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ACIDENTE DE TRABALHO
DESPESA HOSPITALAR
REEMBOLSO
SEGURADORA
Sumário
Tendo a sinistrada recorrido a tratamentos e atos clínicos efetuados por entidades externas à seguradora, e mostrando-se esses atos adequados à recuperação clínica da sinistrada, não estando demonstrado que se em vez de ter sido assistida pelos médicos e serviços clínicos que a sinistrada escolheu tivessem sido os serviços clínicos da seguradora a assisti-la aquela não teria padecido das incapacidades temporárias que sofreu, ou ficado com a incapacidade permanente com que ficou, tem a mesmo direito a ser reembolsada das despesas com internamento, cirurgia e tratamentos, mas tendo como limite os preços que a seguradora suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e /ou contratados.
PARTES: RECORRENTE: B… RECORRIDA: C… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
VALOR DA AÇÃO: € 8. 205,67
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO 1. Frustrada a tentativa de conciliação, B…, casada, NIF ………, residente no Lugar de …, Caixa Postal n.º …, …, intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra C… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NIPC ………, com sede na Rua de …, nº .., Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:
a) A pensão anual e vitalícia de € 746,76, devida desde o dia 15 de Novembro de 2012, correspondente a uma capital de remição no valor de €: 11.959,36;
b) A quantia de € 2.511,95, a título de indemnização por incapacidades temporárias (absoluta e parciais);
c) A quantia de € 8.404,51, que a autora despendeu a título de honorários médicos e medicamentos;
d) A quantia de € 197,25, que a autora despendeu em transportes para se deslocar aos tratamentos e consultas médicas, ao IML e a este Tribunal;
e) Os Juros de mora que se contabilizarem, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre todas as prestações, até integral e efetivo cumprimento.
Alegou, para o efeito, em síntese e com utilidade, que No dia 11/04/2012, pelas 15.30 horas, e quando trabalhava por conta própria, como vendedora ambulante, mediante o salário de € 635,00 X 14 meses/ano, a autora, no exercício das suas funções, foi vítima de um acidente de viação, sofrendo lesões (melhor descritas no relatório do exame realizado no IML), e acidente esse que é também acidente de trabalho.
Aquando do referido acidente a autora tinha a responsabilidade infortunística transferida, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ……., para a seguradora ora ré, cobrindo o mencionado salário.
A autora esteve em situação de incapacidade temporária absoluta e parcial, que especifica, do que ainda não foi indemnizada pela ré, e ficou a padecer de sequelas que lhe conferem uma IPP de 12%.
A ré não aceita pagar qualquer quantia à autora por entender que a autora abandonou o tratamento em 17.07.2012.
Sucede que a autora, na sequência do acidente, foi efetivamente assistida nos serviços clínicos da seguradora, mas não obstante os tratamentos que lhe estavam a ser prestados, decorridos mais de quatro meses desde a data do acidente permaneciam inalterados as dores, os vómitos e as tonturas, e a seguradora não apresentava qualquer solução médica ou clínica tendente à recuperação da autora. Por isso que em 11.07.2012 a autora, através da sua advogada, solicitou à ré seguradora, com carácter de urgência autorização para ser operada fora dos serviços clínicos da seguradora, solicitação à qual a ré nunca respondeu.
Face à ausência de notícias da seguradora e à urgência da intervenção cirúrgica, por via das dores intensas e insuportáveis, acompanhadas de tonturas e vómitos, a autora, após aconselhamento de médico prestigiado, foi operada em 16.07.2012.
Atenta a intervenção cirúrgica a que foi sujeita não pôde comparecer às consultas que os serviços clínicos da seguradora tinham agendado para 17 e 20 de Julho de 2012, do que foi dado prévio conhecimento a esses serviços.
A autora despendeu, assim, em honorários clínicos e medicamentos, o montante de € 8.404,51, e em transportes para de deslocar da sua residência aos tratamentos e consultas médicas, ao IML e ao Tribunal, despendeu a quantia de € 197,25, de que tudo pretende ser indemnizada pela seguradora.
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2. Citada a ré contestou, aceitando a ocorrência do acidente alegado e a sua caracterização como acidente de trabalho, e bem assim que no mesmo a autora sofreu lesões que demandavam tratamento médico -, bem como a existência do contrato de seguro nos termos referidos na p.i., alegar que a sinistrada (e concomitantemente tomadora no contrato de seguro) abandonou a assistência médica designada pela seguradora.
Assim, alega a seguradora que os seus serviços clínicos deram alta à sinistrada/autora, no dia 05.06.2012, a pedido desta, que referiu então ao médico dos serviços clínicos da seguradora que na altura a tratava que não concordava com os tratamentos que andava a realizar e que pretendia ser tratada por médicos particulares, e o que efetivamente, após aquela data, a autora veio a fazer.
Com base num relatório, de 20.06.2012, do Dr. D… – médico a quem a autora recorreu por iniciativa própria – a seguradora procedeu à “reabertura do processo por recidiva ou agravamento”, na sequência do que a autora esteve presente em consultas, de diversas especialidades, na E… (que presta serviços clínicos à seguradora) e realizou vários exames complementares de diagnóstico, tendo até estado aí internada, para medicação e repouso, do qual teve alta, em 10.07.2012, sem indicação para qualquer cirurgia, mas ficando desde logo agendadas novas consultas, de psiquiatria e neurologia, nos dias 17 e 20 de Julho, respetivamente.
Sucede que a autora, sem ter comunicado qualquer justificação, faltou às referidas consultas, pelo que os serviços clínicos da seguradora atribuíram à autora alta por abandono desde o dia 17.07.2012.
Acresce que a situação clínica da autora não era suscetível de oferecer perigo de vida, e o seu tratamento não era considerado urgente.
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3. Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido selecionada a matéria de facto assente e controvertida ordenando-se, ainda, a organização de processo apenso, para fixação de incapacidade.
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4. Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção, condenando a ré a pagar à autora, a título de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de € 3.222,60 (três mil duzentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos), e o capital de remição correspondente a uma pensão anual no valor de € 311,15 (trezentos e onze euros e quinze cêntimos), e com início em 15.11.2012, acrescendo juros de mora ao valor respeitante à indemnização e ao capital de remição, à taxa legal, desde a data da alta até efetivo e integral pagamento (art.s 74.º e 135.º do CPT).
Valor da acção: € 8.205,67.
Custas pela autora e pela ré, na proporção do respetivo decaimento.
Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição.
Registe e notifique.”
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5. Inconformada com o segmento da sentença em que absolveu a Ré a pagar à sinistrada a quantia de € 8.404,51 na intervenção cirúrgica efetuada fora dos serviços clínicos daquela, a Autora veio interpor recurso pedindo, nessa parte, a sua revogação e a sua substituição por acórdão que julgue a acção, nesse segmento, provada, assim concluindo:
1 - Em função dos factos dados como assentes e aqueles que foram dados como provados (pontos 1- 25) não era exigível à recorrente socorrer-se dos mecanismos legais previstos porquanto a recorrida, pelo seu corpo clínico, reconheceu que o tratamento convencional não estava a resultar, havendo aqui um abuso de direito por parte da recorrida pela vantagem patrimonial que obteve com a intervenção cirúrgica da recorrente fora dos serviços médicos da recorrida
2 - Em função dos factos dados como assentes e aqueles que foram dados como provados (pontos 1- 25) o tribunal a quo interpretou os dispositivos leais invocados da lei 98/2009 de 04/09 de forma literal quando devia fazê-lo de forma extensiva no sentido que à recorrente não era mais exigido do que o comportamento que a mesma assumiu
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6. A Ré apresentou contra-alegações, onde pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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7. A Exª. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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8. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações da recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão a dirimir consiste em saber se a seguradora é ou não responsável pelas prestações infortunísticas reclamadas pela autora, tendo nomeadamente em conta que a autora realizou a intervenção cirúrgica que se alude nos autos por iniciativa própria e sem autorização da ré e, como tal, esta deve ou não ressarcia a autora apelas respetivas despesas.
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III – FUNDAMENTOS SÃO OS SEGUINTES OS FACTOS QUE A SENTENÇA RECORRIDA DEU COMO PROVADOS E QUE NÃO FORAM IMPUGNADOS:
1 - No dia 11/04/2012, a autora B… trabalhava por conta própria como vendedora ambulante.
2 - Nessa data, pelas 15 horas e trinta minutos, em …, Gondomar, quando se deslocava na sua viatura durante o percurso que habitualmente fazia no exercício das suas funções de vendedora ambulante, um outro veículo ligeiro embateu na viatura que conduzia, o que causou à autora lesões.
3 - À data, a autora auferia a retribuição anual de 635,00€ (seiscentos e trinta e cinco euros) durante catorze meses.
4 - A responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho de que fosse vítima a autora encontrava-se, à data de 11/04/2012, transferida para a ré seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……..
5 - Até à presente data, a ré nada pagou à autora a título de indemnizações por incapacidades temporárias.
6 - Em 05 de Junho de 2012, os serviços clínicos da ré deram alta à autora.
7 - Após o dia 5 de Junho de 2012, a autora realizou exames e consultas fora do local da prestação da assistência clinica da ré (E…).
8 - Em consequência da reabertura do processo por recidiva ou agravamento por parte da ré, com base no relatório médico do dia 20 de Junho de 2012, do Dr. D…, a autora esteve presente em consultas na E…, tendo no dia 22 de Junho de 2012 tido consulta da especialidade de neurocirurgia com o Dr. F…, na qual este médico especialista observou a Autora por alegadas cervicalgias e síndrome vertigens após acidente de viação.
9 - A autora não compareceu às consultas que lhe foram agendadas pelos serviços clínicos da ré para os dias 17 e 20 de Julho de 2012.
10 - Em consequência direta e necessária do embate referido em 2, a autora esteve afetada dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
- incapacidade temporária absoluta de 12/04/2012 a 15/10/2012;
- incapacidade temporária parcial de 10% de 16/10/2012 a 14/11/2012. (do quesito 1.º)
11 - Das lesões sofridas pela autora resultaram sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 5%. (do quesito 2.º)
12 - A autora gastou a quantia de 8.404,51€ (oito mil, quatrocentos e quatro euros e cinquenta e um cêntimos) em honorários clínicos e medicamentos. (do quesito 3.º)
13 - A autora gastou a quantia de 197,25€ (cento e noventa e sete euros e vinte e cinco cêntimos) em transportes da sua casa aos tratamentos e consultas médicas. (do quesito 4.º)
14 - Em 5 de Junho de 2012 a autora encontrava-se descontente com a falta de evolução positiva da sua situação clínica/persistência de dor intensa, tonturas e vómitos, do que (pelo menos do que) deu conhecimento ao médico que a consultou na consulta de ortopedia. (do quesito 5.º)
15 - Na consulta referida em 8 – realizada no dia 22 de Junho de 2012, da especialidade de neurocirurgia, com o Dr. F… -, após a realização de RM da coluna, Rx e TAC cervical, o Dr. F… não encontrou patologia com indicação, no seu entender, para cirurgia, tendo nessa consulta sido pelo médico propostos tratamentos médicos e fisiátricos e marcada nova consulta desta especialidade (neurocirurgia) para o dia 20 de Julho de 2012. (do quesito 6.º)
16 - A Autora no dia 27 de Junho teve consulta de ortopedia, onde também foram propostos tratamentos de MFR. (do quesito 7.º)
17 - Em 3 de Julho teve consulta de ortopedia, porque mantinha sintomatologia cervical e queixas radiculares, e foi aconselhado o seu internamento na E…, para medicação e repouso. (do quesito 8.º)
18 - Neste período de internamento, a autora foi observada por clínicos de várias especialidades, nomeadamente, por médico da dor crónica e por médico de neurocirurgia. (do quesito 9.º)
19 - No dia 10 de Julho de 2012 a autora teve alta do internamento, sem que os médicos que a acompanharam considerassem haver então indicação para qualquer cirurgia, tendo sido marcada consulta de especialidade de psiquiatria, com o Dr. G…, para o dia 17 de Julho e também consulta de ortopedia. (do quesito 10.º)
20 - A autora não compareceu às consultas referidas em 9. (do quesito 11.º)
21 - Em 11/07/2012, a autora solicitou à ré, por intermédio da Ex.ma Advogada que subscreveu a petição inicial, autorização para ser operada fora dos serviços clínicos da ré, pedido esse efetuado através do e-mail que consta de fls 312 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que são pedidas “notícias urgentes atento o estado de gravidade que aqui está em causa”, e e-mail em relação ao qual a autora só recebeu resposta, primeiro, em 19.07.2012, por e-mail enviado à sua Advogada, junto a fls 313 e cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido, a que foi anexado o “Atestado de Incapacidade” cuja cópia consta de fls 313 v., e depois por carta datada de 24.07.2012, endereçada à autora, cuja cópia consta de fls 314 dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente que aí a seguradora informa a autora que as despesas efetuadas por sua iniciativa após a alta clínica de 5 de Junho pelos serviços médicos da E… não vão ser consideradas para processamento de indemnização. (do quesito 12.º)
22 - No dia 16/07/2012, por força do seu estado de saúde e das dores intensas, vómitos e tonturas de que padecia, a autora foi submetida a intervenção cirúrgica. (do quesito 13.º)
23 - Foi por causa da intervenção cirúrgica a que foi submetida que a autora não compareceu às consultas referidas em 9. (do quesito 14.º)
24 - Assim que se pôde locomover, em 24 de Julho de 2012, a autora deslocou-se à E…, tendo sido aí informada de que lhe tinha sido dada alta em 17/07/2012. (do quesito 16.º)
25 - A autora nasceu em 04 de Agosto de 1975 – doc. de fls 302.
26 - No âmbito do apenso para fixação de incapacidade, foi fixado à sinistrada um período de ITA de 12.04.2012 a 15.10.2012 e um período de ITP de 10% de 16.10.2012 a 14.11.2012, sendo esta a data da alta (cura clínica), e a sinistrada considerada portadora da incapacidade permanente e parcial de 5,00% (IPP de 5,00%).
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2.Cabe, então, resolver a questão que nos foi trazida pela recorrente, ou seja, saber se a seguradora é ou não responsável pelas prestações infortunísticas reclamadas pela autora, tendo nomeadamente em conta que a autora realizou a intervenção cirúrgica que se alude nos autos por iniciativa própria e sem autorização da ré e, como tal, esta deve ou não ressarcir a autora apelas respetivas despesas.
A sentença recorrida negou esta pretensão à recorrente, na medida em que esta não podia ter recorrido, como recorreu, fora dos serviços clínicos que a seguradora lhe proporcionava, e sem obter autorização desta, a um médico neurocirurgião para proceder à intervenção cirúrgica a que se submeteu, nem, naturalmente, sempre em razão da situação clínica em que se encontrava por via do acidente a que se reportam os autos, ir a consultas e realizar exames médicos fora dos serviços clínicos da seguradora, sendo certo que não e pode imputar à atuação da seguradora um juízo de censurabilidade e muito menos de má-fé.
Vejamos:
Tendo o acidente dos autos ocorrido em 11 de Abril de 2012, por isso, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro[1], cuja entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2010 e apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (artigos 187º, nº 1 e 188º).
Segundo o artigo 23º da NLAT o direito à reparação, como princípio geral, compreende prestações em espécie — prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa; [alínea a)] e em dinheiro — indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei [alínea b)].
As prestações em espécie acima assinaladas compreendem, entre outras, de acordo com o disposto no artigo 25º, nº 1, da NLAT:
a) A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários, bem como as visitas domiciliárias;
b) A assistência medicamentosa e farmacêutica;
c) Os cuidados de enfermagem;
d) A hospitalização e os tratamentos termais;
(…)
Estatui, por sua vez, o artigo 28º da mesma lei que entidade responsável tem o direito de designar o médico assistente do sinistrado [nº 1], podendo, no entanto, segundo o seu nº 2, o sinistrado recorrer a qualquer médico nos seguintes casos: a) Se o empregador ou quem o represente não se encontrar no local do acidente e houver urgência nos socorros;
b) Se a entidade responsável não nomear médico assistente ou enquanto o não fizer;
c) Se a entidade responsável renunciar ao direito de escolher o médico assistente; d) Se lhe for dada alta sem estar curado, devendo, neste caso, requerer exame pelo perito do tribunal.
E enquanto não houver médico assistente designado, é como tal considerado, para todos os efeitos legais, o médico que tratar o sinistrado [nº 3].
Prescreve o artigo 30º da NLAT que:
O sinistrado em acidente deve submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal [nº 1].
Sendo a incapacidade ou o agravamento do dano consequência de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições clínicas ou cirúrgicas, a indemnização pode ser reduzida ou excluída nos termos gerais [nº 2]. Considera-se sempre justificada a recusa de intervenção cirúrgica quando, pela sua natureza ou pelo estado do sinistrado, ponha em risco a vida deste [nº 3].
O sinistrado, segundo dispõe o artigo 32º, tem direito a escolher o médico-cirurgião, nos casos em que deva ser submetido a intervenção cirúrgica de alto risco e naqueles em que, como consequência da intervenção cirúrgica, possa correr risco de vida.
Tem ainda, o sinistrado direito a não se conformar com as resoluções do médico assistente ou de quem legalmente o substituir – artigo 33º.
Segundo o artigo 34º da NLAT, nas situações ou casos de divergência sobre as matérias reguladas nos artigos 31º (Substituição legal do médico assistente), 32º (Escolha do médico cirurgião) e 33º (Contestação das resoluções do médico assistente) ou outra de natureza clínica, pode ser resolvida por simples conferência de médicos, da iniciativa do sinistrado, da entidade responsável ou do médico assistente, bem como do substituto legal deste [nº 1].
Se a divergência não for resolvida nos termos do número anterior, é solucionada: a) Havendo internamento hospitalar, pelo respetivo diretor clínico ou pelo médico que o deva substituir, se ele for o médico assistente; b) Não havendo internamento hospitalar, pelo perito médico do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado solicitação de qualquer dos interessados [nº 2].
As resoluções dos médicos referidos nas alíneas do número anterior ficam a constar de documento escrito e o interessado pode delas reclamar, mediante requerimento fundamentado, para o juiz do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado se encontra, que decide definitivamente [nº 3].
Nos casos previstos na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3, se vier a ter lugar processo emergente de acidente de trabalho, o processado é apenso a este [nº 4].
Para decidirmos a questão que nos debruçamos, necessário é ponderar na matéria de facto relacionada com a mesma.
Assim, provou-se, com interesse e utilidade para o que aqui interessa:
- Em 05 de Junho de 2012, os serviços clínicos da ré deram alta à autora.
- Após o dia 5 de Junho de 2012, a autora realizou exames e consultas fora do local da prestação da assistência clinica da ré (E…).
- Em consequência da reabertura do processo por recidiva ou agravamento por parte da ré, com base no relatório médico do dia 20 de Junho de 2012, do Dr. D…, a autora esteve presente em consultas na E…, tendo no dia 22 de Junho de 2012 tido consulta da especialidade de neurocirurgia com o Dr. F…, na qual este médico especialista observou a Autora por alegadas cervicalgias e síndrome vertigens após acidente de viação.
- A autora não compareceu às consultas que lhe foram agendadas pelos serviços clínicos da ré para os dias 17 e 20 de Julho de 2012.
- Em consequência direta e necessária do embate a autora esteve afetada dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
- incapacidade temporária absoluta de 12/04/2012 a 15/10/2012;
- incapacidade temporária parcial de 10% de 16/10/2012 a 14/11/2012. (do quesito 1.º)
- Das lesões sofridas pela autora resultaram sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 5%. (do quesito 2.º)
- A autora gastou a quantia de 8.404,51€ (oito mil, quatrocentos e quatro euros e cinquenta e um cêntimos) em honorários clínicos e medicamentos. (do quesito 3.º)
- A autora gastou a quantia de 197,25€ (cento e noventa e sete euros e vinte e cinco cêntimos) em transportes da sua casa aos tratamentos e consultas médicas. (do quesito 4.º)
- Em 5 de Junho de 2012 a autora encontrava-se descontente com a falta de evolução positiva da sua situação clínica/persistência de dor intensa, tonturas e vómitos, do que (pelo menos do que) deu conhecimento ao médico que a consultou na consulta de ortopedia. (do quesito 5.º)
- Na consulta referida em 8 – realizada no dia 22 de Junho de 2012, da especialidade de neurocirurgia, com o Dr. F… -, após a realização de RM da coluna, Rx e TAC cervical, o Dr. F… não encontrou patologia com indicação, no seu entender, para cirurgia, tendo nessa consulta sido pelo médico propostos tratamentos médicos e fisiátricos e marcada nova consulta desta especialidade (neurocirurgia) para o dia 20 de Julho de 2012. (do quesito 6.º)
- A Autora no dia 27 de Junho teve consulta de ortopedia, onde também foram propostos tratamentos de MFR. (do quesito 7.º)
- Em 3 de Julho teve consulta de ortopedia, porque mantinha sintomatologia cervical e queixas radiculares, e foi aconselhado o seu internamento na E…, para medicação e repouso. (do quesito 8.º)
- Neste período de internamento, a autora foi observada por clínicos de várias especialidades, nomeadamente, por médico da dor crónica e por médico de neurocirurgia. (do quesito 9.º)
- No dia 10 de Julho de 2012 a autora teve alta do internamento, sem que os médicos que a acompanharam considerassem haver então indicação para qualquer cirurgia, tendo sido marcada consulta de especialidade de psiquiatria, com o Dr. G…, para o dia 17 de Julho e também consulta de ortopedia. (do quesito 10.º)
- A autora não compareceu às consultas referidas em 9. (do quesito 11.º)
- Em 11/07/2012, a autora solicitou à ré, por intermédio da Ex.ma Advogada que subscreveu a petição inicial, autorização para ser operada fora dos serviços clínicos da ré, pedido esse efetuado através do e-mail que consta de fls 312 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que são pedidas “notícias urgentes atento o estado de gravidade que aqui está em causa”, e e-mail em relação ao qual a autora só recebeu resposta, primeiro, em 19.07.2012, por e-mail enviado à sua Advogada, junto a fls 313 e cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido, a que foi anexado o “Atestado de Incapacidade” cuja cópia consta de fls 313 v., e depois por carta datada de 24.07.2012, endereçada à autora, cuja cópia consta de fls 314 dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente que aí a seguradora informa a autora que as despesas efetuadas por sua iniciativa após a alta clínica de 5 de Junho pelos serviços médicos da E… não vão ser consideradas para processamento de indemnização. (do quesito 12.º)
- No dia 16/07/2012, por força do seu estado de saúde e das dores intensas, vómitos e tonturas de que padecia, a autora foi submetida a intervenção cirúrgica. (do quesito 13.º)
- Foi por causa da intervenção cirúrgica a que foi submetida que a autora não compareceu às consultas referidas em 9. (do quesito 14.º)
- Assim que se pôde locomover, em 24 de Julho de 2012, a autora deslocou-se à E…, tendo sido aí informada de que lhe tinha sido dada alta em 17/07/2012. (do quesito 16.º)
Daqui resulta, como é afirmado na sentença recorrida, que a autora não podia ter recorrido, como recorreu, fora dos serviços clínicos que a seguradora lhe proporcionava, e sem obter autorização desta, a um médico neurocirurgião para proceder à intervenção cirúrgica a que se submeteu, nem, naturalmente, sempre em razão da situação clínica em que se encontrava por via do acidente a que se reportam os autos, ir a consultas e realizar exames médicos fora dos serviços clínicos da seguradora.
A atuação da sinistrada está assim em confronto com os artigos acima assinalados e que determinam que a seguradora tem o direito de designar o médico assistente à sinistrada, e que esta tem a obrigação de acatar o tratamento que lhe for prescrito por esse médico [artigos 28.º/1 e 30.º/1 (1.ª parte)]; mesmo no caso de a seguradora dar alta à sinistrada sem este estar curada, a sinistrada não pode, sem mais, recorrer a um médico exterior à seguradora, não indicado por esta, devendo, antes, como decorre do n.º 2, al. d) do artigo 28º requerer exame pelo perito do tribunal, como deve fazê-lo caso pretenda contestar as resoluções do médico assistente, nomeado pela seguradora [artigos 30.º/1, parte final, 33.º e 34.º/2 b)].
Por outro lado, como também é referido na sentença recorrida, não se dava o caso – cabendo tal ónus à sinistrada, conforme dispõe o artigo 342º nº1 do Código Civil –, e independentemente da necessidade da intervenção cirúrgica a que a autora veio a ser submetida, de se tratar de uma cirurgia de alto risco ou em que, como consequência da intervenção cirúrgica, a autora corresse risco de vida [artigo 32º].
Em defesa da sua posição, alega a recorrente que em função dos factos dados como assentes e aqueles que foram dados como provados (pontos 1- 25) não era exigível à recorrente socorrer-se dos mecanismos legais previstos porquanto a recorrida, pelo seu corpo clínico, reconheceu que o tratamento convencional não estava a resultar, havendo aqui um abuso de direito por parte da recorrida pela vantagem patrimonial que obteve com a intervenção cirúrgica da recorrente fora dos serviços médicos da recorrida, tendo o tribunal a quo interpretado os dispositivos legais invocados da lei 98/2009 de 04/09 de forma literal quando devia fazê-lo de forma extensiva no sentido que à recorrente não era mais exigido do que o comportamento que a mesma assumiu.
Na decisão recorrida, além do que já dissemos anteriormente, e com o qual concordamos, explanou-se ainda o seguinte:
“ Cumpre questionar se, até por imperativos de boa – fé (cf. art. 762.º/2 do CC), não era exigível à ré seguradora que – v.g. através dos seus serviços clínicos -, tivesse outro comportamento, e se a própria postura da ré não «justificou» a atitude da autora, de procurar tratamento médico, e submeter-se a intervenção cirúrgica, fora dos serviços médicos assegurados pela seguradora.
É que, primeiro, a ré dá alta à autora quando a autora, manifestamente, não estava curada, depois, retomando os tratamentos, trata a situação como se de uma recidiva ou agravamento se tratasse, quando é óbvio não ser essa a situação, mais tarde, instada a seguradora a dizer se dava autorização para a autora ser operada fora dos seus serviços clínicos, tendo sido pedida urgência na resposta, pronuncia-se – negativamente – passados oito dias.
Contudo, sopesados esses factos, e bem assim o contexto em que se passaram – v.g. persistir a autora (até à realização da intervenção cirúrgica a que se submeteu) a padecer de dores intensas – entendemos que são factos e circunstâncias não obstante insuficientes para que, passando “por cima” da necessidade de dilucidar a divergência com recurso aos identificados mecanismos legais, expressamente previstos, concluir pela legitimidade da autora recorrer a tratamento médico externo à seguradora, faculdade que, como vimos, a lei que regulamenta a matéria lhe não concede.
Tem de ponderar-se que, apesar de tudo, reafirma-se, na ocasião em que a autora resolve submeter-se à intervenção cirúrgica (fora dos serviços médicos da seguradora) a seguradora vinha-lhe prestando tratamento médico, tinha reiteradas informações dos seu corpo clínico no sentido de que não era indicado tratamento cirúrgico mas sim conservador, e estavam já marcadas, para daí a alguns dias, consultas médicas de várias especialidades, como tem de ter-se em consideração que na comunicação – aliás, e o que também é relevante, efetuada pela sua Advogada - em que pede autorização à ré para realizar intervenção cirúrgica fora dos seus serviços a autora, apesar de solicitar “notícias urgentes”, não fixa nenhum prazo para a resposta nem dá nota de nenhum agendamento da cirurgia (pelo que, salvo melhor opinião, deveria, no mínimo, aguardar a resposta, insistir, fixar um prazo para a mesma, o que fosse).
Se podemos entender que, em ocasiões anteriores, a postura da seguradora não foi a mais correta, temos de conceder que, no entretanto e mormente aquando da decisão da autora em submeter-se a intervenção cirúrgica efetuada por médico (talvez melhor dito, por equipa médica) particular, não podemos atribuir à atuação da seguradora – v.g. aos seus serviços médicos – um juízo de censurabilidade, muito menos com a natureza de má – fé.
Isto é, não podemos radicar no comportamento da seguradora uma justificação, juridicamente relevante, para que a autora – prescindindo do uso dos mecanismos legais que, eventualmente, lhe reconheceriam essa faculdade, e sem cuidar de obter a autorização da seguradora para esse efeito – pudesse, por seu alvedrio e mau grado a gravidade da sua situação, recorrer a tratamentos médicos alheios aos serviços da seguradora.
Donde, concluímos que a autora agiu por sua conta e risco, desconsiderando os mecanismos – nomeadamente o recurso ao do tribunal, afim de o dissenso ser resolvido pelo respetivo perito médico - que a lei lhe facultava para, eventualmente, poder recorrer a médicos da sua confiança, fora da seguradora.
Não tem por isso, e com o devido respeito por diverso entendimento, fundamento legal para exigir da ré seguradora ser indemnizada das despesas que suportou por via dos tratamentos médicos a que, por sua iniciativa, recorreu.
Já quanto às prestações decorrentes da situação de incapacidade temporária (ITA e ITP) atribuída à autora e da incapacidade permanente parcial que lhe foi fixada, afigura-se que assiste razão à autora.
Com efeito, nada autoriza a conclusão de que se fosse outro o tratamento seguido pela autora – v.g. o preconizado pelos serviços clínicos da ré – a autora não teria os períodos (designadamente quanto à duração e natureza/grau de incapacidade) de incapacidade temporária que lhe foram atribuídos, nem ficaria a padecer da IPP que lhe foi fixada – cf. art. 30.º/2 acima citado.
Se alguma coisa se pode presumir, atenta a normalidade das coisas e o (relativamente) reduzido grau de incapacidade permanente que foi fixado à autora (5%), é que o tratamento a que por fim a autora se sujeitou, fora dos serviços médicos da seguradora, surtiram efeito.
Sendo esse o contexto, entendemos que sempre haveria de concluir aqui como abuso de direito, nos termos em que consagra essa figura o artigo 334.º do CC, pretender a ré eximir-se a pagar à autora a indemnização por incapacidade temporária e a competente pensão.”
Estamos de acordo com grande parte do que se deixou exarado. A nossa opinião é que se deveria ter ido um pouco mais além, no que se refere à questão aqui em apreciação, tendo em conta todo o circunstancialismo, muito próprio, que o rodeou.
Expliquemos:
Qual a finalidade da lei com normas acima assinaladas?
Em primeiro lugar, diremos que a lei tem uma visão conservadora e protetora da seguradora em detrimento do sinistrado, daquele que efetivamente deveria proteger, pois, quer se queira, quer não se queira, o princípio que está inerente a cada doente poder escolher o seu médico, médico de confiança, fica abalado.
Por outro lado, pensamos que nessa proteção dada à seguradora deve estar um princípio de equilíbrio, no sentido de que com tais regras é que não haja, por parte do sinistrado, a utilização abusiva de serviços e atos médicos desnecessários ou supérfluos, nem que, na execução desses serviços e atos médicos, haja despesas voluptuárias. Daí ser a seguradora que, mediante o seu quadro de serviços médicos, garanta a prestação de tais cuidados médicos, para que, de acordo com a sua gestão organizacional, obtenha resultados económicos e os menores gastos possíveis, os quais poderiam ser postos em causa se tais regras legais não estivessem previstas.
Mas, apesar de todos estes condicionalismos, se estivermos perante uma situação em que se demostra que a rebeldia do sinistrado a estas regras não pôs em causa a proteção legal dada à seguradora, e que esta até beneficiou, ou pelo menos, melhor não faria com os seus serviços, com a atitude do sinistrado, e, sobretudo, está demostrado a necessidade do ato médico, ou pelo menos, indemonstrado a sua desnecessidade, e mostrada a sua utilidade, então, a seguradora, sob pena de enriquecimento, deve suportar as despesas feitas pelo sinistrado, de valor equivalente àquelas que suportaria, socorrendo-se do seus próprios serviços, caso tivesse sido ela a executar tais atos médicos.
Ora, como é sabido, e já deixamos exposto, a reparação dos acidentes de trabalho abrange valores monetários (art.º 23.º, al. b), da NLAT) e em espécie (art.º 23.°, al. a), da NLAT). «Para a prestação dos pertinentes cuidados médicos, as empresas de seguros habitualmente estabelecem contratos de prestação desses serviços com empresas/clínicas de saúde ou médicos. E, por força de tais contratos, as seguradoras, ao que julgamos, conseguem preços inferiores aos que uma pessoa singular consegue para cada ato médico. Ora, na nossa perspetiva, nos casos em que o sinistrado procurou e contratou por si os cuidados médicos que recebeu (fora da Seguradora), a empresa de seguros, face aos referidos preceitos, não tem de suportar os preços que o sinistrado, à revelia da seguradora, contratou, com a empresa de saúde ou profissional de saúde. Porém, sempre será responsável pelo preço dos atos médicos praticados que, se justificados à luz das «leges artis», a própria seguradora teria de suportar, se contratados/praticados por si (embora, porventura, a preço inferior, por contratar para um elevado n. º de casos. Ilustremos com um exemplo: se uma dada cirurgia foi contratada pelo sinistrado por 3.000 euros, mas a Seguradora estava em condições de lhe disponibilizar a mesma cirurgia por 2.000 euros, a Seguradora só é responsável pelo reembolso de 2.000 euros e não 3.000 euros).
Assim, no caso concreto, evidencia-se que à sinistrada, por contratação por si estabelecida, foram praticados atos médicos que a seguradora sempre teria de prestar (embora, porventura, a preços inferiores). Donde, evidenciando-se que os atos médicos contratados diretamente pela sinistrada foram os adequados, então tem ela direito ao reembolso, até ao valor que a seguradora sempre pagaria, se fossem por si assegurados. Com efeito, a seguradora, por força da apólice de seguro, tem de assegurar à sinistrada os tratamentos médicos adequados para o restabelecimento, na medida possível, do estado de saúde anterior ao acidente. Na hipótese de a sinistrada contratar por si tais serviços de saúde, compreende-se facilmente que a Seguradora não seja responsável por valor superior ao que suportaria, se tais atos fossem por si assegurados. Mas já não tem justificação a empresa de seguros não ser responsável pelo valor que sempre suportaria, se os mesmos atos médicos fossem diretamente por si assegurados (através da contratação de tais serviços por si realizada), pois que cair-se-ia, se bem vemos, numa situação de enriquecimento sem causa.
Aplicando tal entendimento ao caso sub judice, temos que falta apurar o valor que Ré Seguradora suportaria pelos atos médicos em causa, se por si assegurados e contratados (em clínica ou profissional de saúde que entendesse, desde que reunissem idoneidade e competência) ”[2].
Assim sendo, parece-nos esta solução a que, no caso concreto, melhor estabelece um justo e adequado equilíbrio entre os legítimos interesses da seguradora/responsável em utilizar os meios humanos e materiais à sua disposição, e que entenda serem os mais adequados à recuperação física da sinistrada, e os não menos relevantes interesses desta em que a reparação infortunística não deixe de levar em linha de conta todas as despesas em que foi obrigada a incorrer por virtude dos tratamentos, consultas e cirurgias diretamente impostas pela lesões sofridas.
Todavia, como se refere no acórdão aludida na nota 2, uma solução deste tipo não poderá revestir um carácter generalista, só podendo valer em casos, como o presente, em que os atos clínicos prestados à sinistrada por entidades estranhas às designadas pela seguradora/responsável se afiguraram indispensáveis (nada ficou provado em contrário) ao tratamento e recuperação clínica da sinistrada e quando não está demonstrado, cabendo o respetivo ónus à entidade responsável, que se em vez de ter sido assistida pelos médicos e serviços clínicos que aquela escolheu, tivessem sido os serviços clínicos da seguradora a assisti-la, a Autora não teria padecido das incapacidades temporárias que sofreu, ou ficado com a incapacidade permanente com que ficou.
Na verdade, o quadro factual em que a Autora se socorreu da assistência clínica e cirúrgica externa aos serviços da seguradora, é muito próprio e circunscrito a uma situação que adveio de à sinistrada ter sido dada alta sem se encontra curada; de pouco dias após essa alta ter sido aberto um processo de recidiva pela própria seguradora com a marcação de consultas; a autora encontrava-se descontente com a falta de evolução positiva da sua situação clínica/persistência de dor intensa, tonturas e vómitos, do que (pelo menos do que) deu conhecimento ao médico que a consultou na consulta de ortopedia; A Autora no dia 27 de Junho teve consulta de ortopedia, onde também foram propostos tratamentos de MFR; Em 3 de Julho teve consulta de ortopedia, porque mantinha sintomatologia cervical e queixas radiculares, e foi aconselhado o seu internamento na E…, para medicação e repouso; neste período de internamento, a autora foi observada por clínicos de várias especialidades, nomeadamente, por médico da dor crónica e por médico de neurocirurgia; no dia 10 de Julho de 2012 a autora teve alta do internamento, sem que os médicos que a acompanharam considerassem haver então indicação para qualquer cirurgia, tendo sido marcada consulta de especialidade de psiquiatria, com o Dr. G…, para o dia 17 de Julho e também consulta de ortopedia; em 11/07/2012, a autora solicitou à ré, por intermédio da Ex.ma Advogada que subscreveu a petição inicial, autorização para ser operada fora dos serviços clínicos da ré, pedido esse efetuado através do e-mail, designadamente que são pedidas “notícias urgentes atento o estado de gravidade que aqui está em causa”, e e-mail em relação ao qual a autora só recebeu resposta, primeiro, em 19.07.2012, por e-mail enviado à sua Advogada e depois por carta datada de 24.07.2012, endereçada à autora, onde a seguradora informa a autora que as despesas efetuadas por sua iniciativa após a alta clínica de 5 de Junho pelos serviços médicos da E… não vão ser consideradas para processamento de indemnização. Por fim, no dia 16/07/2012, por força do seu estado de saúde e das dores intensas, vómitos e tonturas de que padecia, a autora foi submetida a intervenção cirúrgica.
Apesar de não estar provado que o estado de saúde da sinistrada fosse de risco, que a sua vida corresse perigo, a verdade é que a seguradora foi protelando no tempo uma solução justa e adequada ao estado de saúde e clínico daquela. E, por força do seu estado de saúde e das dores intensas, vómitos e tonturas de que padecia, a autora foi submetida a intervenção cirúrgica. Intervenção e tratamentos clínicos, esses que a seguradora não demostrou serem inúteis ou desnecessários, ou que, tenham tido reflexos negativos na saúde da sinistrada e que tenham dado origem a uma incapacidade ou agravamento do dano que não existiriam sem os mesmos. Certo é que a seguradora não colocou em causa a realização da intervenção cirúrgica a que a sinistrada foi submetida a 16/07/2012, limitando-se, sim, a invocar o abandono dos tratamentos por parte desta e questionar a urgência da realização da intervenção a que a mesma se submeteu. Ora, do quadro factual relatado, é legítimo extrair a conclusão de que a intervenção cirúrgica era necessária e foi motivada por algumas das sintomatologias que a sinistrada revelava por causa do acidente, sendo que a ré/seguradora nunca se dispôs a realizar a intervenção e referiu mesmo que se recusaria a pagar o seu custo se realizada por iniciativa da autora, sem oferecer qualquer alternativa clínica urgente à autora.
Além de que a sinistrada teve sempre pareceres médicos que a suportaram nas suas decisões.
Portanto, a realização da cirurgia foi um bem, ou uma necessidade, que deveria ter sido suportada pela seguradora. Ao não sê-lo teve um enriquecimento indevido pelo que, é justo, que a mesma suporta as despesas realizadas pela sinistrada com esse ato, mas tendo como limite os preços que a Ré suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e/ou contratados.
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Termos em que procedem, na medida do exposto, as conclusões do recurso.
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3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da recorrente e recorrida, em ambas as instâncias, na proporção do vencimento [artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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IV. DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por B…, e, em consequência: A) - Condenar a Ré C… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar-lhe a quantia que vier a ser apurada, em ulterior incidente de liquidação, correspondente ao reembolso das despesas por ela efetuadas em internamento, intervenção cirúrgica e tratamentos, mas tendo como limite os preços que a Ré suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e/ou contratados. B) - No restante, mantem-se a sentença recorrida. C) - Condenar recorrente e recorrida no pagamento das custas em ambas as instâncias [artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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Processado e revisto com recurso a meios informáticos.
Porto, 23 de Maio de 2016
António José Ramos
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
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[1] Doravante designada por NLAT.
[2] Parecer do Exº Procurador-Geral Adjunto emitido no âmbito do recurso do processo nº 249/08.TTAGD.C2, do Tribunal da Relação de Coimbra, e transcrito no acórdão desse mesmo processo (datado de 27/09/2012), in www.dgsi.pt.
______ SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
Tendo a sinistrada recorrido a tratamentos e atos clínicos efetuados por entidades externas à seguradora, e mostrando-se esses atos adequados à recuperação clínica da sinistrada, não estando demonstrado que se em vez de ter sido assistida pelos médicos e serviços clínicos que a sinistrada escolheu tivessem sido os serviços clínicos da seguradora a assisti-la aquela não teria padecido das incapacidades temporárias que sofreu, ou ficado com a incapacidade permanente com que ficou, tem a mesmo direito a ser reembolsada das despesas com internamento, cirurgia e tratamentos, mas tendo como limite os preços que a seguradora suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e /ou contratados.