SOCIEDADE COMERCIAL
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
COMPRA E VENDA
Sumário

I- A proibição de venda formulada no artº 877º, n.º 1 do Cód. Civil deve abranger tanto as vendas feitas por pais a filhos e avós a netos, como, por interpretação extensiva, as feitas a noras ou genros, e assim também quando o regime de bens do casamento do filho/a com a nora/genro, seja o de separação.
II- No levantamento da personalidade colectiva, desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, ou superação da personalidade jurídica, estará em causa a eventualidade de – sem normas específicas e por exigência do sistema – o Direito, em certas situações, passar do modo colectivo ao modo singular, ignorando a presença formal duma pessoa colectiva.
III- A desconsideração não é a consequência da desfuncionalização das sociedades comerciais, mas sim a consequência de uma certa desfuncionalização do instituto – aquela que se refere à limitação de responsabilidade – sendo por isso, desde logo, delimitada negativamente pela aplicação de outros institutos ou figuras jurídicas.
IV- Em qualquer caso, não prescinde o instituto do levantamento ou desconsideração da personalidade, do uso abusivo daquela, para iludir/prejudicar terceiros.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa.
I- A, intentou acção declarativa com processo ordinário, distribuída à 6ª Vara Cível-3ª secção, da Comarca de Lisboa, contra S, Lda.,; J; A, M e C, , pedindo que, desconsiderando-se a personalidade colectiva da 1ª Ré, seja anulada a venda do prédio urbano identificado, ordenando-se o cancelamento dos registos porventura efectuados a favor daquela sociedade .
Alega, para tanto, que, tal como o R. A, é filho da Ré J.
Sendo o R. A casado com a Ré M, e o R. C filho destes.
Tendo a Ré S, LDA 3 como únicos sócios, os RR. A, M e.
Em 07-04-1998, a Ré J vendeu a Ré S, Lda, representada no acto pelo R. A, o prédio urbano sito na R. Dr. ...., Lisboa, pelo preço declarado de 20.000.000$00.
Sendo que o referido prédio foi avaliado, em 1991, em 59.460.000$00.
Tratando-se, a efectuada venda, para a qual o A. não deu a sua autorização, de mero artifício para contornar a proibição legal do artº 877º do Cód. Civil.
Sendo anulável e presumindo-se simulada.
Aplicando-se o sobredito preceito, já que impõem os princípios da boa-fé o “levantamento” da personalidade colectiva da S, Lda, tudo se passando como se a venda tivesse sido feita directamente aos filho, nora e neto da co-Ré J.
Contestaram os RR., sustentando a inaplicabilidade do artº 877º do Cód. Civil, na circunstância de ser a Ré M, nora da vendedora, para além de não ter o A. alegado, na p.i., a existência de acordo entre a Ré S, Lda e os demais RR., sem o que se não pode considerar a 1ª Ré como terceiro interposto.
Impugnando ainda a existência do alegado intuito de prejudicarem o A., e alegando não ter ocorrido empobrecimento da vendedora.
Houve réplica do A.
O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação, sendo, realizada que foi a audiência de julgamento, proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformado recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as conclusões seguintes:
(...)
Contra-alegaram os apelados, pugnando pela manutenção do julgado,(...)
II- Corridos os vistos legais cumpre decidir.
Preliminarmente, e no confronto da “questão prévia” suscitada pelos apelados, dir-se-á:
Nos termos do disposto no artº 684º-A, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, “No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
È a chamada ampliação do objecto do recurso a requerimento do recorrido, que aliás faculta ao recorrente a possibilidade de “...responder à matéria da ampliação, nos 20 dias posteriores à notificação do requerimento”, vd. artº 698º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.
Concedendo-se que, substancialmente – sem a melhor tradução formal, é certo – tal requerimento foi feito, no tocante ao alargamento do objecto do recurso relativamente à questão da caducidade da acção.
Certo aqui que não tendo tal excepção sido arguida na contestação – para a qual não foram carreados os correspondentes factos – e não se tratando de caducidade estabelecida em matéria de direitos indisponíveis, veio a dita a ser arguida nas alegações quanto à matéria de direito, apresentadas pelos RR. nos quadros do artº 657º, do Cód. Proc. Civil, dela conhecendo a sentença recorrida, que  julgou não verificada uma tal “extemporaneidade”.
Não tendo esse conhecimento de tal matéria, suscitado arguição de nulidade da sentença.
Posto o que, entende-se, sempre terá de se haver tal matéria de excepção como recondutível a...fundamento considerável da defesa dos RR., em que estes decaíram.
A conhecer por este tribunal, no âmbito assim alargado do recurso, “caso venha a julgar o recurso (no seu objecto inicial...), interposto por quem ficou vencido, procedente”.[1]
Também a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, assim igualmente deduzida pelos RR. nas suas contra-alegações, encontrando acolhimento no disposto no n.º 2 do citado artº 684º-A, e certo ter sido observado o disposto a propósito no artº 690º-A, n.º 4, do mesmo Cód.
Dela sendo de conhecer assim também na hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente.
E assim.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. artºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil -  são questões propostas à resolução deste Tribunal:
1-Quanto ao âmbito inicial do recurso.
- se é de alterar a decisão da primeira instância quanto à matéria dos artºs 2º, 3º, 4º, 5º e 7º da base instrutória.
- se é caso de levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva da Ré SOB 3.
2- quanto ao âmbito alargado do recurso.
- se  é caso de alteração da decisão quanto à matéria dos artºs 6º, 8º e 9º, da base instrutória.
- se se verifica a caducidade do direito de acção do A.. 
 Considerou-se assente, na primeira instância, a factualidade seguinte:
(...).
f) Em 7 de Abril de 1998 Aem representação de S, Lda e de J outorgou escritura pública de compra e venda.
g) E nela foi declarado que J vendeu a S por 20.000.000$00 o prédio urbano sito na Rua Dr....., Lisboa, descrito sob o número 2049.
h) O referido prédio foi avaliado em 1991, por três peritos no âmbito de uma acção especial de divisão de coisa comum, em 59.460.000$00.
i) Na dita acção o prédio foi adjudicado por sorteio a J.
j) O autor não deu o consentimento à realização da venda.
k) O autor soube que fora outorgada a escritura de compra e venda referida em f).
l) A venda resultou de um acordo entre J, A e S pelo qual aquela prometeu efectuar a venda do prédio à sociedade em contrapartida do pagamento por esta das tornas devidas ao autor no inventário do pai deste...
 m) E das tornas devidas na referida acção de divisão de coisa comum.
n) S entregou 22.500.000$00 para pagamento a A das tornas que a este cabiam na acção de divisão de coisa comum.
Vejamos.
II-1- Da, pelo recorrente, pretendida alteração da decisão quanto à matéria de facto.
Está aqui assim em causa a hipótese contemplada no artº 712º, n.º 1, alínea a), do Cód. Proc. Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida.
A reforma processual de 1995/96, veio ampliar os poderes do Tribunal da  Relação quanto à matéria de facto, transformando-a num tribunal de instância que não já “apenas” um tribunal de “revista” quanto à subsunção jurídica da factualidade assente.
Com recusa, porém, de soluções que contemplassem ou impusessem a realização de novo julgamento integral em segunda instância.
Ainda assim, um tal sistema,  acarreta riscos, e, desde logo, o de se “atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade”...
Pois “Existem aspectos comportamentais ou  reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie, e que jamais podem ficar gravados ou registados, para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” [2].
É de relembrar que "os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidos. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe."[3]. E a fixação da matéria de facto, há-de ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata que o julgamento daquele possa não ter a correspondência directa nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu.
Assim, a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só poderá determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando se verifique que aquelas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas [4].
Isto posto.
II-1-1- A decisão quanto à matéria de facto, na primeira instância, mostra – se exaustivamente fundamentada, com invocação dos depoimentos das testemunhas.... e a ponderação dos documentos que referencia.
(...)
Não é pois de alterar a decisão da primeira instância quanto à matéria de facto, subsistindo a mesma.
II-2- Do levantamento da personalidade colectiva da Ré S.
Na sentença recorrida concluiu-se não ser caso disso, por não ter logrado comprovação, in casu, o aproveitamento da sociedade Ré para “contornar a proibição” (do artº 877º, n.º 1, do Cód. Civil ), e o “recurso à sociedade” para ofender “as expectativas sucessórias do autor”, que poderiam revelar conduta danosa por via da sociedade.
Para além de, quanto às “expectativas sucessórias” do autor no que respeita ao preço do prédio, faltar sempre para a possibilidade de uma resposta positiva apurar que o valor do prédio à data da venda era distinto, para mais, daquele pelo qual esta se realizou, e que mesmo que o preço conseguido fosse inferior ao possível, naquela data, restaria detectar a intervenção abusiva da sociedade.
O A., e como visto, insiste  na correspondência da venda à S a mero estratagema para contornar a proibição legal vazada no artº 877º, e prejudicar aquele  na sua legítima.
II-2-1- Naturalmente, a abordagem desta questão pressupõe a resolução de uma outra, suscitada nos articulados, qual seja a da (in)aplicabilidade do disposto no artº 877º, n.º 1 do Cód. Civil, em caso de venda, também, a nora, como assim o é a Ré  M, da Ré J.
Ponto sobre o qual se não pronunciou expressamente a sentença recorrida.
De acordo com aquele normativo, “Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda...”.
Sendo anulável “A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior2 (n.º 2).
A jurisprudência, maioritariamente, vai no sentido de a proibição assim formulada dever abranger tanto as vendas feitas por pais a filhos e avós a netos, como as feitas a noras ou genros [5].
Dividindo-se, já, porém, quanto à legitimidade da interpretação extensiva do preceito, num tal sentido, quando o regime de bens do casamento do filho/a com a nora/genro, seja o de separação, como assim ocorre no caso dos autos, relativamente ao matrimónio dos RR. A e M.
Pela positiva se pronunciando o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-1997, referido na antecedente nota 6.
Na verdade, e desde logo, sendo a norma do artº 877º, n.º 1, do Cód. Civil, de natureza reconhecidamente excepcional - relativamente à regra geral contida no artº 1305º do Cód. Civil, de acordo com a qual o proprietário de uma coisa pode dela dispor como lhe aprouver – ela consente interpretação extensiva, por apenas a analogia estar excluída relativamente a normas de tal natureza, no artº 11º do Cód. Civil.[6]
Certo pressupor-se, na interpretação extensiva, “que dada hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está todavia no seu espírito: há ainda norma, visto que o espírito é que é decisivo. Quando há lacuna, porém, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes...num caso estamos ainda a extrair a norma, implícita num texto imperfeito, no outro nada encontramos implícito, porque há uma lacuna[7] 
Ora ao ferir com a anulabilidade os contratos de venda  de pais a filhos, sem a autorização dos demais filhos, pretendeu o legislador, essencialmente, evitar prejuízos para os não intervenientes nesses contratos.
Procura-se com esta proibição, evitar uma simulação, difícil de provar, em prejuízo das legítimas dos descendentes[8].
Só assim se compreendendo a necessidade de autorização desses filhos não intervenientes.
Pois mais do que impedir o benefício injustificado de um dos herdeiros, a lei pretendeu obstar ao eventual prejuízo dos outros herdeiros, impondo que lhes fosse dado conhecimento de tais vendas e exigindo o seu consentimento.
Sendo esta a razão de ser do dispositivo em análise, logo se alcança a sua aplicabilidade relativamente a hipótese de venda a nora, como assim é o caso em apreço.
Também não se vislumbrando como o regime de bens do casamento da nora compradora possa ter qualquer relevância na questão da aplicabilidade daquele.
Com efeito, qualquer que seja esse regime, sempre existirá o prejuízo a que a lei pretende obstar, e já que da alienação resultará uma diminuição do património do vendedor e da consequente legítima dos herdeiros não intervenientes no contrato.
A circunstância de o regime de bens do casamento da nora ser o da separação, apenas impede a comunhão automática do cônjuge não comprador, não obstando a que o comprador transmita os bens adquiridos  àquele, nem que, assim, os filhos do casal/netos da vendedora – como é o caso do R. André Carlos – venham a herdar tais bens, ou os adquiridos por substituição.
II-2-2- A terminologia, não é, nesta matéria, uniforme, sendo que, ao levantamento da personalidade colectiva, a que se refere Pedro Cordeiro[9], prefere  Menezes Cordeiro [10] a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, tendo sido já proposta por Inocêncio Galvão Telles [11], a fórmula superação da personalidade jurídica.
Como quer que seja, estará em causa a derrogação do princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam[12], ou, dito de outro modo, a eventualidade de – sem normas específicas e por exigência do sistema – o Direito, em certas situações, passar do modo colectivo ao modo singular, ignorando a presença formal duma pessoa colectiva [13].
Pedro Cordeiro, depois de distinguir a desconsideração enquanto instituto autónomo, daqueles casos em que a mera aplicação de normas conduziria ao mesmo resultado, conclui, tendo apelado a propósito à ideia de abuso do instituto (sociedade comercial), que “ a desconsideração não é a consequência da desfuncionalização das sociedades comerciais, mas sim a consequência de uma certa desfuncionalização do instituto – aquela que se refere à limitação de responsabilidade – sendo por isso, desde logo, delimitada negativamente pela aplicação de outros institutos ou figuras jurídicas.”[14].
Considerando, como tipos  de abuso da limitação de responsabilidade limitada, a invocação abusiva, pelo “homem oculto”, da limitação de responsabilidade e  o prejuízo causado ao património social[15].
Com o que, parece, se deixaria de fora a situação de fraude à proibição legal formulada no artº 877º, n.º 1, do Cód. Civil, que teria tratamento em sede de simulação relativa, na modalidade de interposição fictícia, Vd. artºs 240º e 241º do Cód. Civil, e Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, 1965, págs. 155 e seguintes.
Já Menezes Cordeiro, mais abrangente quanto às hipóteses de levantamento da personalidade colectiva[16], contempla, no atentado a terceiros e abuso de personalidade, as hipóteses “em que a personalidade colectiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar”.
Esclarecendo que “não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa colectiva: para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios”.
Também Inocêncio Galvão Telles[17] concedendo a verificação dos pressupostos do desconhecimento da personalidade de uma sociedade e a consideração de uma venda como feita a B e C, se estes dominam completamente a mesma, praticamente se identificando com ela, e a personalidade da sociedade foi utilizada para iludir a disposição do artº 877º, do Cód. Civil – venda a filhos sem o consentimento dos outros filhos.
Tendo-se assim e em qualquer caso, no que agora interessa, que não prescinde o instituto do levantamento ou desconsideração da personalidade, do uso abusivo daquela, para iludir/prejudicar terceiros.
Ora, no confronto da apurada factualidade não é possível concluir por uma tal actuação do “homem oculto”, a saber, a Ré. J e os RR sócios da S.
Nada apurado ficou em sede de intencionalidade, vd. respostas negativas aos arts. 2º e 3º da base instrutória.
Nem podendo pretender inferir-se aquela dessa mesma factualidade.
É certo que a venda foi pelo preço declarado de 20.000.000$00, inferior ao valor apurado cerca de seis anos antes, em avaliação efectuada em acção de divisão de coisa comum, a saber, 59.460.000$00.
Sendo facto notório que um prédio em Lisboa, na freguesia de..., não se desvaloriza nesse lapso de tempo, salvo caso de ruína, antes beneficiando o imobiliário com uma tal localização, de efectiva e constante valorização.
Ponto sendo, porém,  que nos termos do acordo de folhas 71 a 75, assumiu a Ré S, no confronto da vendedora, a obrigação do pagamento de tornas devidas por esta ao aqui A., no âmbito do processo de inventário e da acção de divisão de coisa comum, no montante global de 42.908.380$00; devidas pela mesma Ré ao Réu A, no âmbito da acção de divisão de coisa comum, no montante de 22.500.000$00, bem como as obrigação de pagamento a A.A. Lda.  do passivo a esta devido, também por força do inventário (por óbito do pai do A. e do R. A), no montante, de capital, de 5.622.280$00., tudo sendo feito corresponder ao preço do imóvel assim prometido vender.
E provado está que a S entregou 22.500.000$00 para pagamento a A das tornas que a este cabiam na acção de divisão de coisa comum.
O que tudo, independentemente da questão da desconformidade entre o preço assim constante do contrato-promessa respectivo e o declarado na escritura pública de compra e venda, neutraliza o alcance que se pretendesse atribuir, em sede de intenções, à inferioridade do preço declarado na escritura relativamente ao valor de avaliação obtido, anos antes, para o mesmo imóvel.
Não estando assim reunidos os pressupostos do levantamento da personalidade colectiva da Ré S, relativamente à compra e venda em causa.
Improcedendo as conclusões de recurso do apelante.
Com prejuízo do conhecimento das questões suscitadas pelos apelados, em sede de ampliação do âmbito do recurso.
III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 2004-01-22
 ( Ezagüy Martins )
( Maria José Mouro)
 ( Afonso Henrique)
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[1] Vd. Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil...”, Almedina, 1999, págs. 456-457.
[2] Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 3ª ed., 2000, págs.273  e 274.
[3] Vd.  Eurico Lopes Cardoso, in BMJ n.º 80, pags. 220/221.
[4] Neste sentido, o Ac. R.P. de 20-02-2001, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[5] Assim, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-05-1979, in BMJ, 287º-275; de 25-03-1982, in BMJ 315º-256; de 10-07-1997, in CJAcSTJ, Ano V, Tomo II, pag.163-164; e desta Relação, de 15-12-1993, in CJ, Ano XVIII, Tomo V, págs. 157-158.
[6] Como aliás refere o Prof. Oliveira Ascensão in Introdução ao Estudo do Direito, Ano Lectivo de 1970-71, com revisão parcial em 1972-73, 1º ano - 1ª turma, Edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, pág. 383.
[7] Oliveira Ascensão, op. cit. págs. 381-383.
[8] P. Lima e A. Varela, in Código Civil, Anotado, Vol. II, Coimbra editora, 1997, pág. 165, com citação a propósito de Baptista Lopes, in Contrato de Compra e Venda, pág. 51
[9] In O Levantamento da Personalidade Colectiva, Almedina, 2000.
[10] In A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, reimpressão, ed. da AAFDL, 1994.
[11] In Venda a descendentes e o problema da superação da personalidade jurídica das sociedades, ROA, 1979, 513-562 (537 e 555).
[12] Pedro Cordeiro, op. cit. pág. 13.
[13] Menezes Cordeiro, op. cit. pág. 102.
[14] Op. cit., pág. 120.
[15] Vd. op. cit. folhas 123 e 128.
[16] Enquanto Pedro Cordeiro considera como casos centrais da problemática da desconsideração, os de subcapitalização e de mistura de patrimónios, Menezes Cordeiro distingue a confusão de esferas jurídicas, a subcapitalização, o atentado a terceiros e o abuso de personalidade, vd. op. cit. págs. 94 e 116, respectivamente.
[17] In op. cit. supra, pág. 534.