CONSULTA DO PROCESSO
CONFIANÇA DO PROCESSO
CERTIDÃO
PAGAMENTO
Sumário

1. “O artº 89º do C.P.P. ao não permitir a consulta do processo no escritório do Advogado após a dedução da acusação e ao impor tal consulta na secretaria não viola qualquer preceito constitucional de garantia de direitos de defesa.”
2. “Os artºs 15º e 53º da Lei do Apoio Judiciário e o artº 12º, nº 2 do DL 391/88, de 26 de Outubro (Regulamento do Apoio Judiciário) não contemplam o pedido de concessão gratuito de cópias do processo”.

Texto Integral

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

1. No Proc. nº..., o arguido V., preso à ordem de outro processo, vem recorrer do despacho que indeferiu a confiança dos autos, ou a passagem de cópias de forma gratuita.
2. Apresentou motivação de que extraiu as seguintes conclusões
(....)
3. Admitido o recurso em 7-10-2003 com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo respondeu o Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1ª instância concluindo:
(...)

*
O despacho recorrido é do seguinte teor:
“Deduzida a acusação nos presentes autos V. Requereu a confiança dos autos por prazo não inferior a dois dias ou, se assim se não entender, a passagem de cópias não certificadas dos autos, requerendo ainda uma cópia da cassette contendo o depoimento para memória futura da testemunha M.
Das disposições conjugadas dos nºs 1 a 3 do artº 89º do Código de Processo Penal resulta que na presente fase processual não é admitida a confiança do processo.
Quanto à passagem de cópias, a que se aplica o disposto no artº 106º, nº 2 do Código das Custas Judiciais, pretende o requerente que as mesmas sejam gratuitas face ao apoio judiciário.
A pretensão do requerente não merece, porém, acolhimento.
De facto, inexistindo qualquer disposição legal que preveja a emissão gratuita de certidões ou cópias nem estando essa omissão abrangida no âmbito do apoio judiciário explicitado na alínea a) do artº 15º da Lei do Apoio Judiciário leva a concluir que, como referido por Salvador da Costa, “as partes que beneficiarem de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas não têm direito à emissão gratuita das referidas certidões”.
Assim, face ao entendimento supra sufragado, notifique o Requerente para vir esclarecer se mantém o interesse nas cópias requeridas”.
Apreciando.
Nos termos do artº 89º do C.P.P..
“1. Para além da entidade que dirigir o processo, do Ministério Público e daqueles que nele intervierem como auxiliares, o arguido, o assistente e as partes civis, podem ter acesso aos autos, para consulta, na secretaria ou noutro local onde estiver a ser realizada qualquer diligência, bem como obter cópias, extractos e certidões autorizadas por despacho, ou independentemente dele para efeito de prepararem a acusação e a defesa dentro dos prazos para tal estipulados na lei.
(...) 3. As pessoas mencionadas no nº 1 têm, relativamente a processos findos, àqueles em que não puder ou já não puder ter lugar a instrução e àqueles em que tiver havido já decisão instrutória, direito a examiná-los gratuitamente fora da secretaria, desde que o requeiram à autoridade judiciária competente e esta, fixado o prazo para tal, autorize a confiança do processo”.
Argumenta o Recorrente que o artº 89º do C.P.P. invocada no despacho recorrido, como não admitindo a confiança do processo é inconstitucional, violando os artºs 32º, nº 1 e 20º, nº 1 da C.R.P..
Tais preceitos impõem: - o nº 1 do artº 20º da C.R.P. - que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos deus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. E o nº 1 do artº 32º do mesmo diploma – “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”.
Ora, nos termos do nº 1 do artº 89º do C.P.P. após a dedução da acusação, o arguido pode consultar o processo na secretaria e obter elementos do mesmo, por cópia extracto ou certidão, para preparar a sua defesa.
Não há, pois, impedimento à livre consulta, por parte dos defensores dos arguidos, de todo o conteúdo do processo, estando assim cabalmente assegurados todas as garantias de defesa. Sendo certo que, não pode entender-se que, a simples limitação que obriga a tal consulta na secretaria não diminui d forma nenhuma direitos de defesa, dada a possibilidade de poderem os defensores dos arguidos obterem cópias, extractos e certidões do processo. Nem viola o princípio de igualdade de armas, pois, neste particular, da consulta do processo, e só esta questão está em causa, os arguidos não estão numa situação de desfavor em relação ao Ministério Público.
Assim, admitindo-se que a consulta do processo pelo defensor do arguido se inscreve entre as garantias de defesa, tais garantias ficam asseguradas pelo teor do artº 89º do C.P.P..
Pelo que, o Sr. Juiz “a quo” ao decidir que as disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do artº 89º do C.P.P. na fase em que o processo se encontrava – com acusação deduzida – não admitia a confiança do processo, reportava-se á consulta do mesmo no escritório do advogado do arguido, e não à consulta do processo na secretaria, nem à passagem de cópias, não violando, por isso, as disposições constitucionais invocadas.
No que concerne à passagem de cópias de forma gratuita, também não assiste razão ao recorrente porquanto o artº 15º, nº 1 do DL 387-b/87, de 29-12 “O apoio judiciário compreende a dispensa, total ou parcial de preparos e do pagamento de custas”, ou o seu deferimento, assim como do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador. E, somente estão isentos de impostos, emolumentos e taxas os articulados, requerimentos, certidões e quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais e de registo, para fins de apoio judiciário (artº 53º, nº 1 do mesmo diploma). Reportando-se o nº 2 do artº 12º do Dec-Lei 391/88 de 26-10 apenas à dispensa de pagamento de emolumentos ou taxas relativos a certidões e outros documentos que se destinem à obtenção de protecção jurídica, na modalidade de patrocínio judiciário ou de assistência judiciária.
Só haveria que deferir à requerida passagem de cópias se se mostrasse cumprido o artº 106º do C.C.J. por referência ao artº 89º do C.P.P. e não a tal passagem de forma gratuita.
Em conclusão:
O artº 89º do C.P.P ao não permitir a consulta do processo no escritório do advogado após a dedução da acusação e ao impor tal consulta na secretaria não viola qualquer preceito constitucional de garantia de direitos de defesa.
Os artºs 15º e 53º da Lei do Apoio Judiciário e o artº 12º, nº 2 do DL 391/88 de 26 de Outubro (Regulamento do Apoio Judiciário) não contemplam o pedido de concessão gratuita de cópias do processo.
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Por todo o exposto se acorda em negar provimento ao recurso e em manter o despacho recorrido.
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Lisboa, 9 de Dezembro de 2003

Ana Sebastião
Pereira da Rocha
Simões de Carvalho