I – A ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, porque se traduz numa limitação de um direito fundamental, está sujeita a uma reserva de jurisdição (nº 4 do artigo 32º da Constituição).
II - Essa reserva de jurisdição, não abrangendo a execução dos actos materiais, implica, no entanto, que o juiz controle efectivamente os concretos termos da intrusão do Estado no domínio da privacidade, ponderando, caso a caso, os interesses conflituantes e assegurando que toda a limitação de direitos que ocorra se cinja ao mínimo indispensável à realização da justiça.
III - O legislador de 1998, através da nova redacção dada ao artigo 188º do Código de Processo Penal, consagrou claramente a existência de dois autos. Ao auto que comprova a realização das operações materiais, a que se refere o nº 1 do artigo 188º, acresce um outro, o mencionado no nº 3, que deve conter apenas os extractos das conversas seleccionadas pelo juiz (nºs 3 e 4 da nova redacção do preceito).
IV – Assegurado o controle efectivo das escutas pelo juiz (controle esse que passa pelo conhecimento das gravações efectuadas através da audição dos suportes em que elas se contém), perde grande parte da relevância a questão, muitas vezes suscitada, do prazo de elaboração do 2º auto, que contém as transcrições dos trechos seleccionados.
V – Para a elaboração deste segundo auto a lei não estabelece qualquer prazo. Deve, portanto, ser elaborado o mais depressa possível, sempre antes do termo do inquérito, mas sem que se estabeleça um limite temporal peremptório.
8 – Antes de iniciar a apreciação de cada um destes recursos, importa conhecer o teor do despacho proferido pela srª juíza de instrução quanto aos requerimentos em que foi arguida a nulidade de diversas escutas telefónicas realizadas.
Trata-se dos requerimentos:
- de fls. 5811, formulado pelo arguido H.;
- de fls. 5812, formulado pelo arguido I.;
- de fls. 5812, formulado pelo arguido J.;
- de fls. 5813, formulado pelos arguidos E., F. e G.;
- de fls. 5812, formulado pelo arguido L.;
- de fls. 5815, formulado pelo arguido M.[1];
- de fls. 5105 e 5813, formulados pelos arguidos N.[2], O[3] e P.;
- de fls. 5815, formulado pelo arguido B.;
- de fls. 5816, formulado pelo arguido C.;
- de fls. 5086 e 5814, formulados pelo arguido D..
Disse, então, sobre esses requerimentos, a srª juíza de instrução:
«Arguíram vários arguidos a nulidade das escutas telefónicas como meio de prova nos presentes autos, por violação do formalismo legal, dado não ter havido acompanhamento judicial tempestivo das mesmas. Em alguns casos invocam mesmo que não houve autorização judicial para a realização da intercepção.
Socorrem-se do disposto nos artigos 188º e 189º do CPP, e referindo-se às intercepções telefónicas realizadas na investigação, sustentam que entre a data das gravações e a data da ordem das transcrições ocorreu sempre prazo longo, atingindo, em alguns casos mesmo vários meses, concluindo que só na altura em que ordenou as transcrições o juiz de instrução criminal procedeu à audição das escutas em referência.
Mais sustentam que a selecção das conversações gravadas e transcritas foi feita segundo o critério do OPC, limitando-se o juiz a mandar juntar aos autos as transcrições nos exactos termos sugeridos pelo OPC, não se tendo permitido a fiscalização judicial adequada sendo ainda que, aquando das prorrogações, a autoridade judiciária não tomou prévio conhecimento das intercepções anteriormente verificadas.
Finalmente insurgem-se contra a interpretação dada pelo OPC às conversas escutadas.
Apesar de tudo o invocado, requereu o arguido Fernando Portugal Gonçalves, o seu confronto com as gravações em sede de instrução criminal, faculdade que sendo-lhe deferida nos termos do despacho de fls. 5168/5170, ao abrigo do art. 188º/5 do CPP, não viria, contudo, a utilizar, ao contrário do arguido Q. (apesar de não requerente da instrução), a cujo mandatário foram facultadas cópias dos elementos sonoros solicitadas (v. fls. 5681).
Fundamentam ainda os arguidos esta arguição de nulidade em jurisprudência de tribunais superiores.
O acórdão do Tribunal Constitucional de 21 de Maio de 1997 (in BMJ 467/199 e ss.), julgou inconstitucional, por violação do disposto no n.º 6 do art. 32º da Constituição, a norma do n.º 1 do art. 188º do CPP, quando interpretada em termos de não impor que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e, bem assim, também atempadamente, decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas”.
Nesta linha de pensamento se insere também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2000.
Mais recentemente, o acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de Julho de 2001 (in 2ª série do DR de 9 de Novembro de 2001), retomou a mesma linha de orientações nas exigências de conformidade constitucional a observar na realização de intercepções telefónicas, impondo, no que às formalidades essenciais respeita, a necessidade de verificação de:
- “a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica”;
- pressupondo “acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (...) que comporte a possibilidade real em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou”;
- “a expressão «imediatamente» não poderá (...) reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas”;
- “pressupondo (...) um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz”.
Também o Supremo Tribunal de Justiça foi recentemente, mais uma vez, chamado a pronunciar-se sobre esta delicada matéria no acórdão de 17 de Janeiro de 2001 (in CJ-ASTJ, ano IX, tomo I, p. 210 e ss.), sublinhando a marcante diferença entre nulidades insanáveis e nulidades sanáveis nesta sede. Assim, e depois de ali se fazer uma resenha exaustiva das alterações legislativas verificadas nesta matéria, bem como da doutrina e jurisprudência estrangeiras que influenciaram as mais recentes alterações introduzidas ao regime das intercepções telefónicas, enquanto meio de prova, conclui aquela decisão no sentido de que a nulidade prevista no art. 188º e 189º do CPP é sanável e, nessa medida, sujeita ao regime de arguição a que se referem os artigos 120º e 121º do mesmo diploma legal. Insanável é apenas a nulidade consistente na intercepção à margem de autorização judicial para o efeito, ou a intercepção realizada mediante autorização judicial que extravase o elenco de matérias relativamente às quais o legislador permitiu o acesso a este meio de prova, isto é, a violação ao art. 187º do CPP.
No caso dos autos, nenhuma transcrição convertida judicialmente em meio de prova se reporta a conversas travadas fora dos períodos de autorização judicial para o efeito concedida, sendo certo que a matéria sob investigação se inseria nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado art. 187º do CPP.
Antes de prosseguir, convirá no entanto assinalar a especial complexidade que caracterizou esta investigação, reunindo vários processos, afectos a investigadores diferenciados e sob controlo de autoridades judiciárias também diferentes, somando no seu todo elevado número de arguidos e considerável número de intercepções telefónicas realizadas. Sendo assim para uma mais correcta e completa percepção dos procedimentos adoptados, aditar-se-á a esta decisão um anexo, elaborado na Unidade de Apoio junto deste tribunal, sob a supervisão judicial, com a designação “ÍNDICE – intercepções que originaram a constituição de apensos), índice esse que se seguirá também de perto no desenvolvimento da presente fundamentação.
De salientar será, desde logo, que muitas intercepções realizadas nos autos não viriam a dar lugar a qualquer transcrição.
Saliente-se também, que muitas intercepções foram autorizadas judicialmente por referência ao IMEI e a todos os cartões que no mesmo aparelho fossem utilizados. Dessas intercepções algumas houve em que, após a identificação do respectivo IMEI, foram interceptados outros cartões que funcionaram no mesmo IMEI, a coberto, pois, ainda do despacho inicial que autorizava também a escuta de todas as conversas mantidas através de qualquer cartão que funcionasse no mesmo aparelho. Todavia as sessões transcritas para os autos, originárias em número significativo dessas intercepções, tiveram lugar durante o período inicial de intercepção estabelecido pelo despacho que autorizava a intercepção de determinado posto móvel, com a identificação de um determinado cartão, bem como a intercepção de qualquer cartão que viesse a funcionar no mesmo IMEI, durante o mesmo período. (v., por exemplo, as intercepções que deram origem aos apensos 25, 40, 27, 20, 14, 34, 29 e 22).
Outros casos houve, todavia, em que após a identificação do IMEI correspondente ao cartão inicialmente interceptado com a necessária autorização judicial, foi proferido novo despacho autónomo de intercepção de outros cartões que passaram a funcionar no mesmo IMEI, pelo mesmo período. Não obstante o novo despacho, susceptível de ser interpretado no sentido de que a “nova” intercepção poderia ter lugar por um prazo então iniciado de novo, o certo é que, da análise atenta dos autos, resulta que também nestes casos, as sessões transcritas se contêm apenas dentro do primeiro período inicialmente fixado. Estão neste caso as intercepções que dariam origem aos apensos 33, 21, 38, 26, 28, 32, 17, 3, 5B, 23 e 18. No que respeita a estes dois últimos apensos haverá ainda que salientar o seguinte em ordem à correcta apreensão da forma como decorreu a respectiva intercepção:
Com efeito, dos autos lavrados dando notícia do início destas escutas telefónicas, constantes das fls. iniciais dos apensos em referência, resulta que as intercepções em alusão se reportariam à autorização concedida pelo despacho de fls. 1633. Trata-se, contudo de um lapso material. Na verdade, estas intercepções iniciaram-se com base na autorização judicial concedida pelo despacho de fls. 1033, onde se determinou a intercepção ao cartão n.º ...., com acesso, todavia também, ao IMEI respectivo. De fls. 1441 resulta o apuramento deste IMEI, bem como a passagem do funcionamento do mesmo com outro cartão. Disso dá notícia também o ofício da TMN junto a fls. 1570. Seja como for, o certo é que também no que respeita às sessões transcritas nestes apensos, se verifica que as mesmas tiveram lugar durante o período inicialmente fixado no despacho judicial que expressamente as autorizou, constante de fls. 1033.
Finalmente, situações houve ainda em que a autorização judicial para a intercepção de um novo cartão inserido no IMEI já interceptado surge num momento em que já cessara o período daquela primeira intercepção. Estes casos configuram-se, todavia, indiscutivelmente como uma nova intercepção, autorizada pelo juiz de instrução com base em informações recolhidas pelos investigadores tendentes a evidenciar o interesse para a investigação na realização daquelas escutas telefónicas.
Das intercepções iniciadas através de acesso ao IMEI, resultam, assim, duas situações distintas a reter para a correcta compreensão dos procedimentos adoptados nos autos.
Exemplificando, obteve-se o número de telefone (cartão) através do IMEI interceptado com autorização judicial, sendo que o despacho que determinava a intercepção abrangia autorização de intercepção do IMEI e cartões que no mesmo viessem a ser utilizados. O cartão que daria origem à intercepção que viria a integrar o apenso de prova constituído com as transcrições foi inserido no IMEI ainda dentro do prazo inicialmente designado para a intercepção, tendo as sessões transcritas como prova adquirida para os autos tido lugar, num primeiro grupo de situações, dentro desse mesmo prazo. Insere-se neste grupo de casos, por exemplo, a intercepção ao alvo 9238A, n.º ... (cartão), referente ao arguido L. que daria origem ao apenso 27. Com efeito, a fls. 1335, e com data de 16/1/01, foi proferido despacho a ordenar a intercepção ao n.º ..., por um período de sessenta dias. Nesse mesmo despacho se refere que “esta intercepção é extensível a cartões que venham ou estejam a ser utilizados pelos mesmos aparelhos (IMEI) que utilizam os cartões com os números supra referidos da TMN, pelo mesmo período.” O cartão ... vem a ser utilizado no aparelho com o IMEI ... interceptado. Em 5/2/01 é colocado o cartão deste alvo, ou seja o cartão com o n.º ... no aparelho com o mesmo IMEI, conforme resulta do ofício da TMN de fls. 1683 e do auto de início de gravação e intercepção telefónica correspondente. O apenso 27 é constituído com a sessão n.º 87 verificada em 7/3/2001, encontrando-se, como tal, enquadrada dentro do prazo inicialmente estabelecido pelo despacho de fls. 1335.
No outro grupo de casos em que se obteve também o número de telefone (cartão) através do IMEI, sendo que o despacho que autorizava a intercepção abrangia igualmente tanto o aparelho (IMEI) como os cartões que no mesmo viessem a ser utilizados, o cartão que daria origem à intercepção da qual resultaria a constituição do apenso de prova com as transcrições veio a ser inserido no IMEI ainda dentro do prazo inicialmente indicado para a intercepção, dando lugar à emissão expressa de autorização de nova intercepção por determinação judicial autónoma e específica para esse novo cartão. Insere-se neste grupo de casos, por exemplo, a intercepção ao alvo n.º 7231- D, n.º .... (cartão), referente ao arguido José Dias Garcia, que daria origem ao apenso 38. Com efeito, a fls. 133, e com data de 28/6/2000, foi proferido despacho a ordenar a intercepção ao n.º ...., por um período de quarenta e cinco dias. Nesse despacho pode ler-se ainda (al. b) : “a intercepção dos cartões que venham ou estejam a ser utilizados pelos mesmos aparelhos (IMEI) que utilizam os cartões com os números supra referidos da operadora TMN, pelo mesmo período.” O cartão .... é utilizado no aparelho com o IMEI .... interceptado, conforme resulta de fls. 138. Em 7/8/2000 é colocado o cartão deste alvo, ou seja, o cartão com o número ... no aparelho com o mesmo IMEI, conforme resulta do ofício da TMN de fls. 304 e do auto de início de intercepção e gravação de fls. 219. Em 11/8/2000 fora preferido novo despacho especificamente para este cartão, conforme resulta de fls. 223, concedendo-se um prazo de quarenta e cinco dias para esta nova intercepção. O apenso 38 é, todavia, constituído exclusivamente pelas seguintes sessões: 22, de 9/8/2000, 36, de 9/8/2000, 130, de 10/8/2000, 137, de 10/8/2000, 144, de 10/8/2000, 145, de 10/8/2000 e 249, de 11/8/2000, enquadrando-se, pois, todas as sessões transcritas dentro ainda do primeiro prazo concedido para a intercepção do IMEI e no que à última se refere, simultaneamente a coberto também do segundo despacho (v. fls. 133 e 223). Embora a intercepção tivesse cobertura judicial por período mais alargado, o certo é que não foram transcritas mais sessões para valerem como prova nos autos.
Diferentemente, na intercepção ao alvo 9084A, n.º ..., utilizado pelo arguido H., e que daria origem ao apenso 33, as transcrições judicialmente aprovadas como material probatório a considerar nos autos, contêm já conversas verificadas no período concedido pela autorização judicial autonomamente proferida para a intercepção do cartão.
Vejamos: a fls. 1033 foi proferido despacho a ordenar a intercepção ao n.º ..., datado de 19/12/2000, por um período de sessenta dias. Desse despacho consta também expressamente autorizada “a intercepção dos cartões que venham ou estejam a ser utilizados pelos mesmos aparelhos (IMEI) que utilizam os cartões com os números referidos da TMN, pelo mesmo período.” O cartão ... é utilizado no aparelho com o IMEI ... (fls. 1444). Em 26/1/2001 é colocado o cartão deste alvo, ou seja, o n.º ..., no mesmo aparelho com o IMEI já interceptado, conforme resulta do ofício da operadora de fls. 1613. Em 5/2/2001 é proferido despacho a determinar a intercepção do cartão em causa por um período de sessenta dias (fls. 1475), intercepção à qual corresponde o ofício da TMN de fls. 1703. Em 5/4/2001 é proferido despacho a prorrogar a intercepção por igual período (fls. 2044). Em 3/5/2001 é ordenada a transcrição da sessão seleccionada (fls. 2440). O apenso 33 (fls. 3262) é, todavia, constituído apenas com uma única sessão: a sessão 1428, de 6/3/2001 e, como tal enquadra-se dentro do prazo estabelecido para a intercepção pelo despacho proferido em 5/2/2001 (fls. 1475).
Nestes casos, de que é exemplo o acima descrito em pormenor, obteve-se, pois, o número do cartão através do IMEI interceptado, sendo que o despacho que autorizava a intercepção abrangia tanto o aparelho como os cartões que nele viessem a ser utilizados. Embora o cartão venha a ser inserido no aparelho dentro do período estabelecido no despacho inicial de autorização da intercepção, as sessões consideradas relevantes para a prova e, como tal transcritas nos autos, tiveram lugar depois de proferido despacho específico para a intercepção do cartão, mas antes da primeira prorrogação autorizada nos autos (com ou sem acesso aos elementos relativos à intercessão já verificada).
Sempre que se verificaram prorrogações, com excepção apenas para as intercepções que viriam a dar origem aos apensos 6, 41 e 42, que pela sua especificidade merecerão tratamento autónomo, o juiz de instrução criminal teve acesso aos elementos necessários para formar um juízo consciencioso sobre a pertinência na manutenção daquelas escutas telefónicas, ou através da remessa logo dos apontamentos para transcrição elaborados pelo OPC, ou através da remessa de pormenorizados relatórios elaborados pelos investigadores, ou mesmo através da remessa dos respectivos elementos sonoros.
Ressalvados, pois, apenas os casos das intercepções que dariam origem aos apensos já acima aludidos, nenhuma prorrogação de intercepção foi autorizada nos autos sem que ao juiz fossem fornecidos elementos detalhados sobre o resultado da intercepção anterior e, nos poucos casos em que os elementos remetidos a tribunal se afiguravam aos olhos da autoridade judiciária como insuficientes para formar uma convicção sobre a pertinência na manutenção da escuta, esta ordenava o envio dos elementos necessários, como resulta de vários despachos registados nos autos.
Casos há que merecem, todavia, alguma atenção, não por configurarem situações de excesso do prazo judicialmente concedido para a intercepção, mas por traduzirem alguma complexidade que apenas uma leitura pormenorizada dos autos poderá fazer compreender.
Com efeito, a intercepção ao n.º ..., alvo 9084A, que daria origem ao apenso 33, referente ao arguido H., teve origem no despacho de fls. 1475. Esta intercepção viria a ser prorrogada pelo despacho de fls. 2044, sem que, na verdade, fossem facultados ao juiz quaisquer elementos (escritos ou suportes sonoros) referentes ao resultado da intercepção anterior (pelo menos os autos não evidenciam essa remessa). Contudo, todas as sessões transcritas para o apenso 33 se enquadram ainda dentro do primeiro período de intercepção autorizado pelo despacho inicial de fls. 1475.
A intercepção ao n.º ..., alvo 7843, que daria origem ao apenso 44, referente ao arguido L. (“...”), teve origem no despacho de fls. 177. Esta intercepção viria a ser prorrogada pelo despacho de fls. 385 sem que, na verdade, fossem facultados ao juiz quaisquer elementos (escritos ou suportes sonoros) referentes ao resultado da intercepção anterior (pelo menos os autos não evidenciam essa remessa). Contudo, todas as sessões transcritas para o apenso 44 se enquadram ainda dentro do primeiro período de intercepção autorizado pelo despacho inicial de fls. 177.
A intercepção ao IMEI ..., alvo 9480, que daria origem ao apenso 43, referente ao arguido Q., teve início com base no despacho de fls. 1475. Esta intercepção viria a ser prorrogada pelo despacho de fls. 2044 sem que, tão pouco, fossem facultados ao juiz quaisquer elementos (escritos ou suportes sonoros) referentes ao resultado da intercepção anterior (pelo menos os autos não evidenciam essa remessa). Contudo, todas as sessões transcritas para o apenso 43 se enquadram ainda dentro do primeiro período de intercepção autorizado pelo despacho inicial de fls. 1475.
A intercepção ao alvo 7377- B, que daria origem ao apenso 21, referente ao arguido B. começou pela intercepção ao IMEI (com respectivo cartão inicial) ordenada pelo despacho de fls. 133, e, mais tarde, pelo despacho de fls. 223, foi ordenada intercepção autónoma já a um novo cartão (n.º ...). As sessões transcritas no apenso 21, até à sessão 370, inserem-se no prazo concedido pelo primeiro despacho e as demais sessões no despacho de fls. 223. A fls. 386 é proferido um outro despacho referente ao cartão n.º ...., mas nenhuma sessão interceptada nesta “continuação” da escuta a este número viria a ser objecto de transcrição, como se evidencia no apenso 21, onde a última sessão data de Agosto, sendo que aquele último despacho data de Setembro. Sendo assim, o facto de os autos não evidenciarem a remessa ao juiz de instrução dos elementos referentes à intercepção anteriormente verificada quando ordenou a sua continuação, a fls. 386, não oferece qualquer relevo para o processo, uma vez que nenhuma prova foi adquirida (referente a esta intercepção) com base naquele despacho.
A intercepção ao alvo 7231- B, que daria origem ao apenso 3, referente aos arguidos R. e S., começou pela intercepção ao IMEI (com respectivo cartão inicial) ordenada pelo despacho de fls. 133, e, mais tarde, pelo despacho de fls. 177, foi ordenada intercepção autónoma já a um novo cartão (n.º ...). As conversas transcritas no apenso 3, até à sessão 1563, inserem-se no prazo concedido pelo primeiro despacho e as demais sessões no despacho de fls. 177. A fls. 386 é proferido um outro despacho referente ao cartão n.º ..., mas nenhuma sessão interceptada nesta “continuação” da escuta a este número viria a ser objecto de transcrição, como se evidencia no apenso 3, onde a última sessão data de Agosto, sendo que aquele último despacho data de Setembro. Sendo assim, o facto de os autos não evidenciarem a remessa ao juiz de instrução dos elementos referentes à intercepção anteriormente verificada quando ordenou a sua continuação, a fls. 386, não oferece qualquer relevo para o processo, uma vez que nenhuma prova foi adquirida (referente a esta intercepção) com base naquele despacho.
A intercepção ao nº ..., alvo 8580, que daria origem ao apenso 39, referente ao arguido T., teve início com base no despacho de fls. 672. Pelo despacho de fls. 1033, sem que fossem remetidos ao juiz os elementos relativos à intercepção anterior, foi prorrogada esta intercepção. Todavia, as únicas sessões transcritas para o apenso constitutivo de prova, o apenso 39, enquadram-se ainda dentro do primeiro prazo concedido (v. despacho de fls. 672 e ofício da operadora de fls. 728), salientando-se ainda que a última sessão não teve sequer qualquer resultado para a aquisição da prova, uma vez que não tem conteúdo expresso.
Pelo que acima ficou evidenciado, patente se torna que as transcrições se reportam em geral a períodos de intercepções judicialmente autorizados sem que os autos permitam a conclusão de que as mesmas não foram adequadamente acompanhadas pela autoridade judiciária.
Há, todavia, três excepções a considerar:
A intercepção ao alvo 8112- A, que daria lugar ao apenso 41, referente ao arguido M. começou pela intercepção ao IMEI (com respectivo cartão inicial) ordenada pelo despacho de fls. 386. Mais tarde, pelo despacho de fls. 566, foi ordenada intercepção autónoma já a um novo cartão (n.º ...), inserido no mesmo IMEI, e, a fls. 709 viria novamente a ser ordenada a intercepção do mesmo cartão, numa altura em que a sua escuta ainda estava vigente e com prazo por mais dezassete dias. As conversas transcritas no apenso 41, até à sessão 1143, inserem-se no prazo concedido pelo primeiro despacho e, as demais sessões, no despacho de fls. 709. Acontece que este despacho foi proferido sem que ao juiz fossem facultados quaisquer elementos referentes à intercepção que já vigorava (pelo menos nos autos não é feita qualquer referência à sua remessa). Pese embora o juiz de instrução criminal tenha autorizado essa intercepção, aparentemente como se se tratasse de uma nova escuta, o certo é que ela configurou uma prorrogação, sem controlo judicial prévio do resultado da intercepção anterior. Sendo assim, perante a evidência detectada na falta de verificação judicial adequada sobre a necessidade do recurso a esta prorrogação numa ocasião em que a intercepção ainda se mantinha em vigor sem que a autoridade judiciária acedesse aos seus elementos para aumentar o respectivo prazo de vigência, impõe-se considerar como destituídas de valor probatório as transcrições do apenso 41, a partir da sessão 1638 (fls. 30), até final, por não terem sido adquiridas para os autos mediante o rigoroso controlo judicial que a lei impõe e a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a vincar.
A intercepção ao n.º ..., alvo 8264, que daria lugar ao apenso 42, referente ao arguido U. começou pela intercepção ao cartão ordenada pelo despacho de fls. 566. Mais tarde, pelo despacho de fls. 709, foi ordenada nova intercepção ao mesmo cartão (n.º ....), numa altura em que a sua escuta ainda estava vigente e com prazo por mais dezassete dias. As conversas transcritas no apenso 42, até à sessão 3733, inserem-se no prazo concedido pelo primeiro despacho e, as demais sessões, no despacho de fls. 709 (v. ofício da operadora de 627). Acontece que este despacho foi proferido sem que ao juiz fossem facultados quaisquer elementos referentes à intercepção que já vigorava (pelo menos nos autos não é feita qualquer referência à sua remessa). Pese embora o juiz de instrução criminal tenha autorizado essa intercepção, aparentemente como se se tratasse de uma nova escuta, o certo é que ela configurou uma prorrogação, sem controlo judicial prévio do resultado da intercepção anterior. Sendo assim, impõe-se considerar como destituídas de valor probatório as transcrições do apenso 42, a partir da sessão 3896 (fls. 111), até final.
A intercepção ao n.º ..., alvo 7853, que daria lugar ao apenso 6, referente ao arguido F., teve início com base no despacho de fls. 177. Mais tarde, pelo despacho de fls. 386, foi ordenada nova intercepção ao mesmo cartão (n.º ...), numa altura em que a sua escuta ainda estava vigente e com prazo por mais alguns dias (v. ofício da operadora de fls. 290). Todas as conversas transcritas no apenso 6 inserem-se no prazo concedido pelo segundo despacho. Acontece que este despacho foi proferido sem que ao juiz fossem facultados quaisquer elementos referentes à intercepção que já vigorava (pelo menos nos autos não é feita qualquer referência à sua remessa). Pese embora o juiz de instrução criminal tenha autorizado essa intercepção, aparentemente como se se tratasse de uma nova escuta, o certo é que ela configurou uma prorrogação, sem controlo judicial prévio do resultado da intercepção anterior. Sendo assim, impõe-se considerar como destituídas de valor probatório todas as transcrições do apenso 6.
Com efeito, e tendo em consideração o acima exposto, inevitável será considerar nulas as transcrições dos apensos assinaladas, por não terem sido asseguradas com o adequado controlo judicial: o juiz de instrução não só ordenou “novas intercepções” de números que já se encontravam interceptados, como autorizou, afinal, prorrogações sem previamente ter acautelado o acesso aos elementos que lhe permitiriam ajuizar da necessidade e adequação da subsistência de um tal meio de prova, em desrespeito, pois, dos normativos inseridos nos artigos 118º/3, 122º, 188º e 189º do CPP, bem como as normas constitucionais insertas nos artigos 18º, 34º e 37º da CRP. O simples facto de o juiz de instrução ordenar intercepções a números que estavam já a ser escutados faz, pois, duvidar do exercício de controlo judicial efectivo no exercício destas determinações, na linha do que tem vindo a ser entendido sobre a matéria no Tribunal Constitucional ao sublinhar que esse controlo pressupõe acompanhamento que comporte a possibilidade real em função do seu decurso de a escuta ser mantida ou alterada.
Esta declaração de nulidade afecta, assim, todo o apenso 6, que deverá ser eliminado. Para ele remete a acusação nos artigos 261º, 262º, 427º, e 476º a 488º, os quais deverão, em conformidade ser retirados daquela peça processual, uma vez que a prova recolhida no processo que os sustentava se suportava exclusivamente daquela intercepção.
Já não será assim, no que respeita aos artigos 264º e 265º da acusação, uma vez que a respectiva matéria encontra suporte probatório também na intercepção que daria origem ao apenso 42, na parte não abrangida pela declaração de nulidade das respectivas transcrições acima assinalada.
Com efeito, as transcrições deste apenso (42) não consideradas válidas pelos fundamentos acima já explanados, serão apenas as correspondentes à sessão 3790 (fls. 109) e seguintes. Só estas se verificaram dentro do período da prorrogação deferida sem acesso aos elementos da intercepção já anteriormente realizada. Consequentemente, apenas os artigos 681º a 683º e 686º a 694º da acusação serão afectados por esta declaração de nulidade, uma vez que apenas estes se suportam de prova exclusivamente adquirida de forma inválida para os autos.
Finalmente, a declaração de nulidade de parte do apenso 41, mais precisamente a partir da sessão 1638, transcrita a fls. 30, apenas afecta a matéria da acusação inserida nos artigos 767º a 775º daquela peça processual. Apenas esta matéria assenta, com efeito, exclusivamente na prova inválida constante de fls. 30 e ss. do apenso 41.
Acontece que conforme decorre de fls. subsequentes à determinação da junção aos autos das transcrições em referência, nenhum meio de prova adicional foi adquirido para os autos com base nas mesmas, não tendo, assim, a referida declaração de nulidade qualquer repercussão na prova subsequentemente ordenada e recolhida na investigação.
A questão essencial a apreciar em toda esta matéria consiste, na verdade, em saber se as intercepções telefónicas realizadas nos autos contaram, ou não, com efectivo acompanhamento e controlo judicial.
Com efeito, e tal como sustentado nos doutos acórdãos do Tribunal Constitucional já acima aludidos, as escutas telefónicas constituem “para além do evidente atentado ao direito à palavra falada – atentado só compreensível (aceitável) numa lógica de ponderação de interesses – a circunstância de propiciarem a frustração, de forma algo insidiosa, de direitos e privilégios de actuação processual, quando não mesmo de específicas proibições de prova, além de direitos de terceiros alheios à investigação criminal”. E mais adiante salienta-se naquele primeiro acórdão que “no imperativo da fidelidade estrita ao paradigma da ponderação legalmente codificada residirá uma razão decisiva e abono da exigência de uma interpretação restritiva das normas atinentes às escutas telefónicas” para concluir, em sede já de apreciação directa sobre a interpretação constitucional a dar à expressão «imediatamente» inserida no art. 188º/1 do CPP, que ela “não poderá, desde logo, reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostram feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse (...) terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem”.
Decisivo é, pois, mesmo na interpretação restritiva das normas reguladoras do procedimento das escutas telefónicas acolhida naqueles arestos do TC (aliás únicos na matéria lavrados por aquele tribunal e, o primeiro com voto de vencido), que se verifique, e os autos a documentem, uma intervenção judicial substancial (e não um mero tabelionato) no controlo da efectivação daquele delicado meio de prova. Note-se que o juízo de inconstitucionalidade, por fim, afirmado no primeiro acórdão se contém na decisão da desconformidade da interpretação do n.º 1 do art. 188º do CPP “quando interpretado em termos de não impor que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e, bem assim, também atempadamente, decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas”. E ainda que se adite que “ao fixar a interpretação constitucionalmente conforme daquele art. 188º/1, no segmento em que se insere a expressão “imediatamente”, este não poderá reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostram feitas, pressupondo um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto durarem as operações, em que esta se materializa – sem que decorram largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz se não mostre documentada nos autos”, o certo é que não se chega a introduzir definição rígida ou mesmo concreta do que deva ser entendido, afinal, por «imediato».
Na mesma linha se insere o segundo acórdão recentemente proferido pelo Tribunal Constitucional.
Nem de outro modo poderia ser, cabendo, às instâncias comuns, e em especial à instância comum de recurso, ajuizar no caso concreto se foram, ou não, adequadamente ponderados os interesses em conflito a acautelar numa razão de proporcionalidade ajustada (o interesse da investigação v. a salvaguarda do sigilo das comunicações), designadamente no aspecto também dos prazos fixados pelo juiz de instrução criminal para a activação da escuta, suas prorrogações e periodicidade com que o OPC apresentou os elementos delas decorrentes a supervisão judicial, em função da natureza e complexidade da investigação como um todo. Ao Tribunal Constitucional está reservada a apreciação da conformidade das normas e procedimentos com a Lei Fundamental, e desta não decorre qualquer prazo para a referida apresentação.
Retendo, pois, os aludidos parâmetros constitucionais, impõe-se a análise do caso concreto.
Da leitura atenta dos autos, com base nos elementos do processo constantes, de salientar será, antes do mais, que o controlo judicial nesta prova produzida na investigação encontra expressão desde logo no cuidado havido na própria autorização para as intercepções telefónicas pedidas pelo OPC (ou sua prorrogação), casos tendo havido em que aquele pedido era negado ou solicitados esclarecimentos complementares aos investigadores em ordem a ajuizar da adequação da medida e sua necessidade para a investigação tendo em vista aferir da sua proporcionalidade relativamente à restrição dos direitos fundamentais do cidadão que a sua realização traduziria, tal como se solicitavam esclarecimentos às operadoras para certificação da realização das intercepções dentro dos prazos judicialmente estabelecidos (v. despacho de fls. 552, vol. II, proc. 550/00.9, fls. 818, 835 e 880, vol. III do proc. 550/00.9). Nesta linha de respeito pelo princípio da adequação e proporcionalidade que deve nortear a obtenção de um tão delicado meio de prova se insere o despacho de fls. 492 (II vol. do proc. 550/00.9JAAVR), onde se estabeleceu um prazo para cessarem diversas intercepções que se encontravam em curso sem termo estabelecido, pelo critério judicial inicialmente assumido. Ainda na mesma linha de procedimentos se insere o despacho de fls. 746, vol. II, do proc. n.º 550/00.9, onde, na sequência da detenção de um arguido, se determina a imediata cessação de uma escuta em curso. O cuidado em indicar ao OPC orientações expressas de procedimento no tratamento da obtenção deste meio de prova, designadamente ao nível da periodicidade para a apresentação dos seus elementos a supervisão judicial encontra-se devidamente ilustrado em despachos como o proferido a fls. 3142/3143, vol. 11º do proc. 1237/99.9JGLSB.
Em muitos casos o despacho que determinou a transcrição não foi proferido nos dias imediatamente subsequentes à entrega dos elementos para transcrição no tribunal pelo OPC (no cumprimento das indicações para selecção previstas na parte final do n.º 1 do art. 188º do CPP), antes tendo decorrido período de tempo mais ou menos alargado em ordem a permitir a audição integral das gravações efectuadas por forma a aferir da bondade do critério policial apresentado (v., entre outros, o despacho de fls. 546-A, vol. II do processo n.º 550/00.9JAAVR), sendo variadas as informações de remessa dos elementos sonoros obtidos a supervisão judicial de que são meros exemplos fls. 3747, vol. 13º do proc. 1237/99.9JGLSB ou fls. 5399. Vol. XVIII do proc. 1237/99.9JGLSB). Tal demora não pode, como é bom de ver, ser imputada ao OPC, nem traduz qualquer indício de falta de controlo judicial no exercício de competência que lhe está atribuída. Pelo contrário, evidencia o cuidado havido na análise dos dados disponíveis, sem que se perdesse de vista, em algum momento, as prioridades da investigação, como resulta, de vários despachos lavrados, onde se procurava responder às prioridades indicadas pelos investigadores na aquisição da prova para o prosseguimento da investigação (v. fls. 564, vol. II, proc. 550/00.9, fls. 836, vol. III do proc. 550/00.9). A audição dos elementos sonoros apresentados pelo OPC resulta bem evidenciada, entre outros, no despacho de fls. 979, vol. IV do proc. 550/00.9, tal como no despacho de fls. 2610, vol. 9 do proc. 1237/99.9JGLSB, ou no despacho de fls. 2991, vol. 10 do proc. 1237/99.9JGLSB.
Patente é, ao contrário do invocado pelos arguidos, que não foi o critério de selecção do OPC que prevaleceu nas transcrições, mas o do juiz, como resulta de despachos onde judicialmente se mandou corrigir apontamentos para transcrição apresentados ou mesmo acrescentar, ou eliminar sessões às seleccionadas pelo critério policial. Veja-se, desde logo, o despacho de fls. 211/212 (vol. I do proc. 550/00.9JAAVR), onde o juiz de instrução criminal de Aveiro, por exemplo no que se reporta à intercepção do número ..., não acolheu a sugestão de transcrição de todas as sessões solicitadas pelo OPC, designadamente a fls. 202. Noutros despachos se patenteia o cuidado depositado na audição judicial dos elementos fornecidos pelo OPC, tendo em vista, para além da aferição dos critérios de selecção das sessões com relevo probatório, ainda a verificação da fidedignidade das transcrições bem como a protecção dos direitos fundamentais do cidadão no respeito da sua privacidade e dos sigilos profissionais com acolhimento legal, tanto na perspectiva do arguido alvo da intercepção, como na dos seus interlocutores. Atente-se no despacho de fls. 551, vol. II, do proc. n.º 550/00.9 ou no despacho de fls. 3570, vol. 12º do proc. 1237/99.9, onde se introduzem correcções aos apontamentos apresentados pelo OPC para transcrição e se determina a eliminação de sessões gravadas que não foram objecto de selecção para transcrição, e no despacho de, fls. 687, vol. II, proc. 550/00.9, onde se manda gravar de novo sessão imperceptível na gravação apresentada ao juiz. E do cumprimento por parte do OPC das orientações ditadas pela autoridade judiciária, bem como da fidedignidade das transcrições apresentadas relativamente à palavra escutada, também há notícia no autos (v. fls. 580, vol. IV do proc. 550/00.9 e fls. 3262, vol. 11º do proc. 1237/99.9)
Finalmente, e se mesmo assim restassem ainda algumas dúvidas para o leitor deste processo sobre quem foi o autor da selecção das sessões a transcrever, na concretização do juízo de ponderação entre a pretensão punitiva do Estado e os direitos fundamentais dos cidadãos, atente-se no despacho de fls. 5404, vol. XVIII do proc. 1237/99.9JGLSB.
Note-se, pois, que até mesmo na confirmação do desinteresse para a prova a adquirir nos autos invocado pelas autoridades policiais o juiz de instrução criminal não abriu mão das suas competências exclusivas, numa dimensão de verdadeiro garante dos direitos fundamentais dos cidadãos que implica também o controlo da informação que a polícia adquiriu pese embora concluindo pelo seu desinteresse para a investigação em curso (v. entre outros ainda o despacho de fls. 3261/3262, vol. 11º do proc. 1237/99.9JGLSB).
Tudo isto se passou, tudo isto se mostra documentado nos autos!
Com efeito, todos os dados a que se reporta o art. 188º/1 do CPP se evidenciam no processo, quer dos autos de intercepção ou audição formalizados, quer dos despachos no processo exarados, quer de informações prestadas por escrito pelo OPC, quer, finalmente do próprio teor dos ofícios das operadoras telefónicas a dar notícia do início e fim de cada intercepção.
Sendo assim, inevitável será concluir que do estudo atento dos autos, resulta que nas intercepções telefónicas realizadas durante a investigação, se verificou o acompanhamento e controlo judicial efectivado com recurso inclusivamente a deslocações às instalações da Polícia Judiciária para supervisionamento de algumas das intercepções em curso (v. fls. 2033/2034, fls. 2440/2442, vol. 7 e vol. 9 do proc. 1237/99.9JGLSB), ou através do suporte sonoro remetido a supervisão judicial, tudo numa clara tradução da preocupação judicial que esteve sempre presente em definir o critério de selecção das sessões para transcrição com instruções directamente dadas ao OPC.
Não se nega que algumas intercepções acusam um prazo mais alargado desde a sua cessação até à apresentação em tribunal dos elementos para prolação do despacho a que alude o art. 188º/3 do CPP. Todavia, para aferir da adequação de tais procedimentos será necessário fazer uma leitura global do processo, sem esquecer a sua dimensão, bem como as sucessivas detenções que iam tendo lugar, também elas potenciadoras de comunicação entre o OPC e o juiz de instrução criminal, designadamente ao nível da verificação da necessidade, ou não, de implementar maior urgência no tratamento das escutas telefónicas, tendo em vista, por um lado, assegurar o êxito das investigações e, por outro, garantira os direitos dos arguidos.
De tudo isto dão notícia os autos. A todos estes elementos será necessário dar a adequada atenção em ordem a reconstituir-se a verdade que esteve subjacente a todas as operações em referência e designadamente também às intercepções telefónicas realizadas.
Por mais formalista que se seja na observância dos procedimentos legais, o que não poderá perder-se de vista é que a substância prevalece sobre a forma.
A este propósito caberá abrir um pequeno parêntesis para recordar o carácter ainda algo lacunoso da nossa legislação procedimental em matéria de escutas telefónicas (à semelhança aliás de outras legislações próximas) que se contém nas normas estabelecidas nos artigos 187º a 189º do CPP. Ao adoptar uma tal orientação aberta na regulamentação das normas constitucionais insertas no n.º 8 do art. 32º e no n.º 4 do art. 34º da nossa Lei Fundamental, o nosso legislador não terá ainda ficado distante da doutrina que sustenta residir a garantia essencial da legalidade dos procedimentos adoptados para a realização de escutas telefónicas na resolução judicial, sujeitando esta apenas aos parâmetros estabelecidos na lei adjectiva, designadamente no art. 187º, ao elencar os crimes para cuja investigação é possível recorrer a um tal meio de prova e no art. 188º do mesmo diploma legal ao exigir o controlo e domínio de toda a operação por parte do juiz (sobre o assunto v. Jacobo López Quiroga, in «Las Escuchas Telefónicas y la Prueba Ilegalmente Obtenida», p. 153-169 – onde o autor critica precisamente este entendimento).
Nem todas as intercepções foram autorizadas pelo mesmo juiz de instrução criminal, por força da transferência do processo para outro tribunal ou por incorporação de outros autos em fase posterior. Tal circunstância terá seguramente contribuído para alguma confusão nos critérios a seguir pelo OPC.
Na sua acepção temporal, o termo “imediatamente “aludido no art. 188º/1 do CPP, destina-se a exigir que os elementos a submeter a apreciação judicial sejam facultados à autoridade judiciária tão cedo quanto possível, ou melhor, tão cedo quanto o superior critério definido pelo juiz. O tempo que este leva para aferir da fidedignidade ou interesse das transcrições para a prova a adquirir nos autos é, para este efeito, aspecto secundário: o juiz levará o tempo que se afigurar necessário, atenta a dimensão da escuta e o número de cassetes que a reproduzem, ainda que só, naturalmente, o estritamente necessário, em ordem a acautelar os direitos fundamentais do escutado e seus interlocutores, bem como a celeridade do processo.
Qual o momento adequado para o OPC apresentar os elementos a supervisão judicial, nos casos em que não há prorrogações e o juiz não tomou nenhuma iniciativa nesse sentido? É pergunta a que a lei não responde claramente e, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores divide-se entre uma visão mais tolerante, que procura assegurar os interesses da investigação, considerando os meios ao alcance dos operadores e a dimensão das escutas em causa, sem descurar que essencial é que dos autos resulte que houve controlo judicial adequado, e uma outra mais intransigente em matéria susceptível de ferir direitos constitucionalmente consagrados que, sem todavia expressar o prazo exacto compatível com o assegurar daqueles direitos, põe a tónica na expressão “imediatamente”.
De novo, o essencial a reter é que ao adoptar uma orientação aberta na regulamentação das normas constitucionais insertas no n.º 8 do art. 32º e no n.º 4 do art. 34º da nossa Lei Fundamental, o legislador terá aceite que a garantia essencial da legalidade dos procedimentos adoptados para a realização de escutas telefónicas residia na resolução do juiz, enquanto garante constitucional dos direitos fundamentais dos cidadãos. E, ainda aqui foi a determinação judicial que se impôs e evidenciada resulta de inúmeros despachos exarados nos autos a dar orientações ao OPC no sentido de que esta, ou aquela intercepção, deveriam merecer apresentação próxima dos respectivos elementos para assegurar a adequada supervisão judicial (v., entre outros, despachos já acima assinalados).
Se em algumas intercepções não houve apresentação por parte dos investigadores das gravações das intercepções verificadas antes do seu termo, nem se verificou qualquer intervenção judicial no sentido de interpelar o OPC para facultar os elementos necessários para a transcrição, tal inseriu-se, contudo ainda, no critério judicial adoptado e então assumido, cuja bondade não caberá, naturalmente, ser apreciada em sede ainda de primeira instância. Certo é que ao não estabelecer um prazo para aquela apresentação ou não interpelando o juiz o OPC para o efeito, o juiz de instrução criminal que as autorizou aceitou necessariamente uma maior flexibilidade por parte dos investigadores na escolha do momento para apresentar os elementos para transcrição a supervisão judicial, sem que, todavia, a autoridade judiciária ficasse inibida de a qualquer momento, tendo em vista a própria natureza da matéria sob investigação e as necessidades decorrentes da mesma, determinar aquela apresentação.
Também em termos temporais o acompanhamento judicial se efectivou, pois, dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos tendo em consideração a dimensão e complexidade da investigação, com lugar para elevado número de intercepções telefónicas e onde em determinada altura se verificou ainda transferência do processo para outro tribunal em razão da competência entretanto definida de acordo com o evoluir do objecto da investigação.
É neste contexto que se entende não poder tal critério judicial ser sindicado ainda em sede de primeira instância, antes cabendo a uma instância superior de recurso apreciar o mesmo, caso venha a verificar-se impugnação por via de recurso. Aqui caberá tão só verificar se houve, ou não, autorização judicial para a realização das escutas, sob pena de nulidade insanável, bem como se foi efectivamente o juiz de instrução quem determinou as transcrições das conversações com interesse para a prova com base nas intercepções que autorizou e se foram os procedimentos adoptados pela autoridade judiciária os que foram observados pelo órgão de polícia criminal. E disso, nenhum elemento existe no processo que permita fazer duvidar no que respeita a todas as intercepções realizadas, com excepção apenas para os casos já acima assinalados.
Pelo que fica exposto, e sem prejuízo da repercussão que a nulidade da prova contida nos apensos já acima aludidos terá no juízo de verificação, ou não, de indiciação suficiente para levar os arguidos a julgamento, matéria a tratar mais adiante, inevitável será concluir, desde já, que aquela nulidade não invalida mais nenhuma prova colhida nos autos, não podendo tão pouco produzir efeitos nas demais intercepções realizadas, que decorreram à margem de qualquer omissão de formalidades essenciais e designadamente do controlo judicial adequado.
Sendo assim, esta nulidade implicará, apenas, a destruição dos apensos 6, apenso 42 a partir de fls. 109 (sessão 3790 e ss.) e apenso 41 a partir de fls. 30 (sessão 1638 e ss.), bem como de todos os suportes sonoros que integram esta intercepção, a assegurar pelo OPC no prazo máximo de dez dias.
Concluindo, de tudo o que fica referido resulta que, com ressalva para as excepções assinaladas, e das quais já foram retiradas as devidas consequências, as escutas telefónicas realizadas nestes autos contaram com supervisão e acompanhamento judicial tendo em vista assegurar a salvaguarda dos direitos fundamentais do cidadão dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo. A este propósito não será despiciendo lembrar, uma vez mais, que os presentes autos apresentam dimensão significativa e intercepções telefónicas de dimensão considerável, tudo a concorrer, pois, para o maior volume de trabalho exigido ao OPC que sempre conseguiu, com efeito, responder às orientações judiciárias que lhe iam sendo fornecidas, com celeridade e fidedignidade.
Numa palavra, mesmo que alguns vícios ou irregularidades formais possam ser detectados, que não aqueles que invocados foram pela defesa, ninguém poderá negar, todavia, que todas as transcrições correspondem com notável fidedignidade à palavra proferida pelos escutados, ou afirmar que em alguma delas se contém algum elemento que fira a privacidade dos escutados para além dos objectivos prosseguidos na investigação. Ninguém poderá afirmar, tão pouco, (com excepção apenas para os casos já acima assinalados, cujas transcrições serão declaradas nulas), que foram autorizadas intercepções indevidamente, ou mais precisamente, sem que fossem previamente tomadas as devidas cautelas para que não fossem escutados cidadãos sem qualquer sinal nos autos de envolvimento com a investigação em curso. Eis, pois, o preenchimento substancial dos imperativos legais e constitucionais na recolha de este delicado meio de prova, num cumprimento adequado por parte da Polícia Judiciária das determinações que lhe eram impostas pelo juiz de instrução criminal.
Termos em que, com a excepção assinalada referente aos apensos já indicados, se considera a prova consistente nas transcrições vertidas nos diversos apensos que as contêm e se mostram juntos aos autos, como prova validamente adquirida para o presente processo».
9 – Analisemos agora, com carácter geral, o regime constitucional e legal das escutas telefónicas.
O nº 1 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa garante a inviolabilidade dos meios de comunicação privada, entre os quais se incluem as telecomunicações.
Ressalva, no entanto, o nº 4 desse mesmo preceito constitucional a possibilidade de haver ingerência das autoridades públicas nesses meios de comunicação nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
Para dar eficácia às garantias que consagra neste campo, a Constituição estabelece, no nº 8 do seu artigo 32º, a nulidade das provas obtidas mediante abusiva intromissão nas telecomunicações.
Para além disso, uma vez que a ingerência nas telecomunicações se traduz numa limitação de um direito fundamental, a actuação das autoridades públicas neste domínio está ainda limitada dado que se estabelece, no nº 4 do artigo 32º da Constituição, quanto a essa matéria, uma reserva de jurisdição[4].
Essa reserva de jurisdição, não abrangendo a execução dos actos materiais, implica, no entanto, que o juiz controle efectivamente[5] os concretos termos da intrusão do Estado no domínio da privacidade, ponderando, caso a caso, os interesses conflituantes e assegurando que toda a limitação que ocorra se cinja ao mínimo indispensável à realização da justiça.
Tendo em atenção o regime constitucional acabado de traçar, o legislador ordinário procurou, logo na versão originária dos artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal, definir um regime rigoroso que assegurasse aquele efectivo controle jurisdicional.
À reserva de juiz fez acrescer duas outras importantes garantias. Apenas autorizou a intercepção e gravação das comunicações quanto a determinadas infracções (sistema de crimes de catálogo) e impôs a utilização de critérios de subsidiariedade e idoneidade, só autorizando o recurso a este meio de obtenção de prova no caso de existirem razões para crer que a diligência viesse a assumir grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (artigo 187º)[6].
Para além de estabelecer estas regras de admissibilidade das escutas telefónicas, o legislador preocupou-se em definir as formalidades das operações (artigo 188º), cominando como nulidade a violação de qualquer dos requisitos e condições estabelecidos nos artigos 187º e 188º (artigo 189º).
A emanação destas normas não impediu, contudo, que logo tenham surgido divergências quanto aos termos dos formalismos estabelecidos pelo artigo 188º do Código de Processo Penal.
Para uns esta disposição legal impunha a elaboração de dois autos, um que certificava o desenrolar das operações de intercepção e gravação e outro que continha as transcrições dos extractos das conversas que o juiz, depois de ouvir a totalidade das gravações efectuadas, viesse a considerar relevantes para a prova[7]. Daí que impusesse que o primeiro desses autos, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos, fosse imediatamente levado ao conhecimento do juiz.
Outros entendiam que apenas havia que elaborar um auto que, para além de mencionar os termos das operações realizadas, conteria a integralidade, ou parte[8], das conversas interceptadas e gravadas.
Tal disputa veio a ser, em nosso entender, resolvida pelo legislador de 1998 que, através da nova redacção dada ao artigo 188º, consagrou claramente a primeira daquelas teses. Ao auto que comprova a realização das operações materiais, a que se reporta o nº 1 do artigo 188º, acresce um outro, o mencionado no nº 3, que deve conter apenas os extractos seleccionados pelo juiz (nºs 3 e 4 da nova redacção do preceito).
Todo este regime propicia um efectivo controlo por parte do juiz da execução deste meio de obtenção da prova, controlo este que não pode deixar de passar:
- pela verificação pelo juiz, em concreto, das condições de admissibilidade deste meio de obtenção da prova, o que implica que ele se certifique da natureza do crime investigado e da relevância que a utilização da escuta pode ter para a descoberta da verdade ou para a prova;
- pelo estabelecimento de um prazo relativamente apertado para a realização das intercepções e gravações ou, caso isso não aconteça, pelo acompanhamento das operações com uma proximidade que permita o tempestivo conhecimento dos seus resultados, para as fazer cessar logo que deixem de ser imprescindíveis;
- em caso de prorrogação do prazo inicialmente estabelecido, pela análise prévia dos resultados obtidos através das diligências anteriormente realizadas para assim poder decidir se elas devem prosseguir e, sendo caso disso, qual o horizonte temporal das novas operações;
- pelo acompanhamento próximo das diligências autorizadas, que, no mínimo, se deve traduzir no imediato conhecimento, no fim do prazo estabelecido, do resultado das gravações efectuadas[9];
- pela selecção feita pessoalmente pelo juiz das sessões a transcrever uma vez que, dado o sistema por que o nosso Código optou[10], só o juiz pode aqui garantir a imparcialidade da selecção dos elementos de prova, à charge et à décharge, e que ela não reflicta apenas a perspectiva da acusação[11];
Assegurado este controle efectivo, que passa, como se disse, por garantir que o juiz tome conhecimento das gravações efectuadas através da audição directamente feita através da utilização dos suportes em que ela se contém, perde grande parte da relevância a questão, muitas vezes suscitada, do prazo de elaboração do 2º auto, que contém as transcrições[12]. Para ele a lei não estabelece qualquer prazo. Deve, portanto, ser elaborado o mais depressa possível, sempre antes do termo do inquérito, mas sem que exista um limite temporal peremptório.
Partindo desta visão das coisas, analisemos então cada um dos recursos interpostos pelos arguidos em matéria de escutas telefónicas.
Recurso do arguido H..
10 – Este arguido argúi a nulidade das seguintes sessões da intercepção e gravação efectuadas:
- ao cartão com o nº ... (alvo nº 7231 B, cujas transcrições, embora incorporadas nos autos – fls. 2151 a fls. 2267 – constituem o chamado Apenso nº 3)
o Nº 298, de 17/7/2000, transcrita a fls. 2169 em 22/1/2001;
o Nº 625, de 18/7/2000, transcrita a fls. 2183 em 22/1/2001;
o Nº 641, de 18/7/2000, transcrita a fls. 2186 em 22/1/2001;
o Nº 661, de 18/7/2000, transcrita a fls. 2191 em 22/1/2001;
o Nº 829, de 19/7/2000, transcrita a fls. 2192 em 22/1/2001;
o Nº 910, de 20/7/2000, transcrita a fls. 2202 em 22/1/2001.
- ao cartão com o nº 937020921 (alvo nº 7843, cujas transcrições constituem o Apenso nº 44)
o Nº 97, de 5/8/2000, transcrita a fls. 5 do apenso nº 44 em 6/7/2001;
o Nº 452, de 15/8/2000, transcrita a fls. 56 do apenso nº 44 em 6/7/2001;
o Nº 459, de 15/8/2000, transcrita a fls. 57 do apenso nº 44 em 6/7/2001;
11 – Comecemos então por ver como decorreu a intercepção do primeiro dos referidos cartões de acesso ao Serviço Telefónico Móvel, aquele que tinha o nº ... (Apenso nº 3).
O sr. juiz de instrução criminal de Loures, através do despacho de fls. 133, datado de 28/6/2000, autorizou a intercepção de diversos desses cartões, entre os quais se encontrava aquele que tinha o nº ..., e a intercepção dos cartões que estivessem ou viessem a ser utilizados pelo aparelho (identificado através de um IMEI[13]) em que o cartão com o número indicado fosse ou viesse a ser utilizado.
Com base nessa autorização[14], conforme se pode ver de fls. 183, iniciou-se, em 14/7/2000, a intercepção daquele cartão.
Relativamente a esta intercepção o sr. juiz de instrução, para além daquela autorização e suas prorrogações, não praticou qualquer outro acto antes de, por despacho de 20/10/2000 (v. fls. 639), ter aceite a proposta da Polícia Judiciária e a promoção do Ministério Público de mandar transcrever as sessões indicadas pelo OPC (v. fls. 635), sem que as gravações lhe tenham sido presentes, sem que as tenha ouvido e sem que tenha sido ele a efectuar a selecção do que considerava relevante.
Não se pode, por isso, deixar de considerar que as indicadas sessões das gravações efectuadas ao cartão com o nº ... são nulas (artigo 189º do Código de Processo Penal), não podendo, portanto, ser valorados como prova os elementos assim obtidos (artigo 126º, nº 3, do mesmo diploma).
12 – Vejamos agora o que se passou com as três sessões relativas à intercepção efectuada ao cartão com o nº ... (Apenso nº 44).
A intercepção das conversações efectuadas através desse número foi autorizada, também por 45 dias, em 28 de Julho de 2000 através do despacho de fls. 177, autorização essa que, posteriormente, por despacho de fls. 386, datado de 14/9/2000, foi prorrogada por 60 dias.
Também relativamente a esta intercepção o sr. juiz de instrução criminal de Loures e a srª juíza de instrução de Vila Franca de Xira, para além daquela autorização e da referida prorrogação, não praticaram qualquer outro acto antes de, por despacho de 15/2/2001 (v. fls. 1475), esta última ter aceite a proposta da Polícia Judiciária e o requerimento do Ministério Público para mandar transcrever as sessões indicadas pelo OPC (v. fls. 1470), sem que as gravações lhes tenham sido presentes, sem que qualquer deles as tenha ouvido e sem que tenha sido qualquer magistrado judicial a efectuar a selecção do que considerava relevante.
Não se pode, por isso, também neste caso, deixar de considerar que as indicadas sessões das gravações efectuadas ao cartão com o nº ... são nulas (artigo 189º do Código de Processo Penal), não podendo, portanto, ser valoradas como prova (artigo 126º, nº 3, do mesmo diploma).
Procede, pois, integralmente este recurso interposto pelo arguido H..
Recurso dos pelos arguidos I. e L..
13 – Estes arguidos pretendem que o tribunal declare a nulidade da prova obtida através das escutas realizadas aos seguintes cartões:
- Com o nº ..., indicado como alvo nº 7231-B, cujas transcrições constam do apenso nº ... o nº ..., indicado como alvo nº 7843, cujas transcrições constam do apenso nº 44;
- Com o nº ..., indicado como alvo nº 8112-E, cujas transcrições constam do apenso nº 29;
- Com o nº ...., indicado como alvo nº 7231-D, cujas transcrições constam do apenso nº 38;
- Com o nº ...., indicado como alvo nº 9238-A, cujas transcrições constam do apenso nº 27;
- Com o nº ..., indicado como alvo nº 8264, cujas transcrições constam do apenso nº 42;
- Com o nº ..., indicado como alvo nº 8112-A, cujas transcrições constam do apenso nº 41.
Procuremos então, na amálgama que constituem estes autos[15], com mais de centena e meia de telemóveis interceptados, uns através da indicação dos respectivos números dos cartões de acesso, outros através dos respectivos IMEI, outros por uma e outra forma, parecendo, às vezes, que ninguém, para além da srª juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal, disso se apercebeu, e em que os documentos relativos a cada uma das escutas se misturam com o outro expediente, sem qualquer ordem, procuremos, dizíamos, os factos relevantes para a apreciação das diligências realizadas quanto a cada um deles.
14 – Ao apreciar o anterior recurso já nos pronunciámos sobre as vicissitudes das escutas cuja transcrição consta dos apensos 3 e 44, nada mais havendo a acrescentar. O que se disse quanto a algumas das intercepções efectuadas é perfeitamente válido quanto às restantes constantes desses mesmos apensos.
Não tendo havido qualquer controle judicial efectivo das escutas formalmente autorizadas pelo juiz há que declarar nulas as intercepções efectuadas, com a consequente proibição de valoração da prova assim obtida.
15 – No que respeita à escuta efectuada ao cartão com o nº ..., identificado como alvo 8112-E, cujas transcrições constam do apenso nº 29, verifica-se que a mesma foi efectuada na sequência do despacho de fls. 1033, datado de 19 de Dezembro de 2000, que autorizou, pelo período de 60 dias, a intercepção e gravação das conversações efectuadas, entre outros, através do cartão nº ... e de todos os cartões que viessem a ser utilizados no mesmo aparelho, um dos quais foi o aqui em causa.
Decorreu de 7/2/2001 (fls. 1584) a 3/3/2001 (fls. 1729).
O material gravado foi apresentado em 27/3/2001 a uma das senhoras juízas de instrução criminal de Leiria que tiveram intervenção nestes autos, a qual procedeu, em 30/3/2001, à audição das gravações e determinou a sua transcrição (ver fls. 2033).
Embora fosse desejável que o acompanhamento das diligências efectuadas tivesse sido mais pleno e próximo, não se pode considerar que tenham, no essencial, sido desrespeitados os preceitos constitucionais e legais atrás mencionados, razão pela qual se nos afigura que, quanto a esta intercepção, nenhuma nulidade foi cometida, nada obstando à valoração da prova através desse meio obtida.
16 – Quanto à escuta realizada ao cartão com o nº ..., identificado como alvo nº 7231-B, cujas transcrições constam do apenso nº 38, verifica-se que a mesma foi efectuada na sequência do despacho de fls. 133, datado de 28 de Junho de 2000, que autorizou, pelo período de 45 dias, a intercepção e gravação das conversações efectuadas, entre outros, através do cartão nº ... e de todos os cartões que viessem a ser utilizados no mesmo aparelho, um dos quais foi o aqui em causa.
Ainda antes de esgotado este prazo, e sem que tivesse sido feita referência ao facto de se tratar de uma intercepção já em curso, foi solicitada nova autorização para o cartão nº ..., a qual foi concedida através do despacho de fls. 223 pelo prazo de 45 dias.
A intercepção, que se tinha iniciado, ao abrigo daquela 1ª autorização, em 7/8/2000 (fls. 219), veio a prosseguir, a coberto da 2ª autorização, a partir de 22/8/2000 (fls. 340), tendo decorrido até 6/10/2000 (fls. 609).
Sob proposta da Polícia Judiciária (fls. 636) e a requerimento do Ministério Público (fls. 638), foi, em 20 de Outubro de 2000, através do despacho judicial de fls. 639, ordenada a transcrição das conversações indicadas pela Polícia Judiciária sem que se tenha procedido a qualquer audição e sem que sequer tenham sido apresentados os suportes em que as gravações se continham, as quais só vieram a ser entregues em tribunal no dia 11/7/2001 (ver fls. 3258).
Não se pode, portanto, deixar de considerar nulas as intercepções e gravações efectuadas e proibida a valoração da prova assim obtida.
17 – Passemos agora a analisar a escuta realizada ao cartão com o nº ..., identificado como alvo nº 9238-A, cujas transcrições constam do apenso nº 27.
Verifica-se que a mesma foi efectuada ao abrigo do despacho de fls. 1335, datado de 16 de Janeiro de 2001, que autorizou, pelo período de 60 dias, a intercepção e gravação das conversações efectuadas, entre outros, através do cartão nº ... e de todos os cartões que viessem a ser utilizados no mesmo aparelho, um dos quais foi o aqui em causa.
A intercepção foi iniciada em 5/2/2001 (fls. 1573) e terminou em 19/3/2001 (fls. 2008).
O material gravado foi apresentado em 27/3/2001 a uma das senhoras juízas de instrução criminal de Leiria que tiveram intervenção nestes autos, a qual procedeu, em 30/3/2001, à audição das gravações e determinou a sua transcrição (ver fls. 2033).
Também neste caso embora fosse desejável que o acompanhamento das diligências efectuadas tivesse sido mais próximo e pleno, não se pode dizer que não foram, no essencial, respeitados os preceitos constitucionais e legais atrás mencionados, razão pela qual se nos afigura que, também quanto a esta intercepção, nenhuma nulidade foi cometida, nada obstando à valoração da prova através desse meio obtida.
18 – Debrucemo-nos agora sobre a escuta realizada ao cartão com o nº ..., identificado como alvo nº 8264, cujas transcrições constam do apenso nº 42 (considerado já parcialmente nulo pelo despacho recorrido).
A intercepção foi autorizada, pelo prazo de 60 dias, pelo despacho de fls. 566, proferido em 2/10/2000, iniciando-se em 4/10/2000 (fls. 603) e cessando, depois de ter sido prorrogada pelos despachos de 15/11/2000 (fls. 709 – prazo 45 dias) e de 19/12/2000 (fls. 1033 – prazo 60 dias), em 3/3/2001 (fls. 1730).
Por proposta da Polícia Judiciária (fls. 1471) e na sequência de requerimento do Ministério Público (fls. 1474), a srª juíza, a fls. 1477, determinou a transcrição das sessões indicadas pelo OPC sem que previamente lhe tenham sido presentes os suportes em que as gravações se continham e, consequentemente, sem que tenha procedido à sua audição.
Diga-se ainda que, conforme se pode ver dos autos, só em 11/7/2001 (ver fls. 3257) foram apresentados no tribunal os suportes magnéticos das gravações, vindo, no dia 26 desse mesmo mês, depois de ouvidas, a ser proferido um outro despacho judicial que ordenou a transcrição e junção de outras gravações efectuadas (fls. 3570).
Não obstante o empenho da srª juíza de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, que nesta última fase praticou os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, verifica-se que as prorrogações destas escutas foram efectuadas sem que tenha havido qualquer conhecimento do resultado das intercepções anteriormente efectuadas, as transcrições foram inicialmente ordenadas sem que tenha sido feita pelo juiz a sua selecção, tendo mediado entre a cessação da escuta e a apresentação no tribunal dos suportes em que se continham as gravações efectuadas mais de 4 meses.
Não tendo, portanto, havido o necessário controle judicial da escuta efectuada, a não ser o que veio a ser feito, mas depois de decorrido demasiado tempo, pela srª. juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal, não se pode deixar de declarar a nulidade cometida, com a consequente proibição de valoração da prova assim obtida.
19 – Resta-nos analisar a escuta realizada ao cartão com o nº ..., identificado como alvo nº 8112-A, cujas transcrições constam do apenso nº 41 (considerado já parcialmente nulo pelo despacho recorrido).
Trata-se, também neste caso, de uma escuta efectuada na sequência do despacho datado de 14/9/2000 (fls. 386) que autorizou a intercepção de diversos cartões, entre os quais se contava o que tinha o nº ..., e dos aparelhos em que os mesmos fossem utilizados. Foi assim que a intercepção e gravação das comunicações efectuadas através deste cartão se iniciaram em 25/9/2000 (fls. 594).
Posteriormente, ao abrigo do despacho de fls. 566, proferido em 2/10/2000, foi especificamente autorizada a intercepção e gravação, pelo prazo de 60 dias, das conversas efectuadas através deste cartão, a qual se iniciou em 4/10/2000 (fls. 601) e que cessou, depois de ter sido prorrogada pelos despachos de 15/11/2000 (fls. 709 – prazo 45 dias) e de 19/12/2000 (fls. 1033 – prazo 60 dias), em 3/3/2001 (fls. 1727).
As transcrições foram inicialmente ordenadas pelo despacho de fls. 1477, que se limitou a aceitar a sugestão do OPC, sem que previamente tenham sido apresentados à srª juíza os suportes em que as gravações se continham e sem que esta os tenha, portanto, ouvido.
Também neste caso os CDs apenas foram entregues no tribunal em 11/7/2001, tendo um novo despacho judicial sido proferido, já no Tribunal Central de Instrução Criminal, em 26 do mesmo mês.
Sendo a situação idêntica às anteriores, idênticas terão de ser as consequências: nulidade do meio de obtenção da prova e proibição da valoração do que dele resultou.
Refira-se apenas que a invocada falta de fundamentação[16] dos despachos que ordenaram a realização das escutas telefónicas não é geradora de nulidade, mas de mera irregularidade (artigo 118º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal), a qual não foi tempestivamente arguida (artigo 123º, nº 1, do mesmo diploma).
Procede, pois, parcialmente o recurso interposto por estes arguidos.
Recurso do arguido J.
20 – O arguido impugna as escutas efectuadas aos seguintes cartões:
- Nº ..., identificado como o alvo nº 7043, cujas transcrições constituem o apenso 1, integrado nos autos a fls. 993 a 1083.
- Nº ...., já mencionado;
- Nº ..., já mencionado;
- Nº ..., já mencionado.
A intercepção e gravação do primeiro dos referidos cartões foram feitas a coberto do despacho de fls. 119, pelo prazo de 45 dias, prazo esse prorrogado pelo despacho de fls. 152, tendo cessado em 23/8/2000 (fls. 345).
Por sugestão da Polícia Judiciária (fls. 635) e a requerimento do Ministério Público (fls. 638), o sr. juiz ordenou a transcrição das conversas indicadas pelo órgão de polícia criminal sem ter ouvido as gravações, nem antes de ordenar a prorrogação, nem antes de ordenar a selecção e transcrição das conversas, tanto mais que as 19 cassetes gravadas só vieram a ser juntas ao processo em 28/6/2001, conforme se pode ver de fls. 3139.
Não houve o mínimo controlo judicial das escutas efectuadas, razão pela qual se declara a nulidade da intercepção e gravação e, consequentemente, a proibição de valoração da prova dela resultante.
A nulidade das escutas efectuadas aos outros três cartões já foi apreciada anteriormente, nada havendo, nesta sede, a acrescentar ao então referido.
Procede, assim, integralmente o recurso interposto por este arguido.
Recurso dos arguidos E., F. e G..
21 – Em matéria de escutas telefónicas os recorrentes pretendem que se considerem nulas as que foram realizadas aos cartões com os nºs ..., de que resultaram as transcrições que constituem o designado apenso 3 (integrado nos autos, no volume 8, de fls. 2151 a fls. 2267), e com o nº ..., de que resultou o apenso 36.
Já anteriormente apreciámos a questão da intercepção daquele primeiro cartão, declarando a nulidade da mesma e a consequente proibição de valoração da prova. Nada mais há, nessa sede, a acrescentar.
Debrucemo-nos então sobre a segunda intercepção telefónica (Apenso 36).
A intercepção do cartão com o nº 964465999 foi autorizada pelo prazo de 45 dias em 28/6/2000 através do despacho constante de fls. 133.
Iniciou-se em 29/6/2000 (ver fls. 140), tendo terminado em 14/8/2000 (ver fls. 332).
A selecção das conversas a transcrever, que constava da proposta feita pela Polícia Judiciária (fls. 636), foi adoptada como sua pelo Ministério Público (fls. 638) e aceite pelo despacho judicial de fls. 639 sem que tivessem sido ouvidas as gravações e sem ter sido exercido qualquer outra espécie de controlo. Note-se que as 7 cassetes em que estavam registadas as gravações efectuadas apenas foram apresentadas no tribunal em 11/7/2001 (ver fls. 3257/8).
Por isso, não se pode, também neste caso, deixar de considerar nula a intercepção deste cartão, o que acarreta a proibição de valoração da prova através desse meio obtida.
Procede, por isso, integralmente o recurso interposto por estes arguidos em matéria de escutas telefónicas.
Quanto a este recurso diga-se ainda e apenas que o despacho de pronúncia, no que toca à arguida Diamantina, é, nos termos do nº 1 do artigo 310º do Código de Processo Penal, irrecorrível, razão pela qual este tribunal não pode apreciar as alusões que a recorrente faz ao sentido da decisão quanto a ela então tomada.
Recurso do arguido P.
22 – Através deste recurso pretende-se impugnar a validade das intercepções efectuadas aos seguintes cartões:
- Nº ..., cujas transcrições deram origem ao apenso nº 2;
- Nº ..., cujas transcrições deram origem ao apenso nº 3;
- Nº ..., cujas transcrições deram origem ao apenso nº 44;
- Nº ..., cujas transcrições deram origem ao apenso nº 41;
- Nº ..., cujas transcrições deram origem ao apenso nº 5;
- Nº ..., cujas transcrições deram origem aos apensos nºs 4 e 24.
A matéria relativa aos apensos 3, 44 e 41 já foi anteriormente apreciada, nada havendo, nesta sede, a acrescentar.
Importa, pois, apenas apreciar cada uma das quatro outras situações.
23 – Comecemos pelo apenso 2, constituído pela transcrição de conversas ocorridas entre 20 e 22/9/2000.
A intercepção do cartão com o nº ..., indicado como alvo nº 8113, foi autorizada, pelo prazo de 60 dias, através do despacho de fls. 386, datado de 14/9/2000.
Iniciou-se em 20/9/2000 (ver fls. 535), tendo terminado em 18/11/2000 (ver fls. 749).
A transcrição de algumas das conversas gravadas foi proposta pela Polícia Judiciária a fls. 636, requerida pelo Ministério Público a fls. 638 e ordenada pelo despacho de fls. 639, de 20 de Outubro de 2000, sem prévia audição das gravações, cujos suportes (ou parte deles) apenas foram entregues no tribunal em 28/6/2001 (ver fls. 3139).
Porque não se verificou um efectivo controlo judicial da matéria a transcrever, não se pode deixar de considerar nulo este meio de obtenção da prova declarando-se, consequentemente, a proibição de valoração da prova assim obtida.
24 – Analisemos agora a intercepção do cartão com o nº ..., cujas transcrições deram origem ao denominado apenso 5, que se encontra integrado a fls. 1850 a 1901 dos autos (7º volume), o qual documenta conversas ocorridas entre 6/1 e 13/1/2001.
A intercepção a este cartão, indicado como alvo 9085, foi autorizada, por 60 dias, pelo despacho de fls. 1033, datado de 19/12/2000. Teve início em 3/1/2001 (ver fls. 1165) e cessou em 3/3/2001 (ver fls. 1741). A transcrição das conversas foi, por proposta da Polícia Judiciária (fls. 1304/5) e requerimento do Ministério Público (fls. 1315), autorizada por despacho judicial datado de 15/1/2001 (fls. 1316). Posteriormente, também mediante proposta da Polícia Judiciária (fls. 1472) e requerimento do Ministério Público (fls. 1474), foi ordenada a transcrição de algumas outras conversas, entre as sessões 192 e 324, inclusive, através de despacho judicial de 5/2/2001 (fls. 1477).
Nenhum dos magistrados que ordenou as transcrições procedeu à audição das gravações realizadas, sendo, consequentemente, nula a intercepção e gravação efectuadas, o que acarreta a proibição de valoração do meio de prova desta forma obtido.
25 – Resta-nos apreciar a escuta efectuada ao cartão nº ..., indicado como alvo 8112-B, cujas transcrições deram origem aos apensos nº 4 (integrado de fls. 1803 a 1849 dos autos), e 24.
A intercepção das comunicações efectuadas através deste cartão iniciou-se na sequência do despacho de fls. 386, datado de 14/9/2000, que, referindo-se, entre outros, ao cartão com o nº ..., permitiu também, pelo prazo de 60 dias, a escuta de todos os outros cartões que fossem utilizados através do aparelho identificado através do IMEI em que o cartão da TMN com o indicado número fosse ou viesse a ser usado.
A intercepção do cartão com o nº ... tinha-se iniciado em 20/9/2000 (ver fls. 536).
Ao abrigo dessa autorização, a intercepção do cartão nº ... iniciou-se em 20/12/2000 (fls. 1134) quando, na véspera, dia 19, tinha sido proferido o despacho de fls. 1033 que autorizou a intercepção desse mesmo cartão pelo prazo de 60 dias.
Na sequência deste último despacho iniciou-se a intercepção em 3/1/2001 (ver fls. 1158), intercepção essa que cessou em 3/3/2001 (fls. 1728).
As transcrições que vieram a constituir o apenso 4, que inclui sessões entre 7 e 13/1/2001, foram, por proposta da Polícia Judiciária (fls. 1304/5) e requerimento do Ministério Público (fls. 1315), autorizadas por despacho judicial de 15/1/2001 (fls. 1316) sem que as gravações tivessem sido ouvidas (ver fls. 1304 e as horas constantes de fls. 1315 e 1320, entre as quais foi proferido o despacho de fls. 1316).
As que integram o apenso 24, que inclui transcrições de conversas ocorridas entre 22/12/2000 e 9/1/2001, foram efectuadas na sequência do despacho judicial de 21/7/2001, proferido depois de terem sido ouvidas as gravações.
Uma vez que:
- A srª juíza que proferiu o despacho de fls. 1316 não procedeu à selecção do material a transcrever, tendo aceite acriticamente a sugestão da Polícia Judiciária;
- O despacho que ordenou a constituição do apenso nº 24 foi proferido largos meses depois de terem terminado as gravações;
- Não existia despacho judicial que autorizasse as gravações no período que medeia entre 20/12/2000, data do fim do prazo concedido pelo primeiro despacho, e 3/1/2001, data do início das gravações efectuadas ao abrigo do segundo despacho;
Não se pode deixar de considerar nulas as intercepções e gravações efectuadas e, consequentemente, determinar a proibição da prova por este meio obtida.
Procede, pois, integralmente o recurso interposto por este arguido.
Recurso do arguido Paulo Jorge Ferraz Rocha.
26 – O recorrente, embora no início da sua motivação se refira à existência de outras conversas gravadas, integradas nos apensos 14, 16, 42 e 43, que, no entanto, não identifica, nem sobre elas se pronuncia no decurso da motivação, pretende a declaração de nulidade das intercepções efectuadas aos cartões com os nºs ... e ..., cujas transcrições vieram a dar origem aos apensos 13 e 21.
Comecemos pelo apenso nº 13, no qual se encontram transcritas as conversas realizadas através do cartão com o nº ..., indicado como alvo 9483.
A intercepção desse cartão e a gravação das conversas através dele efectuadas foram autorizadas, pelo prazo de 60 dias, pelo despacho judicial de fls. 1475, datado de 5/2/2001, tendo tido início em 7/2/2001 (fls. 1601) e tendo cessado em 7/4/2001 (fls. 2282).
Por proposta da Polícia Judiciária (fls. 2387) e mediante requerimento do Ministério Público (fls. 2391), a srª juíza de instrução criminal de Leiria, a quem os autos foram presentes em 20/4/2001 (fls. 2391 verso), designou o dia 3/5 para audição das gravações e, depois de efectuada esta, ordenou a transcrição e junção das sessões nº 21 e 319.
Houve um efectivo controlo judicial da actividade de obtenção da prova, não tendo, neste caso, sido cometida qualquer nulidade.
27 – Passemos ao apenso nº 21.
A intercepção do cartão com o nº ..., indicado como alvo nº 7377-B, iniciou-se ao abrigo do despacho de fls. 133, proferido em 28/6/2000, que autorizou, pelo prazo de 45 dias, a intercepção do cartão com o nº 962745047, cujo início ocorreu em 29/6/2000 (fls. 139), e de todos os cartões que utilizassem o aparelho em que este também fosse usado. Com base nessa autorização a intercepção do cartão com o nº 964757590 teve início em 25/7/2000 (fls. 187), terminando em 14/8/2000 (fls. 330).
Entretanto, sem que o resultado dessa primeira intercepção tivesse sido comunicado ao magistrado judicial, por proposta da Polícia Judiciária e a requerimento do Ministério Público, foi, em 11/8/2000, proferido despacho judicial que autorizou nova intercepção do cartão com o nº ... (fls. 223), intercepção essa que, como se pode ver de fls. 341, teve início em 22/8/2000 e que, pelo despacho de fls. 386, foi prorrogada por mais 60 dias, cessando definitivamente em 6/10/2000 (fls. 607).
A selecção das conversas a transcrever, que constava da proposta feita pela Polícia Judiciária (fls. 636), foi adoptada como sua pelo Ministério Público (fls. 638) e aceite pelo despacho judicial de fls. 639 sem que tivessem sido ouvidas as gravações e sem ter sido exercido qualquer outra espécie de controlo.
Por isso, não se pode, também neste caso, deixar de considerar nula a intercepção deste telemóvel, o que acarreta a proibição de valoração da prova através desse meio obtida.
Procede, assim, parcialmente o recurso interposto por este arguido.
Recurso de C.
28 – O recorrente põe em causa uma das escutas efectuadas no processo principal, a que deu origem ao apenso 16, uma escuta efectuada num inquérito de onde foi extraída uma certidão para ser junta ao processo nº 251/00.8JAAVR, que se encontra apenso a estes autos (fls. 317 a 332 do II volume desse processo), e diversas escutas efectuadas no âmbito do processo nº 550/00.9JAAVR (as que deram origem aos apensos a esse processo nºs 1-A, 1-B, 1-C, 2-D, 7-A e 7-B).
Comecemos por analisar o procedimento que deu origem à constituição do apenso nº 16.
Por despacho judicial proferido em 5/2/2001 (fls. 1475) foi autorizada, por 60 dias, a intercepção e gravação das conversas efectuadas através do cartão com o nº 962914423, que passou a constituir o alvo nº 9486, intercepção e gravação essas que se iniciaram em 7/2/2001 (fls. 1604) e terminaram em 7/4/2001 (fls. 2284).
Por proposta da Polícia Judiciária (fls. 2387) e mediante requerimento do Ministério Público (fls. 2391), a srª juíza de instrução criminal de Leiria, a quem os autos foram apresentados em 20/4/2001 (fls. 2391 verso), depois de designar o dia 3/5/2001 para a audição dessas gravações, por despacho da mesma data ordenou a transcrição das sessões nºs 21, 22, 23 e 62, transcrições essas que integram efectivamente aquele apenso.
Não se vê no procedimento adoptado qualquer motivo para declarar a nulidade do meio de obtenção da prova que contou com o próximo acompanhamento da magistrada judicial referida, não se podendo considerar que a isso obsta o facto de terem mediado 13 dias entre a data da cessação e a data da apresentação do auto e das cassetes em juízo.
Não existe, portanto, neste caso, qualquer vício no procedimento adoptado.
29 – Debrucemo-nos agora sobre a segunda situação mencionada neste recurso, a da certidão extraída do inquérito nº 392/00 da comarca de Ílhavo.
Refere-se o recorrente ao facto de ter sido junta ao processo nº 251/00.8JAAVR, que também se encontra apenso aos autos principais, uma certidão da qual consta um segmento do procedimento relativo à intercepção telefónica efectuada, no inquérito nº 392/00 da comarca de Ílhavo, ao cartão com o nº ....
Do que daí se extrai constata-se que as gravações das conversas efectuadas através desse cartão, ocorridas entre 14/4/2000 e o dia 21 do mesmo mês, foram apresentadas à srª juíza de instrução criminal no dia 15 de Dezembro desse ano, sendo por ela ouvidas nesse mesmo dia, tendo, a final, sido determinada a transcrição de algumas sessões (ver fls. 317 a 332 do volume II desse processo).
Apesar do empenho mostrado nessa ocasião pela srª juíza, não se pode, dado o hiato temporal verificado entre o momento da intercepção e o da apresentação das gravações ao magistrado judicial, deixar de declarar a proibição de valoração neste processo da prova obtida através daquele meio.
30 – Resta-nos agora a apreciação das indicadas intercepções efectuadas no âmbito do processo nº 550/00.9JAAVR.
Comecemos pelo Apenso 1-A, que contém as transcrições das comunicações efectuadas, em duas ocasiões distintas, através do cartão com o nº ... que se encontrava a funcionar no telemóvel com o IMEI nº ...[17] (fls. 28).
A intercepção desse cartão foi autorizada pelo despacho judicial de fls. 12, datado de 11/9/2000, tendo tido início no dia seguinte (ver fls. 27 – alvo 8081).
A transcrição de algumas das conversas ocorridas entre 14/9/2000 (sessão nº 4) e o dia 19 do mesmo mês (sessão nº 55) foi autorizada por despacho judicial de 29 de Setembro (fls. 34 verso), constando do auto de transcrição (devidamente assinado) que as gravações foram ouvidas pela srª juíza nesse mesmo dia.
A transcrição de outras conversas, ocorridas entre 26/9 (sessão nº 75) e 28/10 (sessão nº 170), foi ordenada por despacho do juiz de instrução criminal de 31 de Outubro (fls. 212), a quem foram presentes as 5 cassetes gravadas.
No entanto, resulta dos autos que o sr. juiz se limitou a aceitar a sugestão da Polícia Judiciária, não tendo procedido a qualquer audição das cassetes, relegando para momento ulterior a aferição «da respectiva compatibilidade», o que nem sequer veio a fazer.
A audição dessas cassetes apenas veio a ser feita pela srª juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal que, por despacho de 11 de Janeiro de 2001, confirmou a fidedignidade das transcrições efectuadas (fls. 551).
As intercepções e gravações a esse mesmo cartão vieram também a dar origem ao Apenso 1-B que contém a transcrição de conversas através dele efectuadas entre 3/11/2000 (sessão nº 222) e 14/1/2001 (sessão nº 669).
Tal intercepção apenas foi feita cessar, por despacho datado de 19/12/2000 (fls. 492), a partir de 31 de Janeiro de 2001 (ver fls. 655), sendo expressamente determinado que o OPC apresentasse no tribunal, no termo do prazo estabelecido, o apontamento para a transcrição e os suportes auditivos.
O determinado veio a ser cumprido no próprio dia 31 de Janeiro (fls. 558), tendo a srª juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal procedido à audição do grande número de suportes entregues. No final dessa audição proferiu o despacho de fls. 820, datado de 19 de Março de 2001, no qual fez a selecção dos elementos relevantes para a prova, determinando a sua transcrição.
Tendo por base os factos que se descreveram não se pode deixar de considerar como nulas as intercepções e gravações abrangidas pelo despacho proferido em 31 de Outubro uma vez que ele não foi precedido da audição das cassetes apresentadas, o que acarreta a proibição de valoração da prova constante de fls. 22 a 43 do apenso 1-A.
O mesmo não acontece com a 1ª parte desse mesmo apenso e com o apenso 1-B, relativamente aos quais nenhuma nulidade se verifica.
31 – Passemos ao apenso 1-C, em que constam transcrições de conversas realizadas entre 27/12/2000 (sessão nº 7) e 18/1/2001 (sessão nº 95) através do cartão nº ..., que constituiu o alvo nº 9014.
Tal intercepção foi autorizada por despacho de 19/12/2000 (fls. 492) fixando-se como termo o dia 31 de Janeiro de 2001.
Nesse mesmo dia o suporte das gravações foi apresentado à srª juíza que, depois de as ouvir, seleccionou o que considerou relevante, mandando proceder à sua transcrição (despacho de fls. 821, de 19 de Março).
O período de tempo decorrido entre a cessação da intercepção e a ordem de transcrição, longe de representar um alheamento judicial, traduz a preocupação de assegurar um efectivo controlo da escuta por parte da srª juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Não há, portanto, qualquer nulidade no procedimento adoptado.
32 – Debrucemo-nos agora sobre o apenso 2-D, que contém a transcrição das comunicações efectuadas através do cartão nº ..., indicado como alvo nº 9013, que utilizava o aparelho com IMEI ... (fls. 792).
Com base na informação da Polícia Judiciária constante de fls. 488, a srª juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal, por despacho de 19/12/2000 (fls. 492), autorizou a intercepção e gravação desse cartão até 31/1/2001.
No dia 26/1/2001 o Ministério Público requereu a prorrogação do prazo dessa escuta por mais 30 dias (fls. 542), requerimento que foi indeferido por despacho judicial de 30/1 (fls. 552) por não terem sido ainda apresentados os suportes em que se continham as gravações anteriormente efectuadas.
Por isso a intercepção cessou em 31 de Janeiro (fls. 794).
Depois de apresentados esses elementos (fls. 560), a Polícia Judiciária veio a sugerir a realização de nova escuta a esse mesmo cartão (fls. 653), o que originou o requerimento do Ministério Público de fls. 681, deferido por despacho de 23/2 (fls. 686), através do qual se autorizou a realização dessa nova intercepção até 31/3, a qual teve início em 26/2/2001 (fls. 766).
Na sequência da detenção do arguido, foi, por despacho de 14/3/2001 (fls. 746), ordenada a cessação dessa escuta.
A transcrição das sessões nºs 610 a 615 foi ordenada por despacho de 23/2 (fls. 686/7), sendo as restantes determinadas pelo despacho de 17/4 (fls. 836). Todas as transcrições foram precedidas da audição dos suportes em que as mesmas se continham, sendo a selecção feita pela srª juíza.
Não se consegue vislumbrar qualquer nulidade no procedimento adoptado.
33 – Apreciemos agora o que se passou com o apenso 7-A.
Do primeiro desses apensos constam as transcrições das comunicações efectuadas através do cartão com o nº ..., indicado como alvo 9978, realizadas entre 17/3 (sessão nº 8) e 7/4/2001 (sessão nº 846).
A intercepção e gravação foi, mediante proposta da Polícia Judiciária (fls. 741) e requerimento do Ministério Público (fls. 743), autorizada por despacho judicial de 14/3/2001 (fls. 746), tendo sido estabelecido como data limite o dia 30/4.
O aparelho utilizado por esse cartão, identificado através do IMEI ... (fls. 781), veio a ser apreendido em 15/5.
A transcrição das sessões nºs 8, 88, 188 e 293 foi ordenada por despacho de 17/5 (fls. 952), sendo as restantes, relativamente às quais tinha existido uma deficiência de gravação, sido feitas na sequência do despacho de 17/7/2001 (fls. 1228), que apreciou a nova cópia apresentada em 20/6.
Todas as transcrições resultaram de selecção efectuada pela srª juíza de instrução, sendo a demora verificada o resultado da existência de um efectivo controlo judicial das escutas e não de um alheamento em face delas.
Não existe, por isso, qualquer vício no procedimento adoptado.
34 – O apenso 7-B contém as transcrições das comunicações efectuadas através do cartão de acesso nº ..., indicado como alvo nº 10503, utilizado no aparelho com o IMEI ... (fls. 875).
A intercepção e gravação desse cartão foram autorizadas, até 31/5, pelo despacho proferido em 17/4/2001 (fls. 835).
Iniciadas em 18/4 (fls. 1017), vieram, no entanto, a cessar em 15/5, data em que o referido aparelho foi apreendido (fls. 914).
A transcrição das gravações foi, depois de ouvidas, determinada por despacho de 17/5 (fls. 952), despacho esse que foi complementado por um outro despacho de 17/7 (fls. 1228).
Não se detecta, assim, qualquer nulidade no procedimento adoptado quanto a este apenso.
Procede, portanto, apenas parcialmente o recurso interposto por este arguido.
Recurso do arguido Alexandrino Dias do Nascimento.
35 – Coloca este arguido em causa o procedimento adoptado quanto à 1ª fase da intercepção efectuada ao cartão com o nº ..., cuja transcrição veio dar origem ao apenso 2-B.
A intercepção e gravação das conversações efectuadas através desse cartão foram autorizadas por despacho judicial de 17/10/00 (fls. 73) pelo prazo de 60 dias, tendo tido início no dia 20 desse mês (fls. 272).
A transcrição das sessões nºs 8, 67 e 188 foi autorizada por despacho de fls. 211 e 211 verso, datado de 31/10, despacho esse que acolheu a proposta nesse sentido efectuada pela Polícia Judiciária (fls. 201).
Uma vez que foram facultados ao sr. juiz os suportes que continham as gravações (fls. 209 e 210), que tudo leva a crer que foram por ele apreciadas, e que existe estreita proximidade temporal entre as gravações transcritas e a referida decisão, não se vê que tenha sido cometida qualquer nulidade procedimental.
Não é o facto de a Polícia Judiciária ter sugerido a transcrição de determinadas comunicações, antes de essa faculdade ter sido expressamente consagrada na lei, que invalida o procedimento adoptado uma vez que a selecção das parcelas a transcrever foi da responsabilidade de um juiz.
Improcede, pois, integralmente o recurso interposto por este arguido em matéria de escutas telefónicas.
Recurso do arguido B. quanto à validade da busca domiciliária efectuada no momento da sua detenção.
36 – Ao conhecer do requerimento do arguido quanto a esta matéria, disse a srª juíza de instrução criminal:
«Arguiu o arguido B., durante o debate instrutório, a nulidade da busca realizada na sua casa, aquando da sua detenção, por a mesma haver sido realizada sem a necessária autorização judicial ou do próprio arguido. Já nas declarações que prestou no seu primeiro interrogatório, registadas a fls. 4294, afirmou este arguido que teria sido detido no interior da sua residência, depois de os agentes ali terem entrado. Dos autos não resulta, na verdade, a emissão de qualquer mandado de busca para a residência deste arguido. Não é, todavia, a detenção do arguido no interior da sua residência o que resulta registado no processo, como decorre de fls. 4270 a 4274 v.
Sendo assim, patente se torna que de acordo com o que dos autos resulta, neste momento, a nulidade arguida pelo arguido não merece atendimento, sem prejuízo, naturalmente, de em sede de julgamento, os factos que vierem a apurar-se sobre esta matéria, em face da versão que o arguido apresenta a confrontar com a demais prova a produzir, virem a ditar desenvolvimento diferente».
Analisemos, então, a questão colocada.
Conforme se pode ver dos autos, o sr. Procurador da República emitiu, em 7 de Setembro de 2001, mandado de detenção do arguido B..
Na sequência da emissão desse mandado surge, a fls. 4270 e segs., uma informação de serviço elaborada pelo inspector da Polícia Judiciária que realizou e coordenou a investigação destes autos na qual se dá conta do seu cumprimento. Dessa informação, ao contrário do que é habitual, não se inclui qualquer referência ao local em que detenção ocorreu. Não se certificou, no verso do mandado, o seu efectivo cumprimento. Juntou-se, a fls. 4279, um auto de revista pessoal e de apreensão do qual, em termos de localização espacial, apenas se menciona que ocorreu «nesta localidade de Lisboa».
Tudo isto confere credibilidade às declarações prestadas pelo arguido, logo no 1º interrogatório judicial (fls. 4295), de que a detenção ocorreu no interior da sua residência, onde os captores entraram sem mandado judicial, e que as apreensões efectuadas, mencionadas naquele auto de revista pessoal e de apreensão, ocorreram no interior da mesma. Acrescente-se que, de nenhuma das diligências efectuadas, resultou contrariada esta conclusão. As eventuais dúvidas subsistentes sempre deveriam ser resolvidas, tal como sustenta Roxin[18], em benefício do arguido[19].
Por isso, não se pode deixar de considerar que existiu uma busca domiciliária efectuada fora do condicionalismo estabelecido pelo artigo 177º do Código de Processo Penal e que ela é, consequentemente, nula, sendo proibida a valoração da prova através dela obtida.
Efeito da decisão tomada quanto aos actos praticados em momento posterior ao do despacho recorrido.
37 – Das considerações anteriormente feitas deriva que deve ser declarada a nulidade das intercepções efectuadas, com a consequente proibição de valoração da prova obtida, quanto aos:
- Processo nº 1237/99.9JGLSB
o Apenso nº 1
o Apenso nº 2
o Apenso nº 3
o Apenso nº 4
o Apenso nº 5
o Apenso nº 21
o Apenso nº 24
o Apenso nº 36
o Apenso nº 38
o Apenso nº 41
o Apenso nº 42
o Apenso nº 44
- Processo nº 550/00.9JAAVR
o Sessões nºs 75 a 170 (fls. 22 a 43) do apenso nº 1-A
De igual forma, considera-se proibida a valoração da prova que resulta da certidão extraída do inquérito nº 392/00 e junta ao processo nº 251/00.8JAAVR e a obtida através da busca domiciliária realizada, de que resultou a elaboração do auto de fls. 4279.
Ora, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 122º do Código de Processo Penal, «as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar».
Está claramente nessa situação o despacho de pronúncia proferido e os actos subsequentes do processo para cujo sentido as escutas declaradas nulas tenham contribuído, como é o caso da audiência de julgamento e do acórdão que veio a ser proferido.
Daí deriva que o processo deve retornar à fase da instrução, o que, para além das consequências meramente processuais, implica a libertação dos arguidos presos preventivamente uma vez que, mesmo num processo como este, em que foi declarada a excepcional complexidade, não pode a duração da privação da liberdade, até que tenha sido proferida decisão instrutória, ultrapassar os 16 meses (artigos 215º, nº 3, e 217º, nº 1, do Código de Processo Penal).
Por isso, há que determinar a imediata libertação de todos arguidos que se encontram presos preventivamente à ordem deste processo que são:
- S. desde 29-5-2001;
- H., desde 18-5-2001;
- N., desde 23-9-2000;
- I., desde 26-6-2001;
- J., desde 24-7-2001;
- L., desde 13-1-2001;
- O, desde 13-1-2001;
- M., desde 16-5-2001;
- P., desde 13-9-2001;
- B., desde 14-9-2001;
- V., desde 30-11-2000;
- D., desde 30-10-2000;
- X., desde 5-3-2001;
- Z., desde 3-7-2001.
Tal libertação deverá, porém, salvaguardar outras decisões que, no âmbito de outros processos, justifiquem a privação da liberdade desses arguidos.
Tal não obsta, contudo, a que se sujeitem os arguidos a uma das medidas de coacção previstas nos artigos 197º a 200º do Código de Processo Penal (artigo 217º, nº 2).
Assim, e tendo em conta que continua e existir perigo de fuga (alínea a) do artigo 204º), deverão os arguidos libertados apresentar-se semanalmente, ao domingo, no posto policial da área da sua residência (artigo 198º).
Efeito da decisão tomada quanto à apreciação dos restantes recursos interpostos.
38 – A anulação do despacho de pronúncia implica o não conhecimento do recurso do arguido D., na parte em que ele impugnava a sua condenação em custas, e os três recursos também por ele interpostos quanto ao procedimento adoptado na inquirição na audiência de três testemunhas, uma vez que todos eles ficaram privados de objecto.
Responsabilidade pelas custas.
39 – Uma vez que os arguidos I., O, B., C. e D. decaíram (embora, com excepção do último, apenas parcialmente) nos recursos que interpuseram são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre ½ e 15 UCs.
Tendo em conta a situação económica dos arguidos e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar cada uma dessas taxas em 5 UCs.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Declarar a nulidade das escutas que integram os apensos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 21, 24, 36, 38, 41, 42 e 44 do processo principal, com a consequente proibição de valoração da prova assim obtida;
b) Declarar a nulidade das sessões nºs 75 a 170 (fls. 22 a 43) do apenso nº 1-A do processo nº 550/00.9JAAVR;
c) Considerar proibida a valoração da prova resultante da certidão extraída do inquérito nº 392/00 junta ao processo nº 251/00.8JAAVR e do auto de fls. 4279;
d) Declarar nulo o despacho de pronúncia proferido a fls. 5865 e segs. e os demais actos que se fundamentaram na prova cuja valoração foi considerada proibida, entre os quais se inclui o acórdão proferido em 26 de Junho de 2003;
e) Não conhecer os restantes recursos interpostos, dado terem ficado privados de objecto;
f) ordenar a imediata libertação dos arguidos S., H., N., I., J., L.,O , M,, P., B., V., D., X., e Z., por se encontrar excedido o prazo da respectiva prisão preventiva, caso os mesmos não devam ficar presos à ordem de outro processo, devendo os arguidos libertados passar a apresentar-se, semanalmente, ao domingo, no posto policial da área da sua residência.
g) condenar os recorrente I., L., B., C. e D. no pagamento de taxa de justiça, que se fixa, para cada um deles, em 5 (cinco) UCs.
[1] Arguido que não veio a recorrer do despacho então proferido.
[2] Arguida que, conforme se pode ver de fls. 12700, se conformou com a decisão final proferida, razão pela qual se deve considerar que desistiu do recurso anteriormente interposto a fls. 6011.
[3] Situação idêntica à da arguida N..
[4] Sobre o sentido da reserva de jurisdição veja-se RANGEL, Paulo de Castro, in «Reserva de jurisdição – Sentido dogmático e sentido jurisprudencial», Universidade católica, Porto, 1997.
[5] Ver, neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 407/97 (DR II Série de 18/7/97), 347/2001 (DR II Série de 9/11/2001) e 528/03 (ainda inédito, relativo a um outro processo do arguido I.). Sobre as exigência que, por exemplo, o Tribunal Constitucional Espanhol em matéria de escutas, não obstante a precariedade da disposição legal contida no Código de Processo Penal, veja-se a sentença nº 184/2003, de 23/10/2003, acessível através do endereço da Internet http://www.tribunalconstitucional.es/.
[6] No que o legislador português até foi mais exigente do que, com base no texto do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é exigido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (ver, nomeadamente, KILKELLY, Úrsula, in «Le droit au respect de la vie privée et familaile», Précis sur lés droits de l’homme, nº 1, Conseil de l’Europe, 2003, p. 32.
[7] Parece ir nesse sentido o Parecer nº 92/91 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (veja-se o ponto 2.6).
[8] Parece ir neste último sentido o Parecer Complementar nº 92/91 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, que, rectificando a anterior posição, sustentou que devia existir apenas uma transcrição parcial das conversações, cuja selecção atribuía ao OPC, admitindo, contudo, que o juiz viesse a determinar uma transcrição mais ampla ou diferente.
[9] Pelo menos logo que termine o prazo estabelecido pelo juiz para a intercepção e gravação, o OPC deve, em cumprimento do nº 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal, apresentar imediatamente ao magistrado judicial que for, na altura, competente o auto referido nesse número, a que devem ser juntos a carta da operadora comprovativa da data do início das operações e os suportes em que todas as gravações efectuadas a esse número de telefone se encontrem registadas para que o juiz as ouça e proceda à selecção das que considerar relevantes.
[10] Note-se que, por exemplo, o Código de Processo Penal italiano atribui a selecção à acusação e à defesa, desempenhando o juiz apenas um papel de filtro a quem compete suprimir os registos cuja utilização seja proibida e aqueles que, não tendo interesse para a prova, violarem a privacidade dos interessados (artigos 268º e 269º). Sobre este regime veja-se, por exemplo, TONINI, Paolo, in «Manuale di procedura penale», 4ª edizione, Giuffrè, Milano, p. 179 e segs.
[11] Não afecta esta exigência o facto de, através do Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, ter sido alterada a redacção do nº 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal, tendo-se aditado ao texto original a frase «com indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova» uma vez que a manifestação da perspectiva da acusação não afasta o dever de imparcialidade do juiz. Não se pode, no entanto, deixar de assinalar que a postura que levou a esse acrescento é essencialmente a mesma que levou à inversão da doutrina do Parecer nº 92/91, traduzida no Parecer Complementar mencionado. Ambas parecem reflectir uma tendência para algum desequilíbrio entre a acusação e a defesa, desequilíbrio esse que torna ainda mais relevante a intervenção do juiz.
[12] Questão que apenas assumia relevância para aqueles que, antes da entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, sustentavam que apenas devia existir um único auto uma vez que era através dele, e não directamente, que o juiz tomava conhecimento do resultado das escutas efectuadas.
[13] IMEI constitui a abreviatura de “International Mobile Equipment Identity”, um número único atribuído a cada telefone móvel, que habitualmente se encontra por detrás da bateria. Esse número é constituído por uma sequência de 13 algarismos, sendo que os seis primeiros representam a marca de homologação (dos quais os dois primeiros são o código do país), os dois seguintes identificam o fabricante do aparelho, os seis posteriores representam o número de série e o último é um número adicional, normalmente um zero (ver em http://www.webopedia.com).
[14] Não se pode deixar de assinalar que, ainda antes de ter sido junto ao processo, a fls. 183, o auto que comprovava o início, em 14 de Julho, da intercepção do cartão de telefone com o nº 968044079, por proposta da Polícia Judiciária e mediante requerimento do Ministério Público, mas sem que tivesse sido dado qualquer conhecimento ao sr. juiz de instrução de que a intercepção já tinha começado a ser efectuada, este, por despacho de 28/7/2000 (v. fls. 177), autorizou a intercepção daquele mesmo número por um prazo de 45 dias.
[15] Não se pode deixar de frisar que se se quisesse controlar e que fosse efectivamente controlado o procedimento de intercepção, gravação e transcrição não se podia deixar de constituir um apenso por cada uma das mais de 150 escutas efectuadas nestes autos, apenso esse ao qual seriam juntas cópia do despacho que tinha autorizado a sua realização e prorrogação, a correspondência remetida pelas operadoras comprovativos da data do início da intercepção, o auto com base neles elaborado, o auto de cessação, o despacho que viesse a ordenar a transcrição e o teor desta, bem como todos os outros documentos (ou cópias deles) que viessem a ser relevantes para a apreciação da legalidade do meio de obtenção da prova. Diga-se ainda que o deferimento de um tão grande número de escutas telefónicas, das quais menos de 30% forneceram elementos de prova eventualmente relevantes, é só por si indiciador de uma prática que não se pode aplaudir.
[16] Falta de fundamentação que não se confunde, nem tem as mesmas consequências, de não terem sido fornecidos ao juiz, antes de ele proferir o despacho que autoriza a escuta, os elementos necessários para que possa, pessoalmente, controlar os pressupostos estabelecidos no artigo 187º do Código de Processo Penal.
[17] IMEI este cuja intercepção foi, entretanto, autonomamente autorizada pelo despacho de fls. 34 verso, iniciando-se em 3/10/2000 (ver fls. 270).
[18] ROXIN, Claus, in «La evolución de la política criminal, el derecho penal y el proceso penal», Tirant lo Blanch, Valencia, 2000, p. 128.
[19] Embora referindo-se a uma outra situação, escreve Roxin no citado texto: «aqui não é directamente aplicável o princípio in dubio pro reo, porque a dúvida não se refere à culpabilidade do arguido, mas à existência de uma grave infracção processual. Mas quando o que está em dúvida é se os princípios da dignidade humana e do “fair trial” se cumpriram, isso não é menos grave do que se a dúvida incidisse sobre a culpa do arguido. Quanto a esta matéria defendo a aplicação analógica do princípio in dubio pro reo».