito ao arrendamento, poderá intentar a competente acção de despejo ou exigir o seu pagamento. E a procedência dessa acção impõe-se ao exequente, importando a nulidade da venda judicial que seja efectuada depois do trânsito em julgado dessa acção. Nestes casos, a acção é intentada antes da venda judicial.
Mas a ora ré não deixou de cumprir o contrato, pois se dispôs a pagar as rendas logo após a venda judicial. O autor  não demandou a anterior arrendatária porque não quis, limitando-se a informar que as rendas não eram pagas desde 1995. Mas isso não lhe dá o direito de vir agora exigir o pagamento das rendas à ré, não existindo qualquer contradição nesta situação, como defende a apelante, uma vez que o pagamento dessas rendas pode ser pedido ao anterior  arrendatário.

A este respeito refere José Lebre de Freitas («Penhora do Direito ao Trespasse e Arrendamento» in «Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, pág. 605) citado na douta sentença: «quanto ao terceiro adquirente (do prédio e, portanto da posição de senhorio ou do direito ao arrendamento, por trespasse), a sentença proferida na acção de despejo é-lhe oponível, desde que a aquisição se tenha efectuado na pendência da acção ou depois de esta ter sido julgada – no primeiro caso, por via da norma do art. 271-3 CPC (transmissão de direito litigioso) e no segundo, por o adquirente ter, perante o objecto do litígio a mesma qualidade jurídica que o transmitente (art. 498-2 CPC)».
E com base nesta doutrina afirmou-se na mesma sentença: “raciocinando «a contrario sensu» dir-se-á que, tendo a transmissão da posição jurídica de arrendatário, por «trespasse» através da venda executiva, tido lugar anteriormente à propositura da acção de despejo, o direito ao arrendamento não foi transmitido como litigioso, nos termos do art. 271º do CPC.
Diz o apelante na 8ª conclusão: Por outro lado, havendo penhora de estabelecimento comercial, (p. ex. Ac. R.L. 20.02.70, J.R. 16-63, Ac. da R.E. de 23.01.86, B.M.J. 355- 451, A.R.L. 06.07.89, C.J. 1989, 4º-119, Ac. S.T.J. 30.04.91, B.M.J. 406-580) o senhorio continua a ter o direito ao recebimento das rendas, e o seu não pagamento permite a resolução do arrendamento pelo senhorio, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas, antes ou depois da penhora, mesmo que o arrendamento venha a ser arrematado judicialmente.

Porém, como se disse, e salvo sempre melhor opinião, tal não sucede após a “arrematação judicial do arrendamento”.
A causa de resolução do arrendamento por falta de pagamento de rendas, pelo anterior locatário, não é pois oponível ao novo inquilino, que lhe sucedeu por via da transmissão do direito ao arrendamento.
E para o efeito não tem qualquer interesse a circunstância de, uma vez penhorado o estabelecimento comercial do inquilino do recorrente, ter sido designado como depositário judicial o gerente da ora recorrida, e este, no exercício das suas funções, não ter procedido ao pagamento de qualquer renda (sendo certo que foi precisamente a sociedade de que o depositário é sócio gerente que adquiriu o estabelecimento comercial, incluindo o referido direito ao arrendamento). O aludido gerente não foi nomeado fiel depositário em nome e representação da ora apelada, mas poderia eventualmente ter sido demandado nessa qualidade, com fundamento na falta de pagamento das rendas (artº 843º do CPC). Mas essa situação seria estranha à sociedade.

III
Nesta conformidade, terão que improceder também os outros pedidos, uma vez que a ré ofereceu o pagamento da renda logo após a adjudicação, não tendo o ora apelante (senhorio) fundamentos para recusar o seu recebimento.
Por isso bem se decidiu na douta sentença ao referir-se: nesta conformidade, a R. não se constituiu em mora, relativamente às rendas vencidas depois de ter entrado na posição jurídica de locatária, porquanto, conforme já se referiu, não assistia ao A. o direito de recusar o pagamento das rendas que a R. lhe ofereceu, posteriormente ao trespasse. A recusa  do recebimento das rendas, pelo A., legitimou o depósito destas pela R., tendo em atenção o disposto no art. 22º nº1 do RAU e no art. 841º nº 1 do CC.


Podemos, assim, extrair as seguintes conclusões:

1. A penhora “do direito ao trespasse e arrendamento” (mais correctamente o trespasse do estabelecimento enquanto unidade jurídica – mas que inclui o direito ao arrendamento) não interfere no direito do senhorio a receber a renda e, por isso, se o executado a não pagar, aquele, na qualidade de titular do direito ao arrendamento, poderá intentar a competente acção de despejo ou exigir o pagamento das rendas. E a procedência dessa acção impõe-se ao exequente, importando a nulidade da venda judicial que seja efectuada depois do trânsito em julgado dessa acção.

2. Todavia o adquirente desse direito (ao “trespasse e arrendamento”) não é responsável pelo pagamento das rendas anteriores à venda judicial, pelo que improcederá a acção de despejo contra si intentada com fundamento na falta de pagamento das rendas em data anterior a essa venda.

3. Nesta conformidade não poderá o senhorio recusar o pagamento das rendas pelo novo arrendatário, com esse mesmo fundamento.

**
Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa,  28.10.2003.

Pimentel Marcos
Jorge Santos (vencido conforme declaração junta)
Vaz das Neves
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[1] A. Varela, in RLJ Ano 115- 253 e 254.
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Decretaria a resolução do arrendamento por falta de pagamento de rendas.

Na verdade, mesmo que vendido judicialmente em processo de execução o direito ao trespasse do estabelecimento (nele integrado o direito ao arrendamento), continua o senhorio a ter o direito a propor acção de despejo agora contra o adquirente (arrematante), actual arrendatário, de modo a obter a resolução do arrendamento por falta de pagamento de rendas por parte do executado, anterior arrendatário. A penhora e a venda judicial legalmente não retiram nem impedem o senhorio de propor acção de despejo, mesmo contra o adquirente, ainda que com fundamento causado pelo anterior arrendatário. A venda judicial opera a cessão da posição contratual, neste caso, por parte do arrendatário.

Obviamente que a responsabilidade pelo pagamento das rendas em dívida - fundamento da resolução do arrendamento - mantém-se na esfera jurídica de quem usufruiu o arrendado no período a que as mesmas respeitam. De modo nenhum se transfere para o adquirente a responsabilidade pelo seu pagamento.

A vingar a tese que fez vencimento, bastaria ao arrendatário ceder a sua posição contratual a terceiro ou simular processo executivo de modo a que terceiro, com ele conluiado, adquirisse por venda judicial o direito ao trespasse e arrendamento para obstar a acção de despejo.

Os efeitos da penhora e da venda judicial apenas incidem e se repercutem na esfera jurídica do executado arrendatário. Este, como apenas é titular do estabelecimento, onde, na parte que tange ao senhorio, se integra o direito ao arrendamento, vê ficar afectado apenas aquilo a que tem direito. E nesse direito não se integra o direito de propriedade do locado nem o correspondente direito do senhorio que, por serem pertença do senhorio, ficam incólumes com a penhora e mesmo com a venda judicial. É que a penhora e a venda judicial não podem atingir aquilo que é exclusivamente pertença de terceiros. Neste sentido, a posição da senhoria nunca fica atingida pela penhora nem pela venda judicial do estabelecimento instalado no locado (nem pela do direito ao trespasse e arrendamento).

Obviamente que só os bens do executado ficam afectados a execução pela penhora pela sua apreensão com vista sempre a satisfação dos credores. Nem a penhora nem a venda judicial interferem com os direitos do senhorio nem atingem ou invadem a sua esfera patrimonial, visto que o senhorio não é devedor nem condevedor do executado.

Aliás, temos por paradigmático e elucidativo o sumário do acórdão da RI, de 6/7/89 CJ 4-119:

1. Os efeitos materiais da penhora do estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, abrangendo embora o direito ao arrendamento e trespasse, atingem tão somente, a esfera jurídica do executado-inquilino.

2. Não obstante essa penhora, o senhorio continua a ter o direito ao recebimento das respectivas rendas,

3. O não pagamento dessas rendas faz nascer o direito a resolução do arrendamento por parte do senhorio, mesmo que o arrendamento venha a ser arrematado judicialmente.

4. Decretado despejo, o arrematante vê o estabelecimento, que lhe foi adjudicado, despojado de um dos elementos que o integravam - o direito ao arrendamento.

5. O despejo do local onde funcionava o estabelecimento nao afecta a existência jurídica deste.

Decretado o despejo, recompõe-se o equilíbrio nas prestações com a faculdade de o adquirente/arrematante poder vir requerer a anulação da venda judicial, nos termos do artigo 908º, nº l. CPC.

Jorge Santos