Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
PENHORA
ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário
Penhorado estabelecimento comercial localizado em prédio arrendado, recai sobre o depositário o dever de assegurar o pagamento das rendas, por forma a que o exequente não sofra prejuízo. Mas a penhora não afecta a relação locatícia, podendo o senhorio exercer os seus direitos derivados do incumprimento do contrato de arrendamento. Resolvido o contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, a resolução é oponível ao exequente. A notificação feita ao senhorio da penhora do estabelecimento comercial é meramente informativa, não passando a deter a qualidade de depositário judicial. Por isso, na acção executiva em que a penhora foi realizada não pode decretar-se contra o senhorio o arresto dos seus bens.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.
A. – DISTRIBUIÇÃO AUTO LDA, intentou acção executiva contra C. – INSTALAÇÕES EM AUTOMÓVEIS LDA..
Na referida execução, pediu a penhora do «direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial instalado em Lisboa» (fol. 84).
Em 18.12.96 e 06.06.97, foram notificados os senhorios, respectivamente (A) e (B).
Em 26.02.98 (fol. 96), veio a exequente, requerer o arresto de bens dos senhorios (imóvel onde se encontrava o estabelecimento comercial), com fundamento em que em data posterior à penhora, foi o estabelecimento dado de arrendamento a outra sociedade.
Por despacho judicial, foi ordenado o arresto (fol. 97).
Em 24.07.2002, foi lavrado termo de arresto do referido imóvel (fol. 98).
Feito o arresto, apresentaram-se (A) e (B), deduzir oposição ao mesmo.
Para o efeito, alegam em síntese o seguinte:
Em 22.11.96, foi ordenada a penhora do direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial sito em Lisboa
Por sentença de 25.10.96, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os oponentes e a aqui executada «C.».
Legitimamente celebraram os oponentes novo contrato de arrendamento do identificado imóvel.
O direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da executada, encontrava-se já extinto à data do despacho que ordenou a penhora, pelo que deverá ser declarada extinta por falta de objecto.
O disposto no art. 863 CPC, não legitima a aplicação do disposto no art. 854 CPC, no caso presente.
Em virtude da penhora do direito ao trespasse e arrendamento, fica o senhorio impedido de celebrar quaisquer negócios jurídicos que colidam com a diligência processual, nomeadamente de contratar novo arrendamento, sem que o mesmo seja adjudicado ou arrematado.
A violação da sua obrigação, apenas acarreta a ineficácia dos aludidos negócios em relação ao exequente, pelo que poderá este intentar acção de responsabilidade civil sobre o senhorio, por violação daqueles deveres, ou acção de anulação em que se prove a má-fé dos novos arrendatários.
Optando pela primeira hipótese, pode igualmente correr termos providência de arresto contra o aludido senhorio, mas com fundamento e trâmites do disposto no art. 406 CPC.
O arresto decretado, carece de fundamentação.
Notificada a exequente, pronunciou-se nos termos constantes de fol. 114 e segs, em que em síntese diz:
A notificação da penhora do direito ao arrendamento e trespasse do estabelecimento, ocorreu em 18.12.96 e 06.06.97.
De harmonia com o disposto no nº 2 do art. 856 CPC, incumbia aos referidos (A) e (B), declararem se o direito existia e quais as garantias que o acompanhavam, bem como quaisquer outras circunstâncias que pudessem interessar à execução, o que não fizeram, nem no prazo legal, nem posteriormente, implicando o reconhecimento da existência da obrigação.
Só em Outubro de 2002, vieram alegar que teriam proposta acção de despejo contra a executada.
Contrariamente ao por si afirmado, a sua responsabilidade (dos senhorios) não é efectivada mediante a instauração de qualquer procedimento cautelar ou acção de responsabilidade civil. A sua responsabilidade é accionada nos termos do disposto no art. 854 nº 2 CPC, pois que se aplicam as normas estabelecidas para o fiel depositário.
Em 06.03.2003, foi proferido despacho judicial, que conhecendo da oposição ao arresto, ordenou o seu levantamento.
Inconformada com o referido despacho, do mesmo veio a exequente recorrer, recurso que foi admitido, como agravo.
Nas alegações que proferiu, formula a agravante, as seguintes conclusões:
a) A penhora do direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial, foi notificada aos senhorios nos termos do art.856 nº 1 CPC,
b) Os senhorios podiam no prazo legal, fazer as declarações ou prestar as informações que tivessem por pertinentes, de acordo com o estabelecido no nº 2 do referido preceito.
c) Os agravados nada declararam.
d) Ficaram por isso vinculados à existência do direito penhorado.
e) Por esse motivo, fica o devedor (senhorio) investido em qualidade análoga à do fiel depositário nomeado pelo tribunal, assumindo o estatuto de simples detentor do direito penhorado.
f) Ao celebrarem os contratos de fol. 238 a 244, faltaram, não só ao dever de guarda e apresentação dos bens que lhes estavam confiados, como desrespeitaram, de forma ilegal e abusiva as ordens do tribunal, sendo-lhes aplicável as medidas previstas no art. 854 nº 2 CPC.
g) Ao decidir como decidiu, violou o tribunal o disposto no art. 854 nº 1 e 2, 863 CPC e 819 e 820 CC.
Contra-alegaram os agravados, em que concluem:
O artigo 863 CPC não legitima a aplicação do disposto no art. 854 aos recorridos.
A obrigação que impende sobre os senhorios, é distinta da que recai sobre o fiel depositário.
FUNDAMENTOS.
1- Por sentença datada de 25.10.96, decretada em acção de despejo intentada por (A) e mulher (L), (B)e mulher (F) contra «C. – Instalações em Automóveis Lda», foi declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra «A» e correspondente ao rés-do-chão loja do prédio urbano sito em , Lisboa.
2- Em 02.11.96, requereu a exequente, nos autos em que é executada «C. Instalação em Automóveis Lda», a penhora do direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da executada instalado em Lisboa.
3- Por despacho de 15.11.960, foi ordenada a penhora, nos termos do art. 856 CPC.
4- Em 18.12.96, foi feita a notificação de (A), na qualidade de senhorio, de que foi ordenada a penhora do referido direito, constando do referido auto, ao notificado foi declarado que «o referido direito fica à ordem do tribunal ... e que lhe é lícito fazer as declarações que entender... conforme disposto no art. 862 CPC, no prazo de cinco dias».
5- Em 06.06.97, foi feita a notificação de (B), também na qualidade de senhorio.
6- No seguimento das referidas notificações, nenhuma declaração fizeram os notificados senhorios, quanto à penhora do direito referido.
7- Em 29.01.98, foi lavrado auto de diligência para penhora, em que se refere «a executada já não ter a sede na morada acima indicada, encontrando-se lá instalada a firma «Auto Grelha...»
8- Por contrato datado de 18.07.97, (A) e mulher a (B)e mulher, declararam dar de arrendamento comercial «Auto Grelha – Sociedade Comercial de Automóveis Lda», a fracção autónoma designada pela letra «A» do prédio urbano sito, em Lisboa (fls. 91 e segs).
9- Em 26.02.98, veio a exequente requerer o arresto do imóvel onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial».
10- Por despacho de 15.07.2002 foi ordenado o arresto.
11- Em 24.07.2002. foi lavrado termo de arresto, relativamente a «fracção autónoma designada pela letra «A», do prédio urbano sito em Lisboa...»
12- Pelos proprietários (senhorios do estabelecimento comercial) do referido imóvel, foi deduzida oposição ao arresto.
13- Por despacho de 06.03.2003, foi ordenado o levantamento do arresto.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 nº 4 CPC. Assim, só das questões postas nessas conclusões há que conhecer.
O DIREITO.
Em causa está saber-se se no caso presente pode ou não o exequente lançar mão do disposto no art. 854 nº 2 CPC.
Do factualismo assente resulta que pela exequente foi requerida oportunamente a penhora «do direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da executada. ». Como vem sendo entendimento praticamente uniforme da jurisprudência, a nomeação à penhora referida (direito ao trespasse e arrendamento – expressão tornada corrente), mais não é que nomeação à penhora do estabelecimento, enquanto unidade jurídica (Ac STJ 03.02.81 BMJ, 304, 348; Ac TRL 01.10.91, CJ 91, 4, 181; Ac TRL 18.02.93, CJ 93, 1, 148; Ac TRL 29.06.93, CJ 93, 3, 142; Ac TRL 28.09.95, CJ 95, 4, 98; Ac TRL 03.07.97, CJ 97, 4, 84; Ac TRE, 13.12.2001, CJ 2001, 5, 274).
Estabelecimento comercial é «o conjunto de bens e serviços organizado pelo comerciante para o exercício da sua actividade ou exploração comercial» (Vaz Serra RLJ 110, 296). A Transferência definitiva, global e unitária por acto entre vivos, da titularidade do estabelecimento comercial, designa-se por trespasse (Ac STJ 19.03.68 BMJ 175, 296) e art. 115 DL 321-B/90 de 15de Outubro (RAU), sendo que não há trespasse se não se operar a transferência em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias e outros elementos que integram o estabelecimento.
Como se refere no acórdão desta Relação (29.06.93 CJ 93, 3, 142) «o que é susceptível de ser transferido é o estabelecimento comercial, como universalidade, nela se incluindo o direito ao arrendamento; sendo que não é lícito destacar do estabelecimento o direito ao arrendamento para o transferir isoladamente; nem à sombra do nome de trespasse, se transfere o direito ao arrendamento como o que sobrou de um estabelecimento comercial que tenha deixado de existir; do mesmo passo, nestas circunstâncias, não é possível penhorar o direito ao arrendamento».
A penhora, em regra geral, traduz-se na diminuição por parte do executado dos poderes de disposição do bem respectivo, mas não envolve a perda da titularidade do direito. Nos termos do disposto no art. 819 CC, sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados. Os actos mencionados no referido preceito, (sem prejuízo das regras do registo), são os praticados pelo executado.
Dispõe o art. 820 CC, que sendo penhorado um crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente ineficaz em relação ao exequente. A razão de ser do referido preceito, é a da obstar a que o exequente seja prejudicado deliberadamente por acto concertado entre o executado e o seu devedor.
A jurisprudência vem defendendo uniformemente que este preceito não se aplica aos contratos sinalagmáticos como o de arrendamento. Conforme se refere no acórdão supra citado (Ac TRL de 03.07.97 CJ 97, 4, 85) «os efeitos materiais da penhora não se repercutem na relação arrendatícia, apenas atingem a esfera jurídica do executado-inquilino cujos direitos sofrem as limitações relativas aos fins da execução». O senhorio, que não é executado, continua a gozar do direito de resolver o contrato de arrendamento, se por exemplo deixarem de lhe ser pagas as rendas, e esse resolução é oponível ao exequente.
Como se refere no acórdão do TREv de 13.12.2001 (CJ 2001, 5, 274) «a notificação do senhorio da penhora do direito ao arrendamento (integrado no trespasse de estabelecimento comercial) visa, fundamentalmente, dar-lhe a conhecer quem pode/deve ficar obrigado ao pagamento das rendas (que para além do arrendatário seria o depositário...)... ou então preparar o senhorio para o eventual e futuro exercício do direito de preferência...». «Caso fosse nomeado depositário para o estabelecimento comercial, a notificação do senhorio teria a sua justificação na alínea g) do art. 1038 CC (como entendeu o STJ em acórdão de 27.01.93)». Prosseguindo a citação (do acórdão de 13.12.2001, que se afigura relevante no caso presente), o arrendatário executado pode dispor, não obstante a penhora, do estabelecimento comercial, trespassando-o sem necessidade de prévia autorização do senhorio (art. 115 RAU) e sem prejuízo da ineficácia dessa transmissão perante a execução (art. 819 CC)».
Do citado acórdão, extrai-se ainda a seguinte citação: «A Relação de Lisboa entendeu em acórdão de 29.11.90 que: A penhora de um estabelecimento comercial, em processo de execução, não impede o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento relativo ao prédio onde está instalado, com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas antes ou depois da penhora, quem quer que esteja na administração do locado e do direito de exigir o pagamento das rendas em dívida».
No acórdão da Relação de Lisboa, de 28.09.95 (CJ 95, 4, 98) refere-se que «a penhora de um estabelecimento comercial não impede o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento relativo ao prédio onde aquele está instalado. Tal hipótese não cabe no âmbito do art. 820 CC. Cumpre contudo ao senhorio, notificado nos termos do art. 856 CPC, informar da pendência da acção de despejo. A violação deste dever de informar pode determinar a responsabilidade civil do senhorio pelos prejuízos advindos para o exequente».
Do que fica referido, resulta em síntese o seguinte:
a) Feita a penhora do estabelecimento comercial, ficam os poderes de disposição (do mesmo estabelecimento) do arrendatário (executado), limitados, sendo ineficazes quanto ao exequente;
b) Os efeitos da penhora não afectam a relação locatícia, podendo o senhorio exercer os seus direitos derivados do incumprimento desse contrato;
c) Feita a penhora e nomeado depositário, sobre este incumbe o dever de assegurar que o pagamento das rendas se verifica, por forma a que o exequente não sofra prejuízo;
d) Resolvido o contrato por incumprimento, nomeadamente com fundamento na falta de pagamento de rendas, a resolução é oponível ao exequente;
e) A notificação do senhorio, da penhora é meramente informativa e feita esta ao mesmo incumbe informar se o crédito (relação locatícia) existe e fazer as declarações que entender, entendendo-se nada dizendo que existe;
f) O senhorio não passa, após essa notificação, a deter a qualidade de depositário judicial;
g) A violação dos deveres de informação podem constituir o senhorio no dever de indemnizar o exequente, caso se mostrem reunidos os respectivos pressupostos.
Aqui chegados é já manifesto que o recurso interposto não poderá obter provimento. Com efeito, dispõe o art. 854 CPC que o depositário é obrigado a apresentar, quando lhe for ordenado, os bens que tenha recebido, salvo o disposto nos artigos anteriores. Se os não apresentar dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas ...(nº 2 art. 854 CPC).
Como se viu, pode na situação como a dos autos ser nomeado depositário, não podendo na sua ausência entender-se que sobre o senhorio, recaem essas funções. Com efeito a notificação da penhora tem como se viu finalidade diversa (art. 116 RAU e 1038 g) e f) CC), nada tendo a ver com as funções de depositário.
Não sendo o senhorio depositário, não pode contra ele lançar mão o exequente do mecanismo previsto em especial para a omissão por parte deste (depositário) dos seus deveres, nomeadamente do que respeita ao de apresentação dos bens, como seja o de «arresto imediato de bens próprios». Como referem os agravantes, para que o exequente possa requerer contra o senhorio (que não é fiel depositário) «arresto de bens» necessário é que se verifiquem os pressupostos legais do art. 406 CPC.
DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Negar provimento ao agravo confirmando-se a decisão recorrida.
Condenar a agravante nas custas
Lisboa, 22 de Janeiro de 2004.
Manuel Gonçalves
Urbano Dias
Gil Roque