CHEQUE
ENDOSSO EM BRANCO
FALSIFICAÇÃO
RESPONSABILIDADE
Sumário

Na base da emissão de um cheque há duas relações jurídicas distintas: a relação de provisão e a convenção de cheque.
Um cheque cruzado só pode ser pago pelo sacado a uma instituição bancária ou a um cliente do sacado; por sua vez o banqueiro (instituição bancária) só pode adquirir um cheque cruzado a um dos seus clientes ou a outro banqueiro.
É considerado portador legítimo de um cheque, além do portador originário, o detentor que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, ainda que o último seja em branco.
O sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos; mas já não a verificar as assinaturas dos endossantes, ou seja, apenas tem que verificar a regularidade formal dos endossos, mesmo que se trate de um cheque cruzado com cruzamento geral.
O facto de o cheque ter sido cruzado não obriga o Banco a tomar quaisquer outras providências, pois o cruzamento não proíbe o endosso, tendo, todavia, a vantagem de só poder ser pago a uma instituição de crédito ou a um cliente do sacado.
Num cheque endossado em branco (cruzado ou não), o Banco não é obrigado a averiguar se a assinatura atribuída ao gerente da sociedade sua beneficiária (na qualidade de 1º endossante) foi feita efectivamente por alguém que a representava.
O Banco só é responsável perante o sacador se, ao efectuar o pagamento do cheque, agiu com culpa, ou seja, se os seus funcionários não tomaram as providências que uma pessoa de normal diligência, colocados nas mesmas condições, e perante a observação do título, teria tomado.
Por isso, quando se encarrega da cobrança de um cheque, o Banco deve tomar as precauções necessárias e verificar se o mesmo se encontra devidamente preenchido, designadamente, se tem rasuras ou outras anomalias que possam suscitar dúvidas sobre a sua idoneidade, pois, caso contrário, responde, nos termos gerais, pelos prejuízos causados ao seu verdadeiro titular.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

D.... intentou a presente acção declarativa com processo sumário
contra
 
“Banco...R

alegando, em síntese, que:
em 09.08.93 era devedor da quantia de 1.000.000$00 à sociedade "C... Ldª", para cujo pagamento emitiu o cheque nº 1745330429 sobre o "Banco X, naquele valor, e a favor daquela sociedade,
esse cheque foi cruzado pelo sacador, por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque;
enviado por correio à “C  Ldª”, o mesmo não chegou ao seu destino, por dele se ter apropriado F..., que com ele se dirigiu a uma agência da R., em Lisboa, onde tinha conta bancária, tendo obtido o pagamento do referido cheque, mediante depósito na sua conta, após ter assinado, como endossante, na falsa qualidade de gerente da beneficiaria do cheque.
um mínimo de diligência por parte dos funcionários do Banco intervenientes na operação sempre obrigaria estes a exigirem ao subscritor do endosso a prova da qualidade de gerente da “endossante”; mas porque o não fizeram agiram com manifesta culpa;
por outro lado, o réu, tal como todos os Bancos, assume um “risco” no desenvolvimento da sua actividade.
a autora teve que pagar o valor do cheque à aludida sociedade.

Conclui pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 1.000.000$00, acrescida de juros de mora desde a citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa de 15% ao ano, os termos dos artigos 483º e s.s. e 499º do CC.

**
O R. contestou, defendendo, em síntese:
Que não foi a endossante que se apresentou como portadora do cheque;
Que não tinha de verificar a regularidade dos endossos, conferindo as assinaturas dos endossantes, os quais foram feito em branco, nem a teoria do risco tem aplicação na circulação e cobrança de cheques.

Por outro lado, entende que não houve da sua parte qualquer falta de diligência na cobrança do cheque.

Concluiu pela improcedência da acção.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento,.

Seguidamente foi proferida a competente sentença nos seguintes termos decisórios: o Tribunal decide julgar a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condenar o Banco R. a pagar ao A. a quantia de ESC. 1.000.000$00, acrescida de juros a contar da citação à taxa anual de 15% até 31.09.95, à taxa de 10%, de 01.10.95 a 17.04.99 e à taxa de 7% desde então até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de eventuais alterações às taxas de juro.

Dela apelou o réu, formulando as seguintes conclusões:*****

1. Não foi o Banco Recorrente quem pagou o cheque em causa, tendo sido mero intermediário na sua cobrança, uma vez que se limitou a apresentá-lo a pagamento junto do Banco sacado (o Banco X).
2. O cheque estava endossado em branco e o ora apelante desconhecia se o seu cliente era o primeiro, ou o segundo, ou o décimo endossado em branco,
3 . O cliente do Banco recorrente era, formalmente, o legítimo portador do cheque.
4. O portador do cheque com endosso em branco pode nem sequer conhecer a sociedade endossante, podendo ser ele do Algarve e a sociedade de Bragança, ou até do estrangeiro.
5 . O banco que paga o cheque não é obrigado a verificar a assinatura dos endossantes, mas apenas a regularidade formal dos endossos, isto é, não está obrigado a verificar se as assinaturas dos endossos pertencem aos endossantes, nem se quem assinou o endosso por uma sociedade tinha os necessários poderes.
6. O cheque em causa tinha um cruzamento "geral" e o portador era cliente do Banco recorrente, no qual o depositou para cobrança.
7. O depósito do cheque constituiu, assim, um simples depósito de valores e, como lhe competia, o Banco apelante identificou o portador como seu cliente.
8. O depósito de valores (de cheques ou de outros títulos de crédito) é sempre efectuado sob reserva de efectiva cobrança; e foi precisamente o que aconteceu no caso vertente.
9. O mandato para cobrança do cheque foi conferido ao Banco recorrente pelo seu cliente e não pelo sacador, o ora recorrido.
10. O recorrente cumpriu o mandato e observou as pertinentes disposições da LUC, não tendo assumido para com o recorrido qualquer obrigação cambiaria ou outra.
11. Ficou provado, no que se prende com a "garantia do cruzamento geral" que um cheque com esse tipo de cruzamento não oferece especiais garantias de segurança, permitindo unicamente identificar o portador que o recebeu.
12. O cruzamento não proíbe o endosso, nem sequer "em branco"; o cheque em questão era um cheque à ordem e não nominativo; era, portanto, endossável e estava endossado.
13. Como se provou, é o proprietário do livro ou módulo de cheques quem se encontra em melhor posição para, em primeira linha e em relação a todas as restantes partes, evitar a falsificação, o extravio ou furto de qualquer cheque.
14. Os deveres de vigilância, custódia e cautela que, em virtude do contrato ou convenção de cheque, recaem sobre o proprietário do livro ou módulo de cheques impõem-se, de modo particular, no caso de cheques já emitidos, ainda que à ordem, pois para estes bastará falsificar o endosso e pô-los a circular, podendo até dar-se o caso de o portador nem sequer ter tido relações com o falsificador.
15. É incontroverso nos autos que foi o recorrido quem não cumpriu os seus deveres de diligência guarda e custódia, ao remeter o cheque, por correio normal, para "C  Lda", como, aliás confessou (artigos 6 da p. i. e 9 da contestação).
16. O Banco recorrente, ao receber o cheque com cruzamento geral, para cobrança, estava apenas obrigado a verificar a regularidade formal do endosso a favor do portador e a apresentá-lo a pagamento por mandato deste, sendo o endosso em branco, tinha apenas que verificar se estava assinado, não tendo que curar de saber se quem assinara o endosso era ou não gerente da endossante.
17. Os riscos (nomeadamente, os de falsificação, perda ou extravio) que podem resultar da utilização de cheques e sua entrega para cobrança nascem de uma actividade realizada no interesse do sacador, do portador, do mandante, mas não do sacado ou do banco mandatário.  Daí que seja no cheque - convenção e circulação - e na teoria da culpa que tenha de encontrar-se a solução do caso sub-judice.
18. Só por força de disposição de lei expressa (que, de resto, não existe) se poderia afastar o princípio da responsabilidade subjectiva - que a lei portuguesa consagra, tanto para a contratual como para a extracontratual - e aderir à doutrina do risco ou da responsabilidade objectiva, que não tem aplicação à actividade bancária e, menos ainda, ao uso e circulação do cheque.
19. O banqueiro só é responsável quando tenha havido culpa sua, o que não aconteceu no caso em apreço, em que o Banco apelante - perante um cheque com cruzamento geral, cujo portador era um seu cliente, que nele o depositou para cobrança - actuou com a diligência devida, cumprindo as disposições legais que ao caso correspondiam, nomeadamente as da LUC.
20. Não pode, pois, ser assacada ao apelante nenhuma responsabilidade pelo risco ou outra; o verdadeiro responsável é, pelo contrário e bem vistas as coisas, o recorrido, que enviou um cheque, à ordem, por correio normal, quando as disposições legais e contratuais lhe impunham o dever de ser diligente na guarda, custódia e remessa do dito cheque.
21. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 5º, 14º, 16º, 17º, 19º, 35º e 38º da LUC; 346º do Código Comercial; e 483º, 543º, 545º, 796º, 798º e 799º do Código Civil.*****
 
O apelado pede a confirmação da sentença.
**
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos:
1. O A. emitiu o cheque nº 1745330429, passado sobre o Banco  X, Agência de Algés, datado de 09AGO93, no montante de 1.000.000$00, a favor de “C.., Lda”, cheque esse que foi cruzado pelo sacador, por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque.
2. O A. enviou o cheque referido em A), pelo correio, em envelope endereçado a “C... Lda”, para a sede desta na Rua .... Lisboa.
3. Como o dito cheque se encontrava assinalado com o cruzamento geral de dois traços paralelos, o respectivo montante corporizado no mesmo, só podia ser pago pelo sacado a um banqueiro ou a um cliente do sacado.
4. Apresentado ao Banco R., este poderia obter, como aconteceu, o seu pagamento.
5. Dos carimbos apostos no verso do cheque verifica-se que este foi primeiramente depositado no Banco , no dia 12AGO93, efectuando-se novo depósito em 19AGO93.
6. Estes dois depósitos demonstram que os respectivos serviços do Banco não aceitaram, desde logo, o pagamento do cheque, manifestando hesitações na sua aceitação.
7. Desde o serviço de depósito de valores e dinheiros e sua movimentação por meio de cheques ou ordem de pagamento, até à multiplicidade de operações de carácter económico-financeiro, que hoje fazem parte intrínseca da actividade empresarial dos Bancos, existe sempre um risco imanente de falhas e de eventuais prejuízos, para com os utentes das ditas actividades e empreendimentos bancários.
8. O A. participou criminalmente contra F..........
9. O A. dirigiu-se, por várias vezes, à Agencia do Banco R., sita na Praça da..., em Lisboa, pedindo a restituição de 1.000.000$00.
10. 0 R recusa-se a restituir ao A. a quantia de 1.000.000$00.
11. Em 9 de Agosto de 1993, o A. era devedor da Sociedade Comercial por quotas “C.. Lda.”, da importância de 1.000.000$00 (um milhão de escudos).
12. Para saldar essa divida, o A. preencheu o cheque nº 1745330429, passado sobre o Banco X, Agência de Algés, datado de 09.08.93, no montante de 1.000.000$00 (um milhão de escudos), a favor da dita credora “C...Lda.”
13. 0 referido cheque não chegou às mãos da sua destinatária.
14. Um tal F.... conseguiu apropriar-se do aludido cheque.
15. Na posse deste cheque, o referido F... dirigiu-se à Agência do Banco R, em Lisboa, tendo conta aberta em seu nome, domiciliada no balcão do Banco R. na Av..
16. O referido F..., assumindo falsamente a qualidade de gerente das “C.., Lda”, assinou como endossante o referido cheque.
17. Para obter o pagamento do cheque, o Banco R, tinha que conseguir o endosso do beneficiário do cheque, a referida sociedade “C...Lda”.
18.Tal endosso somente poderia ser feito pelo representante legal da sociedade “C... Lda”, com poderes bastantes para tal.
19. O Banco R. não exigiu a prova da qualidade de gerente do subscritor do endosso.
20. O referido F.... veio a cobrar e a apoderar-se da quantia de 1.000.000$00.
21. 0 A. teve de pagar à sua credora, beneficiaria do cheque em questão, C....Ldª., a importância de Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos).
22. 0 R. foi apenas intermediário na cobrança do aludido cheque.
23. 0 Banco R. entregou a quantia cobrada ao referido F....
24. O Banco R. apenas se limitou a apresentar a pagamento junto do banco sacado – Banco X – o cheque nº 1745330429, no valor de Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos), sacado pelo A. em beneficio de C... Ldª, com cruzamento geral e com endosso em branco, que foi depositado para cobrança por um terceiro seu cliente numa conta de D.O., domiciliada no balcão do R. na Av.....
25. O portador do cheque com endosso em branco pode nem conhecer a sociedade endossante; podendo ser do Algarve e a sociedade de Bragança ou mesmo do estrangeiro.
26. 0 cheque em causa foi depositado no Banco R. por um seu cliente e tal depósito foi feito sob reserva de boa cobrança junto do banco sacado.
27. O cheque com o cruzamento geral não oferece especiais garantias de segurança.
28. O cheque com o cruzamento geral permite identificar o portador que o recebeu.
29. É o proprietário do livro ou módulo de cheques quem se encontra em melhor posição para, em primeira linha e em relação a todas as restantes partes, evitar a falsificação, o extravio ou furto de qualquer cheque.
30. A sociedade “C... Ldª” não era cliente do Banco R.
31. O cheque foi entregue ao Banco R. endossado.

O DIREITO.

Diga-se antes de mais que alguns dos “factos” dados como provados não são verdadeiros factos, contendo antes matéria de direito ou meramente conclusiva. O que sucede, nomeadamente, com os referidos sob os números 4, 17, 18, 22, 27, 28 e 29.
Parece-nos que importa considerar essencialmente os seguintes factos:
O A. emitiu o cheque sobre o B  X, a favor de “C... Lda”, cheque esse que foi cruzado pelo sacador, por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque.
O A. enviou o cheque por correio, em envelope endereçado a “C.., Lda”.
0 referido cheque não chegou às mãos da sua destinatária.
Um tal F.. conseguiu apropriar-se do aludido cheque.
Na posse deste, o F.. dirigiu-se à Agência do Banco R, em Lisboa, onde tinha conta aberta em seu nome.
O referido F..., assumindo falsamente a qualidade de gerente das “C..., Lda”, assinou como endossante o referido cheque.
O Banco R. não exigiu a prova da qualidade de gerente do subscritor do endosso.
O Banco R. limitou-se a apresentar o cheque a pagamento junto do banco sacado – Banco X – no valor de Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos), sacado pelo A. em beneficio de “C..., Ldª”, com cruzamento geral e com endosso em branco, que foi depositado para cobrança por um terceiro seu cliente, F..., numa conta de D.O..
0 Banco R. entregou a quantia assim cobrada ao referido F....
A sociedade “C... Ldª” não era cliente do Banco R.
O cheque foi entregue ao Banco R. já endossado.
I
O cheque é um documento, em regra normalizado e do qual consta uma ordem, dada por um cliente ao seu banqueiro, de efectuar um determinado pagamento a um terceiro, ao portador, ou, até, ao próprio mandante. O cliente diz-se sacador; o banqueiro diz-se sacado; o beneficiário da ordem diz-se terceiro beneficiário ou, simplesmente, beneficiário[1].
Trata-se, portanto, de um título cambiário, passado à ordem ou ao portador, com as características próprias dos títulos de crédito (literalidade, autonomia e abstracção) contendo uma ordem dada a uma instituição bancária, junto da qual o seu titular é suposto ter fundos disponíveis, para pagar uma determinada importância ao seu beneficiário.
Na base da emissão de um cheque há duas relações jurídicas distintas: a  relação de provisão e a convenção de cheque.
A relação de provisão pode revestir diversas modalidades, mas geralmente nasce mediante um depósito em dinheiro feito pelo cliente junto  do  Banco.
E o sacado pode dar ordens de pagamento a um banco justamente porque entre ambos foi celebrado um acordo: o contrato ou convenção de cheque.
Neste contrato são partes o Banco e o seu cliente. Através da convenção, o Banco autoriza o cliente a mobilizar os fundos postos à sua disposição, mediante a emissão de cheques a fornecer pelo Banco a pedido  do cliente.
A convenção pode ser expressa ou tácita e surge normalmente ligada a um contrato de abertura de conta. Geralmente, com a abertura de uma conta, o cliente adquire o direito a utilizar cheques sacados sobre o banco. Mas fica também com o dever de guardar com cuidado esses mesmos cheques. E, por isso, ficou provado que é o proprietário do livro ou módulo de cheques quem se encontra em melhor posição para, em primeira linha e em relação a todas as restantes partes, evitar a falsificação, o extravio ou furto de qualquer cheque.
Com efeito, da convenção do cheque nascem direitos e deveres para ambas as partes. E um dos deveres do sacado é precisamente verificar com cuidado os cheques que lhe são apresentados a pagamento, designadamente a conferência da assinatura do sacador e a regularidade formal da sucessão dos endossos.
II
Parece-nos que a grande questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o Banco R tinha o dever de identificar o endossante, ou seja, o pretenso beneficiário do cheque.
Em segundo lugar saber se pela simples observação do cheque se poderia deduzir que o mesmo poderia ter sido falsificado.
Vejamos.
O cheque estipulado a favor duma determinada pessoa, com ou sem cláusula expressa “à ordem”, é transmissível por via de endosso (artº 14º da LUC – da qual serão todos as disposições legais a citar sem indicação doutra origem).
O cheque aqui em causa foi emitido à ordem de uma sociedade. Trata-se, portanto, de um cheque nominativo. Quer isto dizer que só poderia ser pago à pessoa nele mencionada. E esta, ao apresentá-lo a pagamento, deveria assiná-lo no verso, ou seja, endossá-lo ao sacado. No entanto, o cheque pode ser emitido a favor de determinada pessoa com ou sem cláusula expressa “à ordem”, ou com a cláusula “não á ordem” ou equivalente (artº 5º). No 1º caso o beneficiário poderá endossá-lo a um terceiro e este a outro, razão pela qual, através de uma série ininterrupta de endossos, o cheque poderá circular, sendo o ultimo portador o seu legítimo possuidor, se justificar o seu direito por uma série ininterrupta  de endossos, mesmo que o último seja em branco (artº 19º), e podendo apresenta-lo, por isso, a pagamento; mas nem assim deixa de ser um cheque nominativo. No 2º caso (com cláusula “não à ordem”), o tomador do cheque já não o poderá endossar, pois só a ele deverá ser pago.
No caso sub judice não consta esta cláusula (“não à ordem”) (constando antes que foi emitido à ordem de...), pelo que a beneficiária podia endossá-lo.
O endosso deve ser escrito no cheque ou em folha anexa, e assinado pelo endossante. E pode designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (é o endosso em branco). Neste caso, o endosso, para ser válido, deve ser escrito no verso do cheque ou em folha anexa (artº 16º).
O sacador ou o portador dum cheque podem cruzá-lo; o cruzamento efectua-se por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque e pode ser geral ou especial: é geral quando contem apenas os dois traços paralelos.... (artº 37º).
E um cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a uma instituição bancária ou a um cliente do sacado; por sua vez o banqueiro (instituição bancária) só pode adquirir um cheque cruzado a um dos seus clientes ou a outro banqueiro (artº 38º).
O cheque em causa foi endossado pelo falsário ao R, o qual o apresentou a pagamento ao sacado (B X) através de um Câmara de Compensação, não tendo, contudo, identificado o endossante ( pretenso beneficiário).
Trata-se de um cheque, com cruzamento geral, passado à ordem da referida sociedade, com endosso em branco. Todavia, o mesmo chegou ilegalmente à posse do referido F, o qual falsificou a assinatura da beneficiária, fazendo crer que era seu gerente. De seguida endossou-o ao Banco réu a fim de este proceder à sua cobrança. Com efeito, não foi o Banco R que pagou o cheque, pois se limitou a servir de intermediário. Quem efectuou o pagamento foi o Banco sacado, ou seja, o Banco onde o sacador (ora A.) tinha conta aberta e com quem tinha feito um acordo no sentido de poder utilizar cheques passados sobre ele ( a aludida convenção de cheque), a fim de, por esse meio, proceder aos necessários pagamentos.
Uma vez que o endosso foi feito em branco, isto é, o endossante não designou o beneficiário, limitando-se a apor a sua assinatura no verso do cheque, este podia ser transmitido a um terceiro sem ser preenchido o espaço em branco e sem ser endossado (17º LUC). Por isso, é considerado portador legítimo, além do portador originário, o detentor que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, ainda que o último seja em branco. O detentor dum cheque com endosso em branco é sempre, formalmente, seu legítimo portador. E o sacado deve pagá-lo a quem lho apresentar para esse efeito, a não ser que demonstre não ter o direito que se arroga.
Assim não se vê como poderia o Banco réu conferir as assinaturas constantes do verso do cheque pretensamente atribuídas a alguém que obrigaria a sociedade beneficiária. Entre esta e o réu não existe qualquer relação. Como ficou provado, o cheque foi depositado no Banco R. por um seu cliente e tal depósito foi feito sob reserva de “boa cobrança” junto do Banco sacado. E a sociedade “C.. Ldª” não era cliente do Banco R. De resto, o portador dum cheque com endosso em branco pode nem conhecer a sociedade endossante e muito menos quem a representa. Se em vez de uma sociedade o beneficiário fosse uma pessoa singular, uma simples rubrica bastaria para se verificar a regularidade formal do endosso. E não teria o R que averiguar se tal rubrica tinha sido feia pelo beneficiário, pois pode não o conhecer nem ter possibilidade de o identificar. Doutra forma sairia extremamente prejudicada uma das finalidades do cheque, que é a possibilidade de circulação por simples endosso.
Ora, com estabelece o artº 35º, o sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos; mas já não é obrigado a verificar as assinaturas dos endossantes, ou seja, apenas tem que verificar a regularidade formal dos endossos.
E como o cheque em causa foi endossado em branco, aparentemente pela sociedade beneficiária, o endosso encontrava-se formalmente correcto.
Como vimos, está em causa um cheque com “cruzamento geral”.  E, por isso, só podia ser pago (pelo sacado) a um beneficiário ou a um cliente do sacado ou a outro banco. Daí que o R apenas tenha agido como intermediário na sua cobrança, o qual lhe foi entregue (depositado – simples depósito de valores) para esse efeito por um cliente, ficando dependente de “boa cobrança”.
Como dissemos, não foi o R. que pagou o cheque. Este limitou-se a apresentá-lo a pagamento junto do Banco sacado – Banco X– com cruzamento geral e com endosso em branco, que foi depositado para cobrança por um terceiro seu cliente numa conta de D.O. O mandato para cobrança do cheque foi conferido ao Banco recorrente pelo seu cliente e não pelo sacador, o ora recorrido.
Mas, obtido o pagamento, entregou a quantia cobrada ao referido F..., creditando a respectiva conta.
Não existe, pois, qualquer conexão ou relação entre o R e o autor.
E o facto de o cheque ter sido cruzado não obriga o R a tomar quaisquer outras providências. O cruzamento não proíbe o endosso. Tem, todavia, a vantagem de o cheque só poder ser pago a uma instituição de crédito ou a um cliente do sacado.
Portanto, o Banco apenas estava obrigado a verificar a regularidade formal do endosso e a apresentá-lo a pagamento, conforme mandato do portador, seu cliente, que lho entregou para cobrança.
Foi referido na douta sentença: O cruzamento do cheque traduz-se numa providência destinada a evitar que o cheque possa ser recebido por outrem que não seja o legítimo possuidor – o cruzamento equivale a uma recomendação de maior cautela, que obriga o estabelecimento a quem é apresentado [no caso a R.] a ter todo o cuidado na identificação do portador (cfr. Entre outros Adriano Antero in “Comentário ao Código Comercial”, li., pp. 284).  Na verdade, o cheque cruzado tem por fim evitar os danos decorrentes de furto, falsificação ou extravio do título, impedindo, pela obrigação imposta ao banco de identificar o apresentante, o seu pagamento a um portador ilegítimo (cfr.  José Maria Pires in “Direito bancário- as operações bancárias”, II vol. Pp. 343).
A verdade é que, como vimos, o cheque podia ser endossado e o Banco apenas estava obrigado a verificar a regularidade formal do endosso, não sendo obrigado a conferir a assinatura atribuída a um gerente da beneficiária. Portanto, o cheque podia ser recebido, como foi, por pessoa diferente do beneficiário, e o réu identificou a pessoa que o recebeu (o seu cliente). E o cruzamento referido não tem por finalidade evitar que o cheque seja furtado ou extraviado.
III
A questão está em saber em que termos é possível afirmar a responsabilidade do réu pelos prejuízos resultantes para o autor do pagamento do cheque a terceiros.
O autor fundamenta o seu pedido na responsabilidade civil extracontratual (artºs. 483º e s.s. do CC) e no risco (artº 499º). E, na verdade, entre o autor e o réu não existe qualquer relação contratual. Por isso, o dever de indemnizar pelo Banco apenas poderia resultar da responsabilidade civil extracontratual.
Nos termos do artigo 483º do CC aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
E estabelece o artigo 487º:
1. "É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”
É pois necessária a verificação cumulativa destes pressupostos: facto; ilicitude; culpa; dano; nexo de causalidade entre o facto e o dano.
E compete ao autor fazer a prova destes, pois se trata de factos constitutivos do seu alegado direito (artºs. 342º, nº 1 e 487º do CC).
O único problema que se coloca é o da saber se o réu agiu com culpa (e, obviamente, apenas está em causa a mera culpa ou negligência e nunca o dolo).
E esta é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstância de cada caso. Ao contrário do que acontece no domínio da responsabilidade contratual, em princípio, a culpa não se presume  (artºs e 487º, nº 2 e 799º), embora existam casos em que se verifica essa presunção (mas que aqui não estão em causa).
“Mandado a lei atender às circunstâncias da cada caso, a lei quer apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto)[2]”. Adoptou-se o critério da culpa em abstracto, segundo o qual a culpa deve ser apreciada em face das circunstâncias de cada caso, pela diligência de um bom pai de família, ou seja, do homem médio ( o homem de diligência normal) (em abstracto) e não segundo a diligência habitual do autor do facto ilícito (que seria a apreciação da culpa em concreto)
Por isso há que averiguar se os funcionários do Banco, no caso concreto dos autos, agiram com a diligência do “bonus pater familias”,  ou seja, a que uma pessoa de normal diligência, colocada nas mesmas circunstâncias, teria tomado.
E há que reconhecer desde já que, perante o que foi referido, não é fácil demonstrar que o Banco, ao aceitar o cheque, não cumpriu o seu dever de diligência, isto é, que agiu com culpa.
Como se disse, o cheque com cruzamento geral, em princípio, circula como qualquer outro cheque, sendo, por isso, transmissível por simples endosso (se, como  no caso, é à ordem) ou por tradição (se é ao portador). No entanto (o que é muito importante), o último endossado deve ser um Banco ou um cliente do sacado. E, in casu, tal se verificou, pois o R recebeu o cheque do seu cliente para cobrança e apresentou-o a pagamento ao sacado.
Quando um Banco se encarrega da cobrança de um cheque deve tomar as precauções necessárias e verificar se o mesmo se encontra devidamente preenchido, designadamente, se tem rasuras ou outras anomalias que possam suscitar dúvidas sobre a sua idoneidade.
A verdade é que o cheque se encontrava endossado e o falsário era cliente do Banco, pelo que foi, naturalmente, identificado.
Mas o R não tinha a obrigação de conferir a assinatura da beneficiária do cheque, enquanto 1º endossante.
E uma das garantias que pode fornecer o cruzamento do cheque é a possibilidade de melhor ser identificado quem recebeu o seu valor. Mas, como se disse (e foi dado como provado), o cheque com cruzamento geral não oferece especiais garantias de segurança no que diz respeito á sua eventual falsificação.
Diz o apelado sobre a responsabilidade do apelante:
 que este não se precaveu minimamente contra a eventualidade de quaisquer danos, pondo em prática, designadamente, uma rigorosa fiscalização da idoneidade da pessoa a quem pagou o cheque;
que o Banco, para obter o pagamento teria “que conseguir o endosso do beneficiário do cheque, a referida, sociedade...”, o que “somente poderia ser feito pelo representante legal da sociedade... com poderes para tal”.
que “dos carimbos apostos no verso do cheque verifica-se que este foi primeiramente depositado no Banco R” em 12.08.93, efectuando-se novo depósito no dia 19 do mesmo mês e ano, sendo certo que “estes dois depósitos demonstram que os respectivos serviços do banco não aceitaram desde logo o pagamento do cheque, manifestando hesitação na sua aceitação”, o que implicaria a conclusão de que muito provavelmente um qualquer funcionário do R pode ter entrado na “tramóia” “do pagamento do cheque endossado ao ratoneiro-falsificador”.
É óbvio que se verificasse esta última situação “a coisa” mudaria de figura. Trata-se, contudo, de uma mera afirmação feita nas alegações de recurso, e, sobretudo, não foi provada, pelo que não pode ser levada em conta.
É certo que o Banco, em teoria, para obter o pagamento, teria “que conseguir o endosso do beneficiário do cheque...”, o que somente poderia ser feito pelo seu representante legal... com poderes para o efeito. E a mesma coisa se verificaria se o beneficiário fosse uma pessoa singular. Então, o cheque teria que ser endossado por esta. Mas o Banco desconheceria a assinatura desse beneficiário; não obstante, não deixaria de o receber do seu cliente, desde que este o endossasse e não lhe suscitasse reservas visíveis pela simples observação do título; e, entretanto, a assinatura atribuída ao beneficiário poderia ter sido falsificada, tal como sucedeu no caso sub judice com a firma da dita sociedade..
A verdade é que, como ficou provado:
o cheque em causa foi depositado no Banco R. por um seu cliente e tal depósito foi feito sob reserva de boa cobrança junto do banco sacado.
A sociedade “C..., Ldª” não era cliente do Banco R.
Por isso, não vemos como poderia o banco identificar esta sociedade.
E, como se disse, nos termos do artigo 35º o Banco é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos, mas já não as assinaturas dos endossantes. Todavia, deverá ser cuidadoso na verificação formal dos endossos.
Da parte posterior do cheque ( que não é muito nítida) consta o seguinte: “C... Ldª” “o gerente”. E segue-se uma assinatura do referido F. Portanto, este assumiu falsamente a qualidade de gerente da sociedade.
A este propósito diz o apelado:
tendo o F conta aberta na respectiva agência do R, conhecia este perfeitamente o autor do furto;
o mínimo de diligência por parte dos funcionários do Banco sempre obrigaria estes a exigir ao subscritor do endosso, a prova da qualidade de gerente da “endossante”;
verifica-se pela análise dos carimbos apostos no verso do cheque que este foi primeiramente depositado no B  R no dia 12 e depois no dia 19 de Agosto, o que denuncia claramente que os respectivos serviços do Banco não aceitaram desde logo o pagamento do cheque, manifestando hesitações na sua aceitação.
Quanto ao conhecimento do autor do furto parece-nos não existir o dever de saber se ele representava ou não a sociedade, até porque a falsificação poderia ter sido feita por outra pessoa. Por outro lado, ignora-se se a assinatura aposta no lugar da “gerência” pelo F é a mesma que consta das fichas da sua assinatura existentes no Banco. Nós sabemos agora que essa assinatura foi feita pelo autor do furto, mas desconhecemos se, pela simples análise de tal assinatura, se poderia concluir ter sido feita pelo punho do Vasconcelos.
Como ficou provado em resposta ao quesito 19, o portador do cheque com endosso em branco pode nem conhecer a sociedade endossante; podendo ser do Algarve e a sociedade de Bragança ou mesmo do estrangeiro. E a dita sociedade não era cliente do Banco, sendo certo que o cheque lhe foi entregue já endossado.
A matéria do quesito 20 não ficou provada (“o Banco R não é obrigado a verificar se as assinaturas dos endossos conferem e pertencem aos endossantes, nem se quem assinou o endosso tinha poderes para o fazer”). Trata-se, contudo, de matéria de direito.
Por outro lado, parece-nos que os funcionários do  Banco não tinham que saber se o seu cliente (pessoa singular) era representante da sociedade. Poderia muito bem ser seu legal representante e, entretanto, ter uma conta aberta em nome pessoal em Banco diferente. Uma coisa é conhecer-se o cliente enquanto pessoa singular e outra, bem diferente, saber se o mesmo é gerente de uma determinada sociedade. Aliás, a matéria dos quesitos 9 e 10 não ficou provada (e neles se perguntava se, na agência do réu, o Vasconcelos era perfeitamente conhecido e se os seus funcionários deveriam ter exigido a prova da qualidade de gerente da endossante).
Quanto à questão de o cheque ter sido depositado 2 vezes ficou provado: estes dois depósitos demonstram que os respectivos serviços do Banco não aceitaram, desde logo, o pagamento do cheque, manifestando hesitações na sua aceitação.
Este facto foi desde logo especificado (F). Mas o réu sustentou na contestação que tal facto se deveu à circunstância de a pessoa que fez o primeiro depósito do cheque ter indicado mal a conta a depositar, razão pela qual foi devolvido, e depois de novo depositado, não existindo, por isso, qualquer situação anómala.
Refere-se na douta sentença, citando o acórdão do STJ de 14.04.99 publicado no Internet (Revista nº 145/999): «por estas razões, o Banco que recebe para cobrança um cheque cruzado por endosso (como ocorre nos autos) e o cobra do Banco sacado através duma Câmara de Compensação, por conta de um cliente, é responsável à luz das normas de direito comum, sempre que se prove que aceitou sem precauções, a remessa de alguém que havia desviado o cheque em seu proveito, nomeadamente, por falso endosso».
Mas esse mesmo acórdão também foi publicado na C.J. Ano VII, II-52.
E consta do seu sumário: o sacado não é obrigado a verificar a assinatura do endossante, pelo que, em princípio, não lhe é exigível a sua responsabilização, designadamente no caso em que a falsidade ocorreu na substituição do beneficiário/tomador.
A causa julgada e a que se refere este douto acórdão era sensivelmente diferente, pois a acção fora proposta pela beneficiária do cheque contra o Banco que o pagou a um terceiro; mas este tinha rasurado o nome da beneficiária e escreveu o seu próprio nome nesse mesmo local, E a rasura era evidente (“as emendas feitas no cheque eram facilmente detectáveis por qualquer funcionário bancário”, conforme se provou). Por isso se decidiu que o Banco agiu com culpa, uma vez que não tomou as precauções que se impunham, face às referidas emendas feitas “no local destinado ao nome do seu beneficiário”.
Mas, salvo melhor opinião, tal não se verifica no caso sub judice.

IV
A única questão que poderia merecer reparo seria a resultante da circunstância de o endosso (em branco) não ser acompanhado do carimbo da firma.
Com efeito, ao contrário do que é habitual, a firma da sociedade não consta de qualquer carimbo. Pelo contrário, foi escrita à mão pela mesma pessoa que depois assinou como “gerente”. E esta circunstância poderia levar o funcionário do Banco a desconfiar de uma eventual falsificação.
Todavia, por um lado, no caso concreto, parece-nos que, por si só, tal circunstância não seria suficiente para se suspeitar da falsificação e, por outro, o autor não suscitou esta questão nestes termos.
De qualquer modo, parece-nos não poder dizer-se que se trata de uma imitação grosseira ou que possa indiciar, e muito menos presumir, uso fraudulento.
E também o autor deveria ter tomado as suas precauções ao enviar o cheque pelo correio.
Como e disse (e foi dado por provado em resposta ao quesito 24), é o proprietário do livro ou módulo de cheques quem se encontra em melhor posição para, em primeira linha e em relação a todas as restantes partes, evitar a falsificação, o extravio ou furto de qualquer cheque

Em síntese: não nos parece que se possa dizer que o Banco agiu negligentemente parente as circunstâncias do caso.

V
Salvo melhor opinião, não tem qualquer sentido fazer-se apelo à teoria do risco nos termos do artigo 499º do CC.
Como é sabido, para que o facto ilícito gere responsabilidade civil é necessário, em princípio, que o seu autor tenha agido com culpa. E isto porque se parte do pressuposto de que tal responsabilidade se deve filiar na culpa do lesante, ou seja, que o dever de indemnizar só existe quando o facto ilícito seja imputável a este.
Todavia, existem situações da vida em que se justifica que o agente seja responsabilizado a título de risco, ou seja, mesmo que não tenha agido com culpa, o que sucede, por exemplo, no domínio dos acidentes de trabalho ou de viação. Mas outros casos estão previstos na lei, por exemplo nos artigos 500º e seguintes do C.C.
A responsabilidade objectiva ou pelo risco tem, pois, carácter excepcional, como resulta expressamente do preceituado no nº 2 do artigo 483º: “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Mas há efectivamente casos em que existe o dever de indemnizar, independentemente de culpa. Só que estes casos são apenas os especificados na lei, justamente por terem carácter excepcional.
E o autor invoca apenas o preceituado no artigo 499º.
Não vemos, pois, que o banco posa responder a título de risco, ou responsabilidade objectiva.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.

Custas pelo autor em ambas as instâncias.

Lisboa,  02.03.2004.
Pimentel Marcos
Roque Nogueira
Santos Martins
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[1] Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, pag. 481.
[2] Pies de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 487º do CC.