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CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
MEDIDA DA PENA
Sumário
1. À condenação pelo crime p. e p. pelo art. 292.° do C. Penal deverá seguir–se a condenação na pena acessória estabelecida no art. 69.° do C. Penal. 2. O recorrente condenado em pena efectiva de multa pelo crime de condução de veiculo em estado de embriaguez não pode beneficiar da possibilidade de ter suspensa a execução da pena acessória de inibição de conduzir.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. – No âmbito do processo n.º 146/03 do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, o arguido J foi julgado, em processo sumário, e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do art.º 292º CódPenal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 6 €, perfazendo a multa global de 480 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.
Inconformado recorreu:
(...)
A questão suscitada no presente recurso reduz-se à medida da pena de multa e da pena acessória em que recorrente foi condenado.
O resultado do julgamento que se realizou sem documentação dos actos da audiência foi o seguinte:
2.1. – Factos provados (transcrição):
a) No dia 02 de Março de 2003, cerca das 05:00 horas, na Av.(x), freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, aluguer com condutor, de matrícula (Y), propriedade de "L, Ldª.", quando foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, pelo aparelho “DRAGER ALCOTEST 7110 MK III”, tendo acusado uma taxa de 1,31 g/l;
b) O arguido ingeriu, pelo menos, três whiskys com coca-cola, momentos antes de iniciar a condução do veículo aludido em a), e embora se apercebesse que estava sob a influência do álcool e que tal estado lhe diminuía significativamente as suas capacidades de reflexo e de controlo do veículo decidiu mesmo assim conduzi-lo;
c) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir na via pública naquelas circunstâncias e que tal conduta é proibida por lei;
d) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em a), o arguido utilizava o carro de serviço, mas não estava em serviço;
e) O arguido é taxista de profissão; no exercício dessa actividade aufere cerca de 500 euros mensais; vive sozinho, em casa pertencente aos pais; tem o 6º ano de escolaridade;
f) O arguido confessou os factos integral e espontaneamente;
g) O arguido mostra-se inserido social e familiarmente, e auxilia a família nos cuidados de um irmão deficiente;
h) O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 22-02-2000, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensos na sua execução pelo período de quatro anos.
2.2. – Fundamentação da matéria de facto (transcrição):
“A convicção do Tribunal quanto à factualidade provada baseou-se nas declarações do arguido que confessou integralmente e sem reservas, no resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue, e certificado de registo criminal, ambos juntos aos autos.
Relativamente ás condições económicas e pessoais do arguido forma relevantes as suas declarações, e ainda o depoimento das testemunhas de defesa apresentadas pelo arguido.”
3. – Não tendo havido documentação dos actos da audiência o recurso restringe-se à matéria de direito (art. 428º, n.º 2 CPP).
Por isso não tem relevância o que o recorrente invoca, nas suas alegações de recurso, no tocante à matéria de facto, como a não se ter apercebido de que o álcool que havia ingerido havia originado a ultrapassagem do limiar da criminalização, facto que , aliás, mesmo a verificar-se nenhuma influência teria.
É inequívoco que o recorrente foi punido por crime cometido no exercício da condução com (muito) grave violação das regras de trânsito. Tanto é que a sua conduta (condução com uma taxa de alcoolémia superior a 1,21 g/1, ou seja, em estado de embriaguez – cfr. Epígrafe do art. 292.°) nem sequer é já considerada contra–ordenação grave ou muito grave (cfr. art°s. 81.° n.°s 1, 2 e 4, 146.° al. m), 147.° al. i) e 139.° n.°s 1 e 2 do C. Estrada), mas, antes, crime punido com pena de prisão ou com pena de multa (pena criminal e não coima).
O recorrente entende ser excessiva a pena imposta.
Crê–se que não lhe assiste razão.
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena (art. 71.°, n.° 1, do Código Penal), a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.° 40.°, n.° 1, do mesmo diploma).
O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências e a intensidade do dolo, constituem factores determinantes para avaliação do grau da culpa, tendo por certo que a concepção de culpa que perfilhamos referida está ao facto em si, pelo que a personalidade do agente só relevará na medida em que se encontre expressa no ilícito típico e o fundamente.
Com efeito, o direito de punir e o quantum da punição têm a sua justificação exactamente naquilo que se faz e não no que se é.
Relativamente à prevenção, dir–se–á que num sistema como nosso, em que a culpa ainda é o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida (art. 409.°, n.° 2, do Código Penal), a prevenção constituirá um fim da pena e, nesta óptica, a mesma relevará para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência de pena do ponto de vista preventivo, pelo que a prevenção acabará por fornecer, em último termo, a medida da pena, sendo certo que também aqui, tal como sucede em relação à avaliação da medida da pena da culpa, os factores relevantes para aferição da medida da pena preventiva são, fundamentalmente, os respeitantes à gravidade do facto. No entanto, estando–se aqui face a determinação da medida da pena em função da satisfação de exigências de prevenção, terão também de ser valoradas as circunstâncias ocorrentes alheias ao facto, isto é, estranhas ao ilícito típico e à culpa e/ou tipo de culpa, bem como os atinentes à personalidade do agente quer se encontrem ou não expressos no facto e quer o fundamentem ou não, desempenhando, os primeiros, um papel preponderante na avaliação da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de prevenção geral, e, os segundos, para (prevalente) satisfação das exigências de prevenção especial.
No caso vertente, estamos perante facto ilícito típico cuja gravidade se situa num patamar elevado.
De realçar que, desde o seu inicio – Lei n°3/82, de 29 de Março – até ao momento actual – DL n°2/98, de 3 de Janeiro e pelo art. 292.° do Código Penal – sempre o legislador optou por uma maior severidade da punição.
A condução sob o efeito do álcool, quer como contra–ordenação quer como crime, nunca foi contemplada em qualquer lei de amnistia (cfr. art. 8.° al. b), da Lei 17/82; art. 5.° da Lei 16/86; art. 8.° da Lei 23/91; art. 9.° n.° 2, al. c) da Lei 15/94 e art. 2.° n.° 1, al. c) da Lei 29/99), o que, sem dúvida, revela a intenção do legislador em não classificar como de pouca gravidade tal comportamento estradal.
Do ponto de vista preventivo, avultam as necessidades de prevenção geral, consabido que a sinistralidade estradal tem vindo a aumentar entre nós de forma vertiginosa. Cada vez é maior a insegurança na circulação rodoviária.
No plano da prevenção especial, revela–se também premente a necessidade de uma resposta punitiva que promova uma eficaz recuperação do recorrente, prevenindo a prática de comportamentos da mesma natureza, de modo a que se passe a comportar de forma responsável, designadamente por força da prática habitual de condução de veículos decorrente da profissão que desempenha, fazendo–lhe sentir a anti–juridicidade e gravidade da sua conduta.
Assim, se a aplicação concreta da pena de multa não deve representar "uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa de pena ou isenção de pena que se não tem coragem de proferir" (cfr. Figueiredo Dias, Dir.to Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 119), não pode também cair–se numa atitude de sinal contrário, qual seja a de se aplicar uma pena concreta a resvalar para o limite máximo só porque se trata de uma pena de multa, como se se tratasse de uma opção com a qual o arguido se deve sentir feliz e recompensado por "escapar" à pena de prisão.
Quanto ao montante da pena de multa entende–se, regra geral, que ele deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar (cfr. v.g. Ac. STJ de 97.10.2, CJ 3/97–183).
Esta pena terá de ser efectiva na sua execução atento o disposto nos artigos 47.° e 50.° do Código Penal.
Neste contexto, sem esquecer o que em sede julgamento se apurou susceptível de atenuar a responsabilidade do recorrente – não olvidando o recorrente que o crime em questão nos presentes autos foi cometido durante o período de suspensão de execução de pena de prisão em que fora anteriormente condenado -, afigura–se correcta a fixação da pena concreta de multa pelo Tribunal a quo.
No que respeita à proibição de conduzir veículos motorizados:
À condenação pelo crime p. e p. pelo art. 292.° do C. Penal deverá seguir–se a condenação na pena acessória estabelecida no art. 693.° do C. Penal, como de resto se entendeu no acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.° 5/99 (DR, I–A, de 20/07/99).
Uma coisa são as contra–ordenações graves e muito graves sancionadas pelo C. Estrada com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir, outra coisa distinta é, porque já nos encontramos num patamar de gravidade bem mais elevado, o crime de condução em estado de embriaguez, punido já com pena de prisão ou com pena de multa (a que poderá ainda vir a corresponder prisão subsidiária) e também com a pena acessória de proibição de condução de veículos do art. 69.° do C. Penal porque o crime foi cometido no exercício da condução e com violação grave das regras do trânsito rodoviário (se já é muito grave – na qualificação do C. Estrada, conduzir com por exemplo 0,8 g/1 de álcool, grave é também, e mais, conduzir com 1,2 g/ 1).
Este entendimento parece linear, tanto mais, tendo em atenção o disposto no art. 133.° n.° 1 do C. Estrada segundo o qual "as infracções às disposições deste Código e legislação complementar têm a natureza de contra–ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processadas nos termos gerais da lei penal" .
Além disso, é óbvio que a proibição de conduzir do art. 69.° do C. Penal é uma pena acessória. Como se diz no preâmbulo do Dec. Lei n.° 48/95 "no capítulo relativo às penas acessórias e aos efeitos das penas há que assinalar a inovação da consagração expressa no texto do Código Penal da proibição de conduzir".
Como pena acessória que é encontra a razão de ser da sua aplicação para complementar uma outra pena, a principal, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à natureza ou gravidade do crime.
"Condição necessária mas não suficiente de aplicação de uma pena acessória é a condenação numa pena principal (...) O art. 69.° não se basta com a condenação numa pena principal para determinar a aplicação da pena acessória, exige ainda que o crime cometido no exercício da condução o tenha sido com grave violação das regras do trânsito rodoviário – art. 69.° n.° 1 al. a)" (Germano Marques da Silva, "Crimes Rodoviários", p. 28).
Por outra via, o Assento n.° 5/99 do STJ (DR Iª Série–A de 99.07.20) fixou jurisprudência no sentido de que "o agente do crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo art. 292.° do C. Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.°, n.° 1, al. a) do C. Penal".
Visto que o arguido é condenado na pena (principal) de multa, a mesma não admite suspensão (art. 50° C.P.), sendo inquestionável que a pena acessória segue a sorte da pena principal.
Se a punição é em pena de prisão a execução da inibição poderá ser suspensa porque a pena acessória segue a "sorte" da pena principal como defende consistente jurisprudência (cfr. Ac. STJ de 86.11.12, BMJ 361,239; Ac. STJ de 90.4.18, subscrito pelo Cons. Maia Gonçalves, BMJ 396,245; Ac. Rel. Lisboa, de 94.9.20 e 94.10.18, CJ 4/94, págs. 145 e 152; Ac. Rel. Coimbra de 96.11.27, BMJ 461,538; Ac. Rel. Évora, de 98.2.17, CJ 2/98, p. 291). Nem se diga que esta é uma solução absurda porque permite a suspensão da pena da condenação mais grave e não a da condenação menos grave pois essa é, igualmente, a solução se consideradas só as penas principais, de prisão. ou de multa. Enquanto a pena menos grave, a de multa, é sempre efectiva e assim constará (como condenação efectiva) do certificado do registo criminal de um arguido, já a pena mais grave, a de prisão, se nada ocorrer que leve à revogação da sua suspensão, extinguir–se-á pura e simplesmente. De resto, interpretação bem mais severa tem Germano Marques da Silva ("Crimes Rodoviários", p. 28) que defende que a pena acessória de inibição de conduzir não pode ser suspensa na sua execução nem substituída por outra. Do que se deixa dito e, na perspectiva que se perfilha, tendo sido o recorrente condenado em pena de multa pelo crime de condução de veiculo em estado de embriaguez não pode beneficiar da possibilidade de ter suspensa a execução da pena acessória de inibição de conduzir.
A condição de motorista de táxi, como actividade profissional desenvolvida pelo recorrente, deveria ser motivo determinante para o recorrente se abster de conduzir embriagado, sabendo também como não podia deixar de saber que colocava em risco o exercício dessa actividade e, por conseguinte, a sua própria estabilidade profissional. Mesmo a invocação feita pelo recorrente de que, com o período de inibição de condução que lhe foi aplicado, terá como consequência prática o seu despedimento, tal consequência, como muito bem adianta o Digno Magistrado do Mº Pº nas alegações produzidas em primeira instância, também poderá ocorrer caso o período de inibição seja o mínimo legal (três meses) proposto pelo recorrente.
Mas exactamente porque a profissão desempenhada pelo arguido è a de motorista de táxi, a condenação do mesmo na pena acessória de inibição de conduzir representa para si uma sanção mais penalizante, mais sofrida, quando comparada se aplicada ao comum dos cidadãos, atenta a essencialidade da condução para a sua vida profissional.
Por via disto, entendemos, em consequência, que a fixação da pena acessória em 5 meses, face aos elementos supra mencionados relativos à determinação da pena concreta, se revela pouco algo excessiva pelo que na perspectiva anunciada temos por mais adequado fixar tal pena em 3 meses.
4. – Em face do exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida na parte relativa à pena de multa aplicada mas alterando-a na parte relativa à pena acessória que se fixa em 3 (três) meses.
Custas a cargo do recorrente na parte em que não obteve provimento, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s, com ¼ de procuradoria e legal acréscimo.
Lisboa, 6 de Novembro de 2003.
(João Carrola)
(Carlos Benido)
(Almeida Semedo)