CONTRATO-PROMESSA
TRADIÇÃO DA COISA
USUCAPIÃO
Sumário

O promitente comprador poderá exercer sobre a coisa posse ou mera detenção, tudo dependendo do «animus».

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Por apenso à execução com processo ordinário que a U, SA, intentou contra J e I veio B deduzir os presentes embargos de terceiro.
Em resumo, alegou a embargante:
A embargante teve conhecimento em 19Nov./99, que se encontrava marcada para 26Nov., a abertura das propostas por carta fechada para venda da fracção autónoma, designada pela Letra A - cave, que faz parte do prédio urbano sito na Rua ....., descrita na Conservatória do Registo Predial de....., sob o nº 22739, do Livro B-65 e inscrita na matriz sob o art.1950.
É legítima possuidora da referida fracção, por a haver prometido comprar ao executado em Abril de 1975, tendo pago Esc. 500. 000$00, correspondente à totalidade do preço.
Desde aquela data e até 1996, à vista de toda a gente e do próprio executado, sem oposição de ninguém, sem nada pagar, exerceu aí actividade industrial de confecção de vestuário, tendo cessado essa actividade em 1996, mas mantendo lá equipamento industrial sua propriedade.
A embargante deve ser reconhecida como proprietária da referida fracção, por dela ter tido a posse de boa-fé, pública e pacífica por mais de 15 anos, embora não titulada, o que lhe permitirá tornar-se proprietária da mesma por usucapião.
Citados, os embargados contestaram impugnando.
O processo seguiu os seus termos, vindo a final a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
Da sentença apelou a embargante, concluindo nas suas alegações:

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II - O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
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III – 1 - Nos termos dos arts. 684, nº 3, 690, nº 1 e 660, nº 2 , todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente. Deste modo, as questões que, fundamentalmente, cumpre apreciarmos são as respeitantes:
- à impugnação da matéria de facto, respeitante às respostas aos arts. 4 a 7, 9 e 17 da Base Instrutória;
- a ter a embargante a posse do imóvel a que se reportam os autos e a ter adquirido a respectiva propriedade por usucapião.
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III – 2 - A apelante, nas suas alegações de recurso, refere uma questão prévia, respeitante à por si arguida nulidade inominada produzida pela inaudibilidade da gravação de vários depoimentos prestados.
Efectivamente, a fls. 329 veio a embargante arguir a nulidade resultante do facto do registo dos depoimentos prestados em audiência – atentas as cópias da gravação por si solicitadas – apresentar insuficiências, designadamente a inexistência de gravação da identificação de várias testemunhas, bem como uma quase inaudibilidade de diversos depoimentos.
A embargada pronunciou-se sobre a invocada nulidade (fls. 358).
Tendo sido determinado que a secção informasse o que tivesse por conveniente (fls. 361), foi aberta conclusão com a informação de que após audição dos originais se verificara que os depoimentos se encontravam gravados de forma audível e que no início do depoimento da testemunha Abel da Silva não se encontra gravada a sua identificação, não restando, porém, dúvidas que se tratava daquela testemunha por ter sido dispensada com referência ao seu nome próprio (fls. 362). Notificada a parte de tal informação e nada tendo sido solicitado, veio a ser proferida decisão indeferindo o requerido (fls. 397).
Deste despacho não foi interposto recurso, razão pela qual a questão prévia aludida pela apelante se encontra ultrapassada (porque precludida).
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III – 3 - Previamente à análise das questões que são colocadas na presente apelação deveremos pronunciarmo-nos sobre o documento junto aos autos a fls. 380-381.
Nas suas alegações de recurso a apelante protestou juntar certidão de casamento a fim de proceder à prova do seu casamento sob o regime de comunhão geral com José Luís Rego Sousa (tendo em conta as consequências que, em termos de direito, pretendia extrair do casamento naquele regime de bens).
Posteriormente, veio a realizar tal junção, através do documento de fls. 380-381.
Não apresentou qualquer justificação para a não junção aos autos do documento em referência até ao encerramento da discussão, em 1ª instância.
Preceitua o nº 1 do art. 706 do CPC que as partes podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que se refere o art. 524, ou no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Dispõe, por seu turno, o nº 1 do art. 524 do mesmo Código que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento; consoante o nº 2 do mesmo artigo, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Subjacente a este regime referente à junção de documentos encontra-se o modelo de apelação que vigora no nosso direito (apelação restrita): a apelação não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instância, mas somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontra o tribunal recorrido no momento em que a proferiu (ver Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, pag. 83).
Decorre, das referidas disposições legais que se justifica a junção de documentos com as alegações em recurso de apelação:
- quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância:
- ou por a parte não ter conhecimento da sua existência;
- ou, conhecendo-a, por lhe não ter sido possível fazer uso deles;
- ou por os documentos se terem formado ulteriormente;
- quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (ver Fernando Amâncio Ferreira, «Manual dos Recursos em Processo Civil», 4ª edição, pags. 189-191).
Nesta última hipótese (de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância) «a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância.
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «Manual de Processo Civil», 2ª edição, pags. 533-534).
Antunes Varela, em anotação publicada na Rev. de Legislação e Jurisprudência, 115º, pag. 89 e segs., sublinha: «Se a junção já era necessária (para fundamentar a acção ou a defesa) antes de ser proferida a decisão de 1ª instância, ela não é permitida. Não a cobre nem a letra nem o espírito da lei...
...A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado».
Vejamos.
O documento em referência – certidão do anterior casamento da própria embargante – podia ter sido apresentado pela parte até ao encerramento da discussão em 1ª instância, nada a impedindo de fazer uso dele até então (bastando ter requerido oportunamente tal certidão).
Também não poderemos considerar que o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância: a decisão não se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
A embargante alegara que fora ela quem celebrara o contrato-promessa com o embargado Alvarez e quem pagara o preço (integral) da fracção; o embargado Alvarez contrapusera que o contrato-promessa fora celebrado com o ex-cônjuge da embargante que lhe entregara determinada quantia a título de sinal – o que se veio a provar. Daí, face à prova da versão da parte contrária, a construção «de recurso» da apelante (com a invocação de factos que não abordara anteriormente, ou seja, o seu casamento com João Luís Rodrigues Sousa no regime da comunhão geral).
A junção do documento não teve na sua origem e a justificá-la um meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal, nem a aplicação de preceitos jurídicos com cuja aplicação a parte justificadamente não pudesse contar - a decisão situou-se dentro do âmbito das posições que as partes haviam assumido.
Conclui-se, pois, pela inadmissibilidade da junção do documento em causa, face ao disposto nos arts. 706, nº 1 e 524 do CPC.
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III – 4 - Atento o nº 1-a) do art. 712 do CPC a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada – nos termos do art. 690-A – a decisão com base neles proferida.
O apelante veio, nos termos previstos pelo art. 690-A do CPC, impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida em primeira instância, a fim de que a mesma fosse alterada, nos termos por si propostos.
Teremos de sublinhar que a gravação dos depoimentos pode revelar-se insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do juiz; existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (nesse sentido Abrantes Geraldes, «Temas da Reforma do Processo Civil», II vol., pag. 273). É que os «depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as palavras, no crédito a prestar-lhe» - Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, pags. 220-221.
Assim, a Relação de Coimbra, no seu acórdão de 3-10-2002, Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, tomo 4, pag. 27, entendeu que o tribunal de segunda instância não vai à procura de uma nova convicção mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação de prova – com os mais elementos existentes nos autos – pode exibir perante si.
Em termos semelhantes o acórdão do STJ de 13-3-2003, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , processo 03B058, dizendo que «desprovida do que só a imediação pode facultar a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida».
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III – 8 - Nos termos do art. 1285 do CC «o possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo».
O embargante não necessita de demonstrar a sua propriedade sobre o bem apreendido, mas, tão só a posse sobre o mesmo.
A questão que fundamentalmente se coloca nos autos é a de se a embargante detinha a posse sobre o imóvel penhorado - mantendo tal posse, aliás, de modo que veio a adquirir a propriedade do mesmo por usucapião.
Não se provou a tese trazida aos autos pela embargante B, de que em Abril de 1975 celebrara com o embargado um acordo nos termos do qual aquela prometera comprar e este prometera vender a fracção “A” do prédio sito na Rua ...., pelo preço de 500.000$00, tendo entregue em Abril de 1975 aquela quantia de 500.000$00.
Da conjugação das alíneas J), L) e M) da matéria de facto provada resulta, sim, que em 11 de Outubro de 1975, o embargado J celebrou com J L, ex-cônjuge da embargante B, um acordo nos termos do qual aquele prometeu vender e este prometeu comprar o 1 ° andar esquerdo do prédio sito na Rua ......., e a fracção " A" (cave destinada a armazém) do mesmo prédio, pelo preço total de 1.200.000$00. O embargado J, em execução daquele acordo recebeu do J L a quantia de 500.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento de referido preço de 1 200 000$0, nunca chegando a ser pago o restante valor de 700.000$00.
Relativamente ao 1º andar direito (e não esquerdo) do prédio veio a ser celebrado em 9-6-1978 contrato de compra e venda entre a embargante B e os embargados , formalizado através da escritura documentada a fls. 283-285, pelo preço já recebido por estes de 500.000$00.
Provou-se, contudo, que após a celebração da promessa em referência, em finais de 1975 ou início de 1976 (e até data não apurada de 1994, mas anterior a Novembro desse ano), á vista de toda a gente e do próprio embargado J, sem oposição deste ou de quem quer que fosse, a embargante Berta exerceu na fracção “A” a actividade industrial de confecção de vestuário, sem nada pagar pela utilização da mesma fracção e ali empregando mais de 30 trabalhadores, bem como que em Novembro de 1999 ainda mantinha no local algum equipamento da sua propriedade.
Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real - art. 1251 do CC.
A nossa lei distingue a posse da mera detenção (art. 1253 do CC); aquela exige o «corpus» e o «animus», traduzindo-se o primeiro na actuação de facto correspondente ao exercício do direito e o segundo na intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela.
Para o possuidor poder adquirir por usucapião têm de estar verificados os dois elementos, o material e o psicológico.
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III – 9 - Atentemos ao caso dos autos.
Como vimos, a embargante desde finais de 1975 ou início de 1976, á vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, exerceu na fracção “A” a actividade industrial de confecção de vestuário, sem nada pagar pela utilização da mesma fracção e ali empregando mais de 30 trabalhadores.
Esta actuação (que teve lugar até data não apurada do ano de 1994, mas anterior a Novembro desse ano 1994, muito embora em Novembro de 1999 a embargante ainda detivesse algum equipamento industrial da sua propriedade na fracção) por si só, tem correlação com a actuação de facto correspondente ao direito de propriedade.
Porém, não resulta dos autos que quer a embargante quer o seu ex-cônjuge tenham pago ao embargado J o preço correspondente à fracção “A”.
Por outro lado, quem procedia ao pagamento das taxas municipais devidas pela fracção eram os embargados J e mulher.
Nestas circunstâncias, com a factualidade apurada, não temos elementos para concluir ou mesmo poder presumir que a embargante actuava com «animus» de proprietária (ou com referência a qualquer outro direito real).
Sublinhe-se não ter qualquer relevância (ao contrário do que a apelante parece pretender) o facto do o embargado J ter aludido a que a A. «entrou na posse» - não compete aos depoentes nem às testemunhas procederem ao tratamento jurídico das situações.
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III – 10 - A apelante nas suas alegações dá particular ênfase à celebração do contrato-promessa entre o embargado J e o então marido da embargante B, reportado à mencionada fracção “A”, e aos efeitos daí advenientes quanto ao «animus» da mesma embargante.
Admitamos que a embargante passou a utilizar a fracção “A”, porque era, então, mulher do promitente-comprador da mesma, fazendo-o nas mesmas condições em que o faria o próprio promitente-comprador.
Não existe um entendimento unívoco sobre se o contrato-promessa de compra e venda com entrega da coisa prometida vender ao promitente comprador confere, ou não, a este verdadeira posse da coisa. Assim, Ana Prata, em «O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil», pag. 832, defende que com a ressalva de que será sempre necessário interpretar a vontade das partes, «pode no entanto dizer-se que sendo o contrato prometido um contrato de alienação ou de oneração de um bem, isto é, um contrato com eficácia real, tal antecipada tradição investirá, em regra, o seu beneficiário na posse da coisa, posse que respeitará à propriedade ou ao direito real, que, de acordo com o contrato promessa, há-de ser constituído sobre ela».
Já Antunes Varela em comentário ao acórdão do STJ de 25-2-86, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 124º, pags. 347-348, refere que a tradição da coisa realizada a favor do promitente-comprador, não investe este na qualidade de possuidor da coisa, que os poderes que o promitente-comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante ou transmitente e que aquilo que a entrega do móvel ou do imóvel atribui ao promitente-comprador é um direito pessoal de gozo sobre a coisa. Os «poderes que o promitente-comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário-adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente adquirente, perante o promitente-alienante ou transmitente». Acrescenta que os direitos pessoais de gozo envolvem sempre um poder de uso, de fruição ou de utilização da coisa, de conteúdo variável consoante a natureza específica do direito, «mas um poder sobre a res que assenta sobre os pés de barro da relação de crédito que lhe serve de suporte permanente, essencial». Ressalva, todavia, a possibilidade da posição do promitente-comprador se poder converter, em circunstâncias excepcionais numa verdadeira situação de posse, quando a sua posição jurídica preencher excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, dando como exemplo que haja sido paga já a totalidade do preço, ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo a coisa tenha sido entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já, praticando este sobre ela, neste estado de espírito, diversos actos materiais correspondentes ao direito de propriedade.
Por seu turno, Calvão da Silva em «Sinal e Contrato-Promessa», pag. 160, nota 55, considera: «Não nos parece possível a priori qualificar de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre a coisa objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá do animus que acompanhe esse corpus».
A posição de Calvão da Silva quanto à qualificação em referência, tem, afinal, pontos de contacto com a de Antunes Varela, acima expressa.
Ora, dos factos apurados e nos termos acima expostos, entende-se não podermos extrair, mesmo tendo em conta a promessa celebrada com o então marido da embargante, que os poderes de facto que ela tenha exercido sobre o imóvel tenham sido acompanhados do necessário «animus»; mesmo que tais poderes de facto houvessem sido exercidos pelo então marido da apelante – promitente comprador – e não pela própria apelante as circunstâncias apuradas não eram de molde a permitir concluir pela existência do mesmo.
Estamos, pois, face a uma mera detenção. Não existe qualquer posse – com a amplitude prevista na lei, integrando «corpus» e «animus» - que haja sido «comunicada» à embargante pelo seu ex-marido.
Considerando que a embargante não chegou a deter a posse do imóvel, não faz sentido considerar que alguma vez a haja perdido.
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III – 11 - Decorre do art. 1287 do CC que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, a isto se chamando usucapião.
Não havendo posse no caso dos autos, não pode ter havido aquisição por usucapião.
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IV – Face ao exposto, acordam os Juizes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004

Maria José Mouro

Afonso Henrique

Nunes Ricardo