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PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
PRAZO
Sumário
I - As diligências probatórias - a que alude o artigo 356.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2009 - não se circunscrevem àquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, abrangendo também quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover. II - Se o trabalhador não requerer diligências de prova, o prazo de que o empregador dispõe para proferir a decisão disciplinar contar-se-á após a receção da resposta à nota de culpa ou o decurso do respetivo prazo. III - Contudo, nada obstará a que o empregador promova, por sua iniciativa, se nisso vir razoável vantagem ou interesse, a realização de diligências probatórias no âmbito do procedimento disciplinar; todavia, ao promovê-las, terá que respeitar o prazo referenciado, sendo que, nesse caso, se iniciará a sua contagem a partir da conclusão da última diligência probatória. IV - O legislador não fixou qualquer prazo para serem efetuadas as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa ou outras da sua iniciativa que repute relevantes, impondo no entanto, o princípio da celeridade processual que esta fase seja tão breve quanto possível. V - Razão pela qual, mesmo que a realização das diligências probatórias requeridas ocorra num prazo de 30 dias, não se pode considerar que caducou o direito de aplicar a sanção, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artigo 357º do CT/2009, pois não existe qualquer lacuna da lei que legitime a aplicação destes normativos.
I – RELATÓRIO 1. B…, caixeira, residente na Rua …, nº .., …, Valongo, intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra “C…, S.A.”, contribuinte n.º ………, com sede na Av. …, n.º ..,….-…, em Lisboa, opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 07/05/2015.
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2. Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3. A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT pugnando pela licitude do mesmo alegando em síntese que a Autora foi trabalhadora da Ré desde 28 de Dezembro de 2012 e exerceu ultimamente as funções correspondentes a 3.ª Caixeira de loja, sita no Centro Comercial D….
Por despacho de 5 de Fevereiro de 2015, exarado pela sua Diretora de Recursos Humanos, órgão com competência disciplinar, instaurou um procedimento disciplinar à trabalhadora, tendo esta nessa data sido também notificada da sua suspensão de funções.
A trabalhadora foi regularmente notificada da nota de culpa, tendo respondido em tempo e decorrida a instrução, verificaram-se provados os factos descritos na nota de culpa, tendo o procedimento disciplinar culminado no despedimento da Autora.
Alega que no dia 8 de Janeiro de 2015, a cliente E… dirigiu-se à loja onde a Autora exercia funções, tendo realizado a compra de um par botas com a referência …./…/…, tamanho .., com o preço de € 89,95.
Nesse mesmo dia, pelas 21 horas, a mesma cliente contactou telefonicamente a loja, informando que não reparara que não levara consigo o respetivo talão de compra, e solicitou a emissão de uma segunda via do mesmo, já que precisava de tal recibo com vista a uma eventual troca.
Não sendo possível essa emissão por parte da loja sem que tal fosse superiormente autorizado, foi-lhe então solicitado que identificasse o artigo adquirido através da referência, cor, tamanho, hora da aquisição e modo de pagamento utilizado na loja, o que a cliente fez, tendo também identificado a trabalhadora que a acompanhou na compra, no caso, a Autora, B….
Ao serem analisadas as vendas desse dia, pela trabalhadora F…, encarregada daquela loja, constatou não haver registo de venda das referidas botas, nem sequer registo de qualquer valor equivalente ao preço das mesmas (€ 89,95).
Contactou os colegas I…, a Autora e H… a fim de tentar perceber o que acontecera e quem, deles, acompanhara a cliente na sua compra, sendo que apenas a B… se lembrava de ter vendido o par de botas, tendo I… e H… afirmado não ter vendido qualquer par de botas nesse dia.
A B… quando questionada da razão pela qual não tinha efetuado o registo da venda, esta disse que tal acontecera por lapso, o que sossegou a F… pois, se tivesse tal sucedido, no fecho de caixa desse dia, haveria necessariamente um montante excedente no valor de € 89,95.
No final do dia quando procedeu ao referido fecho de caixa, a F… verificou inexistir qualquer diferença relativa àquela importância, concluindo-se, sem margem para dúvidas, não haver registo da venda das botas, nem importância excedente.
Considera assim que aquela trabalhadora locupletou-se com a quantia correspondente ao preço das botas adquiridas pela cliente, fazendo sua a respetiva quantia, abstendo-se de registar a venda em questão.
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4. A Autora respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, na qual, para além de invocar a exceção da caducidade do procedimento disciplinar, referindo que respondeu à Nota de Culpa no dia 6 de março de 2015 e que não requereu quaisquer diligências probatórias.
A decisão de despedimento apenas lhe foi comunicada em 6 de maio de 2015, tendo deste modo a entidade empregadora deixado precludir o prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, caducando assim o direito de aplicar a sanção de despedimento à trabalhadora.
Por impugnação nega ter procedido à venda daquele par de botas e que tivesse ficado com o dinheiro recebido da cliente.
Deduziu ainda reconvenção tenho formulado o seguinte pedido: a) Julgar caducado o direito da requerida empregadora a aplicar a sanção do despedimento à requerente trabalhadora; b) Julgar o articulado da requerida empregadora improcedente, por não provado; c) Julgar improcedente o pedido de declaração de regularidade e licitude do despedimento, formulado pela requerida empregadora; d) Julgar a presente reconvenção procedente, por provada; e em consequência, e) Reconhecer a ilicitude do despedimento de que a requerente trabalhadora foi vítima; f) Condenar a requerida empregadora a pagar à requerente trabalhadora todas as prestações pecuniárias que ela deixar de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos; g) Condenar a requerida empregadora a readmitir a requerente trabalhadora, no seu posto e local de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, ou se esta vier a optar, h) Condenar a requerida empregadora a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade no valor de 1.665,00 €; i) Pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data do despedimento.
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5. Respondeu a Ré pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
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6. Foi proferido despacho saneador, tendo-se a fixação da matéria assente e da controvertida.
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7. Foi realizada a audiência de julgamento.
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8. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Pelo exposto decido:
I – Julgar improcedente a exceção de caducidade arguida pela trabalhadora B….
II – Julgar totalmente improcedente a presente ação, declarando a licitude do despedimento da trabalhadora B…, efetuado pela empregadora “C…, S.A.”.
III – Absolver a referida empregadora da totalidade dos pedidos reconvencionais contra ela deduzidos.
Valor da ação: € 2.000,00.
Custas pela trabalhadora.
Registe e notifique.”
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9. Inconformada com a decisão dela recorre a Autora, pedindo que se revogue a sentença recorrida, e que a mesma seja substituída por Acórdão que declare a caducidade do direito da ora apelada a aplicar a sanção do despedimento à ora apelante, e que de declare ilícito o despedimento de que a ora apelante foi vítima, e se julgue procedente, por provado o pedido reconvencional formulado contra a ora apelada, assim concluindo:
1ª- O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida nos autos, que julgou improcedente a exceção de caducidade arguida pela ora apelante; julgou totalmente improcedente a presente ação, declarando a licitude do despedimento da ora apelante, efetuado pela apelada; e absolveu a ora apelada da totalidade dos pedidos reconvencionais contra ela deduzidos.
2ª- Estabelece o nº 1 do art.º 355º do C.T. que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo disciplinar e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
3ª- A ora apelante respondeu à nota de culpa em 05/03/2015, sendo essa resposta rececionada pela ora apelada em 06/03/2015.
4ª- A ora apelante não requereu quaisquer diligências probatórias.
5ª- Por sua vez, o n.º 5 do art.º 356.º do C.T. estabelece que após a conclusão das diligências probatórias – e, reafirma-se, no processo disciplinar que lhe foi instaurado, a ora apelante não requereu quaisquer diligências probatórias – o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado.
6ª- No processo disciplinar instaurado à ora apelante, não consta a realização da apresentação de cópia do processo disciplinar, nos termos e para os efeitos referenciados no número anterior.
7ª- É questão que vem sendo discutida na Doutrina e na Jurisprudência se as “diligências probatórias” a que se refere o art.º 356.º do Código do Trabalho se referem às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador arguido, ou se referem a outras diligências desencadeadas pelo empregador.
8ª- Entendemos que o texto do art.º 356.º do Código do Trabalho se refere, apenas e só, às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador arguido.
9ª- E assim entendemos porque, em coerência com a organização e tramitação disciplinar, as diligências probatórias desencadeadas pelo empregador, deverão ser anteriores à elaboração da nota de culpa, para desta serem suporte dos factos imputados ao trabalhador arguido.
10ª- E apesar de assim entendermos, não desconsideramos a hipótese do empregador necessitar de efetuar diligências, face ao que o trabalhador arguido alegar na resposta à ota de culpa.
11ª- Nesse caso, porém, o empregador deverá fazer constar nos autos de processo disciplinar a razão porque, face à resposta à nota de culpa, se impõe, na busca da verdade, a realização de diligências complementares.
12ª- De qualquer forma, essas diligências complementares a levar a cabo pelo empregador, para além de serem fundamentadas, sempre terão de ocorrer dentro do prazo de 30 dias, contado, ou dos pareceres referenciados no n.º 5 do art.º 355.º do Código do Trabalho – e no caso sub judice, não foram solicitados tais pareceres – ou da receção de resposta à nota de culpa, desde que o trabalhador arguido não tenha requerido diligências probatórias, como aconteceu no caso sub judice.
13ª- Consultado o processo disciplinar junto aos autos, verifica-se que a ora apelada não justificou a necessidade de efetuar quaisquer diligências após a receção da resposta à nota de culpa, enviada pela ora apelante.
14ª- A ora apelada juntou ao processo disciplinar “Autos de Inquirição de Testemunhas”, cuja data não é determinável.
E isto porque,
A testemunha I… foi ouvida “Aos vinte e quatro dias de 2015…”.
A testemunha F… foi também ouvida “Aos vinte e quatro dias de 2015…”.
E a testemunha H… foi ouvida “Aos vinte e sete dias de 2015…”.
15ª - Como se referiu, essas inquirições ocorreram em datas que não se consegue determinar, mas que cabia à ora apelada alegar e provar.
16ª - Sempre se dirá que, independentemente da data que “se escolher”, sempre se colocaria a caducidade do direito à aplicação do despedimento.
17ª - Se se “escolher” 24 ou 27 de Janeiro de 2015, ou 24 ou 27 de Fevereiro de 2015, tais diligências teriam ocorrido antes da receção, pela ora apelada, da resposta à nota de culpa, enviada pela ora apelante.
Se se “escolher” 24 ou 27 de Março de 2015, o prazo de 30 dias começaria a contar desde esta última data (27/03), o que sempre implicaria que a decisão do despedimento, comunicada em 06/05/2015, teria importado na preclusão do prazo para comunicação da decisão.
Se se “escolher” 24 ou 27 de Abril de 2015, isso significaria que entre a receção da resposta à nota de culpa e tais inquirições, teria decorrido um prazo superior àquele que a ora apelada tinha para tomar a decisão do despedimento.
18ª- A ora apelada, nem no articulado do despedimento, nem na réplica, justificou ou fundamentou a necessidade de realização de diligências, após a receção da resposta à nota de culpa.
19ª- Por força do disposto no n.º 1 do art.º 357.º do C.T., o empregador, no caso concreto, a ora apelada, dispunha de 30 dias para proferir a decisão do despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
20ª- A decisão do despedimento apenas foi comunicada à ora apelante em comunicação datada de 06/05/2015.
21ª- Vale isto por dizer que a decisão do despedimento apenas foi comunicada de forma extemporânea, por a ora apelada ter deixado precludir o prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, caducou o seu direito a aplicar a sanção de despedimento à ora apelante.
22ª- Tendo caducado, pelas razões expostas, o direito à aplicação da sanção do despedimento, o despedimento de que a ora apelante foi vítima encontra-se ferido de ilicitude, por força do disposto no art.º 382.º do C.T..
23ª- Sendo declarada a ilicitude do despedimento da ora apelante, deverá o pedido reconvencional ser declarado procedente, e a ora apelada ser condenada no pedido contra si deduzido.
24ª- Impõe-se a revogação da sentença proferida nos autos, e a sua substituição por decisão que declare a caducidade do direito da ora apelada a aplicar a sanção do despedimento à ora apelante; que declare ilícito o despedimento de que a ora apelante foi vítima, e julgue procedente, por provado o pedido reconvencional formulado contra a ora apelada.
25ª- Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do art.º 357.º, e no art.º 382.º, ambos do Código do Trabalho.
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10. A Ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida, concluindo desta forma:
1 - O objeto do recurso consiste na alegada caducidade do direito a aplicar sanção disciplinar, in casu, sanção de despedimento, por parte da Recorrida.
2 - Como refere o n.º 1 do art.º 355.º do Código do Trabalho, determina que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo disciplinar e responder à nota de culpa, deduzindo pro escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostre pertinentes para o esclarecimento da verdade.
3 - No caso em apreço, a trabalhadora não requereu quaisquer diligências probatórias.
4 - O n.º 5 do normativo supra referido dispõe que após a conclusão das diligências probatórias, o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado.
5 – A apelante nunca alegou ser representante sindical.
6 – Não existe comissão de trabalhadores na Recorrida.
7 – O n.º 2 do art,º 357.º do Código do Trabalho (CT) determina que, não existindo comissão de trabalhadores e não sendo o trabalhador representante sindical, o prazo de 30 dias referido no n.º 1 do mesmo artigo, conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução.
8 - O referido artigo não faz distinção entre diligências do trabalhador e/ou empregador, ou seja, fala apenas em diligência de instrução.
9 - Não estabelecendo essa distinção, deve entender-se que o sobredito artigo se refere a todas as diligências a que houver lugar na fase de instrução, de entre as quais, as requeridas pela entidade empregadora.
10 - A Recorrida, em sede de instrução indicou a inquirição de quatro testemunhas que, sendo trabalhadores da loja onde a Recorrente também trabalhava, entendeu como relevantes para a descoberta da verdade, como aliás, se viria a comprovar.
11 – Não existe qualquer obrigação legal que determine que as diligências probatórias do empregador tenham de ter lugar antes da elaboração da nota de culpa.
12 – No processo disciplinar junto aos autos não houve processo prévio de inquérito.
13 - As testemunhas indicadas pela Recorrida eram essenciais para a descoberta da verdade, pois que se tratavam de testemunhas com conhecimento direto dos factos.
14 - Não se tratou de qualquer expediente dilatório.
15 - Dizer, como diz a Recorrente, que as testemunhas I…, F… e H… foram ouvidas em data indeterminada é abusivamente aproveitar-se de um evidente e manifesto lapso de escrita.
16 - As testemunhas foram todas ouvidas no mesmo dia, a saber, o dia 24 de Abril de 2015, sendo isso que reflete, aliás, o documento onde está registado o depoimento de J….
17 – Mas existindo a evidência expressa de ter existido uma diligência em 24 de Abril de 2015 – a inquirição de J… - e tendo a Recorrente sido notificada da decisão final em 7 de Maio de Maio seguinte, conclui-se que o prazo de 30 dias foi largamente cumprido.
18 – O entendimento da Recorrente segundo o qual o despedimento deve ser considerado ilícito por terem mediado mais de 30 dias entre a receção da nota de culpa e a decisão de despedimento falece assim de razões, pois.
19 - Nesse período, houve lugar às diligências probatórias requeridas pelo empregador, ocorridas em 24 de Abril de 2015 e que constam do processo disciplinar.
20 – Pelo que não foram violados os normativos alegados pela Recorrente.
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11. O Ex.º Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer onde defende de forma fundamentada a improcedência do recurso.
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12. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações da recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão a resolver consiste em saber se operou ou não a caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar do despedimento.
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III – FUNDAMENTOS 1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, os quais não foram objeto de qualquer impugnação:
A) No dia 28 de dezembro de 2912, a “C…, S.A.” admitiu ao seu serviço a B…, a qual exercia ultimamente as funções correspondentes a caixeira de loja, sita no “Centro Comercial D…”.
B) Na sequência de relatório datado de 27 de janeiro de 2015, elaborado pela J…, técnica de recursos humanos da “C…”, foi comunicado à trabalhadora C…, por carta entregue-lhe em mão no dia 5 de Fevereiro de 2015, que a “C…” decidira instaurar-lhe um procedimento disciplinar, com intenção de despedimento com justa causa, sendo ainda comunicado que ficava suspensa preventivamente até decisão final do processo, sem perda de retribuição.
C) Por carta datada de 20 de fevereiro de 2012, foi remetida a “Nota de Culpa” à B….
D) Esta respondeu à “Nota de Culpa” através de carta datada de 6 de março de 2015, não tendo requerido quaisquer diligências probatórias.
E) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor dos autos de inquirição das testemunhas I…, F…, J… e H…, todas trabalhadoras da “C…” efetuados no decurso do procedimento disciplinar, promovidos pela entidade empregadora.
F) No culminar desse procedimento disciplinar a “C…” no dia 4 de maio de 2015 decidiu aplicar à B… a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, o que lhe foi comunicado através de carta registada com a/r, datada de 6 de maio de 2015.
G) À data do seu despedimento, a B… auferia o vencimento base mensal de € 555,00.
H) No dia 8 de Janeiro de 2015, pelas 17 horas, a Dª E… dirigiu-se à referida loja sita no “Centro Comercial D…” onde a B… trabalhava, tendo aí comprado um par botas com a referência …./…/…, tamanho .., com o preço de € 89,95.
I) Foi a B… quem a atendeu e lhe vendeu as botas, recebendo da E… o preço em numerário e deu-lhe o troco respetivo.
J) Nesse mesmo dia, pelas 20 horas, a E… contactou telefonicamente aquela loja, dizendo que não tinha consigo o talão de compra das botas e que pretendia uma segunda via do mesmo.
K) Foi-lhe então pedido pela encarregada da loja F…, que identificasse o produto que tinha adquirido e o valor do mesmo, o que esta fez.
L) Após esse telefonema, a F… foi retirar o relatório do registo de vendas e constatou que nesse dia não estava registada qualquer venda de par de botas.
M) A F… entrou então em contacto telefónico pelas 21 horas, com o I…, a H… e a B…, todos funcionários da “C…” e que nessa tarde tinham trabalhado naquela loja, sendo que apenas a B… lhe referiu ter vendido um par de botas nesse dia.
N) A B… disse ainda que a venda tinha sido feita já quase no final do seu turno e se calhar havia um erro no registo da venda.
O) Nesse dia, por lhe caber receber nessa loja mercadoria transportada por um camião, o horário de saída da B… era pelas 17,30 horas.
P) Ainda nesse mesmo dia, a F… após o encerramento da loja, pela meia-noite, procedeu ao fecho das contas e constatou que faltava a quantia de € 89,95.
Q) Aquando do fecho das contas desse dia, a B… não se encontrava presente na loja.
R) A B… não efetuou o registo das botas vendidas à E… e fez seu o montante de € 89,95 recebido para pagamento das mesmas.
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2. DO OBJECTO DO RECURSO 2.1. Analisemos então a questão que nos foi trazida pela recorrente no presente recurso, ou seja, saber se operou ou não a caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar do despedimento.
2.1.1. Defende a recorrente que, por força do disposto no n.º 1 do art.º 357.º do C.T., o empregador, no caso concreto, a ora apelada, dispunha, a partir da apresentação da sua defesa à nota de culpa, de 30 dias para proferir a decisão do despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção. Acontece que, a decisão do despedimento apenas foi comunicada à ora apelante em comunicação datada de 06/05/2015, portanto, para além dos aludidos 30 dias, pelo que caducou o seu direito a aplicar a sanção de despedimento à ora apelante, sendo, por tal motivo, o despedimento ilícito, por força do disposto no art.º 382.º do C.T..
Vejamos: 2.1.2. A sentença recorrida decidiu que não se verificava a aludida caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar do despedimento, tendo em sua sustentação exarado o seguinte:
“(…)
No caso em apreço nada é referido quanto à possível existência de comissão de trabalhadores ou que a B… fosse dirigente sindical.
Dispõe o nº 2 do artigo 357 do CT/2009 que “quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução”.
A B… não requereu qualquer diligência probatória, limitando-se a responder à “Nota de Culpa”.
Numa situação em que não existe qualquer diligência probatória após a resposta à “Nota de Culpa” é de entender que é com a receção dessa resposta que se inicia a contagem desse prazo de 30 dias.
Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de junho de 2015 ao decidir que “o referido prazo inicia-se a partir da receção da resposta à nota de culpa por parte da instrutora do processo disciplinar, por ser este ato, no caso em análise, o último ato praticado, não tendo ocorrido, depois da sua apresentação, qualquer diligência de prova relevante”.
No caso em apreço porém foram inquiridas por decisão do instrutor do procedimento disciplinar quatro trabalhadores da empresa: I…, F…, H… (todos funcionários na mesma loja onde trabalhava a B…) e J…, (Técnica de Recursos Humanos).
Se é certo que do auto de inquirição das três primeiras testemunhas não consta, certamente por lapso de escrita, o mês em que foram inquiridas, o mesmo já não sucede no auto de inquirição da testemunha J… dado constar do mesmo ter sido no dia 24 de Abril de 2015.
Temos assim que existiu pelo menos uma diligência probatória efetuada nessa data.
Ora, o citado nº 2 do artigo 357º ao preceituar que aquele prazo de caducidade conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução, não faz a distinção entre ser uma diligência requerida pelo trabalhador arguido ou promovido pela entidade empregadora através nomeadamente do instrutor por si nomeado.
E não pode concluir-se que a inquirição de tais testemunhas fosse supérflua ou inútil, dado se tratarem de testemunhas que trabalhavam na loja e a J… a T.R.H. que desencadeou o procedimento disciplinar.
Temos deste modo que entre essa data e a data da decisão de despedimento não foi ultrapassado o prazo de 30 dias, pelo que neste aspeto não poderia ser considerado existir uma preclusão do direito de sancionar a trabalhadora, por ter sido ultrapassado o prazo de 30 dias.
A questão que se pode colocar é de qual a relevância dessa prova não ter sido produzida dentro do prazo de 30 dias contados da data da receção da resposta à Nota de Culpa, o que vale por dizer se é também aqui de aplicar o prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artigo 357 para a decisão final.
Creio que não.
Como exemplarmente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de outubro de 2015 2 esse prazo de caducidade de 30 dias “só se pode aplicar à situação que a lei prevê expressamente, pelo que se trata dum prazo para proferir a decisão final do procedimento disciplinar, não sendo legítimo aplicá-lo a qualquer outra situação”.
Adianta-se ainda nesse Aresto que na verdade, o legislador não fixou qualquer prazo para efetuar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na nota de culpa ou outras da sua iniciativa que repute relevantes.
Por outro lado, dispondo o nº 3 do art. 329º, do CT atual que “o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”, o legislador considerou que garantida estava tal celeridade, não havendo necessidade de consagrar outras normas que a promovessem, sendo “o mencionado prazo de um ano já é suficientemente apertado para garantir que esta fase decorra com celeridade e diligência do empregador.
Por isso, não havendo lacuna da lei, não se pode aplicar ao caso a disciplina dos nº s 1 e 2 do artigo 357º do CT.”.
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de abril de 2015 o qual traz à colação a inovação presente no CT/2009 no art. 329º, nº 3, ao dispor que “o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.”, para concluir que “o legislador introduziu alterações em matéria de prazos do procedimento disciplinar, designadamente fixando, certamente tendo em conta a necessidade de evitar protelamento excessivo do processo disciplinar, um prazo (de prescrição) para conclusão do mesmo (de um ano).
Ora, não obstante as alterações introduzidas, o legislador voltou novamente a não fixar qualquer prazo para o início das diligências probatórias, o que apenas nos poderá levar à conclusão de que tal omissão não poderá deixar de ser considerada como tendo sido intencional. Se o tivesse pretendido fixar, afigura-se-nos que teria aproveitado o ensejo de o fazer. E, por outro lado, na fixação desse prazo de um ano, não poderá o legislador ter deixado de ponderar os deveres de diligência e celeridade na condução do procedimento disciplinar e que, certamente, estarão subjacentes a essa fixação.
Ora, serve isto para dizer que continuando o CT/2009, não obstante essas alterações, a não fixar um prazo para o início das diligências probatórias mas tendo, em contrapartida, fixado um prazo para a conclusão de todo o procedimento disciplinar (desde a data em que é instaurado até à notificação da decisão final), não mais se poderá, em nosso entendimento, continuar a defender a aplicação do prazo de 30 dias previsto no art. 357º, nº 1, para o início das diligências probatórias, seja por recurso à analogia, seja por via da resolução da questão segundo a norma que o próprio interprete criaria se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (art. 10º do CC). É que o recurso a tais vias de colmatação de lacunas da lei apenas é admissível perante a existência de um caso omisso (só neste existe lacuna) e, este, pressupõe que se esteja perante uma omissão não intencional da lei (art. 10º). Se a lei silencia, intencionalmente, a resposta a determinada situação, não estamos perante caso omisso”.
Temos deste modo que não sendo aplicável tal prazo de 30 dias para que fossem realizadas as inquirições pretendidas pela entidade empregadora, não se pode também aqui concluir pela existência de caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar.”
2.1.3. Concordamos com a solução preconizada, com efeito:
Segundo dispõe o nº 1 do artigo 353º do Código do Trabalho (doravante designado apenas por CT), «[n]o caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados», dispondo o trabalhador «de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade» - (artigo 355º, nº 1 do CT).
Requeridas diligências probatórias pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar tais diligências probatórias, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá‐lo fundamentadamente por escrito - (artigo 356º, nº 1 do CT). E, segundo estatui o nº 5 deste normativo, «[a]pós a conclusão das diligências probatórias, o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado».
Recebidos estes pareceres ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção - (artigo 357º, nº 1 do CT). No caso de não existir comissão de trabalhadores e o trabalhador não ser representante sindical, segundo o º 2 deste normativo legal, o prazo de 30 dias aludido conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução.
Por último, no nº 3 do artigo 329º do CT determina-se que «[o]procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final».
2.1.4. Na sentença recorrida julgou-se, como vimos, improcedente esta exceção de caducidade porque, pelo menos em 24 de 2015, foi inquirida a testemunha J… por decisão do instrutor, razão pela qual, entre esta data e a data da decisão final, não decorreram os 30 dias aludidos no artigo 357º, nº 2 do CT.
Defende, todavia, a recorrente/trabalhadora que quando a decisão de despedimento foi prolatada já havia caducado o direito de a ré agir disciplinarmente. Isto porque, alega, não havendo comissão de trabalhadores, nem sendo ela representante sindical e não tendo requerido qualquer diligência probatória na resposta que apresentou à nota de culpa, a decisão da ré/empregadora tinha de ser tomada no prazo de 30 dias após a entrega da sua resposta à nota de culpa.
Defende ainda a mesma que as diligências probatórias a que alude o artigo 356º do CT, são apenas as que são requeridas pelo trabalhador/arguido, na medida em que «as diligências probatórias desencadeadas pelo empregador, deverão ser anteriores à elaboração da nota de culpa, para desta serem suporte dos factos imputados ao trabalhador arguido». Segundo a trabalhadora, a exceção a esta regra resulta dos casos em que, face à defesa apresentada pelo trabalhador, haja necessidade de fazer alguma diligência complementar, devendo, porém, nestas situações, o empregador «fazer constar nos autos de processo disciplinar a razão porque, face à resposta à nota de culpa, se impõe, na busca da verdade, a realização de diligências complementares».
Como no caso, foram inquiridas algumas testemunhas em data não determinável, mas posterior ao envio da nota de culpa, e não constando no processo qualquer fundamentação sobre essa necessidade, o prazo de 30 dias estipulado no artigo 357º do CT, começou a contar a partir da data em que entregou a sua defesa, pelo que, quando a decisão de despedimento foi proferido o mesmo prazo já tinha decorrido. Tal, acarreta a ilicitude do seu despedimento.
Julgamos convictamente que não assiste razão à recorrente. E não lhe assiste razão pelos seguintes fundamentos:
No caso não está demostrada, nem a existência de comissão de trabalhadores, nem que a trabalhadora seja representante sindical. Assim, segundo o nº 2 do artigo 357º do CT, aqui aplicável, o prazo de 30 dias que o empregador dispõe para proferir decisão de despedimento, conta-se a partir da conclusão da última diligência de instrução.
Não há assim lugar, na situação em apreço, que aplicar o disposto no nº 5 do artigo 356º do CT, na medida em que não há efetivamente qualquer lacuna que cumpra preencher.
Sendo certo, como é devidamente explicitado pelo Exº Sr.º Procurador-geral Adjunto no seu parecer, o artigo 356º, nº 5 e o artigo 357º, nº 2, acima aludidos, regulam situações distintas. Na verdade, enquanto no primeiro deles estamos perante uma «situação de insistência de comissão de trabalhadores e de um representante sindical», no segundo, já estamos mediante uma situação de inexistência de ambos.
Esta última situação é o caso dos autos, pelo que o prazo inicia-se ou conta-se a partir da última diligência realizada pelo instrutor.
E «última» tem efetivamente o significado daquela diligência que vem depois de todas as demais numa sequência; final; que põe termo a uma sequência; terminal, derradeira.
Ora, a diligência final ou derradeira realizada no procedimento disciplinar, foi a inquirição da testemunha J… ocorrida no dia 24 de Abril de 2015 [isto porque as inquirições das testemunhas I…, F… e H…, consta, nas respetivas atas, quanto às duas primeiras, a data de «vinte e quatro dias de dois mil e quinze» e no que concerne à terceira «vinte e sete dias de dois mil e quinze». Apesar de estarmos, certamente, perante um engano, e face à sequência das inquirições, pelo menos no que concerne, à ultima, dado que está inserida após a ata da inquirição testemunha J…, tudo leva a crer que se trata do dia 27 do mês de Abril de 2015, conforme o próprio instrutor a fls. 48 e 49 do relatório final evidencia. De qualquer forma, ficaremos, pela certeza, ou seja, pela data da inquirição da testemunha J….] e a decisão foi proferida no dia 04 de Maio de 2015[2].
Daqui resulta que, quando a decisão final foi proferida, não havia ainda caducado o direito de a Ré, entidade empregadora, poder sancionar disciplinarmente com o despedimento a aqui recorrente/trabalhadora.
Ao contrário do que defende a recorrente, entendemos que, as diligências probatórias, a partir do qual da última delas se conta o prazo de 30 dias que o empregador tem para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar tal sanção, não é apenas as que foram invocadas pela trabalhadora na resposta à nota de culpa ou, no caso em que nada requerer, tal prazo se conta a partir da apresentação da mesma defesa.
Com efeito, o artigo 357º, nº 2 do CT ao falar «da data da conclusão da última diligência de instrução», não faz qualquer distinção entre diligência requerida pelo trabalhador ou diligência indicada pelo empregador ou efetuada por decisão do instrutor. Assim tal prazo, conta-se a partir da data em que se concluiu a última, a derradeira, diligência de instrução, independentemente de quem a tenha requerido.
Por outro lado, é manifesto que as diligências probatórias aludidas no nº 5 do artigo 356º do CT não abrangem apenas aquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, abarcando igualmente quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover.
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Ademais, a expressão «Após a conclusão das diligências probatórias», “na sua literalidade, não comporta o sentido de que essas diligências probatórias se restringem às requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa”[3].
Ora, se atendermos ao elemento sistemático de interpretação e ao elemento teleológico, que mandam atender, respetivamente, ao local sistemático da norma e à sua finalidade ou ratio, outra solução não podemos defender.
Assim, os artigos 356º e 357º estão situados na Subsecção I, Divisão I, intitulada “Despedimento por facto imputável ao trabalhador”, abrangendo os artigos 352º a 358º o procedimento disciplinar que o empregador terá de levar a cabo para concretizar a sua intenção de despedimento do trabalho que pelo seu comportamento seja suscetível de extinguir a relação laboral. Daí que o artigo 356º tenha sido erigido sob a epígrafe “Instrução”, abrangendo esta, como é sabido, o conjunto dos atos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa). De forma igual, podemos constatar que n.º 3 deste normativo legal, ao estatuir a tramitação subsequente através da expressão - “Após a conclusão das diligências probatórias”- denuncia que esta fase do procedimento não se restringe à execução das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque, como é óbvio, tais atos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos.
Mas mais, se atentarmos no elemento histórico, logo constataremos que no Livro Branco das Relações Laborais[4], na sua pág. 110, foi proposto que tal prazo deveria ser contada a partir da última diligência de instrução, realizada tanto por decisão do empregador como a requerimento do trabalhador.
O elemento racional ou teleológico de interpretação, conforme é salientado no Acórdão do STJ de 30 de Abril de 2013[5], «indica-nos que a lei terá querido, com este prazo de caducidade, não deixar o trabalhador numa situação de indefinição, suscetível de criar insegurança e de afetar a paz jurídica. Ora, não prejudica este resultado que a empregadora peça também diligências probatórias, desde que necessárias ao apuramento dos factos e não destinadas a protelar o procedimento ou a impedir o direito de defesa do trabalhador, ou seja, respeitando-se os princípios da boa-fé e da celeridade procedimental. Por outro lado, competindo à empresa, num primeiro momento, proceder a uma avaliação acerca da impossibilidade prática de manutenção da relação laboral para aferir da noção de justa causa de despedimento, não faria sentido que o prazo de 30 dias se contasse a partir da conclusão das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, quando outras diligências da iniciativa da empregadora tivessem sido realizadas»[6].
Esta é também a posição de PEDRO FURTADO MARTINS[7] ao afirmar que «a razão de ser da solução prende-se com a noção de justa causa própria desta modalidade de despedimento, cujo núcleo essencial reside na impossibilidade «imediata» de subsistência da relação de trabalho, cuja ocorrência cabe, num primeiro momento, ao empregador avaliar. Avaliação essa que terá de se basear nos elementos probatórios recolhidos no decurso do procedimento, aí incluindo quer os carreados por solicitação do trabalhador, quer os que resultam da iniciativa do próprio empregador ou do instrutor por ele nomeado».
Da conjugação de todas estas normas e conceitos, podemos concluir que, se o trabalhador não requerer diligências probatórias, o prazo de que o empregador dispõe para proferir a decisão disciplinar contar-se-á, após a receção da resposta à nota de culpa ou o decurso do respetivo prazo.
Porém, nada impede, a que o empregador promova, por sua iniciativa, se nisso vir razoável vantagem ou interesse, a realização de diligências probatórias no âmbito do procedimento disciplinar; todavia, ao promovê-las, terá que respeitar o prazo já referenciado, contado a partir da última diligência de instrução realizada[8].
Ora, no caso, tendo em conta que a ré dispondo, apenas, enquanto elementos probatórios, da narração de uma cliente e da narrativa da técnica de recursos humanos, e, face à resposta da arguida à nota de culpa – em que esta nega a prática dos factos, não requerendo quaisquer diligências de prova – era então, naquela fase/momento da tramitação do procedimento disciplinar, perfeitamente útil, e por isso pertinente e razoável, que se executasse a instrução do procedimento com a recolha do depoimento de testemunhas que corroborassem a descrição dos factos imputadas à trabalhadora na nota de culpa.
Foi isso que a Ré, através do instrutor nomeado para o efeito, fez, com alguma brevidade, pois, tendo recebido a resposta da trabalhadora à nota de culpa no dia 5 de Março de 2014, o mesmo, conforme resulta do seu relatório final de 28 de Abril de 2015, procedeu à inquirição das testemunhas indicadas na nota de culpa nos dias 24 e 27 de Abril, ou seja, cerca de 20 dias após aquela receção. E, a recorrida, proferiu a decisão disciplinar e fê-la chegar à destinatária atempadamente dentro dos trinta dias posteriores à conclusão da última diligência de instrução.
Dúvidas não existem, pois, quanto à pertinência, necessidade, utilidade e razoabilidade da recolha dos depoimentos das aludidas testemunhas de forma a corroborarem a imputação à aqui recorrente descrita na nota de culpa. Aliás, diga-se, que, salvo melhor opinião, cabe à trabalhadora provar que a inquirição das aludidas testemunhas, pelo instrutor, era desnecessária, impertinente e constituía uma diligência dilatória, pois tratando-se de facto extintivo do direito alegado pela sua entidade empregadora, o ónus impende sobre si, sendo, por outro lado, matéria que lhe compete provar uma vez que é fundamento da sua pretensão (caducidade do direito de instaurar a sanção de despedimento).
2.1.5. Alega ainda a recorrente que «de qualquer forma, essas diligências complementares a levar a cabo pelo empregador, para além de serem fundamentadas, sempre terão de ocorrer dentro do prazo de 30 dias, contado, ou dos pareceres referenciados no n.º 5 do art.º 355.º do Código do Trabalho – e no caso sub judice, não foram solicitados tais pareceres – ou da receção de resposta à nota de culpa, desde que o trabalhador arguido não tenha requerido diligências probatórias, como aconteceu no caso sub judice».
Mais uma vez, salvo o devido respeito, entendemos que neste ponto também não assiste razão à recorrente.
Além da necessidade da prova da acusação após a apresentação da resposta à nota de culpa pela trabalhadora, necessário é que a condução dessa produção ou execução seja diligente em obediência aos princípios da celeridade processual e da boa-fé. Todavia, não acompanhamos a recorrente quando defende que as diligências probatórias a levar a cabo pelo empregador terão de ter lugar dentro do prazo de 30 dias, contado, ou dos pareceres referenciados no n.º 5 do art.º 355.º do Código do Trabalho ou da receção de resposta à nota de culpa, desde que o trabalhador arguido não tenha requerido diligências probatórias.
Segundo o nº 1 do artigo 357º do CT: “Recebidos os pareceres do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.” O que resulta daqui é que o empregador tem 30 dias para proferir decisão de despedimento e não que tem 30 dias para proceder à realização das diligências probatórias. Mas mais, ao dizer-se que “Recebidos os pareceres do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito (…)”, pressupõe necessariamente que essa decisão, ou melhor, que esse prazo de 30 dias para proferir a decisão, tenha o seu início «após a conclusão das diligências probatórias» (artigo 356º, nº 5, parte inicial). Se assim é, nunca aquele prazo de 30 dias se refere à realização ou á execução das diligências probatórias, mas sim ao prazo para proferir decisão, após a realização daquelas. Nem faria sentido que fosse de outra forma, pois, em muitas situações, o prazo de 30 dias para a execução das diligências probatórias seria demasiado exíguo e insuficiente, o que levaria a grandes injustiças, a adulteração da fase instrutória e a decisões precipitadas.
Acompanhamos por tal motivo, a posição assumida no Acórdão do STJ de 08/10/2015[9], que sobre a mesma questão assim exarou:
“(…)
A existência de prazo para o empregador proferir decisão de despedimento remonta ao regime introduzido pelo DL nº 64-A/89 de 27/2 (LCCT), pois não constava do DL nº 372-A/75 de 16/7 (seu antecessor nesta matéria) qualquer norma que lhe impusesse um prazo para proferir decisão final no processo disciplinar.
De qualquer forma, não se estabeleceu qualquer sanção para o seu incumprimento, pelo que se discutia então quais as consequências desta atuação do empregador.
E várias soluções se perfilaram, defendendo uns que se tratava duma mera irregularidade, sem quaisquer consequências para a validade do procedimento disciplinar; outros, que se tratava duma nulidade insanável, considerando que se extinguiu o direito de punir por inobservância do artigo 12º, nº 3, alínea c); outros ainda, propugnavam que a consequência era a de voltar a correr o prazo de exercício da acção disciplinar e que havia ficado suspenso com a notificação da nota de culpa, conforme preceituava o nº 11 do artigo 10º da LCCT; e, por último, também se defendia que o decurso deste prazo apenas relevaria, se ultrapassado, para a ponderação do juízo final sobre a impossibilidade da manutenção da relação laboral, constituindo um indício de que a atuação do trabalhador não fora irremediavelmente comprometedora da sua subsistência.
No Código do Trabalho de 2003 o legislador continuou, no artigo 415º, nº 1, a impor ao empregador que profira decisão de despedimento no prazo de 30 dias contados da data da conclusão das diligências de instrução, da apresentação do parecer previsto no nº 3 do artigo 414º, ou do decurso do prazo para o proferir.
No entanto, e para acabar com as dúvidas que a lei anterior colocava quanto à sua natureza, o legislador qualificou-o como um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção.
É nesta linha que se insere o regime atual, e que consta do artigo 357º, nº 1 do C.T./2009.
No entanto, ele só se pode aplicar à situação que a lei prevê expressamente, pelo que se trata dum prazo para proferir a decisão final do procedimento disciplinar, não sendo legítimo aplicá-lo a qualquer outra situação.
Efetivamente, a letra da lei é inequívoca nesse sentido ao estabelecer como termo “a quo” do exercício do direito de aplicar uma sanção a um trabalhador, a data da receção dos pareceres previstos no nº 5 do artigo anterior, ou o decurso do prazo para os proferir. E ainda previu o legislador que não existindo comissão de trabalhadores, ou não sendo o trabalhador representante sindical, então o prazo de 30 dias conta-se da data da última diligência de instrução (nº 2).
Não há assim qualquer razão para aplicar este prazo à situação presente, pois não há lacuna da lei que justifique tal aplicação.
Na verdade, o legislador não fixou qualquer prazo para efetuar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na nota de culpa ou outras da sua iniciativa que repute relevantes.
De qualquer modo, e como acentua a doutrina[10], o princípio da celeridade processual impõe que esta fase seja tão breve quanto possível.
Por outro lado, dispondo o nº 3 do art. 329º, do CT atual que “o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”, o legislador considerou que garantida estava tal celeridade, não havendo necessidade de consagrar outras normas que a promovessem.
Assim sendo, temos de concluir, como fez o acórdão recorrido, que foi intencionalmente que o legislador não previu quaisquer prazos para a realização das diligências probatórias da fase do instrução do procedimento disciplinar, pois o mencionado prazo de um ano já é suficientemente apertado para garantir que esta fase decorra com celeridade e diligência do empregador.
Por isso, não havendo lacuna da lei, não se pode aplicar ao caso a disciplina dos nº s 1 e 2 do artigo 357º do CT».
E quanto aos deveres de diligência, celeridade e boa-fé do empregador na realização ou execução das diligências probatórias, nada temos a apontar, pois entre a receção da nota de culpa e a realização das inquirições decorreu pouco mais de mês e meio, sendo que e a prolação da decisão final teve lugar dois meses após a receção da nota de culpa.
Improcede, também, esta questão.
Por todas estas razões, não se verifica a caducidade do direito de a ré/empregadora aplicara a sanção de despedimento a que alude o nº 1 do artigo 357º do CT. E, não se verificando, confirma-se a sentença recorrida na totalidade.
◊◊◊
3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente, sem prejuízo da isenção de que possa gozar [artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
◊◊◊ ◊◊◊
IV – DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em: I – Julgar improcedente o recurso interposto por B… e consequentemente manter a sentença recorrida. II – Condenar a Recorrente no pagamento das custas do recurso, sem prejuízo da isenção de que possa gozar [artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 23 de Maio de 2016
António José Ramos
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
_______
[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “ Autora” à trabalhadora. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “ autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao atual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] A data a atender para este efeito, não é a data em que a decisão é rececionada pela trabalhadora, mas, sim, a data em que é a mesma decisão é proferida (cfr. Acórdão desta Relação de 09/12/2011, Processo nº 963/08.8TTPRT.P1, in www.dgsi.pt).
[3] Acórdão do STJ de 14/05/2008, Processo nº 08S643, in www.dgsi.pt.
[4] http://www.gep.msess.gov.pt/edicoes/outras/livro_branco_digital.pdf.
[5] Processo nº 1154/09.6TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, que apesar de aludir aos artigos 414º e 415º do CT de 2003, tem plena aplicação aqui, uma vez que os preceitos têm similitude.
[6] No mesmo sentido Acórdãos do STJ de 07/03/2012, Processo 17/10.7TTEVR.E1.S1 e de 11./13/2013, Processo nº 196/12.9TTBRR.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[7] PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, 2012, p. 233.
[8] Acórdão do STJ de 07/03/2012, Processo 17/10.7TTEVR.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Processo nº 903/13.2TTMTS-A.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[10] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado, Parte II, 986, 5ª edição (2014).
_________ SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
I - As diligências probatórias - a que alude o artigo 356.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2009 - não se circunscrevem àquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, abrangendo também quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover.
II - Se o trabalhador não requerer diligências de prova, o prazo de que o empregador dispõe para proferir a decisão disciplinar contar-se-á após a receção da resposta à nota de culpa ou o decurso do respetivo prazo.
III - Contudo, nada obstará a que o empregador promova, por sua iniciativa, se nisso vir razoável vantagem ou interesse, a realização de diligências probatórias no âmbito do procedimento disciplinar; todavia, ao promovê-las, terá que respeitar o prazo referenciado, sendo que, nesse caso, se iniciará a sua contagem a partir da conclusão da última diligência probatória.
IV - O legislador não fixou qualquer prazo para serem efetuadas as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa ou outras da sua iniciativa que repute relevantes, impondo no entanto, o princípio da celeridade processual que esta fase seja tão breve quanto possível.
V - Razão pela qual, mesmo que a realização das diligências probatórias requeridas ocorra num prazo de 30 dias, não se pode considerar que caducou o direito de aplicar a sanção, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artigo 357º do CT/2009, pois não existe qualquer lacuna da lei que legitime a aplicação destes normativos.